Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 162/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
                 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 26 de Março de 2009, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não 
 conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Dezembro de 2008, que, concedendo 
 parcial provimento ao recurso por ele interposto do acórdão da 7.ª Vara Criminal 
 de Lisboa, de 20 de Maio de 2008 (que o havia condenado, pela prática de um 
 crime de tráfico de droga, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do 
 Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I‑B, I‑C e 
 II‑A anexas ao mesmo diploma, na pena de 6 anos de prisão, e pela prática de um 
 crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º, n.º 1, 
 alínea d), e 2.º, n.º 1, alínea aj), e n.º 3, alíneas e) e l), todos da Lei n.º 
 
 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão, e, em cúmulo, na pena 
 
 única de 6 anos e 6 meses de prisão), alterou a pena pelo crime de detenção de 
 arma proibida para 120 dias de multa à razão diária de € 10, e a pena única para 
 
 6 anos de prisão e 120 dias de multa à mesma razão.
 
             No requerimento de interposição de recurso referiu o recorrente 
 pretender «a apreciação da constitucionalidade das normas seguintes»:
 
  
 
             «a) Artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP (Questão suscitada na 
 motivação e conclusões do recurso).
 
             Na interpretação do recorrente, deverá sempre o juiz ouvir as 
 escutas pessoalmente, mesmo as sugeridas pelos OPC, ou ler as passagens ou 
 resumos das sessões feitas pelos mesmos, por forma a fazer depender a aquisição 
 processual da prova assim obtida [de] um ‘crivo’ judicial quanto ao seu 
 carácter não proibido e à sua relevância.
 
             O que não deve é autorizar a transcrição das sessões sugeridas pelos 
 OPC, sem as ouvir, pessoalmente, ou de outra forma, espelhada nos autos, tenha 
 tido conhecimento do conteúdo das sessões que mandou transcrever e destruir.
 
             Na interpretação normativa do Venerando Tribunal da Relação, em sede 
 de douto acórdão e no que diz respeito à matéria suscitada sobre – Escutas 
 Telefónicas – é entendido que ‘Em face da mencionada tramitação, e embora não 
 conste dos despachos proferidos que foram ouvidas as gravações ou que, por outra 
 forma, a Sr.ª Juíza tomou conhecimento do seu conteúdo, não se pode deixar de 
 concluir que tal sucedeu efectivamente e que a selecção efectuada materializa 
 um critério judicial que atende à relevância da prova “à charge et à décharge” 
 e não apenas ao ponto de vista da investigação’ (sublinhado nosso).
 
             Ora, tal factualização foi a demonstrada pelo arguido em sede de 
 recurso, quando mencionou que ‘Importante é que exista despacho judicial no 
 sentido de que, previamente à ordem de transcrição e destruição das escutas 
 telefónicas, conste dos autos que o juiz procedeu à sua audição, ou leu os 
 resumos dos excertos de eventuais transcrições, ou mesmo o resumo do conteúdo 
 das sessões que mandou transcrever ou destruir, isto na esteira e com os 
 argumentos da melhor interpretação do citado artigo 188.º, n.º 1, do CPP, feita 
 pelo nosso Tribunal Constitucional, sob pena de ser interpretado 
 inconstitucionalmente, por violação do n.º 8 do artigo 32.º e [do artigo] 34.º, 
 n.ºs 1 e 4, da CRP (cf., por todos, o mui douto Acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 426/2005, de 26 de Agosto de 2005, processo n.º 487/05, da 
 
 2.ª Secção, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Mário Torres, especialmente 
 no que concerne à necessidade de o juiz ouvir previamente as sessões (pelo 
 menos as indicadas pelos OPC), ou, por alguma forma, consignar em despacho, 
 inequivocamente, que tomou conhecimento do conteúdo das mesmas antes de 
 ordenar a transcrição e destruição das comunicações telefónicas efectuadas’.
 
             Muito embora neste mesmo acórdão constar que ‘Uma vez que não se 
 interpreta o artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, da redacção então vigente do Código de 
 Processo Penal da forma tida por inconstitucional pelo recorrente, não há que 
 apreciar a conformidade dessa interpretação com a lei fundamental’.
 
             Em suma, a interpretação que o Venerando Tribunal ad quem extracta 
 do artigo 188.º, n.º 1, 3 e 4, da versão então vigente do CPP, é 
 inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.º 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da 
 CRP, quando extrai de um facto negativo (a não existência de despacho) um facto 
 positivo, qual seja ‘… não se pode deixar de concluir que tal sucedeu 
 efectivamente ...’, quando deveria ter interpretado tal norma de acordo com o 
 sentido preconizado pelo recorrente em sede de recurso, e na esteira da melhor 
 interpretação já feita pelo douto Acórdão do Tribunal Constitucional acima 
 enunciado.
 
             
 
             b) Artigo 363.º do CPP (Questão suscitada na motivação e conclusões 
 do recurso).
 
             Na interpretação do recorrente, a prova produzida em audiência de 
 discussão e julgamento deverá sempre ser documentada, sob pena de ver coarctado 
 o seu direito fundamental de recorrer de decisões da matéria de facto e, 
 consequentemente, a possibilidade de um duplo grau de jurisdição.
 
             No depoimento da testemunha B., que decorreu na audiência de 
 julgamento do dia 27 de Março de 2008, faltam 32 minutos de gravação de 
 depoimento.
 
             Na interpretação normativa do Venerando Tribunal da Relação, tal 
 vício apenas poderia ter sido suscitado ainda na 1.ª Instância e não em sede de 
 recurso, como o foi, sendo, em nosso entender, tal interpretação 
 inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
 
  
 
             c) Artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto (Questão 
 suscitada na motivação e conclusões do recurso e no requerimento de pedido de 
 esclarecimento e arguição de nulidade).
 
             Na interpretação do recorrente, a prova obtida contra o disposto no 
 artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, é uma prova proibida por 
 lei, sendo por isso inconstitucional, por violação dos princípios, 
 constitucionalmente consagrados, da segurança jurídica e da igualdade previstos 
 nos artigos 13.º e 32.º, n.ºs 1 e 8, da CRP.
 
             No douto acórdão, o Venerando Tribunal da Relação refere ‘Tal 
 proibição de prova, embora implique uma alteração da decisão de facto e a 
 impossibilidade de valoração das restantes condenações, nomeadamente como 
 factor relevante para a determinação da pena concreta (...).’ – o sublinhado é 
 nosso.
 
             No entanto, da interpretação normativa que faz, admite que se está 
 perante uma prova proibida por lei, mas não extrai a consequência necessária na 
 medida concreta da pena, ao que acresce o facto de consignar em sede de acórdão 
 esclarecido que ‘Pelo facto de este Tribunal ter procedido àquela alteração da 
 matéria de facto não estava obrigado a alterar a pena imposta’, o que constitui 
 violação dos princípios, constitucionalmente consagrados, da segurança jurídica 
 e da igualdade previstos nos artigos 13.º e 32.º, n.º 1, da CRP.
 
  
 
             d) Artigo 379.º, n.º 1, alínea c), e artigo 412.º, n.º 3, alínea a), 
 do CPP (Questão suscitada na motivação e conclusões do recurso e no 
 requerimento de pedido de esclarecimento e arguição de nulidade).
 
             Na interpretação do recorrente, o Venerando Tribunal da Relação, ao 
 não conhecer do recurso de matéria de facto interposto pelo arguido recorrente, 
 omitindo‑lhe qualquer análise ou referência, o Venerando Tribunal da Relação de 
 Lisboa incorreu na nulidade de omissão de pronúncia prevista no artigo 379.º, 
 n.º 1, alínea c), do CPP.
 
             O recorrente, na sua motivação de recurso, indicou, nos termos do 
 artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do CPP, os pontos de facto que considerou 
 incorrectamente julgados, tendo inclusivamente indicado, nos termos da 
 respectiva alínea b), as provas que impunham decisão diversa da recorrida.
 
             Tal omissão de conhecimento do recurso de matéria de facto 
 configura uma clara inconstitucionalidade por violação do direito ao recurso e 
 ao duplo grau de jurisdição salvaguardados pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
 
             Uma vez que o tribunal interpretou não reapreciar a valoração da 
 prova feita pela 1.ª instância, alicerçando a sua fundamentação na legalidade 
 dos meios de prova, tal interpretação leva a que não seja feito qualquer juízo 
 valorativo sobre a matéria de facto impugnada, o que não se compadece com os 
 direitos do arguido/recorrente constitucionalmente consagrados (artigo 32.º, 
 n.º 1, da CRP), e que se revela no duplo grau de jurisdição sobre a matéria de 
 facto.»
 
  
 
             O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRL, decisão 
 que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, 
 da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que 
 possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do 
 disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
             2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de 
 inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas, ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre 
 os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa 
 daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na 
 primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério 
 normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter 
 de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, 
 enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios 
 normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
 
             Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão 
 de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a 
 decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, 
 por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota 
 com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo 
 excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade 
 processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a 
 decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que 
 suscitasse então a questão de constitucionalidade.
 
             Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional 
 que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de 
 constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter 
 proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em 
 princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido 
 que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua 
 aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar 
 a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma 
 inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão 
 judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz 
 quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos 
 factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem 
 necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por 
 maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de 
 constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de 
 interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
 
             Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade 
 constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa 
 interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o 
 uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou 
 similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que 
 
 (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de 
 inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte 
 dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido 
 
 (essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso 
 de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua 
 decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição.»
 
  
 
             3. Recordados estes critérios de admissibilidade do recurso, há que 
 apreciar se eles se verificam relativamente a cada uma das quatro questões de 
 constitucionalidade identificadas no respectivo requerimento de interposição.
 
  
 
             3.1. Primeira questão de inconstitucionalidade (reportada ao artigo 
 
 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP), que teria sido suscitada na motivação e 
 conclusões do recurso penal.
 
  
 
             3.1.1. O aduzido pelo recorrente relativamente a esta questão, no 
 recurso para o Tribunal da Relação, foi sintetizado nas seguintes conclusões:
 
  
 
             «I. O tribunal ora recorrido serviu‑se da prova resultante das 
 escutas telefónicas para a motivação da decisão de facto e consequentemente 
 para a sua condenação (cf. fls. 54 do douto acórdão recorrido).
 
             II. Entendeu o douto acórdão recorrido que relativamente às escutas 
 telefónicas nenhuma nulidade existiu, sendo certo que não se pronunciou quanto 
 
 às alegadas inconstitucionalidades.
 
             III. Na verdade, na esteira da mais recente jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional, como pilar, temos que o pretendido pelo legislador, 
 além do mais, é que o juiz faça um controlo efectivo, real e próximo das escutas 
 telefónicas.
 
             IV. Para tanto, deverá sempre o juiz ouvir as escutas pessoalmente, 
 mesmo as sugeridas pelos OPC, ou ler as passagens ou resumos das sessões feitas 
 pelos mesmos, por forma a fazer depender a aquisição processual da prova assim 
 obtida a um ‘crivo’ judicial quanto ao seu carácter não proibido e à sua 
 relevância.
 
             V. O que não deve é autorizar a transcrição das sessões sugeridas 
 pelos OPC, sem as ouvir, pessoalmente, ou que de outra forma, espelhada nos 
 autos, tenha tido conhecimento prévio do conteúdo das sessões que mandou 
 transcrever e destruir.
 
             VI. E, na verdade, a interpretação que o tribunal recorrido deu à 
 norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP é que a expressão ‘imediatamente não queria 
 dizer no dia seguinte, mas apenas e tão‑só num prazo razoável, que nada impede 
 ser superior a 30 dias, o que, aliás, diga‑se, nunca prejudicaria os interesses 
 do qualquer visado’.
 
             VII. Ora, esta interpretação dada à expressão ‘imediatamente’ 
 
 (constante na redacção que foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de 
 Dezembro, aplicável ao presente processo), já mereceu juízos de 
 inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, mormente quando 
 abrange escutas telefónicas que, autorizadas pelo juiz, só delas teve 
 conhecimento 38 dias depois de elas terem início (Acórdãos do TC n.ºs 528/2003 e 
 
 379/2004).
 
             VIII. Mas mesmo na situação acima indicada, não basta os OPC 
 levarem ao conhecimento do juiz a intercepção das escutas telefónicas, quer 
 através dos suportes técnicos, quer através da transcrição dos excertos do 
 conteúdo das sessões interceptadas.
 
             IX. Importante é que exista despacho judicial no sentido de que, 
 previamente à ordem de transcrição e destruição das escutas telefónicas, conste 
 dos autos que o juiz procedeu à sua audição ou leu os resumos dos excertos de 
 eventuais transcrições, ou mesmo o resumo do conteúdo das sessões que mandou 
 transcrever ou destruir, isto na esteira e com os argumentos da melhor 
 interpretação do citado artigo 188.º, n.º 1, do CPP, feita pelo nosso Tribunal 
 Constitucional, sob pena de ser interpretado inconstitucionalmente, por 
 violação do n.º 8 do artigo 32.° e [do artigo] 34.°, n.ºs 1 e 4, da CRP (cf., 
 por todos, mui douto acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/2005, de 26 de 
 Agosto de 2005, processo n.º 487/05 da 2.ª Secção, relatado pelo Exmo. Senhor 
 Conselheiro Mário Torres, especialmente no que concerne à necessidade de o juiz 
 ouvir previamente as sessões (pelo menos as indicadas pelos OPC) ou, por alguma 
 forma, consignar em despacho, inequivocamente, que tomou conhecimento do 
 conteúdo das mesmas antes de ordenar a transcrição e destruição das 
 comunicações telefónicas efectuadas.
 
             X. Da análise destas sessões constata‑se desde logo que o prazo 
 entre a realização das intercepções telefónicas e o conhecimento efectivo do 
 conteúdo das sessões validadas e mandadas transcrever, por parte da autoridade 
 judicial, são, respectivamente, de 62, 60, 59, 46, 44, 38 e 36 dias, 
 respectivamente.
 
             XI. Assim sendo o prazo mais curto de 36 dias sempre se pode 
 considerar excessivo perante a circunstância da expressão ‘imediatamente’ ser 
 considerada pela jurisprudência constitucional como um prazo que não permite o 
 acompanhamento próximo pelo juiz das intercepções telefónicas.
 
             XII. Em 5 de Maio, 21 de Maio, 23 de Junho, 31 de Julho e 17 de 
 Agosto do ano de 2006 foram elaborados relatórios policiais em que eram 
 sugeridas várias sessões como sendo relevantes, requerendo‑se que as mesmas 
 fossem validadas.
 
             XIII. A 8 de Maio, 23 de Maio, 27 de Junho, 1 de Agosto e 17 de 
 Agosto de 2006, o Digno Magistrado do Ministério Público promoveu no sentido 
 da validação e transcrição das intercepções telefónicas constantes dos 
 relatórios policiais anteriormente mencionados.
 
             XIV. Por despacho nos dias 10 de Maio, 26 de Maio, 4 de Julho, 2 de 
 Agosto e 17 de Agosto de 2006, o JIC validou as intercepções propostas por cada 
 um dos relatórios respectivamente, sem que tivesse procedido à audição das 
 mesmas, não tendo em momento algum essas mesmas transcrições sido objecto de 
 despacho no sentido de ser admitidas.
 
             XV. Assim sendo e atendendo a que o controlo jurisdicional não foi 
 efectuado através da audição das referidas intercepções, nem tão‑pouco pela 
 leitura das transcrições das mesmas, somos obrigados a concluir que sobre estas 
 o circunstancialismo ‘imediatamente’ nem sequer se coloca em causa, pelo que 
 devem ser declaradas nulas desde logo as intercepções e respectivas transcrições 
 referentes às sessões 1744, 1817, 1845, 1876, 2004, 2041, 2047, 2162, 2506, 
 
 2550, 2861, 2905, 2943, 2984, 3009, 3031, 3102, 3156, 3185, 3223, 3463, 3464, 
 
 3594, 3802, 3805, 4454 do Alvo 1H074M e sessões 980, 985, 997, 998, 1010, 1044, 
 
 1350, 1499, 1587, 1741, 1780, 2285, 2821, 3202, 3240, 3243, 3534, 3650, 3917, 
 
 3986, 3987, 4076, 4593, 5128 e 5134 do Alvo 29860M.
 
             XVI. A este propósito transcrevemos os ensinamentos do aliás mui 
 douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que diz:
 
             XVII. ‘O que importa, pois, é saber se os Srs. Juízes de instrução 
 que ordenaram a transcrição das conversações que constam dos autos ouviram 
 efectivamente, mesmo que coadjuvados pelo OPC (artigo 188.º, n.º 4), as 
 gravações efectuadas e se foram eles que seleccionaram essas sessões.
 
             XVIII. Ora, nesta sede, não podemos deixar de reconhecer que os 
 elementos disponíveis nos autos nos convencem plenamente que nenhum dos 
 senhores juízes, (...) ouviu essas gravações ou ouviu sequer as sessões que 
 mandou transcrever.
 
             XIX. Limitaram‑se, todos eles, (...) a seguir as sugestões da 
 Polícia Judiciária e os resumos das sessões feitos por este OPC, ou seja, 
 apenas daquelas que o sr. Inspector responsável pela investigação achou 
 pertinentes (...).’ – o sublinhado é nosso – (cf. acórdão do TRL n.º 5607/05 da 
 
 3.ª Secção, fls. 62).
 
             XX. Em consequência, decidiu o douto acórdão acima indicado que as 
 provas assim obtidas estavam feridas de nulidade, de acordo com o artigo 122.º, 
 n.º 1, do CPP, pelo que o despacho de pronúncia proferido (irrecorrível face à 
 nova redacção do CPP), bem como os actos subsequentes do processo, nos quais 
 tenham sido atendidas as escutas declaradas nulas, como é o caso da audiência de 
 julgamento e respectivo acórdão proferido, não se poderiam manter, o que neste 
 caso também se requer.
 
             XXI. A validação da transcrição das escutas telefónicas não foi 
 precedida da assinatura do juiz e da certificação da conformidade da 
 transcrição, nos termos do n.º 4 do artigo 188.º do CPP e [do artigo] 101.º, n.º 
 
 2, do CPP.
 
             XXII. Ora, se considerarmos e se vier a ser interpretado que o auto 
 de validação das transcrições telefónicas não tem de estar assinados pelo juiz, 
 nem sequer tem de certificar a conformidade da transcrição, e que do mesmo modo 
 não tem que proceder à prévia audição das escutas telefónicas cuja transcrição e 
 destruição ordenou, nos termos do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, é a mesma 
 inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 
 
 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.»
 
  
 
             3.1.2. O acórdão recorrido, relativamente à questão ora em causa, 
 desenvolveu a seguinte fundamentação, para concluir pela improcedência do vício 
 alegado, na parte concernente a pretensa não audição judicial prévia das 
 intercepções mandadas transcrever:
 
  
 
             «A proibição de valoração das escutas telefónicas.
 
             12 – O recorrente termina as conclusões da motivação apresentada 
 pedindo que sejam declaradas nulas as escutas telefónicas e, em consequência, se 
 ordene a remessa dos autos para o Tribunal de Instrução.
 
             Independentemente da apreciação que se vier a fazer sobre a forma 
 como foram cumpridas as formalidades estabelecidas pela lei quanto às escutas 
 telefónicas, importa dizer que, em face da nova redacção do Código de Processo 
 Penal, nomeadamente dos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 310.º, nunca a conclusão, em 
 fase de julgamento, de que a prova obtida por esse meio não pode ser valorada, 
 por constituir uma prova proibida, poderá implicar o retorno do processo à fase 
 de instrução.
 
             Esse era o resultado que podia decorrer do facto de a anterior 
 redacção do Código de Processo Penal admitir a interposição de recurso da 
 decisão proferida a tal respeito pelo juiz de instrução e, simultaneamente, de 
 se ter, numa determinada fase, entendido que a subida desse recurso só ocorria 
 com o que viesse a ser interposto da decisão final. Nesse caso, a nulidade das 
 escutas, porque implicava a proibição da sua valoração já na decisão 
 instrutória, implicava ou podia implicar o retrocesso à fase de instrução.
 
             Ora, a nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 310.º do Código de 
 Processo Penal considera uma tal decisão irrecorrível, o que impede que uma 
 eventual divergência quanto ao sentido da decisão proferida sobre a matéria se 
 repercuta na decisão instrutória.
 
             A particularidade da situação deriva do enfraquecimento da força do 
 caso julgado, que não se impõe ao tribunal de julgamento, não impedindo que este 
 exclua essa prova por a considerar proibida, não a valorando nos termos e para 
 os efeitos da formação da convicção do tribunal (artigo 355.º do Código de 
 Processo Penal).
 
             Tal opção legislativa vai, a nosso ver, no sentido correcto, o do 
 reforço e valorização da fase de julgamento, em detrimento das fases 
 preliminares, que apenas visam possibilitar que este se realize.
 
             13 – Dito isto, analisemos então a questão da validade do 
 procedimento adoptado quanto às escutas telefónicas. Mais precisamente, quanto 
 
 às intercepções realizadas aos cartões n.ºs …. (Alvo 1G316 – Apenso I), …. 
 
 (Alvo 1G317 – Apenso II), ….(Alvo 1H074M – Apenso III) e …. (Alvo 29860M – 
 Apenso VII) até ao período a que se reporta o despacho judicial proferido em 18 
 de Setembro de 2006 (fls. 831), ao qual se refere o relatório policial datado de 
 
 13 de Setembro do mesmo ano (fls. 775 a 777), matéria que foi abordada nas pp. 4 
 a 72 da motivação.
 
             Para tanto, e uma vez que a descrição feita pelo recorrente da 
 tramitação processual não é inteiramente completa e rigorosa, importa dar 
 conta do que efectivamente resulta dos autos.
 
             A – O presente processo teve início com um ofício (fls. 2), a que 
 foi junto um relatório policial (fls. 3 e 4), uma informação de serviço (fls. 5) 
 e diverso expediente (fls. 6 a 9), através do qual a PSP comunicou ao 
 Ministério Público as suspeitas que existiam de que duas pessoas, uma C. e um 
 D., se dedicavam ao tráfico de ecstasy, utilizando nessa actividade dois 
 telemóveis cujos números aí indicaram. Nesse expediente sugeria‑se que fosse 
 requerida a intercepção das comunicações efectuadas através daqueles cartões e 
 dos aparelhos em que eles eram utilizados, uma vez que, pelos motivos que aí se 
 referiram, e para além das que já tinham sido feitas, se tornava impossível 
 efectuar outro tipo de diligências sem que tal inviabilizasse a própria 
 investigação.
 
             Apreciando o requerimento então apresentado pelo Ministério Público 
 
 (fls. 11 e 12), a Sr.ª juíza proferiu, no dia 25 de Outubro de 2005, o despacho 
 de fls. 15 e 15 verso, em que, pelos fundamentos constantes do mencionado 
 relatório policial e demais elementos juntos, autorizou, nomeadamente, a 
 intercepção, pelo prazo de 60 dias, das comunicações efectuadas através dos 
 cartões n.ºs …. e ….. e dos aparelhos em que eles eram utilizados.
 
             Essas intercepções tiveram início, como se pode ver de fls. 26 e 24, 
 no dia 27 de Outubro de 2005.
 
             B – No dia 9 de Novembro de 2005, a PSP elaborou um primeiro 
 relatório (fls. 32 a 34) em que dava conta dos resultados das intercepções 
 efectuadas nesse período, sugeria a transcrição de diversas sessões, relatando o 
 conteúdo de algumas delas, pedindo a nomeação de um tradutor para as 
 conversações em crioulo e juntando os 3 CD em que se encontravam gravadas as 
 comunicações.
 
             Na sequência de promoção do Ministério Público e de o respectivo 
 magistrado ter nomeado o intérprete sugerido (fls. 37), a Sr.ª juíza, 
 certamente no dia 14 de Novembro de 2005, validou as intercepções realizadas 
 nesse período, ordenou as transcrições indicadas relativas às comunicações em 
 português e designou o dia 25 de Novembro para a audição das sessões em 
 crioulo, mandando convocar o intérprete nomeado (fls. 39).
 
             No dia aprazado realizou‑se essa diligência, tendo a Sr.ª juíza 
 determinado que se transcrevesse a sessão sugerida pela PSP (ver ‘Auto de 
 audição de sessões em crioulo’, a fls. 52).
 
             Em face da mencionada tramitação, e embora não conste dos despachos 
 proferidos que foram ouvidas as gravações ou que, por outra forma, a Sr.ª juíza 
 tomou conhecimento do seu conteúdo, não se pode deixar de concluir que tal 
 sucedeu efectivamente e que a selecção efectuada materializa um critério 
 judicial que atende à relevância da prova ‘à charge et à décharge’ e não apenas 
 ao ponto de vista da investigação.
 
             C – No dia 5 de Dezembro de 2005, a PSP elaborou um segundo 
 relatório (fls. 59 e 60), a que juntou 4 CD contendo as gravações das 
 conversações efectuadas e interceptadas nesse período, sugerindo as sessões que, 
 na opinião desse OPC, deviam ser transcritas.
 
             Apresentado o processo ao Ministério Público no dia 12 de Dezembro 
 
 (fls. 71), veio o respectivo magistrado a requerer que se validassem as 
 intercepções efectuadas e se determinasse a transcrição das sessões indicadas 
 pelo OPC, requerimento esse que foi deferido pelo despacho de fls. 74, proferido 
 no dia 14 de Dezembro.
 
             Tendo em conta o teor do relatório policial, que com ele foram 
 enviados os CD à Sr.ª juíza e o procedimento por ela adoptado anteriormente não 
 pode este tribunal duvidar que, também neste caso, a selecção foi por ela 
 efectuada mediante prévio conhecimento do que tinha sido interceptado e se 
 encontrava gravado.
 
             D – Em data anterior a 21 de Dezembro de 2005, a PSP elaborou novo 
 relatório (fls. 81 e 82) em que, para além de indicar as sessões que considerava 
 relevantes e de juntar os 3 CD em que as gravações se continham, propunha a 
 prorrogação, por prazo não inferior a 90 dias, das escutas aos dois mencionados 
 cartões, e dava conta de que tinha apurado, certamente através da audição de uma 
 conversa interceptada, que o fornecedor da C.era um indivíduo que ela tratava 
 por ‘A.’, que utilizava o cartão com o n.º…..
 
             No dia 27 de Dezembro, em férias judiciais, e na sequência de 
 requerimento do Ministério Público (fls. 86), a Sr.ª juíza de turno proferiu o 
 despacho de fls. 89 e 90, começando por consignar que tinha tomado conhecimento 
 das intercepções realizadas e que constavam dos 3 CD, tendo‑as validado. 
 Determinou a transcrição de diversas comunicações e, em face do teor das 
 escutas já efectuadas, prorrogou, mas apenas por 60 dias, a intercepção das 
 comunicações efectuadas através daqueles dois cartões.
 
             Não temos, por isso, qualquer fundamento para afirmar que a Sr.ª 
 juíza não procedeu à audição das gravações ou que seguiu acriticamente a 
 sugestão policial.
 
             E – Em data anterior a 10 de Janeiro de 2006, a PSP elaborou um 
 outro relatório (fls. 99 a 101) em que solicitou nova intercepção dos dois 
 cartões anteriormente mencionados (uma vez que a inicialmente autorizada, por 
 atraso da concessão da prorrogação e por erro na indicação de um dos números, 
 tinha caducado no dia 26 de Dezembro) e a intercepção do cartão n.º …., tudo por 
 um prazo não inferior a 90 dias, e enviou, para validação, as transcrições já 
 efectuadas e, para validação e autorização de transcrição, dois CD relativos ao 
 período de 22 a 26 de Dezembro.
 
             Também neste caso, na sequência de requerimento do Ministério 
 Público, a Sr.ª juíza proferiu, no dia 16 de Janeiro de 2006 (fls. 111 e 112), 
 um despacho em que, invocando o disposto na redacção então vigente dos n.ºs 1, 3 
 e 4 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, validou as intercepções 
 realizadas e determinou a transcrição das sessões indicadas pelo OPC. Nesse 
 mesmo despacho autorizou, mas apenas pelo prazo de 60 dias, novas intercepções 
 aos cartões n.ºs ….. e …. e validou as transcrições efectuadas, não se tendo 
 pronunciado sobre a outra intercepção solicitada.
 
             Detectada a omissão, foi elaborado, em 18 de Janeiro, um relatório 
 complementar (fls. 122) em que sugeria novamente a intercepção do cartão n.º 
 
 914 004 378 por prazo não inferior a 90 dias.
 
             Tal autorização foi concedida pelo despacho de fls. 127 e 127 verso, 
 proferido nesse mesmo dia 18, fixando‑se, no entanto, um prazo de 60 dias.
 
             F – No dia 10 de Fevereiro de 2006, foi elaborado um novo relatório 
 
 (fls. 156 a 159) em que, para além do mais, se solicitava a autorização para 
 transcrever determinadas sessões das intercepções realizadas nesse período às 
 comunicações feitas através dos cartões n.ºs …… , ….. e …..
 
             A requerimento do Ministério Público (fls. 163), veio a ser 
 proferido, no dia 15 de Fevereiro, o despacho de fls. 167, que, para além do 
 mais, autorizou a transcrição das sessões indicadas.
 
             G – No dia 10 de Março foi elaborado um novo relatório (fls. 196 a 
 
 199) em que, para além de se dar conta do desenvolvimento das investigações e de 
 algumas das diligências realizadas e informações obtidas, se solicitava a 
 validação das escutas efectuadas, se pedia a transcrição de determinadas 
 sessões, se solicitava a prorrogação da intercepção das comunicações efectuadas 
 através de dois cartões e se sugeria que fosse determinada a intercepção de 
 comunicações efectuadas através de um outro cartão utilizado pelo então 
 suspeito A..
 
             Também neste caso, a requerimento do Ministério Público (fls. 202), 
 veio a ser proferido, no dia 13 de Março, despacho (fls. 206) que validou as 
 intercepções efectuadas, tendo ordenado a transcrição das sessões indicadas, 
 delas excepcionando expressamente a sessão 782 e as mensagens n.ºs 165 e 276, 
 que tinham sido indicadas pelo OPC.
 
             H – No dia 7 de Abril de 2006 foi elaborado novo relatório policial 
 
 (fls. 229 a 233) em que, para além de se dar conta da prossecução das 
 investigações quanto a cada um dos suspeitos e de se sugerirem diversas 
 diligências, se pedia a validação das intercepções entretanto efectuadas e a 
 permissão para transcrever determinadas sessões que tinham sido objecto de 
 gravação. Dizia que se juntavam 12 CD com as sessões gravadas e um outro CD com 
 suporte Excel das sessões interceptadas.
 
             Formulado pelo Ministério Público requerimento à Sr.ª juíza de 
 instrução (fls. 236), foi, no dia 11 de Abril, proferido despacho que não 
 apreciou o pedido feito por os CD com as gravações não terem acompanhado os 
 autos, tendo a Sr.ª juíza determinado a devolução do processo ao Ministério 
 Público (fls. 243).
 
             No dia seguinte, o Ministério Público renovou o seu requerimento, 
 apresentando juntamente com o processo os CD gravados (fls. 247), tendo, no dia 
 
 13 de Abril, sido proferido despacho judicial a validar as intercepções e a 
 ordenar a transcrição das sessões indicadas pelo OPC (fls. 250).
 
             I – No dia 5 de Maio de 2006, a PSP elaborou outro relatório (fls. 
 
 274 a 277) em que, para além de relatar o desenvolvimento das investigações 
 quanto a cada um dos suspeitos e de sugerir a realização de diligências de 
 prova, solicitou a validação das intercepções entretanto efectuadas, a 
 transcrição das sessões que considerava relevantes e a validação das 
 transcrições já efectuadas. Dizia que se juntavam 12 CD com as sessões 
 interceptadas e um outro CD com suporte Excel das sessões interceptadas.
 
             A requerimento do Ministério Público (fls. 282 e 283), a Sr.ª juíza 
 de instrução, tendo recebido os CD remetidos em anexo, proferiu, no dia 10 de 
 Maio, despacho (fls. 287 e 288) em que, para além do mais, validou as 
 intercepções e as transcrições até esse momento efectuadas e ordenou a 
 realização de outras transcrições.
 
             J – No dia 21 de Maio de 2006 foi elaborado pela PSP novo relatório 
 em que, para além do mais, se solicitava a validação das intercepções 
 efectuadas e autorização para realizar outras transcrições (fls. 311 a 313). 
 Juntavam‑se os CD com as gravações efectuadas e um outro CD com suporte Excel 
 das sessões interceptadas.
 
             A requerimento do Ministério Público (fls. 323), veio a ser 
 proferido, no dia 26 de Maio, despacho que validou as intercepções e ordenou a 
 transcrição das sessões indicadas pelo OPC (fls. 326).
 
             Depois de, por erro da investigação, terem caducado as autorizações 
 concedidas para a intercepção dos cartões utilizados pelo suspeito A. (n.ºs …. 
 e …..) foi solicitada a permissão para a realização de novas intercepções a 
 esses números, a qual, na sequência dos relatórios de fls. 354/355 e 458, e de 
 requerimento do Ministério Público (fls. 461), foi concedida, pelo prazo de 90 
 dias, pelo despacho judicial proferido no dia 23 de Junho (fls. 465).
 
             K – Nesse mesmo dia 23 foi elaborado novo relatório policial (fls. 
 
 475 a 478) em que, para além do pedido de cessação de uma intercepção, se 
 solicitava a validação das intercepções entretanto realizadas e a transcrição 
 de determinadas sessões que nele se indicavam. Juntavam‑se os CD com as 
 gravações efectuadas e um outro CD com suporte Excel das sessões interceptadas.
 
             A requerimento do Ministério Público (fls. 481), veio a ser 
 proferido, no dia 4 de Julho de 2006, novo despacho que validou as transcrições 
 e as intercepções e determinou a realização das transcrições sugeridas (fls. 
 
 485).
 
             L – Depois de, na sequência do relatório policial de fls. 497/8 e de 
 requerimento do Ministério Público (fls. 527), ter sido ordenada, pelo despacho 
 de fls. 530, nova intercepção do cartão n.º …., utilizado pela suspeita C., foi 
 elaborado, no dia 31 de Julho de 2006, novo relatório policial (fls. 551 a 554) 
 em que se solicitava a validação das intercepções entretanto realizadas e a 
 transcrição de determinadas sessões que nele se indicavam. Juntavam‑se os CD 
 com as gravações efectuadas.
 
             A requerimento do Ministério Público (fls. 557), veio a ser 
 proferido, no dia 2 de Agosto de 2006, novo despacho que validou as 
 intercepções e determinou a realização das transcrições sugeridas (fls. 560).
 
             M – No dia 17 de Agosto de 2006, foi elaborado novo relatório 
 policial (fls. 591 a 593) em que se solicitava a validação das intercepções 
 entretanto realizadas e a transcrição de determinadas sessões que nele se 
 indicavam. Juntavam‑se os CD com as gravações efectuadas e um outro CD com 
 suporte Excel das sessões interceptadas.
 
             A requerimento do Ministério Público (fls. 620), veio a ser 
 proferido, no dia 17 de Agosto de 2006, novo despacho que, para além do mais, 
 validou as intercepções e determinou a realização das transcrições sugeridas 
 
 (fls. 624).
 
             14 – Tendo em conta a regularidade com que foram elaborados os 
 relatórios policiais, o seu conteúdo, os elementos com eles juntos, o facto de 
 com eles sempre terem sido remetidos os CD contendo as gravações efectuadas (e, 
 na única vez que isso não aconteceu, eles terem sido pedidos, só tendo sido 
 validadas as gravações e determinadas as transcrições depois da sua 
 apresentação), o teor dos despachos proferidos, que diversas vezes limitaram 
 os prazos sugeridos para a duração das intercepções e, por uma vez, indeferiram 
 o pedido de transcrição de algumas delas, e ainda o facto de, quando se tratou 
 de validar intercepções de conversações em crioulo, ter sido realizada 
 diligência adequada ao conhecimento prévio do conteúdo da gravação efectuada, 
 não se pode, no nosso modo de ver, afirmar que os magistrados que praticaram 
 esses actos não ouviram ou, por outro modo, não tiveram prévio conhecimento do 
 conteúdo das gravações efectuadas e da sua relevância para o apuramento da 
 verdade, razão pela qual não se vê qualquer motivo para declarar a nulidade da 
 prova documental através deste meio obtida, nomeadamente das sessões indicadas 
 pelo recorrente.
 
             Uma vez que não se interpreta o artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, da 
 redacção então vigente do Código de Processo Penal da forma tida por 
 inconstitucional pelo recorrente, não há que apreciar a conformidade dessa 
 interpretação com a lei fundamental.»
 
  
 
             3.1.3. Esta primeira questão de inconstitucionalidade não pode ser 
 conhecida, por duas ordens de razões: primeiro, porque a questão, tal como foi 
 suscitada pelo recorrente (supra, 3.1.1), carece de natureza normativa, uma vez 
 que não vem identificada, com precisão, uma interpretação normativa dotada de 
 generalidade e abstracção que se considere desconforme com princípios ou 
 normas constitucionais, limitando‑se o recorrente a questionar, atentas as 
 irrepetíveis particularidades do caso concreto, a correcção do comportamento 
 processual dos intervenientes processuais, designadamente dos juízes de 
 instrução, no âmbito da intercepção de conversações telefónicas; e depois, 
 porque o critério normativo indicado no requerimento de interposição de recurso 
 como integrando o objecto desta primeira questão não coincide com o critério 
 normativo efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido.
 
             Na verdade, naquele requerimento, o recorrente indicou como 
 pretendendo ver apreciada a constitucionalidade de um «critério normativo», que 
 supostamente teria sido seguido pelo acórdão recorrido, e que extrairia «de um 
 facto negativo (a não existência de despacho) um facto positivo, qual seja ‘… 
 não se poder deixar de concluir que tal [isto é, a audição das gravações ou a 
 tomada de conhecimento, por outra forma, do seu conteúdo] sucedeu 
 efectivamente …’». Ora, não foi esse o critério adoptado no acórdão recorrido, 
 como inequivocamente resulta das seguintes passagens, já reproduzidas em 3.1.2:
 
  
 
             «14 – Tendo em conta a regularidade com que foram elaborados os 
 relatórios policiais, o seu conteúdo, os elementos com eles juntos, o facto de 
 com eles sempre terem sido remetidos os CD contendo as gravações efectuadas (e, 
 na única vez que isso não aconteceu, eles terem sido pedidos, só tendo sido 
 validadas as gravações e determinadas as transcrições depois da sua 
 apresentação), o teor dos despachos proferidos, que diversas vezes limitaram 
 os prazos sugeridos para a duração das intercepções e, por uma vez, indeferiram 
 o pedido de transcrição de algumas delas, e ainda o facto de, quando se tratou 
 de validar intercepções de conversações em crioulo, ter sido realizada 
 diligência adequada ao conhecimento prévio do conteúdo da gravação efectuada, 
 não se pode, no nosso modo de ver, afirmar que os magistrados que praticaram 
 esses actos não ouviram ou, por outro modo, não tiveram prévio conhecimento do 
 conteúdo das gravações efectuadas e da sua relevância para o apuramento da 
 verdade, razão pela qual não se vê qualquer motivo para declarar a nulidade da 
 prova documental através deste meio obtida, nomeadamente das sessões indicadas 
 pelo recorrente.
 
             Uma vez que não se interpreta o artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, da 
 redacção então vigente do Código de Processo Penal da forma tida por 
 inconstitucional pelo recorrente, não há que apreciar a conformidade dessa 
 interpretação com a lei fundamental.»
 
  
 
             Por estas razões, não se conhecerá da primeira questão de 
 inconstitucionalidade suscitada no requerimento de interposição de recurso.
 
  
 
             3.2. Segunda questão de inconstitucionalidade (reportada ao artigo 
 
 363.º do CPP), que também teria sido suscitada na motivação e respectivas 
 conclusões do recurso penal.
 
  
 
             3.2.1. A propósito desta questão, lê‑se nas conclusões da motivação 
 do recurso do recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa:
 
  
 
             «XXIV. Nos autos e após a audição da prova produzida pode‑se desde 
 logo constatar que no que respeita ao depoimento da testemunha B., que decorreu 
 na audiência de julgamento do dia 27 de Março de 2008, faltam 32 minutos de 
 gravação de depoimento, nomeadamente a identificação da testemunha efectuada 
 pelo Meritíssimo Juiz Presidente, a instância do Digno Magistrado do Ministério 
 Público, bem como os esclarecimentos pedidos por alguns mandatários dos 
 arguidos.
 
             XXV. O arguido recorrente [ficou] impossibilitado de utilizar um 
 meio de prova para impugnar a matéria de facto dada por assente pelo acórdão 
 recorrido.
 
             XXVI. O arguido não pode impugnar – entenda‑se recorrer nesta parte 
 
 – a matéria de facto e assim é‑lhe coarctada a possibilidade do duplo grau de 
 jurisdição sobre a matéria de facto que pretendia ver reapreciada por um 
 tribunal superior.
 
             XXVII. A irregularidade em apreço, constante dos autos, consiste na 
 deficiente documentação das declarações da testemunha de acusação B., 
 constante do CD de 27 de Março de 2008, minuto 1 a 32.
 
             XXVIII. O arguido encontra assim afectado um direito fundamental, o 
 seu direito ao recurso em matéria de facto, sendo este considerado como ‘... 
 sendo impeditiva do completo exercício da competência material desse tribunal 
 em matéria de recursos – conhecer de facto e de direito’..
 
             XXIX. Para o recorrente impugnar a matéria de facto e dessa forma 
 dar cabal cumprimento ao artigo 412.º, n.º 4, do CPP é necessária a documentação 
 da prova.
 
             XXX. Nestes termos, deverá ser declarada a invalidade parcial do 
 julgamento realizado, bem como a invalidade do acórdão, acto dele dependente, 
 devendo nesse aspecto ser determinada a repetição do julgamento.
 
             XXXI. A omissão parcial das declarações prestadas oralmente na 
 audiência constitui, nos termos do artigo 363.º, conjugado com o artigo 364.º, 
 n.º 2, do CPP, uma nulidade que desde já se invoca para os devidos e legais 
 efeitos.»
 
  
 
             3.2.2. Esta arguição de nulidade foi desatendida pelo acórdão ora 
 recorrido, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
             «A falta de gravação de parte do depoimento de testemunha.
 
             11 – Diz o recorrente que não se encontra gravado parte do 
 depoimento prestado pela testemunha B. na sessão da audiência realizada no dia 
 
 27 de Março de 2008. Mais concretamente, alega que não se encontram gravados os 
 primeiros 32 minutos desse depoimento (fls. 73 a 77 da motivação).
 
             Se analisarmos o 5.º CD que nos foi remetido, aquele que contém a 
 gravação das declarações orais prestadas na sessão da audiência realizada nesse 
 dia, verificamos que efectivamente se encontram por gravar os primeiros 32 
 minutos, o que, de acordo com a acta de fls. 2526 e seguintes, corresponde na 
 verdade a parte do depoimento da indicada testemunha.
 
             Estabelece o artigo 9.º do Decreto‑Lei n.º 39/95, de 15 de 
 Fevereiro, que ‘se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer 
 parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder‑se‑á à sua 
 repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade’.
 
             Também quanto a esta matéria se verifica que a questão não foi 
 suscitada na 1.ª instância, não se tendo o tribunal recorrido pronunciado, 
 consequentemente, sobre ela.
 
             Daí que ela não possa ser suscitada no presente recurso, que tem por 
 objecto apenas o acórdão condenatório.
 
             Mas, mesmo que assim não fosse, sempre se deveria dizer que a 
 repetição do depoimento só deveria ter lugar quando tal fosse essencial ao 
 apuramento da verdade, o que neste caso não acontece. Nem o recorrente aponta 
 nada de essencial que tenha sido declarado pela mencionada testemunha, nem tal 
 resulta do que na fundamentação da decisão de facto se disse quanto ao por ela 
 declarado.
 
             Improcede, por isso, também nesta parte, o recurso interposto.»
 
  
 
             3.2.3. Como é patente, nas transcritas conclusões da motivação do 
 recurso penal não é suscitada nenhuma questão de inconstitucionalidade 
 normativa, não imputando o recorrente a qualquer norma ou interpretação 
 normativa a violação de normas ou princípios constitucionais, suscitando tão‑só 
 uma questão de pretensa nulidade processual, por deficiência parcial de 
 gravação de um depoimento prestado em audiência de julgamento. Como igualmente 
 carece de natureza normativa a questão, a este propósito suscitada no 
 requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (apesar de este 
 não constituir modo nem momento adequado para a suscitação, pela primeira vez, 
 de questões de constitucionalidade), da inconstitucionalidade da 
 
 «interpretação normativa» da Relação segundo a qual o vício em causa «apenas 
 poderia ter sido suscitado na 1.ª Instância e não em sede de recurso, como o 
 foi».
 
             A isto acresce que, além desse fundamento, o acórdão recorrido 
 assentou a sua decisão num outro fundamento autónomo (não se mostrar ser a 
 repetição do depoimento essencial ao apuramento da verdade), que seria 
 suficiente, por si só, para manter o decidido, mesmo que fosse possível conhecer 
 da questão de constitucionalidade e que esta obtivesse provimento, o que bem 
 demonstra a inutilidade do conhecimento desta questão.
 
             Termos em que se decide não conhecer da segunda questão de 
 constitucionalidade identificada no requerimento de interposição de recurso.
 
  
 
             3.3. Terceira questão de inconstitucionalidade (reportada ao artigo 
 
 15.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto). 
 
  
 
             3.3.1. No requerimento de interposição do presente recurso de 
 constitucionalidade, refere o recorrente ter suscitado esta questão na 
 motivação e conclusões do recurso para a Relação e no requerimento de pedido de 
 esclarecimento e arguição de nulidade.
 
             As conclusões relevantes daquela motivação são as seguintes:
 
  
 
             «LX. O douto acórdão recorrido condenou o ora recorrente na pena de 
 
 6 anos de prisão para o crime de tráfico e de 1 ano de prisão para o crime de 
 detenção de arma proibida e, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena 
 
 única de 6 anos e 6 meses de prisão, tendo tal decisão assentado, entre outras 
 considerações, no conteúdo do seus antecedentes criminais.
 
             LXI. Nos termos do artigo 15.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 57/98, 
 de 18 de Agosto, deveriam ter sido canceladas automaticamente, e de forma 
 irrevogável, as condenações ainda constantes no registo anteriores a 1 de 
 Junho de 2007.
 
             LXII. O tribunal valorou prova de que não podia conhecer, pois 
 estava proibido por lei de o fazer.
 
             LXIII. Que não se diga que, existindo mais que uma condenação antes 
 do prazo previsto para o cancelamento, jamais é possível o seu cancelamento, 
 porquanto tal interpretação das citadas disposições seria violadora do princípio 
 da dignidade humana e do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), na medida 
 em que permitiria uma «pena» eterna ou ilimitada (cf. artigo 30.º, n.º 1, da 
 nossa Lei Fundamental).
 
             LXIV. O aliás douto acórdão recorrido violou os artigos 126.º e 
 
 369.º, n.º 1, do CPP e o artigo 15.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 57/98, de 18 
 de Agosto, pelo que deve ser considerado nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º 
 
 1, alínea c), do CPP.»
 
  
 
             3.3.2. Quanto à questão suscitada nas conclusões acabadas de 
 transcrever, consignou o acórdão recorrido o seguinte:
 
  
 
             «A nulidade do acórdão por excesso de pronúncia.
 
             10 – Sustenta o recorrente (fls. 101 a 104) que, das sete 
 condenações mencionadas no seu certificado de registo criminal, o tribunal 
 apenas poderia ter atendido às duas últimas, porquanto entre estas e as cinco 
 primeiras decorreram mais de 5 anos, o que deveria ter determinado o 
 cancelamento definitivo destas últimas.
 
             O facto de o tribunal ter atendido a todas para a determinação da 
 medida da pena determinaria a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia 
 
 (artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal), se bem que nesse 
 segmento da motivação se aluda também à existência de uma proibição de prova.
 
             Analisemos então a questão colocada.
 
             De acordo com o artigo 15.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, «são 
 canceladas automaticamente, e de forma irrevogável, no registo criminal», 
 decorridos que sejam cinco anos sobre a respectiva extinção, as decisões que 
 tenham aplicado pena (de prisão) inferior a cinco anos  ‘desde que, entretanto, 
 não tenha ocorrido nova condenação por crime’.
 
             Reconhecido, pelo menos implicitamente, que entre as cinco 
 primeiras condenações não decorreu esse prazo, importa portanto verificar se, 
 entre a data da extinção da última das penas aplicadas por esses crimes e a 
 data do trânsito em julgado da primeira das novas condenações decorreram ou não 
 mais de cinco anos.
 
             A extinção das penas aplicadas nas três primeiras condenações 
 verificou‑se, como se depreende de fls. 2266 a 2268, em 10 de Abril de 2002, 20 
 de Junho de 2000 e 12 de Março de 2002.
 
             Quanto às 4.ª e 5.ª penas aplicadas, do certificado de registo 
 criminal apenas resulta que elas foram declaradas extintas por despachos 
 proferidos em 12 de Novembro de 2002 e em 13 de Janeiro de 2003, não se 
 mencionando aí a data do pagamento das multas.
 
             A dúvida sobre esse facto tem de ser resolvida a favor do arguido, 
 ou seja, considerando que as multas foram pagas no dia imediato ao trânsito em 
 julgado de cada uma das condenações, ou seja, em 6 de Dezembro de 2000 e em 28 
 de Maio de 2002.
 
             Assim sendo, uma vez que entre esta última data (28 de Maio de 2002) 
 e a do trânsito em julgado da primeira das novas condenações (3 de Julho de 
 
 2007) decorreram mais de 5 anos, o tribunal de 1.ª instância apenas poderia ter 
 considerado provado o que consta dos boletins de registo criminal relativos aos 
 processos n.ºs 288/04.8TAALM (fls. 2271) e 414/03.4JASTB (fls. 2272).
 
             Tal proibição de prova, embora implique uma alteração da decisão de 
 facto e a impossibilidade de valoração das restantes condenações, nomeadamente 
 como factor relevante para a determinação da pena concreta, não consubstancia, 
 contudo, a nulidade invocada pelo recorrente.
 
             Na verdade, o tribunal não se pronunciou sobre qualquer questão de 
 que não podia tomar conhecimento. Por insuficiência de preenchimento de dois 
 boletins e deficiência dos serviços de registo criminal, atendeu a condenações 
 que deveriam ter sido canceladas e indevidamente não o foram.»
 
  
 
             3.3.3. No requerimento de aclaração e de arguição de nulidade do 
 acórdão de 17 de Dezembro de 2008, o recorrente, com pertinência para a 
 presente questão, expendeu o seguinte:
 
  
 
             «1. Quanto à prova proibida.
 
             Do esclarecimento (ambiguidade/obscuridade).
 
             Quanto à questão da nulidade do acórdão por excesso de pronúncia 
 levantada pelo recorrente ora arguente:
 
             Fundamenta o Tribunal que: ‘o tribunal de 1.ª instância apenas 
 poderia ter considerado provado o que consta dos boletins de registo criminal 
 relativos aos processos n.ºs 288/04.8TAALM (fls. 2271) e 414/03.4JASTB (fls. 
 
 2272).
 
             Tal proibição de prova, embora implique uma alteração da decisão de 
 facto e a impossibilidade de valoração das restantes condenações, nomeadamente 
 como factor relevante para a determinação da pena concreta, não consubstancia, 
 contudo, a nulidade invocada pelo recorrente.
 
             Na verdade, o tribunal não se pronunciou sobre qualquer questão de 
 que não podia tomar conhecimento. Por insuficiência de preenchimento de dois 
 boletins e deficiência dos serviços de registo criminal, atendeu a condenações 
 que deveriam ter sido canceladas e indevidamente não o foram.’ (sublinhado 
 nosso).
 
             O acórdão é obscuro quando contém algum passo cujo sentido seja 
 ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer.
 
             Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa 
 ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado que não se 
 consegue alcançar.
 
             A ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado, 
 podem razoavelmente atribuir‑se dois ou mais sentidos diferentes.
 
             A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, 
 se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da 
 decisão que se diz ambíguo.
 
             Ora, conquanto o douto acórdão entenda por um lado que a prova é 
 proibida e não podia ser valorada (– dizemos nós – tomar conhecimento dela), 
 por outro, também entende que o mesmo não é nulo por não conhecer de questão que 
 não podia tomar conhecimento, sem que daí retire qualquer consequência 
 jurídica.
 
             O certo é que, se o tribunal a quo não podia valorar tal prova, 
 acabou por fazê‑lo, inquinando assim a prova produzida quanto a essa matéria, 
 e, consequentemente, no que concerne também à determinação da pena em concreto, 
 conforme expressamente o reconhece o acórdão, cujo esclarecimento ora se requer, 
 pois implica ‘uma alteração da decisão de facto e a impossibilidade de 
 valoração das restantes condenações’.
 
             Sempre com o devido respeito, é neste segmento que entendemos que o 
 douto acórdão urge ser esclarecido.
 
             Pois fica‑nos assim a dúvida se, a final, o acórdão fundado em prova 
 proibida é ou não nulo e se tem que ser reformulado em conformidade?
 
             Sem prejuízo da acima exposto, 
 
             Das nulidades:
 
             O tribunal a quo, aquando da determinação da medida concreta da 
 pena, pondera várias circunstâncias, e, entre elas, ‘as condenações já sofridas, 
 pela prática de crimes diversos’, para aplicar a pena de 6 (seis) anos de prisão 
 para o crime de tráfico.
 
             Do mesmo passo, atendeu no mesmo acórdão à ausência de 
 antecedentes criminais quantos aos arguidos C. e E. e à condenação já sofrida 
 por F., pela prática de crime diverso, para a aplicação concreta das medidas da 
 pena, bem como para a suspensão da execução dessas penas.
 
             Tanto assim foi que as arguidas C. e E. também pela ausência de 
 antecedentes criminais, tiveram a mesma pena, relativamente ao arguido D., que 
 foi superior, pois já tinha uma condenação anterior.
 
             Refere o douto acórdão que: ‘Tal proibição de prova, embora implique 
 uma alteração da decisão de facto e a impossibilidade de valoração das 
 restantes condenações, nomeadamente como factor relevante para a determinação 
 da pena concreta (…)’ – o sublinhado é nosso –.
 
             No entanto, no douto acórdão ora em análise, aquando da apreciação 
 da medida concreta da pena, embora reconheça que no registo criminal do arguido 
 não deveriam constar as condenações anteriores, e que no mesmo apenas se 
 elencavam duas condenações posteriores, por crimes diversos, não retira 
 qualquer conclusão da alteração desse facto, mantendo a pena da 1.ª instância 
 quanto ao crime de tráfico, na qual tinham sido valoradas as «condenações já 
 sofridas».
 
             Ou seja, muito embora entenda que o acórdão se fundou em prova 
 proibida, não retira daí as consequências imediatas dessa proibição, não se 
 aferindo qualquer sentido da alteração do facto dado como provado, uma vez que, 
 apesar dessa mesma alteração, tal é inócua e não produz qualquer efeito a favor 
 do arguido.
 
             Ora, sempre ressalvado o devido respeito, que, aliás, é muito, o 
 acórdão fundado em provas proibidas é também ele nulo, o que provoca a nulidade 
 do mesmo uma vez que ele se fundamenta em provas proibidas, sendo obrigatória a 
 decorrência das consequências previstas no artigo 122.º, n.º 1, do CPP (cf. 
 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª ed., 
 Universidade Católica Editora, pág. 964 e seguintes).
 
             Assim, atendendo aos princípios constitucionalmente consagrados, 
 artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a existência de uma prova proibida equivale à 
 nulidade do acórdão, pelo que só poderia vir a ser sanada através da remessa do 
 processo ao tribunal de 1.ª instância para reformulação condigna com a 
 legalidade, prevista no artigo 125.º do CPP, não retirando o direito ao 
 recurso nessa matéria, consequência essa que advém da alteração (dessa matéria) 
 em sede de recurso.
 
             O tribunal ter interpretado que a prova obtida contra o disposto no 
 artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, é uma prova proibida por 
 lei, sem que daí se retire a ilação necessária na medida concreta da pena, é a 
 mesma inconstitucional por violação dos princípios, constitucionalmente 
 consagrados, da segurança jurídica e da igualdade, previstos nos artigos 13.º e 
 
 32.º, n.ºs 1 e 8, da CRP, o que desde já se suscita.»
 
  
 
             3.3.4. Sobre este pedido de esclarecimento e arguição de nulidade 
 teceram‑se, no acórdão de 4 de Fevereiro de 2009, as seguintes considerações:
 
  
 
             «2 – Referindo‑se ao ponto 10 do mencionado acórdão, o recorrente 
 considera obscura a passagem em que este tribunal afirmou o seguinte (p. 43 e 
 
 44):
 
             ‘Assim sendo, uma vez que entre esta última data (28 de Maio de 
 
 2002) e a do trânsito em julgado da primeira das novas condenações (3 de Julho 
 de 2007) decorreram mais de 5 anos, o tribunal de 1ª. Instância apenas poderia 
 ter considerado provado o que consta dos boletins de registo criminal relativos 
 aos processos n.ºs 288/04.8TAALM (fls. 2271) e 414/03.4JASTB (fls. 2272).
 
             Tal proibição de prova, embora implique uma alteração da decisão de 
 facto e a impossibilidade de valoração das restantes condenações, nomeadamente 
 como factor relevante para a determinação da pena concreta, não consubstancia, 
 contudo, a nulidade invocada pelo recorrente.
 
             Na verdade, o tribunal não se pronunciou sobre qualquer questão de 
 que não podia tomar conhecimento. Por insuficiência de preenchimento de dois 
 boletins e deficiência dos serviços de registo criminal, atendeu a condenações 
 que deveriam ter sido canceladas e indevidamente não o foram.’
 
             Embora, a nosso ver, a referida passagem do acórdão permita 
 compreender o sentido dessa parte da fundamentação, não deixaremos, por isso, 
 de satisfazer a pretensão do recorrente.
 
             Vejamos então.
 
             A sentença é nula, nos termos da invocada alínea c) do n.º 1 do 
 artigo 379.º do Código de Processo Penal, nomeadamente quando se tiver 
 pronunciado sobre questão de que não podia tomar conhecimento.
 
             No caso, a questão apreciada pelo tribunal de 1.ª instância foi a da 
 existência de antecedentes criminais do arguido, facto relevante para a 
 determinação da medida da pena.
 
             No caso, aquele tribunal, tendo decidido condenar o arguido, tinha, 
 no momento seguinte, que determinar a sanção que lhe devia ser imposta.
 
             Para esse efeito, o n.º 1 do artigo 369.º do Código de Processo 
 Penal impõe que o tribunal analise, nomeadamente, o que consta do certificado de 
 registo criminal.
 
             Foi o que o tribunal de 1.ª instância fez, tendo considerado 
 provados todos os factos que dele constavam.
 
             O tribunal não conheceu, por isso, qualquer questão de que não 
 pudesse tomar conhecimento.
 
             Não praticou, assim, qualquer nulidade.
 
             Porém, nessa operação, pelos motivos indicados no acórdão, o 
 tribunal considerou assentes factos sobre os quais incidia uma proibição de 
 prova.
 
             Uma vez que essa parte da decisão tinha sido impugnada pelo 
 recorrente e que o processo continha todos os elementos de prova que tinham 
 servido de base à decisão da 1.ª instância, este tribunal alterou a matéria de 
 facto, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pela alínea a) do artigo 
 
 431.º do Código de Processo Penal.
 
             2 – Importa esclarecer que, para este tribunal, a expressão 
 
 «proibição de prova» não é equivalente a «prova proibida», uma vez que a 
 proibição de produção de determinados meios de prova é apenas uma das espécies 
 das proibições de prova.
 
             Se a questão fosse a da simples proibição de utilização daquele 
 concreto meio de prova, o mesmo facto poderia ser provado através de outro meio 
 de prova. Poderia, para o efeito, utilizar‑se uma certidão das condenações 
 anteriores.
 
             Ora, o que está em causa neste caso é a proibição de um tema de 
 prova. Aquela matéria não pode ser objecto de prova.
 
             Também por isso não haveria que anular o acórdão da 1.ª instância e 
 determinar que ele fosse substituído por outro.
 
             3 – Esclareça‑se ainda que pelo facto de este tribunal ter 
 procedido àquela alteração da matéria de facto, não estava obrigado a alterar a 
 pena imposta.
 
             Este tribunal, tendo em conta os factores que apontou nos n.ºs 19 e 
 
 20 do acórdão, entendeu dever mater a pena aplicada quanto ao crime de tráfico 
 de droga, o mesmo não tendo acontecido quanto ao crime de detenção de arma 
 proibida.
 
             Acrescente‑se apenas que, mesmo que existisse qualquer obrigação de 
 alterar a pena do primeiro dos indicados crimes, por este tribunal não tinha 
 sido praticada qualquer nulidade. Tinha cometido um erro ao decidir essa 
 questão.
 
             Não se vê que uma tal decisão contrarie a Constituição, nem foi 
 invocada pelo recorrente qualquer norma (ou dimensão normativa) que este 
 tribunal tenha aplicado que contenda com a Lei Fundamental.»
 
  
 
             3.3.5. Como resulta das transcrições efectuadas, nas conclusões da 
 motivação do recurso penal (supra, 3.3.1.), o recorrente não imputa a nenhuma 
 norma a violação da Constituição, limitando‑se a acusar a decisão judicial então 
 impugnada de violar normas de direito ordinário (os artigos 126.º e 369.º, n.º 
 
 1, do CPP e 15.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 57/98), o que constituiria causa 
 de nulidade dessa decisão. E, no requerimento de aclaração e de arguição de 
 nulidades (supra, 3.3.3.), objecto directo da crítica do recorrente é o próprio 
 acórdão então reclamado, por não ter extraído da constatação do uso pelo 
 tribunal de 1.ª instância de uma prova proibida «a ilação necessária na medida 
 concreta da pena». É, assim, a esta decisão judicial, em si mesma considerada, 
 que se assaca, a par da violação de normas de direito ordinário, a violação dos 
 princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade, o que, como 
 inicialmente se consignou (supra, 2.), não constitui objecto idóneo do recurso 
 de constitucionalidade.
 
             Aliás, nem no requerimento de interposição do presente recurso o 
 recorrente suscita, a este propósito, uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa, pelo que não se conhecerá desta terceira questão.
 
  
 
             3.4. Quarta questão de inconstitucionalidade (reportada aos artigos 
 
 379.º, n.º 1, alínea c), e 412.º, n.º 3, alínea a), do CPP).
 
  
 
             3.4.1. Também quanto a esta questão refere o recorrente tê‑la 
 suscitado na motivação e conclusões do recurso para a Relação e no requerimento 
 de pedido de esclarecimento e arguição de nulidade.
 
             Daquela motivação, respeitam à presente questão as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
             «LV. Da prova produzida em audiência, somos levados a concluir que 
 o acórdão recorrido padece de uma deficiente fundamentação da matéria de facto, 
 considerando que falta o exame crítico da prova que permite ficar a conhecer o 
 processo lógico‑mental que levou a dar como provados os factos que constam da 
 acusação.
 
             LVI. Os vícios do n.º 2 do artigo 410.º hão-de resultar do próprio 
 texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência 
 comum.
 
             LVII. A V. Exas. cabe a verificação da coerência interna e da 
 conformidade da decisão como tem afirmado a jurisprudência do STJ e do 
 Tribunal Constitucional (cf., quanto a este último, o Acórdão de 13 de Outubro 
 de 1998, no Diário da República, II Série, de 13 de Novembro de 1998).
 
             LVIII. Da prova fica‑se sem conseguir precisar porque deu o 
 tribunal recorrido como provados os factos constantes em 2.1.1, 2.1.2, 2.1.4, 
 
 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7, 2.1.8, 2.1.15, 2.1.17, 2.1.17, 2.1.18 e 2.1.19, bem como 
 qual o processo lógico ou mental para dar como provada a matéria acima indicada, 
 isto porque o tribunal, alinhando embora os elementos de prova de que se 
 socorreu, não explicitou o caminho que percorreu para chegar àquela conclusão.
 
             LIX. A fundamentação ‘deverá fazer‑se por indicação dos fundamentos 
 que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a 
 especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões 
 ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no 
 espírito do julgador’ (cf. Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo 
 Civil, p. 434).»
 
  
 
             3.4.2. Quanto a este ponto, lê‑se no acórdão recorrido:
 
  
 
             «A impugnação da decisão de facto.
 
             18 – Uma vez que a impugnação da decisão de facto tinha por base a 
 validade dos meios de prova a que o tribunal de 1.ª instância atendeu e o facto 
 de não terem sido realizadas outras diligências, e não a valoração que a 1.ª 
 instância fez da prova a que atendeu, tendo este tribunal considerado 
 improcedente o recurso quanto àquelas questões, improcedente terá de ser 
 julgado, também nesta parte, o recurso interposto quanto à decisão de facto.»
 
  
 
             3.4.3. No aludido requerimento de aclaração e de arguição de 
 nulidade do primeiro acórdão da Relação, o recorrente suscitou a sua nulidade 
 quanto à impugnação da decisão de facto, nos seguintes termos:
 
  
 
             «2.Quanto à impugnação da decisão de facto:
 
             Da nulidade do acórdão.
 
             O recorrente, na sua motivação de recurso, indicou, nos termos do 
 artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do CPP, os pontos de facto que considerou 
 incorrectamente julgados, tendo inclusivamente indicado, nos termos da 
 respectiva alínea b), as provas que impunham decisão diversa da recorrida.
 
             Indicou como factos incorrectamente considerados provados e não 
 provados, nos parágrafos 2.1.1, 2.1.2, 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7, 2.1.8, 
 
 2.1.15, 2.1.17, 2.1.18, 2.1.19 e 2.2.36 a 2.2.38.
 
             Indicou o leque de recursos probatórios à disposição do Tribunal a 
 quo para o efeito de sustentar a convicção quanto à matéria de facto, 
 nomeadamente, para além dos depoimentos, nomeadamente da co‑arguida, e 
 declarações das testemunhas, os elementos de prova documental constantes de 
 fls. 1545 que não permitiam que o Tribunal a quo desse como assente a 
 factualidade supra exposta.
 
             Indicou os factos que, de acordo com a prova por si considerada 
 relevante (o relatório médico, constante de fls. 1545), que atestava a 
 toxicodependência do arguido, facto esse que deveria ter sido reapreciado por 
 este Venerando Tribunal, o que não aconteceu.
 
             Analisou larga, extensa e profundamente os meios de prova que o 
 tribunal de 1.ª instância invocou para fundamentar a respectiva convicção e 
 explicou profusamente porque não podiam tais meios de prova sustentar o 
 depoimento da co‑arguida uma vez que não dizem respeito ao mesmo hiato 
 temporal.
 
             Não se tratou de opor a convicção do recorrente à convicção do 
 tribunal, tratou‑se de escalpelizar os meios de prova que o tribunal invocou 
 para fundamentar a sua convicção, tratou‑se de sindicar o processo lógico 
 dedutivo que o tribunal descreveu na fundamentação da respectiva convicção, 
 tratou‑se de exercer um direito que se encontra legalmente consagrado e 
 disciplinado e constitucionalmente salvaguardado, o direito a recorrer da 
 matéria de facto para um tribunal de 2.ª instância.
 
             Sobre essas perto de 20 páginas do recurso (págs. 72 a 92), sobre 
 esse recurso devidamente identificado e individualizado, o acórdão recorrido 
 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nem uma linha escreveu, nem uma 
 consideração lhe dedicou. 
 
             O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, seguramente por lapso 
 manifesto, não se pronunciou quanto ao recurso da matéria de facto.
 
             Ao produzir esta afirmação o recorrente não está a invocar uma 
 ausência de fundamentação suficiente por entender que uma fórmula tabelar não 
 constitui uma forma de pronúncia adequada.
 
             Ao produzir esta afirmação o recorrente não está a invocar a 
 impossibilidade de descortinar no meio de caótica fundamentação os fundamentos 
 e a decisão que levam ao indeferimento ou indeferem a sua pretensão de recurso 
 fáctico.
 
             Ao produzir esta afirmação o recorrente não está a manifestar uma 
 discordância com uma qualquer decisão que declare insindicável a convicção dos 
 juízes e, por isso, inútil o seu recurso em matéria de facto.
 
             Ao produzir esta afirmação o recorrente exprime a certeza que o 
 Tribunal da Relação de Lisboa não apreciou o seu recurso de matéria de facto.
 
             Certeza que lhe advém da afirmação, seguramente, mais uma vez, por 
 lapso manifesto, de que o recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, com 
 base na validade dos meios de prova ‘e não a valoração que a 1.ª instância fez 
 da prova a que atendeu’.
 
             Era nesta sede, do recurso da matéria de facto, que se definia a 
 essência do recurso, porque é este recurso o único que assegura as garantias de 
 defesa, já que permite, com recurso à análise de todos os meios de prova 
 produzidos, sindicar o processo de formação da convicção do tribunal julgador.
 
             Todos os outros meios de recurso, seja os vícios previstos no artigo 
 
 410.º do CPP, seja as nulidades ou ilegalidades alegáveis em sede de matéria de 
 direito, estão limitados por critérios substancialmente formais, pois são vícios 
 que devem resultar do próprio texto ou conteúdo da decisão recorrida.
 
             O erro de julgamento, o erro de análise e ponderação da prova só 
 pode ser atacado e corrigido por via do recurso de matéria de facto, 
 representando a possibilidade da respectiva interposição e subsequente decisão a 
 mais eficaz garantia contra o arbítrio, o excesso de convicção, o voluntarismo e 
 o justicialismo traduzidos em condenações sem prova ou mesmo contra a prova.
 
             Porque na administração da justiça os postulados de princípio só 
 adquirem pleno significado quando referidos ao caso concreto, analise‑se a 
 essencialidade do recurso de matéria de facto interposto e dos meios de prova 
 invocados na sua relação com a decisão do tribunal de recurso num pormenor 
 vital para a credibilidade das testemunhas incriminatórias.
 
             O recurso de matéria de facto, ao invés, parte de um quadro aberto, 
 em que o espaço para a dúvida e a correcção é total, sem restrições do já 
 escrito, do já decidido, do já considerado.
 
             A ausência de apreciação do recurso de matéria de facto por 
 Tribunal da Relação constitui, por tudo isto, nas palavras de acórdão do STJ, 
 
 ‘uma violação insuprível do direito ao recurso na dimensão que hoje, 
 inequivocamente, comporta, de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, 
 e, por essa via, do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República, e, mesmo, 
 dos direitos de defesa, também ali garantidos, a demandar por essa via a 
 correspectiva nulidade dos actos ofensivos’.
 
             Mais recentemente, numa questão em tudo similar à nossa, decidiu o 
 STJ, processo n.º 3656/06‑3, de 29 de Novembro de 2006, que ‘A impugnação da 
 decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do Código de 
 Processo Penal, constitui a forma por excelência do segundo grau de jurisdição 
 em matéria de facto, que obriga em instância de recurso a proceder à 
 reapreciação da prova, no âmbito da impugnação, sem o que o direito a esse grau 
 de jurisdição ficará praticamente inutilizado. Isto, como é evidente, no caso 
 de a impugnação ter sido efectuada na forma legal.’
 
             Assim, ao não conhecer do recurso de matéria de facto interposto 
 pelo arguido recorrente, omitindo‑lhe qualquer análise ou referência, o 
 Venerando Tribunal da Relação de Lisboa incorreu na nulidade de omissão de 
 pronúncia prevista no artigo 379.º, alínea c), do CPP.
 
             Deve, em consequência, o julgamento realizado no Venerando Tribunal 
 da Relação de Lisboa ser anulado, incluindo‑se nessa decisão de anulação o 
 respectivo acórdão.
 
             Tal omissão de conhecimento do recurso de matéria de facto 
 configura ainda uma clara inconstitucionalidade por violação do direito ao 
 recurso e ao duplo grau de jurisdição salvaguardados pelo artigo 32.º, n.º 1, da 
 CRP.
 
             Como lapidarmente se afirma em decisão do Tribunal Constitucional 
 citada no aresto do STJ supra referido: ‘A plenitude das garantias de defesa, 
 emergente do artigo 32.º, n.º 1, do texto constitucional, significa o assegurar 
 em toda a extensão racionalmente justificada de “mecanismos” possibilitadores 
 de efectivo exercício desse direito de defesa em processo criminal, incluindo o 
 direito ao recurso (o duplo grau de jurisdição) no caso de sentenças 
 condenatórias (v. os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 40/84, 55/85 e 17/86, 
 respectivamente nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3.º, p. 241, e 
 vol. 5.º, p. 461, e Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1986)’.
 
             Nestes termos, desde já se invoca e argúi a referida 
 inconstitucionalidade quer para apreciação por esse Tribunal.
 
             Por outro lado, uma vez que o tribunal interpretou não reapreciar a 
 valoração da prova feita pela 1.ª instância, alicerçando a sua fundamentação 
 na legalidade dos meios de prova, tal interpretação leva a que não seja feito 
 qualquer juízo valorativo sobre a matéria de facto impugnada, o que não se 
 compadece com os direitos do arguido/recorrente constitucionalmente 
 consagrados, (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), e que se revela no duplo grau de 
 jurisdição sobre a matéria de facto, o que desde já se suscita com os devidos e 
 legais efeitos.
 
             Donde, não tendo o acórdão recorrido apreciado o recurso na 
 referida dimensão, imposta pela respectiva motivação, omitiu pronúncia sobre 
 questões de que era obrigado a conhecer, razão porque entendemos que está 
 ferido de nulidade, nos termos dos artigos 428.º, n.º 1, 431.º, 425.º, n.º 4, e 
 
 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.»
 
  
 
             3.4.4. Sobre esta arguição de nulidade, o acórdão de 4 de Fevereiro 
 de 2009 expendeu o seguinte:
 
  
 
 «5 – O recorrente sustenta ainda que o acórdão proferido por este tribunal é 
 nulo por não ter apreciado a impugnação da decisão de facto.
 
             Sobre essa matéria mantemos o entendimento, em geral, expresso em 
 diversos acórdãos e sistematizado, nomeadamente, naquele que foi proferido no 
 recurso n.º 8428/2007, de 10 de Outubro de 2007. Não temos sequer a posição 
 restritiva quanto ao recurso da matéria de facto que é mencionada pelo 
 recorrente.
 
             Esse entendimento não é apenas verbalizado em abstracto. É 
 quotidianamente aplicado na apreciação dos recursos por este tribunal.
 
             Ao julgar o presente recurso, este tribunal, depois de se debruçar 
 sobre a impugnação de cada um dos meios de prova produzidos, entendeu, pelos 
 motivos apontados no ponto 18 do acórdão, que nada mais havia a apreciar.
 
             Não existiu, por isso, qualquer omissão de pronúncia e não foi feita 
 uma interpretação restritiva do direito ao recurso quanto à matéria de facto, 
 muito menos uma interpretação que conflitue com o disposto no n.º 1 do artigo 
 
 32.º da Constituição.»
 
  
 
             3.4.5. Também esta última questão não pode ser conhecida, por falta 
 de adequada suscitação e identificação de uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa.
 
             Nas pertinentes conclusões da motivação do recurso penal (supra, 
 
 3.4.1.), o recorrente limita‑se a imputar à decisão judicial então impugnada a 
 falta de fundamentação resultante da ausência de exame crítico das provas, não 
 citando, aliás, qualquer norma ou princípio constitucionais. E na arguição de 
 nulidade do acórdão da Relação (supra, 3.4.3.), o que ele reputa 
 inconstitucional é a omissão, que teria sido praticada por esse tribunal 
 superior, do conhecimento do recurso da matéria de facto. De novo, a violação 
 da Constituição é directamente imputada à decisão judicial – o que se repete no 
 próprio requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade –, o 
 que não constitui objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
 
             Por outro lado, o critério que o Tribunal da Relação seguiu foi o de 
 que «uma vez que a impugnação da decisão de facto tinha por base a validade dos 
 meios de prova a que o tribunal de 1.ª instância atendeu e o facto de não terem 
 sido realizadas outras diligências, e não a valoração que a 1.ª instância fez 
 da prova a que atendeu, tendo este tribunal considerado improcedente o recurso 
 quanto àquelas questões, improcedente terá de ser julgado, também nesta parte, 
 o recurso interposto quanto à decisão de facto», não competindo ao Tribunal 
 Constitucional sindicar, em concreto, a correcta aplicação deste critério, mas 
 apenas constatar não ter sido o mesmo critério, enquanto critério normativo, 
 objecto de acusação de violador da Constituição por parte do recorrente.
 
  
 
             3.5. Pelas razões indicadas em 3.1.3., 3.2.3., 3.3.5. e 3.4.5. não é 
 possível conhecer de nenhuma das questões que integravam o objecto do presente 
 recurso.”
 
  
 
                         1.2. Na reclamação agora apresentada, o recorrente 
 manifesta a sua discordância quanto à decisão de não conhecimento das primeira 
 e quarta questões de inconstitucionalidade, conformando‑se com o não 
 conhecimento das segunda e terceira questões, nas seguintes termos:
 
  
 
             “1. A douta decisão sumária fundamentou que, quanto à 1.ª questão: 
 
 «… não pode ser conhecida por duas ordens de razões: primeiro, porque a questão, 
 tal como foi suscitada pelo recorrente (supra, 3.1.1), carece de natureza 
 normativa, uma vez que não vem identificada, com precisão, uma interpretação 
 normativa dotada de generalidade e abstracção que se considere desconforme com 
 princípios ou normas constitucionais, limitando‑se o recorrente a questionar, 
 atentas as irrepetíveis particularidades do caso concreto, a correcção do 
 comportamento processual dos intervenientes processuais, designadamente dos 
 juízes de instrução, no âmbito da intercepção de conversações telefónicas; e 
 depois, porque o critério normativo indicado no requerimento de interposição de 
 recurso como integrando o objecto desta primeira questão não coincide com o 
 critério normativo efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão 
 recorrido.
 
             Na verdade, naquele requerimento, o recorrente indicou como 
 pretendendo ver apreciada a constitucionalidade de um ‘critério normativo’, que 
 supostamente teria sido seguido pelo acórdão recorrido, e que extrairia ‘de um 
 facto negativo (a não existência de despacho) um facto positivo, qual seja “… 
 não se poder deixar de concluir que tal (isto é, a audição das gravações ou a 
 tomada de conhecimento, por outra forma, do seu conteúdo) sucedeu 
 efectivamente…”’. Ora, não foi esse o critério adoptado no acórdão recorrido, 
 como inequivocamente resulta das seguintes passagens, já reproduzidas em 3.1.2:
 
             ‘14 – Tendo em conta a regularidade com que foram elaboradas os 
 relatórios policiais, o seu conteúdo, os elementos com ele juntos, o facto de 
 com eles sempre terem sido remetidos os CD contendo as gravações efectuadas (e 
 na única vez que isso não aconteceu, eles terem sido pedidos, só tendo sido 
 validadas as gravações determinadas as transcrições depois da sua 
 apresentação), o teor dos despachos proferidos, que diversas vezes limitaram os 
 prazos sugeridos para a duração das intercepções e, por uma vez, indeferiram o 
 pedido de transcrição de algumas delas, e ainda o facto de, quando se tratou de 
 validar intercepções de conversações em crioulo, ter realizada diligência 
 adequada ao conhecimento prévio do conteúdo da gravação efectuada, não se pode, 
 no nosso modo de ver, afirmar que os magistrados que praticaram esses actos não 
 ouviram ou, por outro modo, não tiverem prévio conhecimento do conteúdo das 
 gravações efectuadas e da sua relevância para o apuramento da verdade, razão 
 pela qual não se vê qualquer motivo para declarar a nulidade da prova documental 
 através deste meio de prova…’
 
             Por estas razões, não se conhecerá da primeira questão de 
 inconstitucionalidade suscitada no requerimento de interposição de recurso.»
 
             2. Ora com o devido respeito pela douta decisão sumária, certo é 
 que, na alínea a) da motivação apresentada pelo ora reclamante, se identifica, 
 com precisão, uma interpretação normativa dotada de generalidade e abstracção, 
 qual seja:
 
  
 
             «Importante é que exista despacho judicial no sentido de que 
 previamente à ordem de transcrição e destruição das escutas telefónicas, 
 conste dos autos que o juiz procedeu à sua audição, ou leu os resumos dos 
 excertos de eventuais transcrições, ou mesmo o resumo do conteúdo das sessões 
 que mandou transcrever ou destruir, isto na esteira e com os argumentos da 
 melhor interpretação ao citado artigo 188.º, n.º 1, do CPP, feita pelo nosso 
 Tribunal Constitucional sob pena de ser interpretado inconstitucionalmente por 
 violação do n.º 8 do artigo 32.º, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP. (cf., por todos, 
 mui douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/2005, de 26 de Agosto de 
 
 2005, processo n.º 487/05 da 2.ª Secção, relatado pelo Ex.mo Senhor Conselheiro 
 Mário Torres, especialmente no que concerne à necessidade de o juiz ouvir 
 previamente as sessões (pelo menos as indicadas pelos OPC), ou por alguma forma, 
 consignar em despacho, inequivocamente, que tomou conhecimento do conteúdo das 
 mesmas antes de ordenar a transcrição e destruição das comunicações telefónicas 
 efectuadas.»
 
  
 
             3. Ora, é esta interpretação normativa do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 
 
 4, do CPP, que o ora reclamante pretende que seja apreciada por este Venerando 
 Tribunal, no que respeita à sua conformidade com a Lei Fundamental, porquanto 
 este dispositivo legal foi interpretado de forma diametralmente oposta pelo 
 douto acórdão recorrido, quando extrai do mesmo que «embora não conste dos 
 despachos proferidos que foram ouvidas as gravações ou que, por outra forma, a 
 Sr.ª juíza tomou conhecimento do seu conteúdo, não se pode deixar de concluir 
 que tal sucedeu efectivamente e que a selecção efectuada materializa um critério 
 judicial que atende à relevância da prova ‘à charge et à décharge’ e não apenas 
 ao ponto de vista da investigação.» (sublinhado nosso).
 
             4. Salvo o devido respeito por opinião contrária, a interpretação 
 que o acórdão recorrido extraiu das normas supra referidas também é genérica e 
 abstracta, pois, muito embora particularize a questão, o que é facto é que o 
 processo lógico‑racional que foi seguido para atingir a conclusão no caso 
 concreto, resulta, necessariamente, de uma interpretação genérica e abstracta da 
 norma cuja constitucionalidade se pretende que seja apreciada, até porque a 
 questão da constitucionalidade foi expressamente suscitada pelo recorrente.
 
             A entender‑se de forma diferente, então, teríamos de admitir que o 
 Tribunal recorrido, quando decide com base numa norma cuja interpretação 
 normativa face à CRP foi suscitada, não formula qualquer juízo de natureza 
 constitucional sobre a mesma, limitando‑se a aplicá‑la tout court.
 
             5. Por outro lado, mais uma vez, salvo o devido respeito, a ratio 
 decidendi no acórdão recorrido, em termos abstractos e genéricos, é que, 
 independentemente do caso concreto e da tramitação operada – quanto a nós, 
 irrelevante –, é desnecessário consignar expressamente no processo que «o Juiz 
 não deixou de tomar conhecimento do seu conteúdo».
 
             6. De uma forma mais simplista e porque não somos dotados de 
 sapiência Divina, certo é que, embora reconhecendo a bondade, lealdade, isenção 
 e imparcialidade do julgador, também não menos certo que, como já alguém disse, 
 
 «o que não está no processo, não está no mundo».
 
             7. Ora, a questão que se colocou, de forma abstracta e genérica, é a 
 de saber se a interpretação normativa extraída do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, 
 do CPP permite que o Juiz ordene a transcrição e a destruição das escutas 
 telefónicas, sem necessidade de por qualquer forma exarar, em despacho, que 
 procedeu «à sua audição» ou «à sua leitura».
 
             8. Na verdade, tudo se resumiu à questão de saber se «de um facto 
 negativo se pode extrair um facto positivo».
 
             9. É ou não é verdade que, independentemente das vicissitudes 
 processuais, o acórdão recorrido extrai, das normas acima conjugadas, a 
 desnecessidade de despacho a constar que procedeu à audição das transcrições 
 telefónicas?
 
             10. É ou não é verdade que, ao interpretar essa norma, fica o 
 recorrente e qualquer cidadão sem a garantia de que, efectivamente, tal sucedeu?
 
             11. Quanto à segunda questão e independentemente de entendermos que 
 se tratou de um erro de julgamento, aceitamos que existe inutilidade do 
 conhecimento da mesma, como bem se espelha pelos fundamentos da douta decisão 
 sumária.
 
             12. Da mesma forma, se entende concordar com a douta decisão 
 sumária, quanto à terceira questão, quando consigna que se assaca à decisão 
 inicial a violação de normas de Direito Ordinário, que não é objecto idóneo de 
 recurso de constitucionalidade.
 
             13. Aliás, a este propósito, com pena nossa, na medida em que esta 
 Alto Tribunal não é «um Tribunal de amparo», não podemos deixar de consignar 
 que, intrinsecamente, o acórdão recorrido possa ter admitido «um erro ao 
 decidir essa questão».
 
             14. Quanto à quarta questão, em sede de motivação, suscitou‑se o 
 seguinte:
 
             
 
             «O recorrente na sua motivação de recurso indicou, nos termos do 
 artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do CPP, os pontos de facto que considerou 
 incorrectamente julgados, tendo inclusivamente indicado, nos termos da 
 respectiva alínea b), as provas que impunham decisão diversa da recorrida.
 
             Tal omissão de conhecimento do recurso de matéria de facto 
 configura uma clara inconstitucionalidade por violação do direito ao recurso e 
 ao duplo grau de jurisdição salvaguardados pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
 
             Uma vez que o tribunal interpretou não reapreciar a valoração da 
 prova feita pela 1.ª instância, alicerçando a sua fundamentação na legalidade 
 dos meios de prova, tal interpretação leva a que não seja feito qualquer juízo 
 valorativo sobre a matéria de facto impugnada, o que não se compadece com os 
 direitos do arguido/recorrente constitucionalmente consagrados (artigo 32.º, 
 n.º 1, da CRP), e que se revela no duplo grau de jurisdição sobre a matéria de 
 facto.»
 
  
 
             15. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, perante esta 
 formulação, entendemos que, ao contrário do que vem referido na douta decisão 
 sumária, o recorrente suscitou e identificou uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, citando a correspondente norma e princípio 
 constitucionais.
 
             16. Na verdade, ao referir que, como acima já se transcreveu – que o 
 tribunal interpretou não reapreciar a valoração da prova feita pela 1.ª 
 instância, alicerçando a sua fundamentação na legalidade dos meios de prova, tal 
 interpretação leva a que não seja feito qualquer juízo valorativo sobre a 
 matéria de facto impugnada, o que não se compadece com os direitos do 
 arguido/recorrente constitucionalmente consagrados (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), 
 e que se revela no duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto – coarctou 
 o direito ao recurso sobre a matéria de facto.
 
             17. Ora, interpretar‑se o artigo 412.º, n.º 3, alínea a), no sentido 
 de que basta o Tribunal valorar a legalidade dos meios de prova, para que não 
 haja necessidade de fazer o exame crítico dos pontos de facto que o recorrente 
 entendeu incorrectamente julgados, será o mesmo que, na prática, obstaculizar a 
 que exista um efectivo duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto. 
 
             Nestes termos e nos mais de direito REQUER a V. Exas. que, em 
 conferência decidam admitir o recurso, seguindo-se os ulteriores termos.”
 
  
 
                         1.3. O representante do Ministério Público neste 
 Tribunal respondeu, sustentando que “a presente reclamação é manifestamente 
 improcedente”, pois “a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos 
 da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do 
 recurso”.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Como já se consignou, o recorrente manifestou 
 expressa conformidade com a decisão sumária na parte em que se entendeu não ser 
 possível conhecer das segunda e terceira questões de inconstitucionalidade 
 identificadas no requerimento de interposição de recurso, pelo que, na presente 
 reclamação, apenas está em causa o conhecimento das primeira e quarta questões 
 de inconstitucionalidade aí identificadas.
 
  
 
                         2.1. Quanto à primeira questão, a decisão sumária 
 fundamentou o não conhecimento em duas razões: (i) não ter o recorrente 
 suscitado, perante o tribunal recorrido, em termos processualmente adequados, 
 uma questão de inconstitucionalidade normativa; e (ii) não coincidir o critério 
 normativo indicado no requerimento de interposição de recurso com o critério 
 normativo efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido.
 
                         O aduzido pelo recorrente na sua reclamação não abala 
 nenhum destes fundamentos.
 
                         No que respeita ao primeiro, basta reler o aduzido pelo 
 recorrente na motivação do recurso penal (cf. n.º 3.1.1. da decisão sumária) 
 para se constatar que em parte alguma se identifica, com precisão, uma 
 interpretação normativa dotada de generalidade e abstracção que se considere 
 desconforme com princípios ou normas constitucionais, limitando‑se o 
 recorrente a questionar, atentas as irrepetíveis particularidades do caso 
 concreto, a correcção do comportamento processual dos intervenientes 
 processuais, designadamente dos juízes de instrução, no âmbito da intercepção de 
 conversações telefónicas, acusando‑os o recorrente de não terem procedido à 
 audição pessoal das gravações, o que seria dedutível da inexistência de 
 despachos em que se exarasse a efectivação dessas audições. Trata‑se de questão 
 que, nos termos em que foi deduzida pelo recorrente na motivação do recurso 
 penal, carece de natureza normativa.
 
                         Por outro lado, o “critério normativo” identificado no 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional – que 
 extrairia “de um facto negativo (a não existência de despacho) um facto 
 positivo, qual seja «… não se poder deixar de concluir que tal [isto é, a 
 audição das gravações ou a tomada de conhecimento, por outra forma, do seu 
 conteúdo] sucedeu efectivamente …»” – manifestamente não corresponde ao 
 adoptado no acórdão recorrido, que não chegou à conclusão da existência de 
 audição judicial das gravações pela circunstância de inexistirem despachos 
 expressos no sentido da realização dessas audições, antes fundou essa conclusão 
 num conjunto de elementos constantes dos autos, extensivamente relatados no n.º 
 
 13 do acórdão recorrido (transcrito no ponto 3.1.2. da decisão sumária), e 
 sintetizado no n.º 14, que novamente se transcreve:
 
  
 
             “14 – Tendo em conta a regularidade com que foram elaborados os 
 relatórios policiais, o seu conteúdo, os elementos com eles juntos, o facto de 
 com eles sempre terem sido remetidos os CD contendo as gravações efectuadas (e, 
 na única vez que isso não aconteceu, eles terem sido pedidos, só tendo sido 
 validadas as gravações e determinadas as transcrições depois da sua 
 apresentação), o teor dos despachos proferidos, que diversas vezes limitaram 
 os prazos sugeridos para a duração das intercepções e, por uma vez, indeferiram 
 o pedido de transcrição de algumas delas, e ainda o facto de, quando se tratou 
 de validar intercepções de conversações em crioulo, ter sido realizada 
 diligência adequada ao conhecimento prévio do conteúdo da gravação efectuada, 
 não se pode, no nosso modo de ver, afirmar que os magistrados que praticaram 
 esses actos não ouviram ou, por outro modo, não tiveram prévio conhecimento do 
 conteúdo das gravações efectuadas e da sua relevância para o apuramento da 
 verdade, razão pela qual não se vê qualquer motivo para declarar a nulidade da 
 prova documental através deste meio obtida, nomeadamente das sessões indicadas 
 pelo recorrente.
 
             Uma vez que não se interpreta o artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, da 
 redacção então vigente do Código de Processo Penal da forma tida por 
 inconstitucional pelo recorrente, não há que apreciar a conformidade dessa 
 interpretação com a lei fundamental.”
 
  
 
                         Justifica‑se, assim, sem necessidade de maiores 
 considerações, que se confirme a decisão de não conhecimento da primeira questão 
 de inconstitucionalidade.
 
  
 
                         2.2. Quanto à quarta questão, a decisão sumária fundou 
 igualmente o seu não conhecimento numa dualidade de razões: (i) não suscitação, 
 perante o tribunal recorrido, de uma questão de inconstitucionalidade normativa, 
 sendo a violação da Constituição imputada directamente a decisões judiciais, e 
 
 (ii) não ter sido o critério efectivamente aplicado por esse tribunal objecto de 
 acusação de violador da Constituição por parte do recorrente.
 
                         Estes fundamentos mantêm inteira validade.
 
                         Na verdade, quer na motivação do recurso para a Relação 
 quer na arguição de nulidade do primeiro acórdão da Relação (cf., 
 respectivamente, as transcrições constantes dos n.ºs 3.4.1. e 3.4.3. da decisão 
 sumária ora reclamada), o recorrente limita‑se a imputar directamente às 
 decisões judiciais então impugnadas a violação de comandos constitucionais – a 
 decisão da 1.ª instância revelaria falta de fundamentação resultante da ausência 
 de exame crítico das provas, e o primeiro acórdão da Relação teria omitido o 
 conhecimento do recurso da matéria de facto –, o que manifestamente não integra 
 objecto idóneo de recurso de constitucionalidade.
 
                         Por outro lado, o critério que o Tribunal da Relação 
 efectivamente aplicou, nesta parte, foi o de que “uma vez que a impugnação da 
 decisão de facto tinha por base a validade dos meios de prova a que o tribunal 
 de 1.ª instância atendeu e o facto de não terem sido realizadas outras 
 diligências, e não a valoração que a 1.ª instância fez da prova a que atendeu, 
 tendo este tribunal considerado improcedente o recurso quanto àquelas questões, 
 improcedente terá de ser julgado, também nesta parte, o recurso interposto 
 quanto à decisão de facto”. Ora, tal critério, enquanto critério normativo, 
 jamais foi objecto de acusação de violador da Constituição por parte do 
 recorrente. Por outro lado, como é sabido, excede os poderes de cognição do 
 Tribunal Constitucional sindicar, em concreto, a correcção da reapreciação da 
 decisão da matéria de facto efectuada pelo Tribunal da Relação.
 
  
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando inteiramente a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 28 de Abril de 2009.
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano
 Rui Manuel de Moura Ramos