 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 913/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         A representante do Ministério Público junto dos Juízos 
 Criminais de Lisboa interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra o despacho de 11 de Abril de 2008 do Juiz do 6.º Juízo Criminal de 
 Lisboa, que recusou, por inconstitucionalidade, a aplicação das normas dos 
 artigos 119.º, alínea f), e 391.º‑D do Código de Processo Penal (CPP), na 
 interpretação segundo a qual “a inviabilidade da realização do julgamento no 
 prazo de 90 dias a contar da dedução da acusação constitui uma nulidade 
 insanável, porquanto tal conduz à alteração da forma de processo abreviado para 
 a forma de processo comum e, assim, de forma mediata, à alteração das regras 
 prévias e expressas que fixam a competência dos tribunais, neste caso, do 
 Tribunal de Pequena Instância Criminal e dos Juízos Criminais de Lisboa, em 
 violação dos artigos 22.º, 23.º, 100.º e 102.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de 
 Janeiro, 119.º, alínea e), do Código de Processo Penal e 32.º, n.º 9, da 
 Constituição da República Portuguesa”.
 
                         O despacho recorrido é do seguinte teor:
 
  
 
             “Questão Prévia: da inconstitucionalidade da interpretação dada à 
 norma contida no actual artigo 391.º‑D do Código de Processo Penal, no sentido 
 de que a inviabilidade da realização do julgamento no prazo de 90 dias constitui 
 uma nulidade insanável.
 
 *
 
             Foi proferido despacho de acusação, no dia 13 de Fevereiro de 2007, 
 imputando ao arguido, por factos indiciariamente praticados no dia 10 de 
 Fevereiro de 2007 e enquadráveis no crime de condução sem habilitação legal, 
 previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, para 
 julgamento em processo abreviado.
 
             Os autos foram remetidos à distribuição no Tribunal de Pequena 
 Instância Criminal a 16 de Março de 2007 (fls. 32), tendo o M.mo Juiz titular 
 do 2.º Juízo, 2.ª Secção, do Tribunal de Pequena Instância de Lisboa recebido a 
 acusação e designado datas para a realização do julgamento, por despacho de 29 
 de Março de 2007.
 
             O processo foi, contudo, novamente concluso ao mesmo M.mo Juiz 
 titular no dia 4 de Janeiro de 2008.
 
             O M.mo Juiz titular do 2.º Juízo, 2.ª Secção, do Tribunal de Pequena 
 Instância de Lisboa, em despacho de 4 de Janeiro de 2008, considerou existir, 
 devido às alterações legislativas introduzidas no Código de Processo Penal pela 
 Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e, em especial, pela introdução do artigo 
 
 391.º‑D em tal diploma, uma nulidade insanável, por emprego de forma de processo 
 especial fora dos casos previstos na lei (artigo 119.º, alínea f), do Código de 
 Processo Penal), proveniente, em síntese, do facto de a audiência de julgamento 
 não poder realizar‑se no prazo de 90 dias, conforme actualmente previsto no 
 mencionado normativo.
 
 *
 
             Cumpre apreciar e decidir.
 
             Deixamos desde já consignado que não se pode concordar com a 
 posição assumida no aliás douto despacho do M.mo Juiz Titular do Tribunal de 
 Pequena Instância de Lisboa, que declarou existir uma nulidade insanável por 
 emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei (artigo 
 
 119.º, alínea f), do Código de Processo Penal).
 
             Com efeito, a acusação deduzida nestes autos respeitou na íntegra o 
 disposto nos artigos 391.º‑A e 391.º‑B do Código de Processo Penal, que, salvo 
 melhor opinião, fixam de forma definitiva quando o uso do processo abreviado 
 deve ter lugar.
 
             Note‑se, antes do mais, que na recente alteração legislativa em 
 causa não foi alterado o disposto no artigo 119.º, alínea f), do Código de 
 Processo Penal, que prevê a existência de nulidade insanável em caso de emprego 
 de forma de processo especial fora dos casos expressamente previstos na lei.
 
             Por outro lado, é um facto que a actual lei, devido às alterações 
 introduzidas pela Lei n.º 48/2007, introduziu um preceito novo, o artigo 
 
 391.º‑D do Código de Processo Penal, e é certo que tal dispositivo legal dispõe 
 que «A audiência de julgamento em processo abreviado tem início no prazo de 90 
 dias a contar da dedução da acusação».
 
             Contudo, o desrespeito do prazo previsto em tal normativo inovador 
 apenas pode consubstanciar uma irregularidade sujeita ao regime do artigo 123.º 
 do Código de Processo Penal, conforme, aliás, se expressa o Venerando 
 Conselheiro Maia Gonçalves no Código de Processo Penal Anotado, na última 
 edição.
 
             Com efeito, escreve aquele mui ilustre autor: «O início da audiência 
 para além de 90 dias a contar da dedução da acusação constitui irregularidade, 
 sujeita ao regime do artigo 123.º» (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal 
 Anotado, Coimbra, Almedina, 2007, p. 824).
 
             Quanto a nós, tal conclusão resulta à evidência, desde logo, com 
 vista a salvaguardar as regras da competência, que são, diríamos nós, sagradas, 
 em termos jurídico‑criminais, e por isso merecedoras da mais alta tutela, ou 
 seja, constitucional, pelo preceituado no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da 
 República Portuguesa, onde se dispõe: «Nenhuma causa pode ser subtraída ao 
 tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior».
 
             Desta norma constitucional emana o princípio do juiz natural ou do 
 juiz legal, que é uma garantia do processo criminal.
 
             Neste âmbito, não pode ser assim descurado o facto de que, na 
 Comarca de Lisboa, a competência para o julgamento dos processos abreviados está 
 expressamente atribuída ao Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa 
 
 (artigo 102.º, n.º 1, da LOFTJ).
 
             Tal regra de competência, numa interpretação de acordo com a 
 Constituição, não pode ser, de forma alguma, violada.
 
             Recorde‑se que a norma constitucional em referência (artigo 32.º, 
 n.º 9, da CRP) tem outros reflexos na legislação ordinária.
 
             Neste âmbito, destacam‑se os artigos 22.º e 23.º da LOFTJ (Lei n.º 
 
 3/99, de 13 de Janeiro), onde se prevê:
 
  
 
             «Artigo 22.º (Lei reguladora da competência)
 
             1 – A competência fixa‑se no momento em que a acção se propõe, 
 sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.
 
             2 – São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto 
 se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída 
 competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa.
 
  
 
             Artigo 23.º (Proibição de desaforamento)
 
             Nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal competente para outro, 
 a não ser nos casos especialmente previstos na lei.»
 
  
 
             A consequência mediata da declaração de nulidade insanável do 
 processado, por emprego de processo especial fora dos casos expressamente 
 previstos na lei, é a alteração do tribunal competente para proceder ao 
 julgamento da causa, porquanto, passando o processo a seguir a forma comum, na 
 comarca de Lisboa (e todas as outras comarcas onde se encontram instalados 
 tribunais de pequena instância criminal), o tribunal competente para o 
 julgamento passa a ser um Juízo Criminal (artigo 100.º da LOFTJ).
 
             Assim sendo, seguindo um entendimento onde a declaração de nulidade 
 do processado anterior conduz a uma alteração da forma do processo e, em 
 consequência, a uma alteração de competência do tribunal, neste caso, para o 
 julgamento do processo abreviado, fixada expressamente no já aludido artigo 
 
 102.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, afigura‑se que tal despacho 
 provoca um desaforamento que não está especialmente previsto na lei, em 
 violação expressa do artigo 23.º da LOTFJ e do próprio princípio do juiz 
 natural ou legal, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 9, da CRP.
 
             O princípio do juiz natural ou legal, conforme nos recordam J. J. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 525, comporta 
 várias dimensões fundamentais, a saber:
 
  
 
             «... (a) exigência de determinabilidade, o que implica que o juiz 
 
 (ou juízes) chamado(s) a proferir decisões num caso concreto estejam previamente 
 individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível 
 inequívoca; (b) princípio da fixação de competência, o que obriga à observância 
 das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos 
 preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do 
 juiz da causa; (c) observância das determinações de procedimento referentes à 
 divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a 
 fixação de um plano de distribuição de processos ...»
 
  
 
             Resulta, pois, da exposta doutrina que a lei que fixa a competência 
 deve estar individualizada através de uma lei geral, de uma forma o mais 
 possível inequívoca, devendo tais regras ser respeitadas quer de forma mediata 
 quer de forma imediata, com tutela mesmo ao nível do plano de distribuição dos 
 processos.
 
             Ora, a interpretação que o despacho em causa realiza do disposto nos 
 artigos 391.º‑D e 119.º, alínea f), do Código de Processo Penal põe em causa, 
 conforme resulta da presente exposição, de forma mediata mas evidente, as regras 
 da competência expressamente consagradas no artigo 102.º, n.º 1, da LOFTJ.
 
             Sufragando a interpretação do despacho em causa, a forma do processo 
 e, de forma mediata, a competência para o julgamento dos processos fica, além do 
 mais, dependente das contingências particulares da vida humana, pois será a 
 agenda do juiz, o tempo na distribuição e conclusão do processo pela Secção de 
 processos, eventuais atrasos dos CTT, baixas por doença dos titulares do 
 respectivo tribunal, licenças de maternidade ou paternidade, que determinarão 
 ou não a possibilidade da realização do julgamento no prazo de 90 dias a contar 
 da dedução da acusação, conforme actualmente previsto no artigo 391.º‑D do 
 Código de Processo Penal, e assim o emprego da forma especial do processo e a 
 competência do Tribunal de Pequena Instância Criminal para o julgamento.
 
             Ora, deste modo, a competência do tribunal fica sujeita a uma 
 evidente indeterminabilidade e a regra da competência pré‑fixada na lei a uma 
 notória subjectividade, em clara violação do artigo 32.º, n.º 9, da CRP.
 
             Neste âmbito, recorde‑se o que os doutos constitucionalistas citados 
 referem a este respeito: «A escolha do tribunal competente deve resultar de 
 critérios objectivos predeterminados e não de critérios subjectivos» (ibidem). A 
 lei é geral e abstracta, e tais pressupostos, em matéria de competência, 
 fazem‑se sentir no mais elevado dos planos jurídicos, o constitucional.
 
             Devido à importância da generalidade e abstracção na fixação das 
 regras da competência, donde emana o já invocado princípio do juiz natural ou 
 legal, o Código de Processo Penal não podia deixar de enquadrar violações a tais 
 regras nos mais intensos vícios processuais, ou seja, nos que consubstanciam 
 nulidades insanáveis, em concreto previsto no artigo 119.º, alínea e), do Código 
 de Processo Penal.
 
             Nem se diga, contra a interpretação que aqui se expõe, que a 
 alteração da forma do processo e, em consequência, da competência dos tribunais, 
 vem reforçar os direitos dos arguidos inicialmente submetidos ao julgamento em 
 processo abreviado, porquanto, actualmente, devido às alterações introduzidas 
 pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, esta forma de processo deixou de prever o 
 debate instrutório, anteriormente previsto para esta forma do processo no artigo 
 
 391.º‑C, n.º 2, do Código de Processo Penal, sendo certo que, com a passagem à 
 forma do processo comum, o arguido volta a ter direito à instrução.
 
             Tal argumento, desde logo, enferma de um vício de lógica, porquanto, 
 no caso concreto, tendo sido o arguido notificado do despacho de acusação, 
 deduzido sob a forma abreviada, foi‑o ao abrigo da lei antiga, ou seja, quando 
 tinha o direito de requerer debate instrutório, não tendo o arguido usado de tal 
 faculdade.
 
             Entendemos, pois, que o despacho em causa, além de violar as normas 
 da LOFTJ e a norma da CRP já acima citadas, viola ainda o princípio da 
 aplicação da lei processual no tempo, que dispõe que a lei processual penal não 
 deve ser aplicada aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, quando 
 da sua aplicabilidade imediata possa resultar quebra da harmonia e unidade dos 
 vários actos do processo, sendo certo que ao abrigo da anterior lei não 
 resultava qualquer agravamento sensível e ainda evitável da situação processual 
 do arguido, nomeadamente a limitação dos seus direitos de defesa (artigo 5.º, 
 n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal).
 
             Em suma, o despacho proferido pelo M.mo Juiz, salvo melhor 
 entendimento, mais não faz do que pronunciar‑se, através da declaração da 
 nulidade do emprego do processo abreviado, de forma mediata e inconstitucional, 
 sobre as regras da competência dos tribunais comuns, anteriormente fixadas pelo 
 legislador, violando diversas normas da legislação ordinária que mais não visam 
 do que dar corpo ao princípio constitucional do juiz legal, consagrado no artigo 
 
 32.º, n.º 9, da Constituição.
 
             Neste contexto, a interpretação dada à norma contida no actual 
 artigo 391.º‑D do Código de Processo Penal, no sentido de que a inviabilidade da 
 realização do julgamento no prazo de 90 dias constitui uma nulidade insanável, 
 que conduz, por sua, vez, à alteração da competência dos tribunais, neste caso, 
 do Tribunal de Pequena Instância Criminal e dos Juízos Criminais de Lisboa, é, 
 salvo melhor entendimento, inconstitucional, por violar o disposto no artigo 
 
 32.º, n.º 9, da Constituição.
 
             Assim sendo, aceitar a aplicação das normas contidas nos artigos 
 
 119.º, alínea f), e 391.º‑D do Código de Processo Penal, na interpretação que 
 lhes foi dada no despacho em causa, e aceitando, assim, em consequência, a 
 competência para o julgamento dos presentes autos, constitui, quanto a nós, uma 
 inconstitucionalidade, que nos é vedada pelo mais elevado dever do juiz de 
 respeito à Constituição da República Portuguesa.
 
             Terá de ser pelo estabelecido nos artigos 391.º‑A e 391.º‑B que se 
 considera fixada a possibilidade do uso do processo especial abreviado e, em 
 consequência, terá de ser pela verificação dos pressupostos aí previstos que se 
 considera fixada a competência do Tribunal de Pequena Instância Criminal e 
 Juízos Criminais de Lisboa, em respeito pelas normas de competência previstas 
 nos artigos 100.º, 102.º, n.º 1, 22.º e 23.º da LOFTJ.
 
             Recorde‑se, para terminar, que aqueles dispositivos do Código de 
 Processo Penal dispõem:
 
  
 
             «Do processo abreviado
 
             Artigo 391.º‑A (Quando tem lugar)
 
             1 – Em caso de crime punível com pena de multa ou com pena de prisão 
 não superior a 5 anos, havendo provas simples e evidentes de que resultem 
 indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, o 
 Ministério Público, em face do auto de notícia ou após realizar inquérito 
 sumário, deduz acusação para julgamento em processo abreviado.
 
             2 – São ainda julgados em processo abreviado, nos termos do número 
 anterior, os crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a 5 
 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na 
 acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão 
 superior a 5 anos.
 
             3 – Para efeitos do disposto no n.º 1, considera‑se que há provas 
 simples e evidentes quando, nomeadamente:
 
             a) O agente tenha sido detido em flagrante delito e o julgamento não 
 puder efectuar‑se sob a forma de processo sumário;
 
             b) A prova for essencialmente documental e possa ser recolhida no 
 prazo previsto para a dedução da acusação; ou
 
             c) A prova assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme 
 dos factos.
 
  
 
             Artigo 391.º‑B (Acusação, arquivamento e suspensão do processo)
 
             1 – A acusação do Ministério Público deve conter os elementos a que 
 se refere o n.º 3 do artigo 283.º. A identificação do arguido e a narração dos 
 factos podem ser efectuadas, no todo ou em parte, por remissão para o auto de 
 notícia ou para a denúncia.
 
             2 – A acusação é deduzida no prazo de 90 dias a contar da:
 
             a) Aquisição da notícia do crime, nos termos do disposto no artigo 
 
 241.º, tratando‑se de crime público; ou
 
             b) Apresentação de queixa, nos restantes casos.
 
             3 – Se o procedimento depender de acusação particular, a acusação 
 do Ministério Público tem lugar depois de deduzida acusação nos termos do artigo 
 
 285.º.
 
             4 – É correspondentemente aplicável em processo abreviado o 
 disposto nos artigos 280.º a 282.º.»
 
  
 
             A forma do processo e, consequentemente, a competência do Tribunal 
 de Pequena Instância Criminal e Juízos Criminais de Lisboa fixa‑se, pois, de 
 acordo com estes dispositivos e não de acordo com o preceituado no artigo 
 
 391.º‑D do mesmo diploma.
 
             Pelo exposto e decidindo:
 
             A) Recusa‑se, por inconstitucional, a interpretação dada aos artigos 
 
 119.º, alínea f), e 391.º‑D do Código de Processo Penal e a sua subsequente 
 aplicação, no sentido de que a inviabilidade da realização do julgamento no 
 prazo de 90 dias a contar da dedução da acusação constitui uma nulidade 
 insanável, porquanto tal conduz à alteração da forma de processo abreviado para 
 a forma de processo comum e, assim, de forma mediata, à alteração das regras 
 prévias e expressas que fixam a competência dos tribunais, neste caso, do 
 Tribunal de Pequena Instância Criminal e dos Juízos Criminais de Lisboa, em 
 violação dos artigos 22.º, 23.º, 100.º e 102.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de 
 Janeiro, artigo 119.º, alínea e), do Código de Processo Penal, e artigo 32.º, 
 n.º 9, da Constituição da República Portuguesa;
 
             B) Em consequência, declara‑se este tribunal incompetente para a 
 realização do julgamento e recusa‑se o recebimento destes autos.”
 
  
 
                         Neste Tribunal, o representante do Ministério Público 
 apresentou alegações, concluindo:
 
  
 
             “Tendo em conta que a fundamentação que subjaz ao despacho 
 recorrido se abriga na violação de normas legais ordinárias, relativas à 
 aplicação da lei no tempo quanto aos requisitos da forma especial de processo, 
 há que concluir, assim, não se estar perante uma verdadeira questão de 
 inconstitucionalidade normativa, pelo que não deve tomar‑se conhecimento do 
 recurso”.
 
  
 
                         Esta posição foi alicerçada nas seguintes considerações:
 
  
 
             “[III] 1. Como bem resulta dos autos, o que ressalta sem dúvida 
 alguma, é uma divergência, entre dois juízes, sobre a interpretação a conferir a 
 uma lei nova e as consequências que daí podem advir dessas interpretações.
 
             2. Com efeito, enquanto que o Juiz a quo (Tribunal Criminal) entende 
 que a lei nova não afecta a forma de processo que se iniciou antes da entrada em 
 vigor desta, já o juiz do TPIC não o entendeu assim, considerando que a «nova 
 fórmula» quanto à possibilidade de uso da forma de processo abreviado se 
 aplicava desde logo, retroagindo o efeito dessa lei nova.
 
             3. O Juiz do TPIC, no fundo, considera que uma alteração legal 
 superveniente determina, ipso facto, «erro» na forma de processo! E o Juiz do 
 Tribunal Criminal entende que não!
 
             4. Assim sendo, o fundamento (essencial) para a decisão tomada pelo 
 Juiz a quo, e por este invocada expressamente, é o da violação de comandos 
 legais relativos quer à competência dos Tribunais (v. g. artigos 22.º, 23.º, 
 
 100.º e 102.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), quer à «qualificação» 
 de eventuais «irregularidades» ou «ilegalidades» (v. g. artigo 119.º, alínea e), 
 do CPP).
 
             5. Decorre ainda que o que é logicamente anterior, no pressuposto 
 interpretativo que subjaz a ambos os Tribunais, é tão‑somente (mas crucial), a 
 perspectiva legal sobre a aplicação da lei no tempo quanto às novas normas 
 relativas ao processo abreviado.
 
             6. Ora, e se assim é, não estamos perante uma verdadeira questão de 
 
 «inconstitucionalidade normativa», mas sim de dirimição ordinária entre duas 
 decisões judiciais (como se aponta, aliás, no ponto n.º 7, em I), quanto a um 
 verdadeiro conflito negativo de competências. (Registe‑se, aliás, que caso 
 tivesse transitado em julgado o despacho a quo, e seria esse o mecanismo que 
 deveria usar‑se para uma tal dirimição).
 
             7. Este Tribunal tem vindo a solidificar uma jurisprudência no 
 sentido de que, nesses casos, não estamos perante uma «questão de 
 constitucionalidade normativa». Com efeito, e para além de outros (vide Acórdãos 
 n.º 489/2004, n.º 710/2004 e n.º 128/2005, todos deste Tribunal Constitucional), 
 veja‑se o que, no Acórdão n.º 210/2006, se exarou a esse propósito, a página 8: 
 
 «Mas, ainda em relação àquelas, é legítimo concluir que, ou não está sequer 
 colocada uma questão de constitucionalidade normativa ou, como já se explicitou 
 supra, não o está nos termos claros e perceptíveis que é exigível. Com efeito, a 
 violação de normas constitucionais referida nas conclusões LXIII a LXV visa 
 apenas corroborar a tese de que as escutas são nulas. Acresce que o recorrente, 
 em tais conclusões, insiste em afirmar que o próprio preceito de direito 
 infraconstitucional cuja constitucionalidade pretende ver apreciada – o artigo 
 
 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal –, terá sido ele mesmo violado. Ora, 
 como se afirmou, nomeadamente, nos Acórdãos n.ºs 489/2004 e 710/2004 e, mais 
 recentemente, no Acórdão n.º 128/2005 (todos disponíveis na página Internet do 
 Tribunal, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), ‘se se utiliza 
 uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito 
 legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios 
 constitucionais, tem‑se por certo que a questão de desarmonia constitucional é 
 imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao 
 ordenamento jurídico infra‑constitucional que se tem por violado com essa 
 decisão, pois que se posta como contraditório sustentar‑se que há violação desse 
 ordenamento e [que] este é desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se 
 um preceito da lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais 
 acatá‑lo, pelo que esgrimir com a violação desse preceito, representa uma 
 
 óptica de acordo com a qual ele se mostra consonante com a Constituição. Isto é, 
 se se sustenta que determinada postura é, simultaneamente, violadora de 
 preceitos do ordenamento jurídico infra‑constitucional e de normas 
 constitucionais só se pode concluir que se está a questionar a própria decisão 
 judicial e não a constitucionalidade dos preceitos ordinários.’ Mas, nesse caso, 
 
 é jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, não estando em causa 
 uma dimensão normativa do preceito legal aplicado na decisão, mas sim a própria 
 decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta do disposto 
 no artigo 280.º da Constituição e no artigo 70.º da Lei n.º 28/82, e assim tem 
 sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Na verdade, 
 ainda que se entenda que, suscitada uma concreta questão de 
 inconstitucionalidade da decisão judicial recorrida, não poderão as instâncias 
 deixar de se pronunciar sobre tal matéria, o facto é que uma tal suscitação, por 
 não se tratar da suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, 
 não abre via de recurso para o Tribunal Constitucional.
 
             Assim sendo, seja porque se entende que não foi colocada uma questão 
 de constitucionalidade normativa, seja porque se conclui que não foi suscitada 
 de modo processualmente adequado a exacta questão de constitucionalidade da 
 interpretação normativa em causa, não pode o Tribunal conhecer do recurso nesta 
 parte.»”
 
  
 
                         O recorrido não apresentou contra‑alegações.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. Do conhecimento do objecto do recurso.
 
                         2.1.1. A possibilidade de conhecimento do objecto do 
 recurso é negada pelo próprio recorrente, com o argumento de que a questão em 
 causa não é “uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa”, “tendo 
 em conta que a fundamentação que subjaz ao despacho recorrido se abriga na 
 violação de normas legais ordinárias, relativas à aplicação da lei no tempo 
 quanto aos requisitos da forma especial de processo” abreviado.
 
                         Não se acompanha este entendimento.
 
                         É inegável que o despacho recorrido manifesta a sua 
 discordância com a interpretação e aplicação de normas de direito ordinário 
 efectuadas pelo despacho do juiz do Tribunal de Pequena Instância Criminal de 
 Lisboa, de 4 de Janeiro de 2008, no que concerne à qualificação como nulidade 
 insanável, e não como mera irregularidade, da eventual realização de audiência 
 de julgamento em processo abreviado para além do prazo de 90 dias contado a 
 partir da dedução da acusação, mas a sua fundamentação não se limita a essa 
 manifestação de discordância, ao nível da interpretação do direito ordinário, 
 antes se alicerça – e de forma determinante – no entendimento de que tal 
 interpretação, além de errónea, é violadora de normas e princípios 
 constitucionais, designadamente do “princípio do juiz natural”.
 
                         A jurisprudência do Tribunal Constitucional, citada pelo 
 recorrente, é, salvo o devido respeito, imprestável para o presente caso. Todas 
 as decisões citadas (Acórdãos n.ºs 489/2004, 710/2004, 128/2005 e 210/2006) 
 foram proferidas em recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC e visavam aferir do correcto cumprimento, por parte dos 
 recorrentes, do ónus de adequada suscitação de uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, distinguindo‑a das situações em que a violação 
 da Constituição é directamente imputada a decisões judiciais, em si mesmas 
 consideradas. E o que nesses acórdãos se entendeu foi que, atento o específico 
 condicionalismo que rodeou, em cada um dos casos, a suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade, havia que concluir que, ao acusar determinada decisão de 
 violar o direito ordinário e simultaneamente violar a Constituição, não se 
 estava a suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa, mas antes uma 
 questão de inconstitucionalidade da própria decisão judicial, inidónea a 
 integrar o objecto do recurso para o Tribunal Constitucional.
 
                         O que, em rigor, distingue as situações em que se 
 suscita uma questão de inconstitucionalidade normativa das situações em que se 
 suscita uma questão de inconstitucionalidade de decisão judicial é que, 
 naquelas, a violação da Constituição é imputada a uma norma de direito 
 ordinário, na sua directa estatuição ou numa sua determinada interpretação, 
 desde que dotada de generalidade e abstracção, e, nestas, a desconformidade com 
 a Lei Fundamental é directamente reportada ao juízo concreto subsuntivo feito 
 pela decisão judicial em causa. Nesta perspectiva, nada obsta – e são 
 incontáveis os casos que têm sido decididos pelo Tribunal Constitucional – a que 
 o recorrente repute errónea a interpretação de determinada norma de direito 
 ordinária, face às regras hermenêuticas tidas por mais correcta, e 
 simultaneamente questione a constitucionalidade dessa interpretação, desde que 
 dotada de generalidade e abstracção. O que seria ilógico seria o recorrente 
 dizer que a decisão judicial não adoptou a correcta interpretação da norma e 
 simultaneamente sustentar a inconstitucionalidade dessa interpretação tida por 
 correcta; mas já nenhuma contradição intrínseca existe em sustentar‑se que a 
 decisão judicial acolheu uma interpretação (geral e abstracta) da norma que se 
 considera incorrecta e que essa incorrecta interpretação (desde que – repete‑se 
 
 – dotada de abstracção e generalidade) viola a Constituição, situação esta 
 
 última em que não se descortina qualquer obstáculo a que se repute adequadamente 
 suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa, cognoscível pelo 
 Tribunal Constitucional, mesmo no âmbito de recurso interposto ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
                         No presente caso, assume claramente natureza normativa o 
 critério decisório cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida com 
 fundamento em inconstitucionalidade. Trata‑se de um critério dotado de 
 generalidade e abstracção, susceptível de ser invocado perante uma 
 multiplicidade de casos: em todos os processos em que hajam decorrido mais de 90 
 dias sobre a dedução da acusação em processo abreviado, devem os autos ser 
 remetidos para processo comum, sob pena de, com a realização da audiência de 
 julgamento após esse prazo, se cometer nulidade insuprível.
 
                         Foi este critério normativo que o despacho ora recorrido 
 se recusou a aplicar, não apenas por o considerar incorrecto, ao nível da 
 interpretação do direito ordinário, mas por o reputar inconstitucional.
 
                         Considera‑se, assim, que a questão que integra o objecto 
 do presente recurso assume carácter normativo, ao contrário do defendido pelo 
 recorrente.
 
  
 
                         2.1.2. O não conhecimento do recurso poderia ainda 
 basear‑se no entendimento de que o despacho recorrido assenta num duplo 
 fundamento – incorrecção da interpretação acolhida no despacho do Tribunal de 
 Pequena Instância Criminal e inconstitucionalidade do correspondente critério –, 
 pelo que não existiria interesse processual no conhecimento do recurso, dado 
 que, mesmo que este obtivesse provimento (julgando‑se não padecer de 
 inconstitucionalidade o apontado critério), o sentido da decisão manter‑se‑ia o 
 mesmo, embora reduzido ao primeiro fundamento.
 
                         Também se julga improcedente esta questão prévia, quer 
 por se entender que este juízo de inutilidade é inaplicável aos recursos 
 interpostos ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, 
 designadamente quando seja cabível (ou inclusivamente já haja sido interposto) 
 recurso ordinário na parte relativa ao fundamento alternativo, quer por ser 
 questionável que o primeiro “fundamento” seja suficiente para sustentar a 
 decisão final.
 
                         A primeira questão já foi abordada no Acórdão n.º 
 
 256/2004 desta 2.ª Secção, em termos que de seguida se recordam:
 
  
 
             “São numerosas as decisões do Tribunal Constitucional no sentido de 
 que, em caso de existência de pluralidade de fundamentos autónomos da decisão 
 recorrida, cada um deles suficiente para suportar essa decisão, não há que 
 conhecer, por falta de interesse processual, do recurso de constitucionalidade 
 em que apenas se questione um desses fundamentos. Porém, tais situações surgem, 
 na generalidade dos casos, em recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos quais, por força da regra da prévia exaustão 
 dos recursos ordinários, a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional 
 coincide com a decisão definitiva da causa, e, por isso, nessas hipóteses, o 
 eventual provimento do recurso de constitucionalidade surge como insusceptível 
 de afectar simultaneamente o sentido da decisão judicial recorrida e o desfecho 
 da causa. 
 
             O presente caso apresenta as particularidades de se tratar de um 
 recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, mas, 
 sobretudo, de ter por objecto uma decisão judicial que não representa a decisão 
 final da causa, por dela caber recurso ordinário (que, aliás, no caso, já foi 
 interposto).
 
             A circunstância de se tratar de recurso de decisão de recusa de 
 aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade justifica a evocação 
 do decidido no Acórdão n.º 159/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º 
 vol., pág. 371), em que, também num recurso desse tipo, a decisão recorrida 
 utilizara dois fundamentos para afastar a aplicação da norma da alínea ii) do 
 artigo 1.º da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho, que amnistiara infracções 
 disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais 
 públicos, a saber: (i) não serem abrangidas na previsão legal as empresas de 
 capitais apenas maioritariamente públicos, como era o caso da então ré; e (ii) 
 mesmo que esta fosse considerada empresa de capitais públicos, padecer a norma 
 em causa de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade. 
 Nesse caso, reconhecendo que este juízo de inconstitucionalidade funcionou como 
 ratio decidendi, o Tribunal Constitucional entendeu que, apesar da existência de 
 um outro fundamento autónomo, havia interesse no conhecimento do recurso, pois o 
 fundamento da inconstitucionalidade «não deixaria também de ser aplicável se 
 fosse diverso o entendimento quanto à natureza da empresa ré», ao que acrescia 
 que «se trata[va] de uma decisão que julgou inconstitucional uma dada norma, o 
 que, a não se conhecer do recurso, implicaria o trânsito da decisão recorrida 
 sem que o Tribunal Constitucional, ao qual compete, por forma específica e em 
 
 última instância, conhecer das questões de natureza jurídico‑constitucional, se 
 viesse a pronunciar», e, por último, que, sobre a norma em causa, o Tribunal 
 Constitucional acabara de emitir, em plenário, dois acórdãos no sentido da não 
 inconstitucionalidade.
 
             Com efeito, ao imporem ao Ministério Público a obrigação de interpor 
 recurso das decisões dos tribunais que hajam recusado a aplicação de norma 
 constante, designadamente, de acto legislativo (como é o presente caso), com 
 fundamento em inconstitucionalidade e ao estabelecerem a regra da subida 
 imediata desses recursos, sem prévia exaustão dos recursos ordinários no caso 
 cabíveis, a Constituição e a lei pretendem que o «conflito entre o poder 
 judicial e o poder legislativo», vislumbrável naquela recusa judicial de 
 aplicação de norma legal, seja rapidamente dirimido pelo órgão constitucional 
 competente para dizer a última palavra em questões de constitucionalidade – o 
 Tribunal Constitucional –, impedindo a consolidação, na ordem jurídica, de 
 decisões judiciais de inconstitucionalidade de normas legais sem que o Tribunal 
 Constitucional possa controlar esses juízos.
 
             Poderemos interrogar‑nos – questão que se deixa em aberto – se esses 
 interesses não deverão ceder a razões de economia e utilidade processuais em 
 casos em que a decisão judicial estribada em pluralidade de fundamentos é 
 simultaneamente a decisão final e definitiva do pleito. Mas em situações – como 
 a dos presentes autos – em que a decisão recorrida para o Tribunal 
 Constitucional não é a decisão definitiva da causa, por ser ainda susceptível 
 de recurso ordinário (aliás, neste caso, já interposto), nem sequer se pode 
 argumentar com a inutilidade da pronúncia do Tribunal Constitucional sobre a 
 questão de constitucionalidade perante ele suscitada. Na verdade, o interesse 
 processual ora em apreço deve aferir‑se face à susceptibilidade de a pronúncia 
 do Tribunal Constitucional «se projectar utilmente sobre a decisão quanto ao 
 mérito da causa» (para usar a formulação do citado Acórdão n.º 159/93), isto é, 
 sobre o desfecho da acção, e não restritamente sobre a concreta decisão 
 judicial recorrida, quando esta não é a decisão definitiva. Isto é: a utilidade 
 processual é susceptível de ser aferida relativamente ao processo (à causa), 
 não se reportando apenas à decisão recorrida.
 
             No presente caso, o imediato conhecimento, pelo Tribunal 
 Constitucional, da questão de constitucionalidade perante ele suscitada tem a 
 
 óbvia utilidade de resolver definitivamente uma das duas questões que estão em 
 discussão nos autos: a da constitucionalidade da norma do artigo 36.º, n.º 2, 
 da LTC. Se o Tribunal Constitucional, revogando nessa parte a sentença 
 recorrida, não julgar inconstitucional tal norma, à Relação de Lisboa, vinculada 
 por esse juízo de não inconstitucionalidade, apenas restará apreciar a outra 
 questão suscitada nas alegações do recurso perante ela interposto: a de saber 
 se se mostra preenchida a condição prevista na alínea c) desse preceito 
 
 (atribuição de uma retribuição durante o período de limitação da actividade do 
 trabalhador). Se, ao invés, o Tribunal Constitucional, confirmando nessa parte a 
 sentença recorrida, julgar inconstitucional a dita norma, então é a Relação de 
 Lisboa que até se poderá considerar dispensada de conhecer do outro fundamento 
 da sentença, pois, mesmo que considerasse preenchida a aludida condição, nunca a 
 acção poderia proceder por força do juízo de inconstitucionalidade 
 definitivamente emitido pelo Tribunal Constitucional.
 
             Surge, assim, como patente – salvo o devido respeito por opinião 
 diversa – a utilidade processual do conhecimento do presente recurso.”
 
  
 
                         Independentemente destas considerações, acresce que, no 
 caso, é extremamente duvidoso que o “fundamento” relativo à discordância quanto 
 
 à interpretação do direito ordinário fosse, por si só, suficiente para sustentar 
 a decisão recorrida. Na verdade, nada, no discurso desenvolvido ao longo dessa 
 decisão, permite dar por assente que o desfecho do caso seria o mesmo se a 
 interpretação tida por incorrecta não fosse também considerada 
 inconstitucional. Pelo contrário, a expressa alusão ao dever, ele também com 
 assento constitucional, de o juiz recusar a aplicação de normas 
 inconstitucionais, inculca que foi essa a razão determinante da recusa de 
 aplicação do referido critério normativo. Isto é: o autor da decisão recorrida 
 não recusou acatar o critério normativo seguido na anterior decisão por o 
 considerar errado, face às regras de interpretação do direito ordinário, mas por 
 o reputar inconstitucional, concluindo: “aceitar a aplicação das normas contidas 
 nos artigos 119.º, alínea f), e 391.º‑D do Código de Processo Penal, na 
 interpretação que lhes foi dada no despacho em causa, e aceitando, assim, em 
 consequência, a competência para o julgamento dos presentes autos, constitui, 
 quanto a nós, uma inconstitucionalidade, que nos é vedada pelo mais elevado 
 dever do juiz de respeito à Constituição da República Portuguesa”. Em coerência 
 com este entendimento, a parte decisória do despacho ora recorrida 
 explicitamente se centra na recusa de aplicação, por inconstitucionalidade, da 
 aludida interpretação.
 
  
 
                         2.1.3. Refira‑se, por último, que não se afigura 
 possível fundar o não conhecimento do recurso em considerações relativas à 
 maior ou menor adequação dos preceitos legais a que a decisão recorrida reportou 
 o critério normativo tido por inconstitucional.
 
                         Sendo inequívocos o sentido e alcance deste critério e 
 os fundamentos da sua recusa de aplicação, a discutibilidade da pertinência da 
 invocação dos artigos 119.º, alínea f), e 391.º‑D do CPP, ou a eventualidade da 
 existência de outros preceitos legais cuja convocação surgisse como mais 
 rigorosa (designadamente, as normas definidoras da repartição de competência dos 
 tribunais, como as dos artigos 100.º, 102.º, n.º 1, 22.º e 23.º da LOFTJ) não 
 justificam uma decisão de não conhecimento do recurso. Como se referiu no 
 recente Acórdão n.º 92/2009 desta 2.ª Secção, “não é (…) da competência deste 
 Tribunal alterar, em via recursiva, os juízos aplicativos ao caso concreto, 
 ratione materiae, do direito ordinário, levados a cabo pelas instâncias”, pelo 
 que, também no presente caso, “o juízo de constitucionalidade que nos cabe 
 emitir recairá sobre (…) as normas acima referidas, declaradas 
 inconstitucionais pela [decisão] recorrida e, em conformidade, inaplicadas, 
 especificamente mencionadas como objecto do recurso pelo Ministério Público, no 
 requerimento da sua interposição”.
 
  
 
                         2.2. Do mérito do recurso.                
 
                         2.2.1. A forma especial de processo abreviado foi 
 introduzida no sistema processual penal português pela reforma operada pela Lei 
 n.º 59/98, de 25 de Agosto, lendo‑se na exposição de motivos da Proposta de Lei 
 n.º 157/VII, que esteve na sua origem, que se visou introduzir “um procedimento 
 caracterizado por uma substancial aceleração nas fases preliminares, mas em que 
 se garante o formalismo próprio do julgamento em processo comum, com ligeiras 
 alterações de natureza formal justificadas pela pequena gravidade do crime e 
 pelos pressupostos que o fundamentam”, acrescentando‑se:
 
  
 
             “Estabelecem‑se, porém, particulares exigências ao nível dos 
 pressupostos. São eles o juízo sobre a existência de prova evidente do crime – 
 como sucederá, por exemplo, nos casos de flagrante delito não julgados em 
 processo sumário, de prova documental ou de outro tipo, que permitam concluir 
 inequivocamente sobre a verificação do crime e sobre quem foi o seu agente – e a 
 frescura da prova – traduzida na proximidade do facto, não superior a 60 dias 
 
 –, pressupostos que, na sua essência, igualmente enformam o processo sumário, 
 característico do nosso sistema. Tratar‑se‑á, em síntese, de casos de prova 
 indiciária sólida e inequívoca que fundamenta, face ao auto de notícia ou 
 perante um inquérito rápido, a imediata sujeição do facto ao juiz, 
 concentrando‑se, desta forma, o essencial do processo na sua fase crucial, que é 
 o julgamento.
 
             (…)
 
             Julga‑se que, por esta via, se possibilitará uma considerável 
 aceleração do processamento da criminalidade menos grave, que, segundo as 
 estatísticas conhecidas, representa cerca de 85% dos crimes submetidos a 
 julgamento, com resultados que se esperam de grande reforço na credibilidade do 
 sistema de justiça.”
 
  
 
                         Em conformidade com estes propósitos, o aditado artigo 
 
 391.º‑A do CPP condicionou a utilização do processo abreviado à verificação dos 
 seguintes requisitos: (i) estar em causa crime punível com pena de multa ou com 
 pena de prisão não superior a cinco anos; (ii) haver provas simples e evidentes 
 de que resultem indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi 
 o seu agente; e (iii) o Ministério Público, face ao auto de notícia ou realizado 
 inquérito sumário, deduzir acusação para julgamento em processo abreviado, se 
 não tiverem decorrido mais de 90 dias desde a data em que o crime foi cometido 
 
 (n.º 1). O n.º 2 desse preceito, ao declarar aplicável o disposto no artigo 
 
 16.º, n.º 3, do mesmo Código, veio possibilitar a utilização do processo 
 abreviado quando o Ministério Público entendesse não dever ser aplicada, em 
 concreto, pena de prisão superior a cinco anos.
 
                         As alterações introduzidas, quanto a esta forma de 
 processo, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, consistiram, além do mais, na 
 exemplificação, no novo n.º 3 do artigo 391.º‑A, do que se consideram “provas 
 simples e evidentes” (ter o agente sido detido em flagrante delito e o 
 julgamento não puder efectuar‑se sob a forma de processo sumário; ser a prova 
 essencialmente documental e poder ser recolhida no prazo previsto para a dedução 
 da acusação; ou assentar a prova em testemunhas presenciais com versão uniforme 
 dos factos), e no aditamento do artigo 391.º‑D, nos termos do qual “A audiência 
 de julgamento em processo abreviado tem início no prazo de 90 dias a contar da 
 dedução da acusação”.
 
                         Segundo informa Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário 
 do Código de Processo Penal, Lisboa, 2007, pp. 973 e 978), os propósitos do 
 legislador de 1998 com a introdução do processo abreviado não terão sido 
 alcançados, em parte, porque, diferentemente da acusação, que tinha de ser 
 deduzida até 90 dias após a data do crime, “o início da audiência de julgamento 
 não obedecia a qualquer limite temporal, o que provocava o agendamento destes 
 processos a par dos restantes processos comuns, perdendo‑se completamente o 
 tempo que se tinha poupado no inquérito”. Terá sido para obviar a este 
 inconveniente que foi introduzida a norma do artigo 391.º‑D, ora em causa, 
 considerando, no entanto, o citado comentador, que a inobservância do prazo para 
 início da audiência de julgamento “constitui uma mera irregularidade” (nota 3 
 ao artigo 391.º‑D, a p. 978 da obra citada).
 
                         Idêntica é a opinião de Manuel Lopes Maia Gonçalves 
 
 (Código de Processo Penal Anotado, 16.ª edição, Coimbra, 2007, p. 824), segundo 
 o qual : “O início da audiência para além de 90 dias a contar da dedução da 
 acusação constitui irregularidade, sujeita ao regime do artigo 123.º”.
 
                         E o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 11 de 
 Dezembro de 2008, Proc. n.º 8602/08, decidiu que, não prevendo a lei qual a 
 consequência jurídica para a inobservância do prazo de 90 dias estabelecido no 
 artigo 391.º‑D do CPP, é de entender que tal prazo tem apenas uma natureza 
 indicativa, pelo que, no caso então em apreço, “bem andou o Tribunal de Pequena 
 Instância Criminal de Lisboa em efectuar audiência de julgamento em processo 
 abreviado, ainda que a mesma tenha sido realizada cerca de 14 meses depois da 
 dedução da acusação pelo Ministério Público” (cf. 
 http://www.pdglisboa.pt/pgdl/jurel/jur_print_ficha.php?nid=4554&codarea=57)
 
                         Como se viu, no presente caso, o juiz do Tribunal de 
 Pequena Instância Criminal de Lisboa titular do processo seguiu entendimento 
 oposto ao dos citados comentadores e do mencionado acórdão, considerando que a 
 realização da audiência de julgamento com desrespeito do prazo de 90 dias 
 implicaria nulidade insuprível, e não mera irregularidade, com a consequente 
 remessa dos autos para julgamento em processo comum, da competência do Tribunal 
 Criminal de Lisboa. [Anote‑se que em casos similares ao ora em causa, em que têm 
 sido interpostos para o Tribunal da Relação de Lisboa recursos da decisão do 
 juiz dos Juízos Criminais, sem prévia interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, aquela Relação tem entendido que, na medida em que nenhuma parte 
 impugnou a primeira decisão do Tribunal de Pequena Instância Criminal de 
 Lisboa, esta tem de ser considerada como transitada em julgado, pelo que tem 
 sido considerada nula a decisão do Juízo Criminal, por violadora do caso 
 julgado: cf. acórdãos de 2 de Julho de 2008, Proc. n.º 5748/2008‑3, de 11 de 
 Setembro de 2008, Proc. n.º 6376/2008‑9, de 18 de Setembro de 2008, Proc. n.º 
 
 6381/2008‑9, de 6 de Outubro de 2008, Proc. n.º 6653/2008‑5, de 8 de Outubro de 
 
 2008, Proc. n.º 8322/2008‑3, de 14 de Outubro de 2008, Proc. n.º 7268/2008‑9, de 
 
 22 de Outubro de 2008, Proc. n.º 7359/2008‑3, de 23 de Outubro de 2008, Procs. 
 n.ºs 6354/2008‑9 e 7898/2008‑9, e de 30 de Outubro de 2009, Proc. n.º 
 
 7880/2008‑9].
 
  
 
                         2.2.2. Integrará o critério normativo seguido pelo 
 Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa violação do princípio 
 constitucional do juiz natural, como entendeu o despacho ora recorrido?
 
                         A resposta a esta questão é claramente negativa.
 
                         No Acórdão n.º 614/2003, este Tribunal procedeu a um 
 desenvolvido tratamento do alcance do princípio do juiz natural, consagrado no 
 artigo 32.º, n.º 9, da CRP (“Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja 
 competência esteja fixada em lei anterior”), de que interessa recordar as 
 passagens mais relevantes:
 
  
 
             “7. (…) Consagra este norma, oriunda logo de 1976, a regra que era 
 referida entre nós como «proibição de desaforamento» de causa criminal, de 
 
 «tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior», integrando o 
 princípio do «juiz natural» ou do «juiz legal» (também por vezes referido como 
 juiz «pré‑determinado» ou «pré‑constituído» por lei), que é ainda uma projecção 
 do princípio da legalidade, sobre a determinação do julgador em matéria penal.
 
             Sobre essa norma escreveu‑se no Acórdão n.º 393/89 (publicado no 
 Diário da República [DR], II Série, n.º 212, de 14 de Setembro de 1989):
 
             «Neste n.º 7 [actual n.º 9] do artigo 32.º da Constituição 
 consagra-se o princípio do juiz natural ou do juiz legal (cf. Figueiredo Dias, 
 
 ‘Sobre o sentido do princípio jurídico‑constitucional do «juiz natural»’», 
 Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 111.º, pp. 83 e segs.).
 
             Este princípio, que, na doutrina nacional, já correu sob o apelativo 
 
 ‘proibição de desaforamento das causas penais’, é, ao nível processual, uma 
 emanação do princípio da legalidade em matéria penal.
 
             Trata-se de um princípio que, para dizer com Figueiredo Dias (loc. 
 cit.): ‘[…] constitui […] uma necessária garantia dos direitos das pessoas, 
 ligada à ordenação da administração da justiça penal, à exigência de 
 julgamentos independentes e imparciais e à confiança da comunidade naquela 
 administração.
 
             É um princípio que […] esgota o seu conteúdo de sentido material na 
 proibição da criação ad hoc, ou da determinação arbitrária ou discricionária ex 
 post facto, de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal.
 Do que se trata sobretudo é de impedir que motivações de ordem política ou 
 análoga – aquilo, em suma, que compreensivelmente se pode designar por raison 
 d’État – conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso 
 mesmo, incompatível com o princípio do Estado de direito.’
 Sobre o princípio em causa, v. também J. Figueiredo Dias, Direito Processual 
 Penal [Coimbra, 1974], pp. 322 e segs., e J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa anotada, 1.º vol., Coimbra, 1984, pp. 
 
 218-219.
 O princípio do juiz natural tem, assim, a ver com a independência dos tribunais 
 perante o poder político. O que ele proíbe é a criação (ou a determinação) de 
 uma competência ‘ad hoc’ (de excepção) de um certo tribunal para uma certa 
 causa. O princípio proíbe, em suma, os tribunais ad hoc.
 Dizendo com Figueiredo Dias (revista citada): ‘O princípio do juiz legal não 
 obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que 
 para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui o objecto do 
 processo, só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de 
 competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de 
 excepção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, 
 ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa 
 penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o 
 direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial.’»
 Por sua vez, no Acórdão n.º 212/91 (in DR, II Série, n.º 211, de 13 de Setembro 
 de 1991), retomado noutro arestos posteriores (assim, por exemplo, no Acórdão 
 n.º 125/94, inédito), escreveu-se:
 
 «Nos termos do artigo 32.º, n.º 7,  do texto constitucional, ‘nenhuma causa pode 
 ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior’, o 
 que consubstancia o chamado princípio do juiz natural ou do juiz legal (…).
 Ao nível processual representa este princípio uma emanação do princípio da 
 legalidade em matéria penal, tendo a ver com a independência dos tribunais 
 perante o poder político e proibindo ‘a criação (ou a determinação) de uma 
 competência ad hoc (de excepção) de um certo tribunal para uma certa causa – em 
 suma, os tribunais ad hoc)’».
 Encontrou, por isso, este princípio consagração já nas Constituições 
 oitocentistas, e, mesmo antes, já na lei da nova organização judiciária saída da 
 Revolução Francesa (indicações a este respeito encontram-se em J. Figueiredo 
 Dias, Direito Processual Penal, cit., págs. 323 e segs.).
 Entre nós, logo a Constituição de 1822, para além de proibir os «privilégios do 
 foro nas causas cíveis ou crimes» (artigo 9.º), atribuía exclusivamente aos 
 juízes o poder judicial (artigo 176.º: «Nem as Cortes, nem o Rei o poderão 
 exercitar em caso algum. Não podem portanto avocar causas pendentes; mandar 
 abrir as findas; nem dispensar nas formas do processo prescritas pela lei.»). E 
 o princípio do juiz legal resultava também, quer da Carta Constitucional, quer 
 da Constituição de 1838 (artigo 145.º, § 10.º, da primeira – «Ninguém será 
 sentenciado senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na 
 forma por ela prescrita» – e artigos 18.º e 19.º da segunda: «Ninguém será 
 julgado senão pela autoridade competente, nem punido senão por lei anterior», e 
 
 «Nenhuma autoridade pode avocar as causas pendentes, sustá‑las, ou fazer reviver 
 os processos findos»).
 Actualmente, esse princípio encontra-se igualmente consagrado noutras 
 Constituições europeias – como, por exemplo, na Lei Fundamental da Alemanha, no 
 artigo 101.º, n.º 1 («São proibidos os tribunais de excepção. Ninguém pode ser 
 subtraído ao seu juiz legal»), na Constituição italiana (artigo 25.º: «Ninguém 
 pode ser privado do juiz natural pré‑constituído por lei») ou na Constituição 
 espanhola (artigo 24.º, n.º 2: «Todos têm direito ao juiz ordinário 
 pré‑determinado por lei») –, podendo ainda ser aproximado da exigência, 
 constante de vários instrumentos internacionais, de que a causa penal será 
 examinada por um «tribunal independente e imparcial» (artigo 10.º da Declaração 
 Universal dos Direitos Humanos e artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem) – cf. também, quer o artigo 14.º, n.º 1, do Pacto 
 Internacional sobre Direitos Civis e Políticos («…tribunal independente e 
 imparcial, estabelecido por lei»), quer, mais explicitamente, a «Carta dos 
 Direitos Fundamentais da União Europeia», publicada no Jornal Oficial das 
 Comunidades Europeias, n.º C‑364 de 18 de Dezembro de 2000, págs. 1‑22, o artigo 
 
 47.º, 2.º par. («Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de 
 forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal 
 independente e imparcial, previamente estabelecido por lei»).
 E, entre nós, a LOFTJ dispõe com um alcance geral, no seu artigo 23.º (com a 
 epígrafe «Proibição de desaforamento»), que «Nenhuma causa pode ser deslocada do 
 tribunal competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na 
 lei».
 
  
 
 8. Também a jurisprudência constitucional se tem já por várias vezes defrontado 
 com a invocação do princípio do «juiz natural», confrontando com este diversas 
 normas.
 O problema a este respeito mais frequentemente posto a este Tribunal foi, sem 
 dúvida, o da admissibilidade, por confronto com aquele princípio, do método de 
 determinação concreta da competência previsto no artigo 16.º, n.º 3, do Código 
 de Processo Penal, tendo‑se nele firmado jurisprudência no sentido de que esta 
 norma não viola o princípio do juiz natural (e não dizendo, aliás, as 
 declarações de voto exaradas a propósito desta norma do Código de Processo Penal 
 respeito ao confronto com o parâmetro que ora nos ocupa). Esta foi a posição 
 adoptada nos citados Acórdãos n.ºs 393/89 e 212/91, bem como em muitos arestos 
 posteriores, como, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 435/89, in DR, II Série, de 21 
 de Setembro de 1989, 41/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 15.º, 
 pág. 151, 9/91, in DR, II Série, de 18 de Junho de 1991, 265/95, in DR, II 
 Série, de 19 de Julho de 1995, além de muitos outros não publicados (assim, por 
 exemplo, os Acórdãos n.ºs 145/90, 147/90, 164/90, 165/90, 166/90. 167/90, 
 
 168/90, 178/90, 183/90, 195/90, 197/90, 206/90, 208/90, 217/90, 218/90, 219/90, 
 
 220/90, 226/90, 252/90, 269/90, 276/90, 282/90, 291/90, 293/90, 296/90, 297/90, 
 
 301/90, 319/90, 320/90, 326/90, 327/90, 328/90, 335/90, 5/91, 11/91, 24/91, 
 
 28/91, 31/91, 35/91, 41/91, 43/91, 45/91, 46/91, 47/91, 50/91, 78/91, 79/91, 
 
 169/91, 170/91, 171/91, 214/91, 281/91, 300/91, 301/91, 302/91, 303/91, 304/91, 
 
 305/91, 306/91, 307/91, 308/91, 309/91, 310/91, 311/91, 312/91, 313/91, 314/91, 
 
 385/91, 436/91, 455/91 e 456/91). Decidiu‑se nestes arestos que o princípio do 
 juiz natural, ao proibir a criação de tribunais ad hoc, não se opõe ao método da 
 determinação concreta da competência do tribunal, que atende à pena que, num 
 juízo prévio de prognose, se espera que venha a ser aplicada ao crime, não 
 abrindo também tal preceito a porta a uma arbitrária manipulação da competência 
 para julgar. Assim, por exemplo, no citado Acórdão n.º 125/94 pode ler‑se 
 
 (depois da passagem supra transcrita):
 
 «(…)
 Sendo este o sentido e o alcance do princípio do juiz natural, é manifesto que 
 não é ele violado pela norma sob sindicância, porquanto  nela não se determina o 
 tribunal competente de forma arbitrária, discricionária ou discriminatória. 
 Lançando mão de critérios objectivos como são os critérios legais de 
 determinação concreta da pena, o legislador limita‑se a permitir a utilização do 
 chamado método de determinação concreta da competência para a identificação do 
 tribunal competente para o julgamento.
 Este método – da determinação concreta da competência –, oposto ao método da 
 determinação abstracta da competência, não tem sido o tradicional entre nós, 
 sendo no entanto corrente em países onde igualmente se acha consagrado o 
 princípio do juiz natural (cf. Figueiredo Dias, Sobre os sujeitos processuais 
 no novo Código de Processo Penal, cit.).”
 Mais recentemente, no Acórdão n.º 193/97 (in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 36.º vol., págs. 395 e segs.), o Tribunal Constitucional 
 confrontou com o princípio do juiz natural certa interpretação normativa 
 relativa ao conceito de «intervenção na conferência» do Presidente da Secção, 
 dizendo a este propósito:
 
 «O que aqui está em causa são, tão‑só, duas interpretações possíveis do conceito 
 de ‘intervenção na conferência’ do Presidente da Secção. Não parece é que se 
 possa elevar uma dessas interpretações à categoria de ‘composição e modo de 
 funcionamento previamente estabelecido do tribunal’, para daí partir, face a uma 
 interpretação diversa, para a afirmação de que se está a ‘mexer’ na composição 
 do Tribunal e, consequentemente, a violar o princípio do juiz natural, 
 subjacente ao artigo 32.º, n.º 7, da Constituição.
 
 2.1.1. Apontam‑se como dimensões concretizadoras deste princípio a ‘exigência de 
 determinabilidade’ (prévia individualização por lei geral do juiz competente), o 
 
 ‘princípio da fixação da competência’ (observância das competências decisórias 
 legalmente atribuídas a esse juiz) e o respeito ‘das determinações de 
 procedimento referentes à divisão funcional interna’ (Gomes Canotilho/Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1994, 
 p. 207).
 Associam‑se, assim, à vulneração do princípio do juiz natural, intervenções a 
 posteriori sobre as regras de competência e divisão funcional que, de alguma 
 forma, ponham em causa os critérios pré‑fixados na lei, ou seja, a ‘prévia 
 fixação por lei de critérios objectivos gerais de repartição da competência’ 
 
 (…).
 Ora, ao adoptar‑se, em detrimento de outra, determinada visão interpretativa do 
 conceito de ‘intervenção na conferência’ do Presidente da Secção (que, aliás, 
 corresponde a uma prática já anteriormente seguida pela Relação de Coimbra, como 
 se pode observar na Colectânea de Jurisprudência) em nada se está a alterar a 
 composição do tribunal competente para o julgamento: este sempre foi o Tribunal 
 da Relação correspondente ao Distrito Judicial que abrange a 1.ª Instância de 
 julgamento, através de um relator e dois adjuntos, apurados por distribuição, 
 funcionando em conferência onde interveio (em determinada leitura 
 interpretativa) o Presidente da Secção.
 Não se verifica, assim, qualquer ofensa ao princípio constitucional do juiz 
 natural.»
 No Acórdão n.º 337/2003 (não publicado), analisou‑se uma alegada violação do 
 princípio do juiz natural, consagrado no artigo 32.°, n.º 9, da Constituição da 
 República, pela norma do artigo 28.º, n.º 1, do Código Penal, interpretada em 
 termos de possibilitar a sujeição ao foro militar do comparticipante que não 
 possui a qualidade típica exigida pelos crimes previstos no Código de Justiça 
 Militar, concluindo‑se pela inexistência de inconstitucionalidade, e dizendo‑se 
 que «constitui evidente petição de princípio o partir de uma das interpretações 
 possíveis do preceito para, face a uma interpretação diversa, afirmar que se 
 está a alterar a competência dos Tribunais e, consequentemente, a violar o 
 princípio do juiz natural, subjacente ao artigo 32.º, n.º 9, da Constituição.»
 E outras normas foram igualmente confrontadas com o princípio que nos ocupa, nos 
 Acórdãos n.ºs 409/94 (artigo 192.º do Código das Custas Judiciais) e 216/99 
 
 (interpretação dos artigos 310.º, n.º 1, e 308.º, n.º 3, do Código de Processo 
 Penal no sentido da irrecorribilidade das decisões sobre questões prévias ou 
 incidentais constantes do despacho de pronúncia), publicados em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, respectivamente no 28.º vol., págs. 283 e segs., e no 
 vol. 43.º, págs. 239 e segs., tendo‑se igualmente concluído pela inexistência 
 de violação desse parâmetro constitucional (deixando em aberto as «complexas 
 questões de concordância prática entre o disposto nos n.ºs 3 e 7 do artigo 32.º 
 da Constituição», a propósito da consagração, «como causa de suspeição, da 
 inimizade grave entre o juiz e o arguido», […] cf. o Acórdão n.º 227/97, ainda 
 inédito).”
 
  
 
                         E após desenvolvida referência à pertinente 
 jurisprudência constitucional alemã, italiana e espanhola, prosseguiu:
 
  
 
             “10. Também a doutrina tem entre nós densificado o sentido do 
 princípio do «juiz natural».
 
             Assim, ainda antes da Constituição de 1976 – e deplorando, aliás, a 
 falta de consagração expressa do princípio no texto constitucional anterior – 
 Jorge de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, cit., págs. 322 e seg.) 
 salientava que pelo princípio do «juiz natural» ou do «juiz legal» «se procura 
 sancionar, de forma expressa, o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa 
 seja julgada por um tribunal previsto como competente por lei anterior, e não ad 
 hoc criado ou tido como competente», com um tríplice significado: no plano da 
 fonte, só a lei pode instituir o juiz e fixar‑lhe a competência; no plano 
 temporal, afirmando um princípio de irretroactividade; no plano da previsão 
 legal, a vinculação a uma «ordem taxativa de competência, que exclua qualquer 
 alternativa a decidir arbitrária ou mesmo discricionariamente», e, 
 designadamente, com proibição de jurisdições de excepção.
 Voltando ao tema posteriormente à Constituição de 1976 («Sobre o sentido do 
 princípio jurídico‑constitucional do ‘juiz natural’», in Revista de Legislação e 
 de Jurisprudência, ano 111.º, págs. 83 e segs.), Figueiredo Dias salientou que o 
 sentido material do princípio é a «proibição da criação ad hoc, ou da 
 determinação arbitrária ou discricionária ex post facto, de um juízo competente 
 para a apreciação de uma certa causa penal. Se bem seja certo que, deste modo, 
 cabe no princípio uma qualquer ideia de anterioridade na fixação da competência 
 relativamente ao facto que vai ser apreciado, não se trata nele tanto 
 
 (diferentemente do que sucede com o princípio do nullum crimen, nulla poena sine 
 lege) de erigir uma proibição geral e absoluta de ‘retroactividade’, quanto 
 sobretudo de impedir que motivações de ordem política ou análoga – aquilo, em 
 suma, que compreensivelmente se pode designar pela raison d’État – conduzam a um 
 tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o 
 princípio do Estado-de-direito.»
 Assim, pese embora o teor literal do preceito – que, como resulta do elemento 
 histórico, afirma ir mais longe do que a sua razão de ser –, defende que ele não 
 pretende proscrever «toda e qualquer atribuição de competência feita por lei que 
 não seja anterior à prática do facto que constitui objecto do processo» – mas 
 apenas «quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita 
 através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de excepção), ou da definição 
 individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto 
 
 (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer forma 
 discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça 
 penal independente e imparcial». O princípio do juiz natural não poderia, assim, 
 opor‑se à modificação legal, com efeitos imediatos, da organização judiciária 
 
 (o que seria patente, designadamente, quando tal modificação representasse um 
 aperfeiçoamento ou avanço na forma de garantir os direitos dos cidadãos).
 Já Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3.a ed., Coimbra, 1993, pág. 207) parecem, porém, dar um alcance mais 
 vasto ao princípio, escrevendo:
 
 «O princípio do juiz legal (…) consiste essencialmente na predeterminação do 
 tribunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc 
 ou a atribuição de competência a um tribunal diferente do que era legalmente 
 competente à data do crime.
 Juiz legal é não apenas o juiz da sentença em 1.ª instância, mas todos os juízes 
 chamados a participar numa decisão (princípio dos juízes legais). A exigência 
 constitucional vale claramente para os juízes de instrução e para os tribunais 
 colectivos.
 A doutrina costuma salientar que o princípio do juiz legal comporta várias 
 dimensões fundamentais: (a) exigência de determinabilidade, o que implica que o 
 juiz (ou juízes) chamados a proferir decisões num caso concreto estejam 
 previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais 
 possível inequívoca; (b) princípio da fixação da competência, observância das 
 competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos 
 preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do 
 juiz da causa; (c) observância das determinações de procedimento referentes à 
 divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a 
 fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribuição seja 
 uma actividade materialmente administrativa, ela conexiona‑se com o princípio da 
 administração judicial).»
 Por sua vez, Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, 4.ª ed., Lisboa 
 
 2000, pág. 54) salienta que o princípio do juiz natural ou legal «tem por 
 finalidade evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para resolver 
 um caso determinado. As normas, tanto orgânicas como processuais, têm de conter 
 regras que permitam determinar o tribunal que há‑de intervir em cada caso em 
 atenção a critérios objectivos; não é, pois, admissível que a norma autorize a 
 determinação discricionária do tribunal ou tribunais que hão‑de intervir no 
 processo.»
 A exigência de anterioridade da lei não poderia, porém, razoavelmente, colocar 
 entraves a qualquer reforma da organização judiciária, pelo que, «em ordem a 
 assegurar a imparcialidade dos juízes e tribunais, excluindo ad hoc, ad casum e 
 suspectus», o que importa não seria a competência individualizada de determinado 
 tribunal, mas «apenas que em razão daquela causa ou de categorias de causas a 
 que ela pertence sejam criados post factum tribunais de excepção, ou a 
 definição individual da competência, ou do desaforamento discricionário de uma 
 certa causa, ou por qualquer outra forma discricionária que ponha em perigo o 
 direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial» (ob. cit., 
 pág. 58).
 
  
 
 11. O princípio do «juiz natural», ou do «juiz legal», para além da sua ligação 
 ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na 
 garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do 
 Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia 
 da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da 
 Constituição).
 Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras 
 legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter) visa 
 evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração 
 da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou 
 do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham 
 do poder executivo – em nome da raison d’État – quer provenham de outras pessoas 
 
 (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como 
 condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração 
 dessa justiça, «em nome do povo» (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo 
 certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que 
 recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um 
 tribunal designado em função das partes ou do caso concreto.
 A garantia do «juiz natural» tem, assim, um âmbito de protecção que é, em larga 
 medida, configurado ou conformado normativamente – isto é, pelas regras de 
 determinação do juiz «natural», ou «legal» (assim G. Britz, ob. cit., pág. 574, 
 Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte II, 14.ª ed., Heidelberg, 1998, pág. 
 
 269).
 E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro 
 direito fundamental subjectivo de dimensões objectivas de garantia, pode 
 reconhecer‑se nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente 
 no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a 
 definição do tribunal competente segundo características gerais e abstractas.
 Logo pela própria ratio do princípio, tais regras não podem, assim, limitar‑se à 
 determinação do órgão judiciário competente, mas estendem‑se igualmente à 
 definição, seja da formação judiciária interveniente (secção, juízo, etc.), seja 
 dos concretos juízes que a compõem. E isto, quer na 1.ª instância, quer nos 
 tribunais superiores, e quer para o julgamento do processo penal, quer para a 
 fase de instrução (referindo que o princípio se aplica igualmente ao juiz de 
 instrução, v., além das decisões já citadas dos tribunais constitucionais 
 alemão e italiano, entre nós, já Figueiredo Dias, Sobre o sentido…, cit., pág. 
 
 83, nota 3).
 Assim, as regras de determinação do juiz, relevantes para efeitos da garantia do 
 
 «juiz natural», terão de incluir, não apenas regras constantes de diplomas 
 legais, mas também outras regras que servem para determinar essa definição da 
 concreta formação judiciária que julgará um processo – por exemplo, as 
 relativas ao preenchimento de turnos de férias –, mesmo quando não constam da 
 lei e antes de determinações internas aos tribunais (por exemplo, regulamentos 
 ou outro tipo de normas internas). Trata‑se, aqui, das referidas «determinações 
 de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de 
 processos)», apontando, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, «para a fixação 
 de um plano de distribuição de processos», pois, «embora esta distribuição seja 
 uma actividade materialmente administrativa, ela conexiona‑se com o princípio da 
 administração judicial».
 
 É, pois, ao conjunto das regras, gerais e abstractas mas suficientemente 
 precisas (embora possivelmente com emprego de conceitos indeterminados), que 
 permitem a identificação da concreta formação judiciária que vai apreciar o 
 processo (embora não necessariamente a do relator, a não ser que, como acontece 
 entre nós, da sua determinação possa depender a composição da formação 
 judiciária em causa), que se refere a garantia do «juiz natural», pois é esse o 
 alcance que é requerido pela sua razão de ser, de evitar a arbitrariedade ou 
 discricionariedade na atribuição de um concreto processo a determinado juiz ou a 
 determinados juízes.
 Para além desta dimensão positiva, incluindo o aspecto de organização interna 
 dos tribunais, o princípio tem, igualmente, uma vertente negativa, consistente 
 na proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual – o que 
 configuraria uma determinação ad hoc do tribunal. Afirma‑se, assim, a ideia de 
 perpetuatio jurisdictionis, com «proibição do desaforamento» depois da 
 atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex 
 post facto, especiais ou excepcionais – a qual deve, aliás, ser relacionada 
 também com a proibição, constante do artigo 209.º, n.º 4, da Constituição, de 
 
 «existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas 
 categorias de crimes», salvo os tribunais militares durante a vigência do estado 
 de guerra (artigo 213.º da Constituição).
 Como tem sido salientado na nossa doutrina e resulta igualmente da 
 jurisprudência constitucional referida, o princípio do juiz natural não pode, 
 porém, proibir nem a alteração legal da organização judiciária – incluindo da 
 competência para conhecer de determinados processos –, nem a possibilidade de 
 aplicação imediata destas alterações, embora os processos concretos possam, 
 assim, vir a ser apreciados por um tribunal diverso daquele que resultaria das 
 regras em vigor no momento da prática do facto em questão. Esta alteração, quer 
 de regras legais, quer de regras de procedimento para a divisão interna de 
 processos, pode impor‑se por acontecimentos ou circunstâncias que não podem ser 
 descritas previamente de forma esgotante, podendo valer mesmo para processos já 
 pendentes. Ponto é, porém, que o novo regime – ou a revogação, e não apenas 
 derrogação, para um caso concreto, do anterior – valha em geral, abrangendo um 
 número indeterminado de processos futuros, e não exprima razões discriminatórias 
 ou arbitrárias, que permitam afirmar que se está perante uma constituição ou 
 determinação ad hoc da formação judiciária em causa (neste sentido, além da 
 citada jurisprudência constitucional alemã e italiana, por exemplo Chr. 
 Degenhart, comentário 12 ao artigo 101.º da Lei Fundamental, in Michael Sachs, 
 Grundgesetz – Kommentar, 2.ª ed., München, 1999, pág. 1822). Será o caso se tal 
 alteração for justificada por imperativos de realização da justiça.”
 
  
 
                         Assim compreendido o sentido e alcance do princípio do 
 juiz natural, é patente que nenhuma violação do mesmo ocorre com a adopção do 
 critério normativo que a decisão recorrida reputou inconstitucional. A 
 determinação da competência do Tribunal Criminal, em vez da competência que em 
 princípio caberia ao Tribunal de Pequena Instância Criminal, não implicou a 
 criação de um tribunal ad hoc, nem a manipulação arbitrária das regras 
 processuais ou de repartição de competência entre tribunais. Ela derivou – e 
 derivará sempre que se verifique a mesma situação objectiva – do entendimento 
 de que, decorridos 90 dias sobre a dedução da acusação, não é mais possível a 
 realização de julgamento em processo abreviado, devendo os autos ser remetidos 
 para o processo comum, resultando a determinação do tribunal competente para o 
 julgamento da imposição desta alteração da forma de processo.
 
                         Este critério, em si mesmo objectivo, não viola nenhum 
 dos valores, designadamente de independência dos tribunais e de garantias de 
 defesa do arguido, que a consagração do princípio do juiz natural visou 
 assegurar.
 
                         Na verdade, a remessa dos autos para julgamento do 
 Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa para o Tribunal Criminal de 
 Lisboa resultou de uma alteração da respectiva forma de processo. Tendo seguido 
 inicialmente a forma de processo abreviado, cujo julgamento, nos termos da LOFTJ 
 
 (artigo 102.º, n.º 1), compete aos Tribunais de Pequena Instância Criminal, por 
 razões cuja validade infraconstitucional não cabe a este Tribunal apreciar, 
 determinou‑se que os mesmos deveriam seguir a forma de processo comum, cujo 
 julgamento, nos termos da LOFTJ (artigo 100.º), compete aos Tribunais Criminais.
 
                         A alteração do foro competente para o julgamento foi 
 consequência, pois, da aplicação das regras gerais e abstractas definidoras da 
 competência funcional dos diversos tribunais criminais que integram a 
 organização judiciária portuguesa, e não de uma qualquer determinação 
 discricionária de um tribunal para julgar este processo, pelo que não se mostra 
 violada a proibição contida no artigo 32.º, n.º 9, da CRP.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional o critério normativo, 
 extraído dos artigos 119.º, alínea f), e 391.º‑D do Código de Processo Penal, na 
 redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual a inviabilidade da 
 realização do julgamento em processo abreviado no prazo de 90 dias a contar da 
 dedução da acusação constitui uma nulidade insanável, conducente à alteração da 
 forma de processo abreviado para a forma de processo comum, com a consequente 
 remessa dos autos, para julgamento, do Tribunal de Pequena Instância Criminal 
 para o Tribunal Criminal; e, consequentemente,
 
                         b) Determinar a reformulação da decisão recorrida, em 
 conformidade com o precedente juízo de constitucionalidade.
 
                         Sem custas.
 Lisboa, 25 de Março de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 João Cura Mariano
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos