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Processo n.º 248/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
 
 
             1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do 
 artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
 
 “1. Os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Fevereiro de 2009. 
 Esse acórdão negou a revista de acórdão do Tribunal da Relação do Porto em que, 
 além do mais, se decidira julgar “procedente a impugnação da partilha dos bens 
 comuns do casal efectuada, na qual os réus declararam adjudicar à ré mulher o 
 imóvel descrito e todos os bens móveis que compõem o recheio desse imóvel, 
 reconhecendo-se ao autor o direito à restituição desses bens na medida do seu 
 interesse, podendo executá-los no património da ré mulher até à medida do que se 
 mostrar necessário à cobrança dos seus créditos” [Reproduzindo o lapso do 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, na decisão reclamada diz-se que o 
 acórdão da Relação julgara a impugnação da partilha ‘improcedente’ em vez de 
 
 ‘procedente’ o que agora se corrige]. 
 O requerimento de interposição identifica o objecto (em sentido material) do 
 presente recurso nos seguintes termos: “a norma cuja inconstitucionalidade se 
 pretende que seja apreciada (na interpretação que lhe foi dada pelas instâncias 
 judiciais, no caso dos autos) é o artigo 616º do Código Civil – cfr. Lei do 
 Tribunal Constitucional, artigo 75.º-A, n.º 1”.
 Já neste Tribunal, o relator proferiu despacho do seguinte teor:
 
  
 
 “Convido os recorrentes a indicarem, de modo preciso, o sentido normativo do 
 artº 616º do Cód. Civil cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada (art.º 
 
 75.º-A, nºs. 1, 5, 6 e 7, da LTC).”
 
  
 
        Os recorrentes responderam nos seguintes termos:
 
  
 
 “(…)em obediência ao douto despacho de fls. 952 vêm dizer e requerer:
 O que o artigo 616.º do Código Civil confere ao credor é o direito de 
 restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no 
 património do obrigado à restituição.
 Diversa jurisprudência aponta, igualmente, nesse sentido e aplica a correcta 
 interpretação do preceito:
 
 -‘A procedência da impugnação conduz a que os bens alienados podem ser 
 executados como se não tivessem saído do património do devedor…’ – acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça, 06-11-2008, in www.dgsi.pt.
 
 -‘…os bens não têm que sair do património do obrigado à restituição: ficam lá 
 não obstante o obrigado ser um terceiro a quem o devedor os transmitiu e é aí – 
 nesse património – que o credor os executa, praticando os actos que a lei 
 autoriza (art.º 616.º do C.C.)’ – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 
 
 07-05-2003, in www.dgsi.pt.
 
 -‘…podendo ele executar tal bem no património do comprador…’ – acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça, 20-03-2003, in www.dgsi.pt (itálico nosso).
 O Tribunal da Relação, no entanto, decidiu que:
 
 ‘Com a procedência da impugnação, o autor ficará munido de título que lhe 
 permite atingir o património da ré mulher, necessariamente constituída como 
 parte processual passiva, estendendo-se a penhora aos bens transmitidos pelo 
 acto impugnado; quer dizer obtida a impugnação, o autor pode executar 
 directamente o património da ré, obrigada à restituição…’ – pag 37 do acórdão do 
 Tribunal da Relação do Porto (itálico nosso).
 O Supremo Tribunal de Justiça confirmou-o, ipsis verbis, no seu acórdão – pag 
 
 19.
 Ora, como se referiu, o direito do credor cinge-se ao bem (ou bens) alienados 
 sob impugnação, mas não ao restante património do obrigado à restituição.
 O acórdão do Tribunal da Relação (que o STJ confirmou, igualmente), na parte 
 dispositiva deixou claramente decidido que o credor poderá executar bens ‘no 
 património da ré mulher até à medida do que se mostrar necessário à cobrança dos 
 seus créditos’ (itálico nosso).
 Ora, o estender da penhora ao património da ré extravasa o âmbito da norma em 
 causa e faz uma interpretação do seu teor claramente inconstitucional, já que 
 fere os seus direitos fundamentais, como o é o direito à propriedade privada, 
 agredindo-a para pagamento de uma dívida alheia.
 Nestes termos e nos do douto suprimento requerem se digne apreciar e decidir 
 pela inconstitucionalidade da interpretação da norma – Código Civil, 616º – que 
 resulta do acórdão do Tribunal da Relação do Porto e expressamente confirmada 
 pelo Supremo Tribunal de Justiça.”
 
  
 
 2. O recurso não pode prosseguir porque os recorrentes, apesar de notificados 
 para o efeito, não deram adequado cumprimento ao ónus de indicar a norma cuja 
 constitucionalidade pretendem ver apreciada por este Tribunal (nºs 1 e 6 do 
 artigo 75.º-A e n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º-A da LTC).
 Com efeito, como este Tribunal tem repetidamente afirmado, nada obsta a que, no 
 recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, seja questionada apenas 
 uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, 
 nesses casos, tem o recorrente o ónus de indicar, de forma clara e perceptível, 
 o exacto sentido normativo do(s) preceito(s) que considera inconstitucional. 
 Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº 178/95 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 30º vol., p.1118.) “tendo a questão de constitucionalidade que 
 ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 
 
 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, 
 quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, 
 se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o 
 vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que 
 proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua 
 decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, 
 saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser 
 incompatível com a Lei Fundamental”.
 No caso verifica-se que, os recorrentes não identificaram de modo adequado, seja 
 no requerimento de interposição do recurso, seja na resposta ao convite de 
 aperfeiçoamento, a exacta dimensão ou interpretação normativa do artigo 616.º do 
 Código Civil cuja inconstitucionalidade pretendem ver apreciada, optando por 
 imputar por a inconstitucionalidade à interpretação “que resulta do acórdão do 
 Tribunal da Relação do Porto expressamente confirmada pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça”. No requerimento em que responderam ao convite de aperfeiçoamento, em 
 vez de enunciarem uma proposição que corresponda à ratio decidendi extraída pelo 
 acórdão recorrido do artigo 616.º do Código Civil – preceito que, aliás, contém 
 diversos números –, os recorrentes referem diversa jurisprudência e retomam a 
 crítica ao decidido, nunca enunciando, de modo preciso, o sentido normativo cuja 
 inconstitucionalidade querem ver apreciada, como foram convidados a fazer.
 Ora, como se decidiu no acórdão n.º 39/2003 (a título de exemplo de 
 jurisprudência constante) tal forma de proceder não é suficiente para que se 
 possa considerar cumprido o referido ónus. Efectivamente, dizer que se pretende 
 ver apreciada a inconstitucionalidade de um preceito na interpretação normativa 
 que lhe é dada por uma decisão judicial não é ainda identificar essa 
 interpretação normativa. Na verdade, ao limitarem-se a remeter para a 
 
 “interpretação que resulta do acórdão do Tribunal da Relação do Porto e 
 expressamente confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça”, os recorrentes mais 
 não estão do que a transferir – de forma inadmissível – para o Tribunal ad quem 
 
 – no caso o Tribunal Constitucional – o ónus, que sobre eles impende, de 
 delimitar o objecto do recurso.
 Aliás, no caso, isso seria de resultado incerto porque não é discernível no 
 acórdão recorrido um enunciado destacado da doutrina de que emana a decisão, em 
 termos tais que permita determinar imediatamente essa norma. 
 Por isso, mesmo admitindo que passa aligeirar-se esta exigência de rigor na 
 identificação da norma (sentido normativo) impugnada naquelas situações em que o 
 objecto da questão de constitucionalidade seja determinável de modo inequívoco 
 mediante a simples conjugação do requerimento de interposição com a decisão 
 recorrida, não pode dar-se por satisfeito o apontado requisito.
 
  
 
 3. Decisão
 Pelo exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso e condenar os 
 recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.”
 
  
 
 2.      Os recorrentes reclamam nos seguintes termos:
 
 “(…)
 A jurisprudência citada pelos recorrentes na resposta ao convite é unânime na 
 interpretação de que o artigo 616° do Código Civil confere ao credor o direito 
 de restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no 
 património do obrigado à restituição. 
 Sendo os bens apenas aqueles que foram sujeitos à impugnação e não outros, muito 
 menos todo o património desse obrigado à restituição. 
 A interpretação da norma efectuada pelo Tribunal da Relação do Porto e Supremo 
 Tribunal de Justiça é precisamente a inversa, estendendo a execução do 
 património do obrigado à restituição a outros bens (e a todo o património do 
 obrigado à restituição). 
 Tal interpretação da norma citada é inconstitucional, por ferir os direitos 
 fundamentais, como o direito à propriedade privada, que é, assim, agredida para 
 pagamento de dívida alheia. 
 A interpretação de que a norma permite ir mais além (e que foi a que teve 
 acolhimento nos autos) é: uma interpretação inconstitucional, pelas razões que 
 se referiram então e agora. 
 Esta é a posição dos recorrentes que identificaram, deste modo, muito concreta e 
 precisamente a exacta interpretação normativa do artigo 616º que se lhes afigura 
 inconstitucional e que pretendem ver apreciada. 
 Os recorrentes enunciaram, pois, de modo preciso, o sentido normativo cuja 
 inconstitucionalidade querem ver apreciada, ao terem deixado ali dito que
 Ora, o estender da penhora ao património da ré extravasa o âmbito da norma em 
 causa e faz uma interpretação do seu teor claramente inconstitucional, já que 
 fere os seus direitos fundamentais, como o é o direito à propriedade privada, 
 agredindo-a para pagamento de uma dívida alheia. 
 Resulta claro, de forma cristalina, que foi identificada a interpretação 
 normativa que resulta das decisões judiciais em causa. 
 Repete-se: 
 A interpretação normativa extravasa o âmbito delimitado pela norma, pois não se 
 cinge ao bem ou bens sob impugnação e interpreta-a como permitindo que, até ao 
 limite dos créditos do credor, todo o património do obrigado à restituição seja 
 executado. 
 Quando a norma apenas põe em causa um acto ou actos do obrigado à restituição e 
 que respeitam a um bem ou bens determinados, tudo se passando como se esse acto 
 não tivesse existido (em rigor, esse acto não produz efeitos). 
 Nestes termos e nos do douto suprimento requerem se dignem atender a presente 
 reclamação e ordenarem o prosseguimento dos autos para apreciação e decisão pela 
 inconstitucionalidade da interpretação da norma – código civil, 616º – que o 
 tribunal da relação do porto e o supremo tribunal de justiça deixaram expressa 
 nos autos.” 
 
  
 
             O recorrido não respondeu.
 
  
 
             3. No recurso de constitucionalidade o recorrente tem o ónus de 
 definir o objecto do recurso logo no requerimento de interposição, indicando a 
 norma cuja inconstitucionalidade (ou ilegalidade) se pretende que o Tribunal 
 aprecie (n.º1 do artigo 75.º-A da LTC). Constitui jurisprudência consolidada do 
 Tribunal, como na decisão reclamada se refere, a de que o recorrente que 
 pretenda impugnar a norma numa determinada interpretação só cumpre esse ónus se 
 enunciar expressamente esse sentido, não bastando remeter para a interpretação 
 que os tribunais da causa lhe tenham dado. 
 
  
 
             Insistem os recorrentes em que deram cumprimento a esse ónus, 
 designadamente com a seguinte expressão da resposta ao convite ao 
 aperfeiçoamento, que transcrevem:
 
  
 
 “Ora, o estender da penhora ao património da ré extravasa o âmbito da norma em 
 causa e faz uma interpretação do seu teor claramente inconstitucional, já que 
 fere os seus direitos fundamentais, como é o direito de propriedade, agredindo-o 
 para pagamento de uma dívida alheia”.
 
             É óbvio que esta passagem não enuncia uma norma, um critério de 
 decisão susceptível de generalização. Expurgando o que na frase é invocação 
 paramétrica e, por isso, nunca pode pretender constituir objecto do controlo, 
 ficamos com a afirmação de que “o estender da penhora ao património da ré 
 extravaza o âmbito da norma, agredindo-o para pagamento de uma dívida alheia”. 
 Com isso, critica-se a interpretação adoptada por errada (a interpretação 
 
 “extravaza o âmbito da norma”) e inconstitucional (“fere os seus direitos 
 fundamentais”). Mas não se esclarece qual essa interpretação seja, em termos de 
 o Tribunal, que não aprecia a inconstitucionalidade das decisões judiciais em si 
 mesmas, mas das normas que estas apliquem (ou a que recusem aplicação com tal 
 fundamento), poder confrontá-la com a Constituição, sem exceder a competência 
 que, constitucional (artigo 280.º da CRP) e legalmente (artigo 70.º da LTC), lhe 
 
 é fixada.
 
  
 Tudo isto é dito na decisão reclamada. Porém, nem agora os recorrentes procuram 
 adequar-se a essa exigência, insistindo em concluir a reclamação com o pedido de 
 que os autos prossigam “para apreciação e decisão pela inconstitucionalidade da 
 interpretação da norma – Código Civil, 616.º – que o Tribunal da Relação do 
 Porto e o Supremo Tribunal de Justiça deixaram expressa nos autos”. Persistem 
 numa via que, segundo a jurisprudência consolidada do Tribunal, não é modo 
 processualmente adequado de dar cumprimento ao ónus a que se refere o n.º 1 do 
 artigo 75.º-A da LTC, pelo que decisão não pode ser outra senão a que foi 
 adoptada pela decisão reclamada cujos fundamentos se reiteram.
 
  
 
             Não pode, pois, conhecer-se do objecto do recurso.
 
  
 
 4. Decisão 
 
  
 Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar os recorrentes nas 
 custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
 Lx 18/6/2009
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão