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Processo n.º 236/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
 
 
          Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. A. vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 226/2007, que 
 indeferiu reclamação por ela apresentada, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da 
 Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho do Conselheiro 
 Relator do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 15 de Janeiro de 2007, que não 
 admitira recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do STJ, de 7 de 
 Dezembro de 2006, por (esse despacho) haver entendido que nesse acórdão “não se 
 mostra aplicada qualquer norma (seu segmento ou interpretação) que, no decurso 
 do processo, a recorrente tivesse assacado de não conforme à Constituição”.
 
                         1.1. O aludido Acórdão n.º 226/2007, para indeferir a 
 reclamação, desenvolveu a seguinte fundamentação:
 
       “2. A presente reclamação é ostensivamente improcedente, desde logo porque 
 a reclamante não identifica, com o mínimo de precisão, nem no requerimento de 
 interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, nem nesta reclamação, 
 qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a normas de direito 
 ordinário (ou a uma sua determinada interpretação) para ser sujeita à apreciação 
 deste Tribunal.
 
       Acresce que a admissibilidade do recurso interposto, como o presente, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação 
 cumulativa dos requisitos: (i) de o recorrente haver suscitado a 
 inconstitucionalidade de normas, de modo processualmente adequado, perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e (ii) de a decisão recorrida haver 
 aplicado, como ratio decidendi, essa norma arguida de inconstitucional.
 
       Ora, nas peças processuais produzidas pela recorrente perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida – a saber: as alegações do recurso de revista 
 
 (fls. 411 a 442), a que foi negado provimento pelo acórdão de 17 de Outubro de 
 
 2006 (fls. 650 a 657), e a arguição de nulidade e pedido de reforma do 
 anterior acórdão (fls. 694 a 720), ambos desatendidos pelo acórdão de 5 de 
 Dezembro de 2006 (fls. 735 a 740) – nenhuma questão de inconstitucionalidade 
 normativa vem suscitada. As únicas referências à Constituição constantes dessas 
 peças processuais reportam‑se a decisões judiciais, e não a normas: nas 
 alegações do recurso de revista imputa‑se directamente ao acórdão do Tribunal 
 da Relação do Porto, então recorrido, a violação dos artigos 13.º e 204.º da 
 CRP; na arguição de nulidade e pedido de reforma do acórdão do STJ de 17 de 
 Outubro de 2006 apenas se diz que este acórdão “ao decidir como decidiu viola a 
 CRP e lei expressa”. Não foi, assim, suscitada pela recorrente, de modo 
 processualmente adequado, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, 
 o que logo determina a inadmissibilidade do recurso.
 
       Aliás, no acórdão de 5 de Dezembro de 2006 – que é o expressamente 
 referido pela recorrente, no requerimento de interposição de recurso, como 
 constituindo objecto deste recurso –, as normas efectivamente aplicadas foram as 
 dos artigos 668.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) (para rejeitar as arguições de 
 falta de fundamentação, de contradição entre os fundamentos e a decisão e de 
 omissão de pronúncia), e 669.º, n.º 2 (para desatender o pedido de reforma do 
 anterior acórdão), ambos do CPC, normas estas relativamente às quais jamais a 
 recorrente suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade.
 
       Admitindo, porém, que terá havido lapso da recorrente na identificação da 
 decisão recorrida e que ela, em rigor, pretendia interpor recurso do acórdão de 
 
 17 de Outubro de 2006, que negou a revista, a conclusão será a mesma. A 
 imputação de inconstitucionalidade – feita, como se viu, à própria decisão 
 judicial então impugnada, em si mesma considerada – surgiu no âmbito de 
 recurso de agravo, que ela alegou juntamente com o recurso de revista, reportado 
 
 à não admissão, por extemporânea, da contestação da ré, ora recorrente. Ora, o 
 STJ expressamente decidiu considerar inadmissível essa parte do recurso, «de 
 acordo com o n.º 2 do artigo 754.º do CPC, por não se verificar nenhuma das 
 excepções desse número ou do n.º 3», pelo que, mesmo que fosse possível – e não 
 
 é – vislumbrar naquela imputação da inconstitucionalidade uma referência à 
 interpretação feita, pela Relação, das normas dos artigos 143.º, n.º 1, do CPC e 
 
 35.º do Decreto‑Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro (no sentido de que, por força 
 do carácter de urgência atribuído por este último preceito aos processos 
 judiciais referidos no artigo 28.º do mesmo diploma, não se aplica a regra do 
 primeiro preceito, que proíbe a prática de actos processuais durante o período 
 de férias judiciais), sempre seria seguro não ter o primeiro acórdão do STJ 
 feito aplicação de tal interpretação, que integrava o objecto da parte do 
 recurso de que não se conheceu, por inadmissibilidade.
 
       Não tendo a recorrente suscitado, perante o STJ, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, designadamente reportada às normas por este 
 aplicadas como ratio decidendi, o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional era inadmissível, como bem decidiu o despacho ora reclamado, 
 que, por isso, merece confirmação.”
 
  
 
                         1.2. Na presente “arguição de nulidade”, aduz a 
 reclamante:
 
  
 
       “Vem a presente reclamação do douto acórdão de 30 de Março de 2007, que 
 não admite o recurso interposto pela recorrente para o Tribunal Constitucional.
 
       Refere o douto despacho que «não se mostra aplicada qualquer norma (nem 
 segmento ou interpretação) que, no decurso do processo, a recorrente tivesse 
 assacado de não conforme à Constituição».
 
       Salvo o devido respeito e que é muito por opinião contrária, o que é certo 
 
 é que desde a sua contestação em sede de Tribunal de Comarca de Paredes e 
 subsequentes agravos e apelação para o Tribunal da Relação do Porto e finalmente 
 com o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça,
 
       sempre a recorrente defendeu a inconstitucionalidade de norma e 
 interpretação aplicada no processo.
 
       Atente‑se ao alegado pela recorrente nas suas alegações de revista em que 
 claramente se refere à INCONSTITUCIONALIDADE do entendimento do Tribunal da 
 Comarca de Paredes e do Tribunal da Relação do Porto, das normas aplicadas e 
 violadoras dos artigos 13.º e 204.º da CRP.
 
       Aliás, a essa alegação de inconstitucionalidade se refere o douto acórdão 
 do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Outubro de 2006, a fls. 2.
 
       Pelo que dizer‑se que a recorrente nunca suscitou a inconstitucionalidade 
 no decurso do processo se nos afigura errado e mais uma vez violadora dos seus 
 direitos constitucionais,
 
       No presente caso de recurso para o Tribunal Constitucional.
 
       E atente‑se que essa questão é relevante para a decisão da causa.
 
       Assim, é facto que a recorrente sempre assacou à aplicação e 
 interpretação das normas do Código do Arrendamento Urbano efectuada quer em 
 sede de Tribunal de 1.ª Instância, quer em sede de 2.ª Instância, a sua 
 inconstitucionalidade.
 
        O que também agora faz em sede de recurso de revista no Supremo Tribunal 
 de Justiça,
 
        defendendo que o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça viola os 
 artigos 13.º e 204.º da CRP, por errada interpretação, pelo que 
 inconstitucional, dos artigos 143.º, 144.º e 668.º do CPC, 28.º e 35.º do 
 Decreto‑Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, e 328.º, 329.º, 333.º e 334.º do 
 Código Civil.
 
       Pelo que se afigura estarem preenchidos os requisitos do artigo 70.º, n.º 
 
 1, alínea b), e n.º 2, da Lei n.º 28/82, pela aplicação da norma após a sua 
 submissão a um juízo de constitucionalidade;
 
       suscitação da inconstitucionalidade no decurso do processo, pela 
 recorrente.
 
       Ora,
 
       A competência para fiscalizar a constitucionalidade das normas é 
 reconhecida a todos os tribunais que, quer por impugnação das partes, quer ex 
 officio pelo juiz, apreciam a inconstitucionalidade das normas aplicáveis ao 
 caso concreto submetido a decisão judicial (cf. artigos 204.º e 280.º da CRP).
 
       O processo de fiscalização concreta de norma jurídicas, designado também 
 por processo incidental ou acção judicial de inconstitucionalidade, traduz a 
 consagração do direito / dever de fiscalização dos juízes relativamente a 
 normas a aplicar a um caso concreto.
 
       Uma norma em desconformidade material, formal ou procedimental com a 
 Constituição é NULA, devendo o juiz, antes de decidir qualquer caso concreto de 
 acordo com esta norma, examinar se ela viola as normas e princípios da 
 Constituição.
 
       O que, salvo melhor opinião, não foi feito.
 
       Desta forma, os juízes têm acesso directo à Constituição, aplicando ou 
 desaplicando normas cuja inconstitucionalidade foi impugnada.
 
       A competência dos Tribunais para exercerem a fiscalização judicial consta 
 do artigo 204.º da CRP e o seu regime básico está fundamentalmente consagrado no 
 artigo 280.º da CRP e nos artigos 69.º e seguintes da LTC.
 
       É este o regime geral de acesso ao Tribunal Constitucional.
 
       Das decisões do juiz a quo, quer de acolhimento, quer de rejeição da 
 inconstitucionalidade, cabe recurso, por via incidental, para o Tribunal 
 Constitucional – artigo 280.º da CRP.
 
       Como das decisões dos juízes pode haver recursos de inconstitucionalidade 
 para o TC, diz‑se também que a fiscalização concreta, incidental e difusa, é uma 
 introdução necessária dos recursos para o TC.
 
       Este poderá vir a revogar a decisão do juiz a quo.
 
       A questão da inconstitucionalidade foi levantada pela recorrente num feito 
 submetido a julgamento perante um Tribunal – artigo 204.º da CRP.
 
       A questão colocada pela recorrente e suscitada perante o juiz a quo é uma 
 questão de inconstitucionalidade, isto é, coloca‑se o problema da conformidade 
 ou desconformidade de normas com a Constituição.
 
       É uma questão concreta de inconstitucionalidade, ou seja, trata‑se de 
 questão de desconformidade constitucional de um acto normativo [a] aplicar num 
 caso submetido a decisão perante o juiz a quo.
 
       In casu, artigos 28.º e 35.º do Decreto‑Lei n.º 385/88.
 
       É uma questão objectiva e pressupõe um juízo de conformidade de um acto 
 normativo com normas e princípios dotados de escalão constitucional e valor 
 legal reforçado, e foi suscitada durante o processo.
 
       A descodificação da fórmula QUESTÃO SUSCITADA DURANTE O PROCESSO tem dado 
 origem a vasta jurisprudência.
 
       O Tribunal Constitucional tem recortado este requisito sob uma 
 perspectiva marcadamente funcional.
 
       Suscitar‑se a questão da inconstitucionalidade significa que essa 
 invocação pode e deve ser feita em momento em que o Tribunal a quo ainda possa 
 conhecer da questão.
 
       O que é o caso.
 
       A inconstitucionalidade foi suscitada pela recorrente antes de esgotado o 
 poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a inconstitucionalidade 
 respeita – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 94/98, Diário da República, 
 II Série, de 22 de Setembro de 1998.
 
       Como se disse, a questão da constitucionalidade suscitada é relevante para 
 a decisão da causa.
 
       A causa, o feito submetido a decisão judicial, diz respeito a um outro 
 assunto, questão de fundo, questão de mérito, mas depende também da validade ou 
 invalidade de uma norma [a] aplicar ao caso.
 
       A questão da constitucionalidade não representa a questão principal, é 
 antes uma questão incidental relevante para a solução da questão principal.
 
       A noção de questão relevante oscila entre duas posições principais:
 
       Questão relevante é aquela que é decisiva para a decisão do Tribunal, não 
 podendo esta ser proferida sem a resolução do problema prévio da 
 inconstitucionalidade;
 
       Questão relevante existe também quando [a] aplicação da norma cuja 
 constitucionalidade é posta em causa parece necessária ao Juiz a quo, ou quando 
 este admite como possível vir essa norma a ser aplicada ao feito submetido a 
 julgamento, mas afasta a sua aplicação por motivo de inconstitucionalidade.
 
       De qualquer modo, não é suficiente afirmar, na decisão do tribunal a quo, 
 que determinada norma é inconstitucional.
 
       Ela deve ser efectivamente desaplicada por motivos de 
 inconstitucionalidade, ou aplicada não obstante em vocação [sic] de 
 constitucionalidade, no feito submetido a apreciação judicial.
 
       Por isso se diz que no juízo sob a aplicação ou desaplicação de uma norma 
 esta foi aplicada como ratio decidend[i] e não como um simples ob[i]ter dictum 
 da decisão recorrida.
 
       A questão da inconstitucionalidade deve ter por objecto normas que tenham 
 de ser aplicadas na causa.
 
       O que é manifestamente o caso s[u]b judice.
 
       Não há, porém, qualquer restrição quanto à natureza das normas 
 impugnadas, que podem ser normas materiais ou processuais, podem incidir sob 
 
 [sic] o mérito da causa ou apenas sob [sic] meios probatórios ou pressupostos 
 processuais, podem lesar ou não direitos fundamentais ou interesses legítimos 
 das partes.
 
       Isto não significa que os problemas de inconstitucionalidade digam apenas 
 respeito a actos normativos, pois podem existir hipóteses de actos privados 
 directamente violadores da Constituição.
 
       Nestes casos, o juiz deverá considerar estes actos como ilícitos, 
 contrários à ordem pública constitucional e desaplicá‑los‑á, mas não 
 configurará o problema como questão autónoma de inconstitucionalidade.
 
       Salvo melhor entendimento, a situação acima referida configura a atitude 
 tomada pela recorrente nos presentes autos.
 
       Por isso, além da relevância da questão da inconstitucionalidade, expressa 
 nas regras tradicionais da prejudicialidade e da indispensabilidade, ao juiz da 
 causa cabe pronunciar‑se sobre a procedência da questão.
 
       O que se nos afigura não aconteceu quer na primeira instância, quer nas 
 instâncias de recurso.
 
       E como se trata de um verdadeiro controle concreto a efectuar pelo 
 Tribunal, compreende‑se que exista aqui não só no juízo sobre a manifesta ou 
 evidente improcedência, mas também sobre o fundamento ou a justeza do 
 incidente.
 
       De acordo com os princípios do controle concreto, isto significa 
 pertencer ao juiz da causa decidir se é fundada ou não a pretensão da parte 
 quanto à inconstitucionalidade.
 
       Sendo certo que uma decisão sobre o incidente da inconstitucionalidade não 
 impede o juiz da causa, de acordo com os princípios gerais do processo, [de] 
 apreciar se [se] trata ou não de uma questão inexistente ou manifestamente 
 improcedente.
 
       Em último termo, é ao Tribunal Constitucional que vai pertencer, a título 
 definitivo, a qualificação do vício conducente á desaplicação da norma.
 
       Ora, das decisões dos tribunais relativas às questões de 
 inconstitucionalidade cabe recurso para o Tribunal Constitucional.
 
       E, sendo certo que o objecto do recurso não é [a] decisão do tribunal a 
 quo sob [sic] o mérito da questão, mas sim o segmento da decisão judicial 
 relativo à questão de inconstitucionalidade, todavia, trata‑se sempre de uma 
 norma interpretativamente mediatizada pela decisão recorrida, porque a norma 
 deve ser apreciada no recurso segundo a interpretação que lhe foi dada nessa 
 decisão.
 
       O caso presente é um recurso de decisão que aplica uma norma, não 
 obstante a sua inconstitucionalidade ter sido arguida no processo, efectuado 
 pela parte de acordo com as regras gerais do processo e é facultativo.
 
       É também de chamar [a] atenção para o facto de o recurso para o Tribunal 
 Constitucional não se circunscrever às decisões que aplicam actos normativos de 
 valor legislativo, pois pode ter como objecto quaisquer normas, desde que elas 
 tenham sido consideradas pelo juiz a quo relevantes para a causa.
 
       No entendimento da recorrente, esta cumpriu com o princípio da exaustão 
 de recursos – LTC, artigo 70.º; com o princípio da legitimidade – CRP, artigo 
 
 280.º;
 
       com o princípio da tempestividade processual – LTC, artigo 70.º;
 
       com o princípio da viabilidade do recurso – LTC, artigo 76.º;
 
       e com o princípio da individualização das normas constitucionais 
 infringidas e das normas infraconstitucionais infringentes – LTC, artigo 75.º.
 
       Atente‑se que um recurso é fundado quando tiver utilidade para a decisão 
 de fundo.
 
       Por fim se dirá que o ónus de suscitação da questão da 
 inconstitucionalidade perante o Tribunal da questão não impede [que] no recurso 
 para o Tribunal Constitucional possam ser invocados, pela parte recorrente, 
 fundamentos diversos dos alegados em sede do tribunal da causa.
 
       Tal é pedido ao juiz a quo – CRP, artigo 204.º, e ao Tribunal 
 Constitucional – LTC, artigo 79.º‑C, não havendo pois razões processuais ou 
 materiais para impedir o recorrente que, de forma processualmente adequada, 
 suscitou a questão da inconstitucionalidade, proceda a um recorte mais rigoroso 
 da questão de direito imbricada na questão da inconstitucionalidade.
 
       Posto isto, se dirá que a não admissão do recurso viola o direito da 
 recorrente a colocar perante o Tribunal Constitucional a questão da 
 inconstitucionalidade suscitada no decurso do processo.
 
       Pelo que vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 226/2007, de 30 de Março de 
 
 2007, deste Tribunal, proferido em reclamação para a conferência de decisão 
 sumária do relator, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade que tinha interposto.
 
       Entende a requerente que «o Acórdão em crise deve ser revogado/anulado, 
 por vício de abstenção/omissão de pronúncia/silêncio cúmplice, por erro de 
 julgamento e por aplicar a norma adjectiva inconstitucional do artigo 72.º, n.º 
 
 2, da LTC, com violação das normas dos artigos 200.º e 204.º da CRP».
 
       Fundamentando o pedido, refere que «não pode ficar ao arbítrio do 
 Tribunal Constitucional a selecção dos recursos de constitucionalidade ‘em 
 termos processualmente adequados’ (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), porque essa 
 norma adjectiva de contornos indefinidos e indeterminados esmaga a textura dos 
 princípios estruturantes dos artigos 20.º e 204.º da Lei Fundamental».
 
       O Tribunal Constitucional deveria conhecer dos recursos admitidos pelo 
 tribunal recorrido.
 
       Mais se refere que suscitou a inconstitucionalidade de normas do Código 
 Civil e do RAU, «mas o TC, em termos processualmente desadequados, silenciou, 
 pelo que o acórdão é nulo (artigos 660.º, n.º 1, 664.º e 668.º, n.º 1, alínea 
 d), do CPC)».
 
       Ora, como resulta do douto acórdão, este não dá cumprimento ao artigo 
 
 78.º‑A da LTC, não convidando o recorrente a indicar integralmente os elementos 
 exigidos pelos n.ºs 1 a 4 do artigo 75.º‑A.
 
       Mais como se revela pelo douto Acórdão n.º 226/2007, o parecer do 
 Ministério Público é posterior ao exame preliminar e decisão sumária do 
 relator.
 
       A nulidade absoluta implica ineficácia do acto por si mesmo, sem 
 necessidade da intervenção do juiz.
 
       Além disso, a nulidade absoluta tem carácter geral, podendo qualquer 
 pessoa invocá‑la a seu favor e contra quem quer que seja.
 
       O juiz pode e deve, ex officio, por sua iniciativa e em qualquer momento 
 apreciar a nulidade.
 
       A fiscalização judicial da conformidade dos actos legislativos segundo a 
 medida parâmetro da Constituição significa estender o princípio da legalidade 
 aos órgãos legislativos no exercício da função legislativa.
 
       Justifica‑se por isso saber como concebia a doutrina administrativa a 
 figura da ilicitude dos actos administrativos que violassem normas jurídicas.
 
       A nulidade significa a invalidade de um acto administrativo a que faltam 
 elementos essenciais quanto à competência, quanto à forma e quanto ao conteúdo.
 
       A nulidade opera ipso jure, tendo as decisões jurisdicionais ou 
 administrativas reconhecedoras da nulidade efeito meramente declarativo.
 
       A desconformidade dos actos normativos com o parâmetro constitucional dá 
 origem ao vício da inconstitucionalidade.
 
       A doutrina costuma distinguir entre vícios formais, vícios materiais e 
 vícios procedimentais.
 
       Ao tratarmos da nulidade parcial da lei, verificar‑se‑á que a 
 irregularidade substancial de uma ou várias disposições pode implicar a 
 anulação da lei in toto [sic].
 
       As normas relacionadas com o procedimento são de ordem pública.
 
       Os tribunais devem declarar oficiosamente a nulidade das actuações quando 
 tenham sido infringidos os trâmites essenciais do procedimento.
 
       O exame da observância das normas de procedimento deverá preceder o de 
 qualquer outro aspecto relacionado com o acto impugnado.
 
       Esta prioridade afecta inclusivamente a alegação da inadmissibilidade do 
 recurso, ou seja, se ocorrer vicio de procedimento o acto deverá ser anulado e 
 reposta a actuação até ao momento em que se verificou tal vício.
 
       O procedimento deverá caracterizar‑se pela unidade de actos que o 
 constituem e pelo seu carácter teleológico, já que os ditos actos visam atingir 
 um determinado fim.
 
       Vem a recorrente arguir a nulidade do referido acórdão, suscitando a 
 nulidade da decisão sumária proferida pelo Doutor Conselheiro Relator.
 
       Por conseguinte, o meio processual de que lançou mão não foi o da 
 
 «reclamação para a conferência», nos termos do artigo 68.º‑A [sic] da Lei do 
 Tribunal Constitucional, mas antes a invalidade decorrente do incumprimento do 
 n.º 5 do artigo 75.º‑A do mesmo diploma.
 
       Como assim, arguindo-se a nulidade de um[a] decisão do Ex.mo Relator, 
 cabia a este Ex.mo Julgador, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 706.º do 
 Código de Processo Civil [assim, no original], não submeter o citado despacho à 
 conferência, mas antes proferir outro despacho que d[i]rimisse o incidente 
 suscitado.
 
       Com efeito, ao submeter a arguição de nulidade, desde logo, o M.mo Senhor 
 Conselheiro Relator prejudicou a ora recorrente, ao cercear‑lhe a hipótese de, 
 em caso de vontade de reclamação para a conferência, de os Senhores Juízes que a 
 compuseram se verem confrontados com novos elementos eventualmente carreados 
 pela reclamante.
 
       É que, lido e relido, com atenção, o relatório do acórdão proferido nos 
 autos, colhe‑se a certeza, ex adverso do que vem referido, de que o recurso, tal 
 como interposto, reunia e reúne todas as condições formais para que os seus 
 termos venham a ser objecto de conhecimento, sobretudo, do acórdão.
 
       Por isso, não consegue a recorrente entender, salvo o devido respeito, a 
 afirmação precipitada do acórdão.
 
       Ora, se a aqui recorrente invocou, expressamente, outra norma e outra 
 pretensão, não parece que possa o Tribunal Constitucional, a seu bel-talante, 
 proceder a uma interpretação correctiva da vontade claramente expressa pelo 
 reclamante e, posto isto, dar o que não lhe foi pedido, denegando o que lhe fora 
 impetrado.
 
       Termos em que, face ao exposto, se conclui pela nulidade do 
 
 «entendimento» a que o Tribunal «entendeu» proceder, sem ter curado de explicar 
 esse «entendimento», pelo que deverá V.ª Exa. Senhor Juiz Conselheiro Relator 
 anular todo o processado posterior ao requerimento apresentado pelo reclamante 
 e que deu origem a um acórdão que não devia ter sido proferido, mas antes a um 
 despacho, como é de lei.
 
       Nestes termos, nos de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. 
 Ex.as deve o douto Acórdão reclamado ser revogado por nulo.”
 
  
 
                         1.3. Os reclamados A. e mulher B. apresentaram a 
 seguinte resposta:
 
  
 
       “1 – O Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional é imerecedor de 
 qualquer censura, devendo consequentemente improceder a arguida nulidade, por 
 falta de qualquer fundamento.
 
       2 – Na verdade, o acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional não 
 enferma de qualquer nulidade, fazendo uma correcta e ponderada aplicação do 
 direito.
 
       3 – Na medida em que, tanto no requerimento de interposição do recurso 
 para o Tribunal Constitucional, como na própria reclamação, não é suscitada com 
 o mínimo de consistência, qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a 
 normas de direito ordinário para ser sujeita à apreciação do Tribunal 
 Constitucional.
 
       4 – Aliás, como bem decidiu o douto acórdão proferido pelo Tribunal 
 Constitucional,
 
       5 – A recorrente não suscita perante o STJ questões de 
 inconstitucionalidade normativa.
 
       6 – Por conseguinte, o acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional mais 
 não faz do que constatar tais deficiências, e consequentemente indeferir a 
 reclamação apresentada.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
                         
 
                         2. Antes de mais, importa sublinhar que o Acórdão n.º 
 
 226/2007 – contrariamente ao que a reclamante inexplicavelmente sustenta – não 
 decidiu qualquer reclamação para a conferência contra decisão sumária do Relator 
 no Tribunal Constitucional que tivesse decidido não conhecer do recurso de 
 constitucionalidade, nos termos do artigo 78.º‑A da LTC, nem apreciou qualquer 
 arguição de nulidade de despacho do mesmo Relator.
 
                         O dito Acórdão decidiu uma reclamação para o Tribunal 
 Constitucional contra o despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça de 
 não admissão do recurso, prevista e regulada no n.º 4 do artigo 76.º e no artigo 
 
 77.º da LTC.
 
                         No âmbito desta última reclamação – cuja tramitação 
 legal expressamente prevê a intervenção do Ministério Público antes da prolação 
 da decisão do Tribunal Constitucional (n.º 3 do artigo 77.º da LTC) – é 
 absolutamente descabida a formulação de convites para aperfeiçoamento do 
 requerimento de interposição de recurso, convites que só podem ter lugar: no 
 tribunal recorrido, antes de proferido o despacho de admissão ou de não admissão 
 do recurso de constitucionalidade (n.º 5 do artigo 75.º‑A da LTC); e, no 
 Tribunal Constitucional, quando no tribunal recorrido tiver sido admitido o 
 recurso apesar das deficiências do respectivo requerimento de interposição (n.º 
 
 6 do mesmo preceito).
 
                         Nestes termos, o Acórdão n.º 226/2007 conheceu da 
 questão de que devia conhecer (a correcção do despacho de não admissão de 
 recurso de constitucionalidade) e apenas desta, não padecendo, assim, nem de 
 omissão nem de excesso de pronúncia, ou de qualquer outro vício gerador da sua 
 nulidade, sendo sabido que não assumem esta natureza nem os hipotéticos erros de 
 julgamento nem a pretensa aplicação de normas inconstitucionais.
 
  
 
                         3. Pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a 
 presente arguição de nulidade.
 
                         Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 15 (quinze) unidades de conta.
 Lisboa, 16 de Maio de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos