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Processo n.º 58/08
 
 2. ª Secção
 
  
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – O Ministério Público, junto do Tribunal de Pequena Instância 
 Criminal do Porto, reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 no n.º 4 do art.º 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão 
 
 (LTC), do despacho proferido pelo juiz daquele tribunal que não lhe admitiu o 
 recurso interposto sob a invocação do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 
 
 70.º da mesma lei para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
             2 – Fundamentando a reclamação, o reclamante discorre do seguinte 
 jeito:
 
  
 
 “Não se conformando com a decisão judicial que indeferiu o requerimento de 
 recurso oportunamente apresentado, vem do mesmo – nos termos das disposições 
 conjugadas dos artigos 77º e 78º-A, nºs3 e 4, ambos da Lei Orgânica do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, sucessivamente 
 alterada pelas Leis nºs143/85, de 26 de Novembro, 85/89, de 07 de Setembro (cfr. 
 Declaração de 03 de Novembro de 1989), 88/95, de 01 de Setembro, 13-A/98, de 26 
 de Fevereiro (cfr. Rectificação nº 10/98, de 23 de Maio), bem como dos artigos 
 
 688º e 689º, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto 
 no artigo 69º daquela Lei Orgânica do Tribunal Constitucional – o Ministério 
 Público reclamar, com base nas razões que se expõem de seguida. 
 Reclama-se do despacho judicial que indeferiu o requerimento de recurso 
 oportunamente apresentado pelo Ministério Público, fundamentando que «(...), 
 salvo melhor opinião, o despacho recorrido não recusa, expressa ou 
 implicitamente, a aplicação ao caso concreto do conteúdo ou do regime jurídico 
 de qualquer norma jurídica e, muito menos, com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade, sendo certo que apenas esta recusa com este específico 
 fundamento, abriria a via de recurso para o Tribunal Constitucional». 
 Ousando discordar do teor desta afirmação, quer-nos parecer que tendo o 
 Ministério Público – na sequência do despacho da Mma. Juiz a quo que ordenou a 
 conclusão dos autos ao Ministério Público «uma vez que no tribunal de turno foi 
 apenas requerido o adiamento do início da audiência, nos termos do art. 387º, nº 
 
 2, al. a) do CPP, não tendo sido deduzida acusação» – reservado para o início da 
 audiência de julgamento o uso da faculdade concedida pelo artigo 389º nº 2, do 
 Código de Processo Penal, a posterior decisão judicial que recaiu sobre essa 
 posição do Ministério Público não só nega a aplicação concreta da disposição 
 legal por este invocada (melhor, a faculdade que se protestou exercer em devido 
 tempo ao abrigo dessa disposição legal) como fundamenta essa não aplicação no 
 facto de que «realizar a audiência de julgamento, em processo sumário, tendo por 
 acusação apenas o que consta do auto de notícia, violaria o princípio 
 constitucional da estrutura acusatória do processo criminal e poria em causa as 
 garantias de defesa do arguido, que desconheceria, face à mera leitura daquele 
 auto, a totalidade dos factos necessários ao preenchimento do tipo legal, a sua 
 qualificação jurídica e a prova». 
 Não sendo de exigir fórmulas sacramentais para dizer as coisas, quer-nos parecer 
 que outra coisa não fez a Mma. Juiz que não tenha sido recusar a aplicação 
 concreta da norma em que o Ministério Público se baseou para reservar o 
 exercício da faculdade invocada, fundamentando mesmo essa recusa no facto de que 
 a aplicação de tal norma não só seria inconstitucional por violar o princípio 
 constitucional da estrutura acusatória do processo criminal como poria em causa 
 as garantias de defesa do arguido. 
 Parece-nos claro que quer pela leitura integral do despacho judicial recorrido, 
 quer pelos antecedentes que ao mesmo conduziram, será forçoso concluir que, em 
 rigor, o que a Mma Juiz a quo fez foi declarar que recusava, por 
 inconstitucional, a aplicação daquela norma quando literalmente interpretada no 
 sentido de permitir a realização de julgamento em processo sumário nos casos em 
 que o Ministério Público não tenha deduzido acusação e se reserve para o início 
 da audiência de julgamento em processo sumário o poder de substituir a acusação 
 pela leitura do auto de notícia elaborado pelo OPC revelando-se este auto de 
 notícia insuficiente na medida em que se mostre omisso quanto aos factos 
 susceptíveis de integrarem o elemento subjectivo do crime em causa, quanto às 
 disposições legais aplicáveis e quanto às provas que fundamentam a acusação.
 Assim nos parecendo ser, tais são as razões em que fundamentamos a presente 
 reclamação, a ser decidida em conferência pelo Tribunal Constitucional. 
 Para finalizar, requeremos que à presente reclamação seja junta certidão 
 integral dos autos”. 
 
  
 
             3 – O despacho reclamado tem, por sua vez, o seguinte teor:
 
  
 
 “O Digno Procurador Adjunto interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do 
 despacho de fls. 16, que ordenou a remessa dos presentes autos de processo 
 sumário ao DIAP do Porto, para tramitação sob outra forma processual, nos termos 
 do art. 390º, al. a) do Código de Processo Penal, por se ter entendido que a 
 acusação por mera remissão para o auto de notícia deveria ser rejeitada, nos 
 termos dos arts. 283º, nº 3, als. b) a d) e 311º, nºs 2, al. a) e 3, als. b), c) 
 e d) do Código de Processo Penal, já que o auto em causa, contendo embora factos 
 susceptíveis de integrarem o elemento objectivo do crime de condução em estado 
 de embriaguez, é totalmente omisso quanto aos factos susceptíveis de integrarem 
 o elemento subjectivo do mesmo crime, às disposições legais aplicáveis e às 
 provas que fundamentam a acusação. 
 
 *
 Cabe a este tribunal, nos termos do art. 76º, nºs 1 e 2 da Lei 28/84, de 15/11, 
 na sua actual redacção, decidir sobre a admissibilidade do recurso, sendo certo 
 que este deve ser indeferido quando a decisão o não admita. 
 O recurso foi interposto nos termos dos arts. 280º, nº 1, al. a) da Constituição 
 da República Portuguesa e 70º, nº 1, al. a) da Lei de organização, funcionamento 
 e processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15/11, na sua actual 
 redacção). 
 De acordo com tais preceitos, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das 
 decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento 
 em inconstitucionalidade. 
 Ora, salvo melhor opinião, o despacho recorrido não recusa, expressa ou 
 implicitamente, a aplicação ao caso concreto do conteúdo ou do regime jurídico 
 de qualquer norma jurídica e, muito menos, com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade, sendo certo que apenas esta recusa com este específico 
 fundamento, abriria a via de recurso para o Tribunal Constitucional. 
 Pelo exposto, indefiro o requerimento de recurso de fls. 19, nos termos do art. 
 
 76º, nº 2 da Lei 28/82, por entender que a decisão em causa o não admite. 
 Notifique o MP”. 
 
  
 
             4 – O recurso de constitucionalidade, cuja admissão fora recusada, 
 foi interposto por requerimento do seguinte teor:
 
  
 
 “O magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da douta 
 decisão judicial proferida nos autos à margem referenciados, datada de 29 de 
 Outubro de 2007, 
 vem, 
 nos termos da alínea a), do nº 1 do artigo 280º, da Constituição da República 
 Portuguesa, do nº 1, do artigo 75-A, e, ainda, da alínea a), do nº1, do artigo 
 
 70º, estes da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82. de 15 de Novembro, 
 alterada pelas Leis nº 143/85, de 26 de Novembro; 85/89, de 07 de Setembro; 
 
 88/95, de 01 de Setembro; e 13/A/98, de 26 de Fevereiro),  interpor recurso 
 directo para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, pois que a decisão de que ora se 
 recorre, que não admite recurso ordinário - cfr., artigo 391º, do Código de 
 Processo Penal -, ao recusar a aplicação do artigo 389º nº 2, do mesmo diploma 
 legal, com os fundamentos que sustentou e remetendo os autos para o DIAP, fez 
 uma inconstitucional interpretação quer dos preceitos legais que aplicou, quer 
 do que se recusou a aplicar, na medida em que com essa sua concreta actuação 
 violou o princípio do caso julgado formal uma vez que voltou a pronunciar-se 
 acerca de uma questão já ultrapassada (leia-se, processualmente precludida), no 
 sentido de que relativamente a ela se encontrava já esgotado o poder 
 jurisdicional com o proferimento do anterior despacho judicial que procedeu ao 
 adiamento do início da audiência de julgamento em processo sumário, sendo certo 
 que, a acolher-se a argumentação expendida no despacho judicial ora recorrido, o 
 que parcialmente se tenderia a conceder, deveria ter-se enveredado por trilhar 
 caminho diverso, iniciando a audiência e fazendo oportuno uso dos mecanismos da 
 alteração (substancial, parece-nos, porque a questão, na certeira óptica da Mma. 
 Juiz a quo, colocar-se-ia entre factos que, por serem insuficientes, não 
 integrariam qualquer crime, e factos que, se acrescentados de outros, 
 preencheriam já um tipo legal de crime) dos factos, o que, se nos afigura que 
 seria suficiente para, dando guarida aos propósitos de celeridade subjacentes ao 
 processo especial sumário, não deixar de salvaguardar ainda as garantias de 
 defesa do arguido. 
 
  
 
    Tendo o Ministério Público legitimidade para o efeito, requer-se a V. Exa. se 
 digne admitir e encaminhar o presente recurso”.
 
  
 
             5 – Por seu lado, o despacho pretendido recorrer para o Tribunal 
 Constitucional diz o seguinte:
 
  
 
 “Não foi deduzida, até o momento, acusação no processo, sendo certo que o Digno 
 Procurador Adjunto, no douto requerimento que antecede, se limita a referir que 
 reserva “para o início da audiência de julgamento o poder de substituir a 
 apresentação de acusação pela leitura do auto de notícia elaborado pelo OPC 
 detentor”. 
 Ora, se é certo que o auto de notícia contém factos susceptíveis de integrarem o 
 elemento objectivo do crime de condução em estado de embriaguez, o mesmo é, no 
 entanto, totalmente omisso quanto: 
 
 -- aos factos susceptíveis de integrarem o elemento subjectivo do mesmo crime, 
 ou seja, a culpa na forma de dolo ou negligência, sendo certo que a 
 jurisprudência é unânime no entendimento de que tais factos devem constar da 
 acusação (vd., por todos, o Ac. da Relação de Guimarães de 07.04.2003, in CJ, 
 tomo II, págs. 291-294); 
 
 -- às disposições legais aplicáveis, já que se refere apenas Tipificação: Crimes 
 contra a segurança das comunicações”; 
 
 -- às provas que fundamentam a acusação; 
 Conclui-se, assim, que pretendendo o Ministério Público substituir a 
 apresentação da acusação pela simples leitura do auto de notícia, sem qualquer 
 
 “aditamento” que o complete nos aspectos supra referidos, deve a acusação ser 
 rejeitada por não conter a narração completa dos factos que integram a prática 
 do crime, não indicar as disposições legais aplicáveis nem as provas que a 
 fundamentam (cfr. arts. 283º, nº 3, als. b) a d) e 311º, nºs 2, al. a) e 3, als. 
 b), c) e d) do CPP). 
 Realizar a audiência de julgamento, em processo sumário, tendo por acusação 
 apenas o que consta do auto de notícia, violaria o princípio constitucional da 
 estrutura acusatória do processo criminal e poria em causa as garantias de 
 defesa do arguido, que desconheceria, face à mera leitura daquele auto, a 
 totalidade dos factos necessários ao preenchimento do tipo legal, a sua 
 qualificação jurídica e a prova. 
 Pelo exposto, determino a remessa dos presentes autos ao DIAP do Porto para 
 tramitação sob outra forma processual (art. 390º, al. a) do Cód. de Processo 
 Penal). 
 Notifique e transitado remeta”. 
 
  
 
             6 – O Procurador-geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, 
 pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, dizendo:
 
  
 
 «Importa notar liminarmente que – sendo o recurso, interposto pelo Ministério 
 Público e rejeitado no Tribunal “a quo”, – exclusivamente fundado na alínea a) 
 do nº 1 do artigo 70º da Lei 28/82, apenas poderá reportar-se à recusa de 
 aplicação da norma identificada no respectivo requerimento de interposição – e 
 não a quaisquer outros preceitos legais, eventualmente aplicados no despacho 
 reclamado, já que tal implicaria a ampliação do respectivo objecto de modo a 
 incluir estes últimos, bem como a invocação, como base recursória, da alínea b) 
 daquele artigo 70º, nº 1, o que se afigura inviável face à regra de que a 
 delimitação do objecto do recurso decorre irremediavelmente (no que se refere ao 
 seu máximo âmbito) do teor daquele requerimento.
 A sorte da presente reclamação dependerá, deste modo, da determinação da 
 existência de uma “verdadeira” recusa de aplicação normativa, reportada ao 
 artigo 389º, nº 2, do Código de Processo Penal fundada em violação dos 
 princípios constitucionais da estrutura acusatória do processo penal e das 
 garantias de defesa.
 Qual a interpretação normativa feita pelo juiz “a quo” de tal preceito legal?
 A nosso ver, considerou-se ser inviável a substituição da apresentação de 
 acusação pelo Ministério Público em processo sumário pela simples leitura do 
 auto de notícia, no início da audiência, sem qualquer “aditamento”, num caso em 
 que o referido auto omitiria elementos essenciais a qualquer acusação, nos 
 planos fáctico (estruturantes do elemento subjectivo do crime imputado ao 
 arguido), da qualificação jurídica (especificação das disposições legais 
 aplicáveis) e probatório (indicação das provas que fundamentam tal imputação ao 
 arguido).
 
 É feita, no despacho reclamado, a seguinte leitura da norma constante do artigo 
 
 389º, nº 2, do Código de Processo Penal:
 Em processo sumário, pode o Ministério Público substituir a apresentação da 
 acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à 
 detenção, salvo se de tal auto não constarem todos os elementos – fácticos, de 
 qualificação jurídica e probatório – que obrigatoriamente – por força das 
 disposições gerais – devem constar de qualquer acusação.
 Ou seja: não se considerou inviável, de modo genérico, a actuação processual ali 
 consentida ao Ministério Público, procedendo-se antes a uma leitura conjugada de 
 tal preceito legal com as disposições que regulam os requisitos da acusação, só 
 consentindo a “substituição” da acusação pela leitura do auto quando este 
 satisfaça minimamente tais requisitos gerais.
 Procedeu, deste modo, o despacho recorrido a uma leitura conjugada da norma que 
 integra o objecto do presente recurso (a do artigo 389º, nº 2, do Código de 
 Processo Penal) com outras disposições que regem sobre os requisitos da acusação 
 
 (artigo 283º, nº 3, e 311º, nº 2 e 3 do Código de Processo Penal) para concluir 
 que a possibilidade de mera leitura do auto de notícia, no início da audiência, 
 pressupõe a suficiência deste, na óptica das exigências formuladas por aqueles 
 preceitos legais.
 Sendo duvidosa a definição da precisa “linha de fronteira” entre a verdadeira 
 
 “recusa de aplicação” normativa, enquadrável na alínea a) do nº 1 do artigo 70º 
 da Lei do Tribunal Constitucional, e a mera interpretação de preceitos legais 
 
 “em conformidade com a Constituição” (cf., v.g., os Acórdãos nºs 170/85, 425/89, 
 
 137/89, 636/94 e 1020/96), afigura-se que – no caso dos autos – o juízo de 
 inaplicabilidade de certa interpretação que – a ser feito – violaria 
 determinados princípios constitucionais se não fundou “única ou primacialmente” 
 
 (para utilizar a expressão de Rui Medeiros – A Decisão de Inconstitucionalidade, 
 pg. 331 e segs) no princípio da interpretação conforme à Lei Fundamental, mas 
 não desempenhando “o apelo à Constituição (princípio do acusatório e das 
 garantias de defesa) em sede hermenêutica, uma função de apoio ou de confirmação 
 de um sentido da norma já sugerido pelos restantes elementos de interpretação” 
 
 (cf. ainda o Acórdão nº 285/02).
 Assim, por se afigurar que o Tribunal “a quo”, no despacho recorrido, se limitou 
 a proceder a uma leitura conjugada de diversos regimes processuais penais, 
 referentes aos requisitos da acusação, articulando-os com a possibilidade de 
 mera “leitura” pelo Ministério Público do auto de notícia no início da audiência 
 em processo sumário, não será a circunstância de se considerar que a 
 imperatividade de tal aplicação conjugada dos regimes legais decorre dos 
 princípios constitucionais do acusatório e das garantias de defesa que traduz a 
 ocorrência de uma verdadeira “recusa de aplicação normativa”, enquadrável no 
 tipo recursório previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei 28/82.».
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             7 – Como resulta do relatado, o Ministério Público, junto do 
 Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, interpôs recurso para o 
 Tribunal Constitucional do despacho proferido pelo juiz daquele tribunal que 
 decidiu que os autos de processo-crime, inicialmente registados como processo 
 sumário, fossem remetidos ao DIAP do Porto, para serem tramitados sob outra 
 forma processual.
 
             Para assim concluir, considerou esse despacho – e tal é assim o seu 
 fundamento normativo – que não era legalmente possível, em processo sumário, em 
 face do disposto nos art.ºs 283º, nº 3, als. b) a d) e 311º, nºs 2, al. a) e 3, 
 als. b), c) e d), do Código de Processo Penal, substituir a narração completa 
 dos factos que integram a prática do crime e a indicação das disposições legais 
 aplicáveis e das provas que a fundamentam, que devem constar da acusação (e 
 também do auto de notícia, em caso de processo sumário), pela simples leitura do 
 auto de notícia, em audiência de julgamento, como havia sido requerido pelo 
 Ministério Público perante auto de notícia do qual constavam – é certo – os 
 factos susceptíveis de integrarem o elemento objectivo do crime de condução em 
 estado de embriaguez, mas já não os factos susceptíveis de integrarem o elemento 
 subjectivo do mesmo crime, ou seja, a culpa na forma de dolo ou negligência, sob 
 pena de, a não fazer-se uma tal interpretação, saírem violados os princípios 
 constitucionais da estrutura acusatória do processo criminal e das garantias de 
 defesa do arguido.
 
             Ao discretear por este modo, o intérprete limita-se a convocar os 
 identificados princípios constitucionais como instrumentos ou lugares 
 sistemáticos da interpretação levada a cabo relativamente a tais mencionados 
 preceitos ordinários ou, dito de outro modo, como referentes desveladores, no 
 sistema, do sentido que o legislador pretendeu condensar ou emprestar a tais 
 preceitos de direito infraconstitucional.
 
             O juiz cingiu-se a pesquisar qual era o sentido da lei 
 infra-constitucional, recorrendo à Constituição como mero elemento de 
 interpretação, e aplicou a norma legal com o sentido que apurou.
 
             Ora, a recusa de aplicação da norma com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade pressupõe que se conclua que a norma de direito 
 infraconstitucional, que foi determinada no processo interpretativo como sendo a 
 norma decretada pelo legislador, não possa ser aplicada por ser 
 constitucionalmente inválida, por afrontar normas ou princípios constitucionais.
 
             Temos, portanto, de concluir que não se verifica a situação de 
 admissibilidade do recurso constitucional recortada na alínea a) do n.º 1 do 
 art.º 70.º da LTC.
 
             Consequentemente a reclamação não merece deferimento.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação.
 
             Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público.
 Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos