 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 981/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I Relatório
 
  
 
 1.  A. e outra, recorrentes nos presentes autos, foram admitidas, em 1989, ao 
 serviço da Escola B. de Manique, para aí prestarem, no âmbito de contrato de 
 trabalho subordinado, funções de professoras. Já nessa altura eram as 
 recorrentes, simultaneamente, professoras efectivas do ensino público, aí 
 exercendo funções lectivas que mantiveram desde então. 
 Em Julho de 2002 foi-lhes comunicado que o contrato de trabalho subordinado, no 
 
 âmbito do qual exerciam a docência na Escola B. de Manique, cessaria a partir de 
 Agosto do mesmo ano. Sustentou a escola que seria lícita a referida cessação, 
 que se daria a título de caducidade do contrato,  uma vez exercerem as  
 recorrentes funções de professor no ensino privado em regime de acumulação com 
 idênticas funções no ensino público ou oficial.
 Por entenderem, pelo contrário, que a decisão tomada pela escola configurava um 
 despedimento ilícito ou sem justa causa, intentaram as recorrentes, junto do 
 Tribunal do Trabalho de Cascais, acção contra a Província Portuguesa da 
 Sociedade BB. (proprietária da escola e recorrida nos presentes autos), pedindo, 
 inter alia, que fosse a ré condenada no pagamento de uma indemnização por 
 antiguidade, em substituição da reintegração. 
 Não lhes deu razão o Tribunal do Trabalho. Divergindo de orientação seguida pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça em casos análogos, concluiu o tribunal que a 
 
 «cessação do contrato de trabalho com cada uma das Autoras não configura um 
 despedimento, devendo antes considerar-se, como a Ré sustenta, que os contratos 
 cessaram por caducidade» (fls. 197 dos autos)
 Desta decisão apelaram as recorrentes para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, 
 julgando improcedente o recurso, manteve a fundamentação constante da sentença 
 recorrida.
 Interpuseram então A. e outra recurso de revista junto do Supremo Tribunal de 
 Justiça. 
 
  
 
  
 
 2.  Perante a possibilidade de a decisão a proferir no caso vir a contradizer 
 jurisprudência anterior proferida pela mesma Secção do Supremo – e, portanto, 
 perante a necessidade de assegurar a uniformidade da jurisprudência – determinou 
 o Presidente do STJ que o processo seguisse os termos do julgamento ampliado de 
 revista. 
 Assim, acordou o Plenário da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, para 
 o que agora importa:
 
  
 Feita a resenha sobre os 2 entendimentos sucessivamente perfilhados por este 
 Supremo sobre a questão em apreço, há que a reequacionar, em sede do presente 
 julgamento ampliado. 
 Há que dizer que continuamos a ter como inegável a posição, consensual na 
 jurisprudência deste Supremo, de que, antes da publicação do Estatuto da 
 Carreira Docente, aprovado pelo DL n.° 139-A/90, os contratos de trabalho por 
 força dos quais docentes do ensino secundário oficial acumulavam funções 
 docentes no ensino particular estavam sujeitos a um regime especial, específico, 
 no que respeita, no que ora interessa, à sua celebração e cessação, condicionada 
 que estava essa acumulação à autorização anual da competente entidade 
 administrativa. 
 Daí se retirava a natureza essencialmente precária desse vínculo laboral, cujo 
 ciclo necessário e condicionado era o anual (o do respectivo ano lectivo), o que 
 impedia, por natureza, a sua conversão em contrato de trabalho por tempo 
 indeterminado. 
 A situação era, pois, a de contratos de trabalho de duração anual, condicionados 
 
 à autorização administrativa, que caducavam com o fim do ano escolar, sem 
 prejuízo de poderem ser sucessivamente “renovados”, obtidas que fossem as 
 necessárias autorizações. 
 O mencionado entendimento recente deste Supremo veio defender que, no domínio de 
 vigência do Estatuto da Carreira Docente e da Portaria n.° 652/99, deixou de 
 valer esse regime especial, caindo-se, assim, na aplicação do regime geral ou 
 comum dos contratos de trabalho, v.g. o da LCCT referente à ce1ebração e 
 extinção dos contratos a termo. 
 Reanalisando a questão e ponderando também alguns dados não considerados 
 anteriormente, somos levados a divergir desta orientação recente, nos termos que 
 passamos a explanar. 
 O art.° 111º do Estatuto da Carreira Docente, v.g. o seu n.° 4, não teve, por si 
 só e menos ainda conjugado com a Portaria n.° 652/99, a virtualidade de 
 eliminar, no essencial, o regime especial consensualmente admitido antes da sua 
 entrada em vigor e acima mencionado. 
 Tenhamos presente, desde logo, que dele não se retira a consagração da 
 
 “liberalização” da acumulação de funções docentes em causa, isto é, que a mesma 
 tivesse passado a ser livre, isto é, a depender da pura e simples vontade do 
 docente do ensino oficial (conjugada, obviamente, com o acordo – também ele 
 necessário à celebração do contrato de trabalho – do respectivo estabelecimento 
 de ensino privado), não sendo limitada ou condicionada pela competente entidade 
 administrativa. 
 Basta atender a que, após o n.° 2 do art.° 111º fazer alusão genérica à 
 permissão de “acumulação de funções em outros estabelecimentos de educação ou 
 ensino”, o n.° 4 preceituou que “por portaria conjunta ... são fixadas as 
 condições em que é permitida a acumulação referida nos números anteriores”. 
 O que evidencia, claramente, a intenção do diploma de não tornar livre, 
 arbitrária a acumulação, e antes de a manter condicionada, intenção que surge 
 confirmada pelo art.° 11º da Portaria n.° 814/2005 (…)
 
  
 E ainda: 
 
  
 
 (…) Do que deixamos exposto concluímos que, após a entrada em vigor do Estatuto 
 da Carreira Docente, incluindo o domínio de vigência da Portaria n.° 652/99, a 
 acumulação de funções docentes em apreço continuou a ser, “ex lege”, precária, 
 não livre ou arbitrária, antes dependente de autorização administrativa da 
 entidade competente. 
 E o ciclo temporal natural, essencial, dessa acumulação continuou a ser o ano 
 lectivo. 
 E essa precariedade da situação de acumulação continuou a reflectir-se, lógica, 
 necessária, inevitavelmente, no vínculo laboral que a tenha consagrado, também 
 ele, por lei, natural e essencialmente precário e de ciclo anual, ainda que se 
 verifique a possibilidade prevista no n.° 7 da citada Portaria – a de se manter 
 a validade da autorização concedida enquanto se mantiverem as condições que 
 permitiram a acumulação. 
 O que significa que, à semelhança do que se entendia, consensualmente, no regime 
 anterior à entrada em vigor do Estatuto da Carreira Docente, e objecto da 
 posição inicial deste Supremo, qualquer das partes podia, unilateral e sem 
 necessidade de motivação, dar por cessado o contrato de trabalho de acumulação 
 para o fim de cada ano lectivo. 
 Isto sem embargo, repete-se, de, no domínio da Portaria n.° 652/99, o contrato 
 poder ser “renovado”, anualmente, ao abrigo da autorização de acumulação 
 concedida que se mantivesse válida. 
 Refira-se, aliás, que foi de acordo com a citada perspectiva que, no caso dos 
 autos, actuaram todos os interessados na situação de acumulação verificada, já 
 que, até ao ano lectivo de 2001/2002, inclusive, isto é, durante todos os anos 
 em que as AA. exerceram funções docentes em acumulação no estabelecimento de 
 ensino da R., as partes solicitaram à entidade competente as autorizações anuais 
 de acumulação, autorizações que foram concedidas (ver factos n.°s 15 a 18). 
 
  (…)
 
  
 E, finalmente:
 
  
 Feitas estas considerações vejamos o caso dos autos. 
 Da factualidade assente resulta, como entenderam as instâncias, no que as partes 
 não divergem, que estas celebraram, entre si, contratos de trabalho subordinado 
 pelos quais as AA. se obrigaram a prestar a sua actividade docente na Escola B 
 
 .de Manique, propriedade da R., tendo a A. A. sido admitida ao serviço em 1 de 
 Setembro de 1989 e a A. C. em 1 de Setembro de 1991. 
 Sendo que as AA., nas datas em que iniciaram funções ao serviço da Ré e durante 
 todo o exercício das mesmas, estiveram vinculadas ao ensino oficial, como 
 professoras efectivas em tempo completo (a A. A. desde o ano lectivo de 1985/86 
 e a A. C. desde o ano lectivo de 1984/85), tendo-lhes sido concedidas 
 autorizações administrativas anuais para exercerem, em acumulação com as funções 
 de professoras no ensino oficial, funções de docência no referido 
 estabelecimento de ensino particular da Ré. 
 Do que deixamos dito, tais vínculos laborais estavam sujeitos a um regime 
 especial no que respeita, no que aqui interessa, à sua celebração e cessação. 
 E essa especialidade manteve-se durante toda a vigência dos contratos, não se 
 tendo operado, por qualquer forma, a sua conversão em contratos por tempo 
 indeterminado. 
 Os mesmos mantiveram-se sempre, nos termos sobreditos, como contratos 
 essencialmente precários e a termo, com um ciclo anual de duração, que permitia 
 a qualquer das partes dá-los como cessados no fim de cada ano lectivo. 
 E foi isso que a R. fez, ao comunicar às AA., em 17.07.2002, a cessação dos 
 contratos em 31.08.2002, com a invocação de que a mesma era lícita, por estarem 
 a exercer funções em acumulação com funções docentes no ensino oficial. 
 Nesse quadro é de entender, como fizeram as instâncias, que a actuação da R. não 
 traduz um despedimento ilícito, por falta de processo disciplinar e de invocação 
 de justa causa. 
 A cessação foi lícita e, como tal, não confere às AA. direito às quantias que 
 peticionaram, incluindo as reclamadas indemnizações de antiguidade, que 
 pressupunham a ilicitude do despedimento.
 
  
 
  
 
 3.  Nas suas alegações de revista perante o Supremo Tribunal de Justiça 
 invocaram as recorrentes duas questões de constitucionalidade.
 A primeira, relativa à garantia da segurança no emprego, consagrada no artigo 
 
 53º da Constituição. Alegou-se com efeito, e essencialmente, que seria «absurdo 
 e claramente violador» deste direito fundamental «que o empregador pudesse fazer 
 cessar o contrato de trabalho pelo simples facto de não se dispor a renovar o 
 pedido de autorização ou a aceitar que [as] funções [de docência] fossem 
 exercidas em acumulação.» (fls. 336 dos autos). 
 Depois, invocou-se a liberdade de escolha de profissão, garantida no nº 1 do 
 artigo 47º da CRP. A este respeito, sustentavam as recorrentes que a orientação 
 seguida pelo tribunal a quo – e segundo a qual havendo, como no caso dos autos, 
 um emprego «principal» e outro «secundário», poderia o empregador pôr termo a 
 este último, uma vez que a segurança e estabilidade de emprego exigidas pelo 
 artigo 53º da CRP seriam sempre garantidas pelo emprego «principal» – faria 
 tábua rasa da liberdade de escolha de profissão (art. 47º, nº 1, da CRP), uma 
 vez que coarctaria a faculdade que o trabalhador inevitavelmente teria face ao 
 
 âmbito de protecção da norma que garantia o direito fundamental: a de poder 
 sempre optar pelo emprego dito «secundário». (ponto 8 das conclusões, fls. 346 
 dos autos). 
 
  
 A estas questões respondeu o Supremo Tribunal de Justiça: 
 
  
 Nas conclusões da revista, as AA. defendem que a interpretação perfilhada nas 
 instâncias – e que, aliás, foi seguida no presente acórdão, com algumas 
 
 “nuances” de fundamentação – no sentido da licitude da posição da R. ao dar como 
 cessados os contratos de trabalho em causa, traduz uma violação dos princípios 
 constitucionais da segurança no emprego e da liberdade de escolha de profissão, 
 consagrados nos art.°s 53° e 47°, n.° 1, da Constituição, respectivamente.
 
 (…)
 Não têm razão, como passamos a ver. 
 O n.° 1 do art.° 47° da Constituição consagra o direito à escolha de profissão 
 ou género de trabalho a exercer. 
 A liberdade de profissão que se consagra neste preceito da lei fundamental é uma 
 componente da liberdade de trabalho e tem vários níveis de realização: a 
 obtenção das habilitações necessárias ao exercício da profissão; o ingresso na 
 profissão; o exercício da profissão; a progressão na carreira profissional. Ela 
 não se confunde, no entanto, com o exercício livre da profissão. Há liberdade de 
 escolha de profissão, mas isso não impede que o exercício da profissão escolhida 
 se encontre institucionalmente constrangido através de certos limites de 
 actuação. E o direito de livre escolha que pressupõe, nesse caso, a assunção de 
 um estatuto profissional que poderá estar sujeito a um conjunto de 
 condicionantes. 
 Por isso se considera não constitucionalmente ilícita, nem a atribuição de um 
 estatuto público a certas profissões, nem, muito menos, a submissão de certas 
 profissões a um estatuto mais ou menos publicamente condicionado ou vinculado.
 
 (…)
 Além disso, deve ter-se presente que este condicionamento tem também a sua fonte 
 na Lei Fundamental (o art. 269.°, n.° 5) e enquadra-se nas “restrições legais 
 impostas pelo interesse colectivo” ressalvadas na parte final do n.° 1 do art. 
 
 47.°da mesma Lei. 
 Com efeito, nos termos conjugados do acima transcrito n.° 5 do art.° 269° da 
 Constituição e da lei ordinária para a qual ele remete, o exercício pelas AA. de 
 funções docentes no ensino particular em acumulação com as funções docentes no 
 ensino público não era livre, antes estava condicionado à obtenção de 
 autorização da competente entidade administrativa, imposição que tinha 
 essencialmente a ver com razões de interesse público ou, para usar a expressão 
 que consta do n.° 1 do art.° 47° da Constituição, de “interesse colectivo”. 
 Na verdade, é a necessidade de preservar a qualidade intrínseca do ensino 
 público e a sua credibilidade que justifica o estabelecimento pelo Estado de 
 regras a que deve obedecer tal acumulação de funções e a salvaguarda deste 
 interesse público encontra guarida no texto constitucional. 
 
 (…)
 Ora, repete-se, no caso que nos ocupa, as regras que limitam o exercício, em 
 acumulação, das funções docentes no ensino particular, com os inerentes reflexos 
 na natureza das relações laborais estabelecidas entre as AA. e a R. e 
 consequentes efeitos nessas relações, entre os quais, no que aqui interessa, o 
 de as AA. não poderem impor à R. a continuação das mesmas, no fim de cada ano 
 lectivo, e de ter sido, pois, “lícita” a cessação dos contratos de trabalho, são 
 regras impostas pelo interesse público e têm uma evidente justificação material 
 e fundamento constitucional. 
 As AA., porque professoras efectivas no ensino público ou oficial, durante a 
 vigência das relações laborais com a R., não estavam em situação de livremente 
 exercerem a docência no ensino particular, antes estavam sujeitas ao apontado 
 condicionalismo legal no que diz respeito ao exercício da docência no ensino 
 particular, com as consequências que acima foram reconhecidas, o que não 
 contende com o seu direito constitucional à escolha de profissão ou género de 
 trabalho a exercer. 
 Daí que não tenham as instâncias, nem o presente acórdão, incorrido na invocada 
 violação do n.° 1 do art.° 47° da Constituição. 
 E também não merece acolhimento a alegada violação do princípio da segurança no 
 emprego, assente, segundo a posição das AA. – não acolhida nas instâncias, nem 
 no presente acórdão –, numa situação de despedimento ilícito que tinha, na sua 
 génese, a preterição da mencionada liberdade de exercício das funções docentes 
 no ensino particular, ainda que em acumulação, com o consequente efeito, em seu 
 entender, de a R. não poder, unilateralmente, pôr termo aos contratos de 
 trabalho. 
 Deve salientar-se que o citado Ac. do Tribunal Constitucional n.° 367/99, 
 analisando as já mencionadas disposições que disciplinam o exercício de funções 
 docentes no âmbito do ensino superior público, afastou também a tese de que tais 
 normas contendessem com o princípio da estabilidade do emprego, na medida em que 
 a permanência do docente do ensino público no seu posto de trabalho não é, por 
 força da aplicação de tais normas, questionada. 
 Ora, essas considerações valem também no caso dos autos. 
 Por virtude da precariedade dos vínculos estabelecidos para o exercício 
 cumulativo de funções docentes no estabelecimento de ensino particular da R., as 
 AA. não ficaram desempregadas, apenas tendo visto condicionado aquele exercício 
 cumulativo. 
 Ou seja, as AA. não viram negado o emprego, mas tão só limitado o “duplo 
 emprego”. 
 Não vislumbramos, pois – nem, aliás, as recorrentes apontam outras razões para o 
 efeito – que se verifique a violação do princípio constitucional da segurança no 
 emprego a que se refere o art. 53º da Constituição.
 
  
 
  
 
 4.  Desta decisão, que assim aplicou normas cuja inconstitucionalidade havia 
 sido arguida durante o processo, foi interposto recurso para o Tribunal 
 Constitucional ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82. Depois de convidadas a indicar, com maior precisão, quais as normas cuja 
 inconstitucionalidade e ilegalidade pretendiam que o Tribunal apreciasse, vieram 
 as recorrentes dizer que 
 
  
 
 [e]stá pois em causa no presente recurso a apreciação da inconstitucionalidade 
 das normas do art. 111° do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Dec.‑Lei 
 
 139-A/90 e da Portaria 652/99, por violarem os arts. 53° e 47°, n° 1, da 
 Constituição, quando interpretadas no sentido de que existindo exercício em 
 acumulação de funções no Ensino Público e no ensino particular, terminado o ano 
 lectivo para o qual foi concedida autorização de exercício em acumulação de 
 funções públicas e privadas é licito ao empregador privado fazer cessar 
 unilateralmente o contrato de trabalho em vigor no estabelecimento de Ensino 
 Particular, não sendo sequer lícito ao docente contratado o direito de se 
 sujeitar às sanções da Administração Pública por violação da regra da 
 obrigatoriedade de autorização, ou o de optar pela exoneração na função pública 
 passando a exercer funções somente no Ensino Particular.
 
  
 
  
 
 5.  Admitido o recurso no Tribunal, nele vieram a apresentar alegações 
 recorrentes e recorrida. 
 Sustentaram as primeiras, e antes do mais, que a relação jurídico-laboral 
 existente entre as recorrentes e a recorrida se configurava como uma relação de 
 direito privado autónoma face ao vínculo funcional público que se estabelecera, 
 no âmbito do ensino nos estabelecimentos públicos, entre as mesmas recorrentes e 
 o Estado; e que, assim sendo, as regras relativas à autorização do exercício, em 
 acumulação, de funções lectivas (no ensino privado e no ensino público) só 
 poderiam operar no âmbito da relação jurídico-pública, e não no âmbito da 
 relação jurídico‑privada. Por isso, concluíram, nada legitimaria o entendimento 
 segundo o qual o contrato de trabalho subordinado – que dera origem à relação 
 jurídico-privada – cessaria quando cessasse o período do ano lectivo para o qual 
 fosse concedida a autorização, pois que tal implicaria que se qualificasse tal 
 contrato como tendo sido celebrado a termo certo, o que, no seu entender, 
 violaria o disposto no artigo 53º da Constituição. 
 Além disso, alegaram as recorrentes que, ainda que se entendesse que as mesmas 
 necessitavam de autorização da Administração Pública para continuarem a exercer 
 funções no ensino privado, tal nunca conferiria ao empregador o direito de 
 rescindir unilateralmente os contratos de trabalho face ao disposto no artigo 
 
 47º, nº 1, da CRP. É que a liberdade de escolha de profissão, aí consagrada, 
 exigiria que se entendesse que «caberia sempre às recorrentes o direito de [se] 
 sujeitarem às sanções da Administração Pública por violação da regra da 
 obrigatoriedade de autorização» (itálico nosso) ou «o de optarem pela exoneração 
 na função pública, passando a exercer funções só no ensino particular.» 
 
  
 Contra-alegou a recorrida, dizendo essencialmente, com apoio na jurisprudência 
 do Tribunal Constitucional, que as normas sob juízo – no entendimento que delas 
 fora feito pelo tribunal a quo – se não incluíam sequer no âmbito de protecção 
 do artigo 47º da Constituição; e que não ocorrera, in casu, qualquer violação da 
 garantia na segurança no emprego (artigo 53º da CRP), por ser tal garantia 
 dirigida, não a todas as relações de trabalho mas apenas a algumas, pelo que 
 pareceria claro que o direito à segurança no emprego pressuporia que o emprego 
 protegido fosse o único ou o principal, e não o secundário ou acessório. 
 
  
 
 
 
 
 II
 Fundamentos
 
  
 
             6.  No presente caso, discutiram as instâncias a questão de saber 
 como se deve qualificar o contrato de trabalho subordinado que é prestado por 
 docentes do ensino secundário que prestem serviço em estabelecimentos de ensino 
 privado, sempre que tal prestação ocorra em regime de acumulação com idênticas 
 funções exercidas em estabelecimentos de ensino público. Mais precisamente, a 
 questão prendeu-se com a interpretação de um certo sistema normativo, decorrente 
 do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos 
 Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 138-A/90, e pela Portaria nº 
 
 652/99, que veio dar cumprimento aos estatuído, em matéria de acumulação de 
 funções, pelo artigo 111º do Estatuto (mormente no seu nº 4). 
 
             Como decorre do relato atrás feito, duas orientações se afiguravam 
 aqui como possíveis. 
 A primeira, vitoriosa em certa jurisprudência adoptada noutros casos pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça, entendia que, no domínio da vigência do Estatuto e 
 da Portaria nº 652/99, teria deixado de valer o regime especial a que estariam 
 sujeitos, antes, os referidos contratos de trabalho. Tal regime implicava, 
 textualmente, a necessidade de concessão, por parte da Administração Pública, de 
 uma autorização anual para a acumulação de funções (de ensino público e de 
 ensino privado). Assim entendia-se que a duração deste tipo de contratos seria 
 também anual: haveria caducidade do contrato no fim de cada ano escolar, caso a 
 autorização administrativa não fosse, para o ano seguinte, concedida.
 Como o Decreto-Lei nº 138-A/90 veio revogar as normas que fixavam este regime de 
 necessária autorização anual para o exercício em acumulação de funções (cfr., 
 quanto a este ponto, supra, 2), entendeu o Supremo, a dado passo, que, face à 
 redacção conjunta dos artigos 111º do Estatuto da Carreira Docente e 7º da 
 Portaria nº 652/99 se não poderia continuar a adoptar o entendimento segundo o 
 qual este tipo de contratos estaria sujeitos a um regime especial de caducidade 
 anual. Concluiu-se por isso que, neste domínio, se teria caído no âmbito do 
 regime geral ou comum dos contratos de trabalho. 
 Não foi no entanto este o entendimento seguido pelo STJ no presente caso. Como 
 se viu, e como decorre do relato atrás feito, a sentença de que se interpôs 
 recurso concluiu – em anuência com as instâncias – de outro modo.  O que se 
 disse foi que, mesmo no domínio da vigência do Estatuto da Carreira Docente e da 
 Portaria nº 652/99, continuaria a valer, para este tipo de contratos, o regime 
 especial da caducidade anual: não obstante as normas revogatórias contidas no 
 Decreto-Lei nº 139-A/90 – e referentes ao anterior regime de necessária 
 autorização administrativa anual –, os contratos de trabalho subordinados, 
 celebrados entre escolas privadas e docentes do ensino secundário que exercessem 
 também, em acumulação, funções lectivas no sistema de ensino público, deveriam 
 continuar a ser qualificados como «contratos essencialmente precários e a termo, 
 com um ciclo anual de duração, [o] que permitia a qualquer das partes dá-los 
 como cessados no fim de cada ano lectivo» (supra, relatório, 2). 
 Atentos os limites dos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, semelhante 
 dito surge agora como um dado que se não discute ou questiona; a sua recordação 
 
 é apenas útil para que melhor se possa compreender a questão de 
 constitucionalidade que, in casu, se coloca. 
 Com efeito, alegam os recorrentes que é inconstitucional este dito do Supremo 
 Tribunal de Justiça, por ser ele – na interpretação que faz das normas contidas 
 no artigo 111º do Estatuto da Carreira Docente, bem como das pertinentes normas 
 da Portaria nº 652/99 – lesivo, tanto da garantia na segurança no emprego 
 
 (artigo 53º da Constituição), quanto da liberdade de escolha da profissão 
 
 (artigo 47º, nº 1). 
 A questão de constitucionalidade vem colocada através de recurso que se diz 
 interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 
  
 
 7.  Nos termos da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da referida Lei, cabe recurso 
 para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais «que apliquem norma 
 cuja legalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos 
 fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e).». Referem-se estas últimas 
 alíneas – em repetição, aliás, do disposto pelo nº 2 do artigo 280º da 
 Constituição – aos recursos [para o Tribunal Constitucional] que tenham por 
 objecto, não a inconstitucionalidade, mas a ilegalidade de normas, legais ou 
 outras. Resulta tanto da Constituição quanto da Lei do Tribunal Constitucional 
 que tais recursos (a interpor de sentenças de desaplicação ou de aplicação de 
 normas) têm lugar sempre que e apenas quando: (i) se entenda que norma constante 
 de acto legislativo violou normas constantes de lei com valor reforçado; (ii se 
 entenda que norma constante de diploma regional violou normas constantes de 
 estatuto da região autónoma; (iii) se entenda que norma constante de diploma 
 emanado de órgão de soberania violou norma constante de estatuto da região 
 autónoma. 
 
             No caso, é evidente que não ocorre nenhuma destas situações. E como 
 se não colocou nele uma qualquer questão de legalidade para cuja resolução seja 
 competente o Tribunal, o problema a resolver fica restrito à questão de 
 constitucionalidade. 
 
  
 
  
 
 8.  A tese da inconstitucionalidade, alegada pelas recorrentes, assenta numa 
 premissa inicial. A premissa é a seguinte: a relação jurídica laboral existente 
 entre as mesmas recorrentes e a Província Portuguesa da Sociedade BB. é uma 
 relação de direito privado, e como tal autónoma do vínculo funcional público que 
 desde sempre as uniu ao Estado, e no âmbito do qual exerciam – ao mesmo tempo em 
 que ensinavam na escola privada – funções lectivas no âmbito do sistema público. 
 Por ser assim, continuam, à relação jurídica de direito privado devem aplicar-se 
 as normas constitucionais pertinentes. Desde logo, a norma do artigo 53º, 
 relativa à segurança no emprego. Como o preceito constitucional proíbe os 
 despedimentos sem justa causa e obriga o legislador ordinário a emitir normas 
 que garantam, tanto quanto possível, a estabilidade dos vínculos laborais, a 
 interpretação feita pela sentença recorrida, ao qualificar, face ao disposto nos 
 artigos 111º do Estatuto da Carreira Docente e na Portaria nº 652/99, o contrato 
 de trabalho subordinado, que dera origem à relação jusprivatística, como um 
 contrato de caducidade anual, teria lesado (dizem) o direito protegido pelo 
 referido artigo 53º. 
 O mesmo raciocínio é seguido quanto à outra liberdade fundamental que as 
 recorrentes entendem ter sido, in casu, violada. 
 Com efeito, tudo o que se invoca a propósito da liberdade de escolha de 
 profissão  (artigo 47º, nº 1 da CRP) só é entendível se se partir de premissa 
 segundo a qual a relação jurídico-privada, existente entre as recorrentes e a 
 escola no âmbito da qual leccionavam, é uma realidade jurídica inteiramente 
 separada, e autónoma, do vínculo funcional público que as unia, desde sempre, ao 
 Estado. Alegam na verdade as recorrentes que no âmbito de protecção da norma 
 contida no artigo 47º, nº1 da CRP estariam faculdades, que lhes teriam sido 
 negadas pela interpretação normativa feita pela sentença recorrida, e que seriam 
 
 – recorde-se -  a de «poder optar pela exoneração na função pública passando a 
 exercer funções somente no ensino particular»; e ainda a inscrita no «direito de 
 
 [se] sujeitarem às sanções da Administração Pública por violação da regra da 
 obrigatoriedade de autorização». Subjacente a este discurso está a ideia segundo 
 a qual a «função pública» e as «funções somente no ensino particular», ainda que 
 exercidas simultaneamente, não deixam de ser realidades jurídicas separadas e 
 autónomas – a ponto de reclamarem uma interpretação dos textos legais que tenha 
 por objectivo garantir, a todo o tempo, a livre migração de uma «realidade» para 
 outra, de acordo, aliás, com um arquétipo de fungibilidade e de equiparação 
 entre ambas.  
 Sucede, porém, que nem foi esse o entendimento da decisão recorrida, nem tão 
 pouco viola ele a Constituição.
 
  
 
  
 
 9.  Do «regime da função pública» trata o artigo 269º da CRP, que se insere no 
 Título IX da sua Parte III. Todo o Título IX diz respeito à Administração 
 Pública que, nos termos do nº 1 do artigo 266º, «visa a prossecução do interesse 
 público». 
 
  Por isso mesmo, se diz, no nº 1 do já referido artigo 269º, que, «[no] 
 exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais 
 agentes do Estado e outras entidades públicas, estão exclusivamente ao serviço 
 do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos 
 competentes da Administração». É certo que esta configuração constitucional do 
 regime da função pública – estruturalmente vinculada à prossecução do interesse 
 público por parte da Administração e dos seus agentes – não tem impedido o 
 legislador ordinário de adoptar certas formas de aproximação entre o paradigma 
 do emprego público e o paradigma do emprego privado: o uso do termo 
 
 «trabalhadores da Administração Pública», feito pelo preceito constitucional, 
 autoriza justamente estas formas de aproximação. Mas certo é, também, que nem 
 elas transformam a Administração num empregador privado tout court, nem por 
 causa delas se confunde o trabalhador da Administração com um trabalhador 
 subordinado igual a qualquer outro: a existência da previsão constitucional de 
 um «regime da função pública», vinculada, como toda a Administração, ao serviço 
 e à prossecução do interesse público, enuncia e denuncia os limites da 
 transformação. 
 
 É neste contexto que se deve entender o nº 5 do artigo 269º da CRP. Quando aí se 
 reserva à lei (enquanto acto legislativo) a determinação das incompatibilidades 
 entre o exercício de empregos ou cargos públicos e de outras actividades, o que 
 se pretende garantir é que o legislador ordinário regule a possibilidade de 
 exercício simultâneo de funções (públicas e não públicas) de modo tal que não 
 venha com essa possibilidade prejudicado o serviço do interesse público por 
 parte de quem exerce as primeiras. 
 
  
 
  
 
 10.  O que vem de dizer-se é inteiramente aplicável ao exercício simultâneo de 
 funções públicas e privadas no domínio do ensino, de nível secundário ou outro. 
 Como afirmou o Tribunal no Acórdão nº 367/99 – em que se julgava da 
 constitucionalidade de normas que disciplinavam o exercício de funções docentes 
 no ensino superior público, determinando os limites à  acumulação de funções, 
 por parte daqueles docentes, em estabelecimentos de ensino privado e cooperativo 
 
 – «estas normas incidem sobre o estatuto profissional dos docentes do ensino 
 superior público, visando impedir acumulações excessivas (…) que possam fazer 
 perigar a qualidade do ensino e a credibilidade do mesmo». E ainda: «O que está 
 em causa no desempenho de qualquer cargo ou função pública é, independentemente 
 do regime em que o funcionário se encontre, a prossecução do interesse público 
 
 (artigo 269º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa), transmitindo uma 
 imagem de seriedade e dedicação à função». (Disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). Por entender assim, o Tribunal concluiu que, no 
 caso, as normas sob julgamento se encontravam fora do âmbito de protecção, quer 
 da garantia da segurança no emprego (artigo 53º da CRP), quer da liberdade de 
 escolha de profissão (artigo 47º, nº 1). A este ponto voltaremos. Até lá, 
 importa apenas atentar no seguinte.
 No presente caso, as normas sob juízo são as relativas ao regime de acumulação 
 de funções, por parte de docentes do ensino secundário, no sistema de ensino 
 público e no domínio do ensino privado (artigo 111º do Estatuto da Carreira 
 Docente, completado pelas normas da Portaria nº 652/99). A sentença recorrida 
 interpretou estas normas, ou o sistema que elas compõem, entendendo que nelas se 
 perfila a configuração do contrato de trabalho subordinado – celebrado pelos 
 docentes em acumulação com escolas de ensino privado – como um contrato de 
 caducidade anual. É esta interpretação que as recorrentes têm por 
 inconstitucional, desde logo porque sustentam a premissa segundo a qual serão 
 totalmente autónomos o vínculo funcional público que liga os docentes ao Estado, 
 por um lado, e as relações jurídico-laborais que os vinculem a entidades 
 privadas a quem prestem, simultaneamente, os seus serviços de ensino, por outro. 
 
 
 Esta premissa é, no entanto, insustentável dado que não decorre da Constituição. 
 
 
 As normas contidas no artigo 111º do Estatuto e na Portaria nº 652/99, ao 
 definirem as condições e os termos em que é possível a acumulação de funções 
 públicas e privadas por parte dos docentes do ensino secundário, dão cumprimento 
 ao estatuído no nº 5 do artigo 268º da CRP. Assim sendo, a sua finalidade não é 
 de correlacionar «actividades» públicas e «actividades» privadas como se de 
 coisas autónomas se tratassem; a sua finalidade, constitucionalmente recortada, 
 
 é a de regular a possibilidade do exercício simultâneo dos dois tipos de funções 
 
 (as públicas e as privadas) de modo tal que, com ela, não venha prejudicada a 
 prossecução do interesse público por parte das primeiras. Tanto basta para que 
 não colha a premissa da «total autonomia» entre a relação jurídico-privada 
 estabelecida entre um docente e a escola particular na qual presta serviço, e o 
 vínculo funcional que o liga ao Estado, e no âmbito do qual exerce o mesmo 
 docente, simultaneamente, uma actividade lectiva pública. Face à Constituição, 
 em caso de exercício simultâneo de funções, tal autonomia pura e simplesmente 
 não existe. A relação jurídico-privada, a formar-se, terá que ter em conta (e 
 terá que ser regulada tendo em conta) a coetânea subsistência do vínculo 
 funcional público com o qual se terá que compatibilizar. 
 
  
 
  
 
 11.  Assim sendo, não estão agora em causa nem a garantia na segurança no 
 emprego nem a liberdade de escolha de profissão. Ao darem cumprimento ao 
 disposto no nº 5 do artigo 268º da CRP, as normas sob juízo colocam-se fora do 
 
 âmbito de protecção das normas que consagram os dois direitos fundamentais. 
 São em certa medida contíguos os bens jurídicos protegidos pelas normas 
 constitucionais que consagram os dois direitos. 
 Como o Tribunal tem sempre dito, em jurisprudência constante (vejam-se, entre 
 outros, os Acórdãos nºs 64/91,373/91, 372/92, 581/95, 683/99, 306/2003 e 
 
 632/2008, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), a garantia da 
 segurança no emprego, entendida como direito, liberdade e garantia ou como 
 direito de defesa, tem um conteúdo que não pode ser dissociado do direito ao 
 trabalho, consagrado no artigo 58º da Constituição. Enquanto direito social, 
 direito a prestações estaduais ou direito ao desenho e adopção de políticas 
 públicas tendentes a promover o emprego, o direito ao trabalho incluirá 
 seguramente estruturas subjectivas múltiplas, complexas e diversificadas: delas 
 não cuidaremos agora. Certo é, porém, que entre elas se contará o direito a 
 procurar emprego, como forma condigna de realização de projectos pessoais de 
 vida. Ora, o direito à procura de emprego tem, na Constituição, uma face ou 
 dimensão negativa, que é aquela que decorre do direito à não privação arbitrária 
 do emprego que se procurou e obteve. E é justamente esta a dimensão que é desde 
 logo protegida pela norma do artigo 53º da CRP. Quando aí se proíbem os 
 
 «despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos e ideológicos», o que se 
 procura impedir é, em última instância, que as relações de trabalho subordinado 
 cessem por acção arbitrária, discriminatória ou injustificada do empregador. 
 Para além disso, a garantia contida no artigo 53º da CRP tem ainda uma outra 
 dimensão, que pode ser genericamente tida como um direito à possível 
 estabilidade do emprego que se procurou e obteve, enquanto meio para a 
 realização condigna de projectos pessoais de vida. 
 A liberdade de escolha de profissão, consagrada no nº 1 do artigo 47º da CRP, é, 
 também ela – e tal como o direito a se não ser privado arbitrariamente do 
 emprego que se procurou e obteve – um meio para a realização condigna de 
 projectos pessoais de vida, em harmonia, aliás, com o que dispõe o artigo 26º da 
 CRP. Mas a liberdade de escolha de profissão apresenta, face à garantia na 
 segurança do emprego, uma especificidade certa: o que agora está em causa é 
 desde logo o direito à livre escolha de um género de trabalho, de tal modo que 
 se não seja compelido a abraçar uma actividade («profissão») que se não elegeu. 
 Para além disso – e como bem salienta a sentença recorrida – nesta liberdade (de 
 escolha de género de trabalho) vão ainda contidos o direito à obtenção das 
 habilitações necessárias para o exercício da profissão; o ingresso nela; a 
 progressão nela; e, «salvas as restrições legais impostas pelo interesse 
 colectivo ou inerentes à sua [própria] capacidade», o direito ao livre exercício 
 da mesma profissão. 
 Sendo estes os elementos que permitem recortar o âmbito de protecção das duas 
 normas – a contida no artigo 53º da CRP e a contida no artigo 47º, nº 1 -, e 
 aparecendo como um dado certo que a matriz comum a ambas é, afinal de contas, a 
 liberdade de trabalho, como meio para a realização condigna de projectos 
 pessoais de vida  (liberdade recortada negativamente, no caso do direito 
 consagrado no artigo 53º, enquanto direito à não privação arbitrária de emprego; 
 e liberdade recortada positivamente, no artigo 47º, enquanto direito à escolha 
 do género de trabalho que se procura abraçar), seguro é que, fora de tal âmbito 
 de protecção, se encontram as normas de direito infraconstitucional em juízo no 
 caso concreto. 
 Como se viu, tais normas cumprem uma finalidade bem precisa. Ao darem 
 cumprimento ao disposto no nº 5 do artigo 269º da Constituição, determinam as 
 possibilidades, e os limites, do exercício simultâneo de funções públicas e 
 privadas por parte da mesma pessoa, de modo tal que com esse exercício não seja 
 prejudicada a necessária prossecução do interesse público, ao qual está 
 vinculado – por imposição constitucional – todo e qualquer desempenho de função 
 pública. 
 Também neste sentido se pronunciou a sentença recorrida, pelo que nenhuma 
 censura merece o juízo, que nela se fez, quanto à presente questão de 
 constitucionalidade. 
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal não conceder provimento ao 
 recurso, confirmando-se a decisão recorrida quanto à questão de 
 constitucionalidade. 
 
  
 
  
 Custas pelas recorrentes, fixadas em 20 (vinte) unidades de conta da taxa de 
 justiça. 
 
  
 Lisboa, 25 de Março de 2009
 
  
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão