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Processo nº 424/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A. foi condenado, por sentença do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila 
 Verde com data do dia 21 de Novembro de 2006, pela prática de um crime de 
 desobediência qualificada, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 2, do 
 Código Penal, e 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, na pena de 90 (noventa) dias 
 de multa, à razão diária de € 3,00 (três euros).
 Na fundamentação desenvolvida ponderou-se, após enunciar a matéria de facto 
 considerada provada:
 
  
 
 2. FUNDAMENTAÇÃO
 A convicção do Tribunal alicerçou-se nas declarações do arguido, que admitiu 
 saber que não podia conduzir, tendo também informado acerca da sua situação 
 familiar, social e económica; e nos seguintes documentos – decisão da autoridade 
 administrativa, de fls. 13 e 17, auto de entrega da carta de condução, de fls. 
 
 4, certificado de registo criminal, de fls. 7. 
 
  
 
 3. DIREITO 
 Atentos os factos descritos, mostra-se preenchida, objectiva e subjectivamente, 
 o tipo legal do crime de desobediência qualificada, previsto e punível pelo art. 
 
 348°, n.° 2, do CP, e 138°, n.° 2, do Código da Estrada, o qual prevê uma 
 moldura legal abstracta de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias. 
 Cumpre, então, proceder à escolha da pena segundo o critério estabelecido no 
 art. 70°, n.° 1, do CP. 
 Assim, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não 
 privativa da liberdade, manda a norma citada que o tribunal opte por uma pena 
 não detentiva da liberdade, se esta realizar de forma adequada e suficiente as 
 finalidades da punição. 
 Ora, o arguido não tem antecedentes criminais, pelo que, atenta essa 
 circunstância e o tipo de crime em causa, é suficiente a aplicação de uma pena 
 de multa, que funcionará como advertência ao arguido quanto à sua futura 
 conduta, confiando o Tribunal que determinará a sua conduta de acordo com os 
 valores tutelados pela Ordem Jurídica. 
 Em face do grau de ilicitude e de culpa do agente, da sua confissão dos factos e 
 das suas condições económicas e sociais, e ainda das exigências de prevenção 
 geral e especial, julgamos adequado aplicar-lhe a pena de 90 (noventa) dias de 
 multa, à razão diária de €: 3,00 (três euros) – cfr. art°s 47º, 70° e 72° do C. 
 Penal.
 
  
 
  
 
 2.  A., por considerar que o tribunal a quo “aplicou, na decisão dos presentes 
 autos, uma norma – o art.º 138.º, n.º 2 do D.L. 44/2005, de 23 de Fevereiro – já 
 anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional, no 
 Acórdão n.º 574/06, datado de 18 de Outubro de 2006, disponível in 
 
 www.pgdlisboa.pt”, recorreu da mesma para este Tribunal, ao abrigo do disposto 
 na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do 
 Tribunal Constitucional).
 Admitido o recurso, o recorrente apresentou antecipadamente alegações, que 
 concluiu da seguinte forma:
 
  
 
 1 – Na sentença de que se recorre, o Tribunal a quo, condenou o arguido, ora 
 recorrente, pela prática do crime de desobediência qualificada previsto e 
 punível pelo art. 348, n.° 2 do Código Penal e pelo art. 138, n.° 2 do actual 
 Código da Estrada. 
 
 2 – O art. 138, n.° 2 do actual Código da Estrada foi já, em 18 de Outubro de 
 
 2006, julgado organicamente inconstitucional por este Venerando Tribunal pelo 
 douto Acórdão. n.° 574/06 (Processo nº 438/2006). 
 
 3 – Porque é da competência exclusiva da Assembleia da República, salvo 
 autorização ao Governo, legislar sobre definição de crimes, penas, medidas de 
 segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal – art. 165, n.º 
 
 1 al c) da Constituição da República Portuguesa. 
 
 4 – E a lei de autorização com base na qual o governo aprovou do Código da 
 Estrada – a Lei 53/2004, de 4 de Novembro – não concedeu ao governo autorização 
 para tipificar algum tipo de crime nem para alterar os pressupostos objectivos 
 do tipo legal de crime de desobediência qualificada, que anteriormente estava 
 previsto nas disposições conjugadas do art. 348°, n.° 2 do Código Penal e do 
 art. 139°, n.° 4 do Código da Estrada. 
 
 5 – No entanto, com a redacção actual do art. 138, n.° 2 do Código da Estrada, 
 verifica-se uma intenção do legislador de estender a cominação por desobediência 
 qualificada não só à conduta do indivíduo que conduza estando inibido de o fazer 
 por força de decisão administrativa, como também à conduta do indivíduo que 
 conduza um veículo automóvel estando proibido de o fazer por força de pena 
 acessória aplicada por sentença criminal. 
 
 6 – Enquanto que, no domínio da anterior redacção do Código da Estrada, dispunha 
 o art. 139, n.° 4 do referido código que quem conduzisse veículo a motor estando 
 inibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou por decisão 
 administrativa era punido por desobediência qualificada. 
 
 7 – Concluindo-se, pois, que o actual art. 138, n.º 2 do diploma legal em causa, 
 define os pressupostos objectivos de um tipo legal de crime – o de desobediência 
 qualificada. 
 
 8 – E isto quando não se vislumbra da lei de autorização – a Lei 53/2004, de 4 
 de Novembro – qualquer permissão da Assembleia da República para que o  governo 
 legislasse nesse sentido. 
 
 9 – Pelo que se requer a este Venerando Tribunal se digne apreciar e julgar, no 
 caso concreto, a inconstitucionalidade orgânica da norma constante no art. 138, 
 n.° 2 do Decreto-Lei 44/2005, 23 de Fevereiro.
 
  
 Notificada da interposição de recurso, a representante do Ministério Público 
 junto do tribunal a quo respondeu, invocando o seguinte:
 
  
 Não obstante e salvo o devido respeito, entendemos não dever ser conhecido o 
 objecto do presente recurso por extemporâneo. 
 Com efeito, à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional, 
 designadamente no que respeita ao prazo de interposição, é subsidiariamente 
 aplicável a lei processual civil por remissão directa da lei do processo 
 constitucional – cfr. o artigo 69° da Lei do Tribunal Constitucional. 
 Ora, nos termos da lei processual civil, o prazo para interposição dos recursos 
 
 é de 10 dias, contados da notificação da decisão, nos termos do disposto no 
 artigo 685°, n°1, do Código de Processo Civil. 
 Sucede que o arguido foi pessoalmente notificado do teor da decisão em causa nos 
 autos, ditada para a acta, no dia 21 de Novembro de 2006, sendo que dela 
 interpôs recurso apenas no dia 05 de Dezembro de 2007, ou seja, 11 dias depois, 
 contados daquela notificação. 
 Mas, a não se entender assim, V.Exas. ajuizarão da alegada inconstitucionalidade 
 orgânica da referida norma do Código da Estrada, uma vez que o Governo legislou 
 sobre a matéria, a que alude a alínea c), do artigo 165°, n° 1, da CRP, não 
 tendo, para tanto prévia autorização legislativa, 
 Assim fazendo a habitual e esperada 
 Justiça!
 
  
 Determinada a produção de alegações, o representante do Ministério Público junto 
 do Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo:
 
  
 
 1°
 
 É organicamente inconstitucional a norma do n° 2 do artigo 138° do Código da 
 Estrada, na redacção resultante do Decreto-Lei n° 44/2005, de 23 de Fevereiro, 
 uma vez que o Governo legislou sobre matéria, a que alude a alínea c) do artigo 
 
 165°, n° 1 da Constituição, não tendo para tanto prévia autorização legislativa. 
 
 
 
 2°
 Termos em que deverá proceder o presente recurso.
 
  
 Após ter sido determinada a audição das partes “sobre a eventualidade de o 
 Tribunal Constitucional não poder tomar conhecimento do recurso, com fundamento 
 em inutilidade, dada a identidade dos conteúdos entre o segmento normativo do 
 artigo 139.º, n.º 2, do Código da Estrada em causa nos presentes autos e o 
 artigo 139.º, n.º 4, do mesmo Código, na versão anterior à que o Decreto-Lei n.º 
 
 44/2005 deu corpo – norma esta a repristinar em consequência de um hipotético 
 juízo de inconstitucionalidade”, o recorrente veio, nomeadamente, dizer que 
 
 “salvo respeito por melhor opinião, entende o recorrente que há interesse e 
 utilidade jurídica em indagar da inconstitucionalidade da norma em mérito, no 
 caso concreto – o art.º 138.º, n.º e do actual Código da Estrada”, “norma que, 
 num outro caso de fiscalização concreta, que esteve na base do douto Acórdão 
 acima referido” – Acórdão n.º 574/2006 -, “foi declarada organicamente 
 inconstitucional”, requerendo, a final, “a este Venerando Tribunal se digne, 
 neste caso concreto, apreciar e julgar organicamente inconstitucional a norma 
 constante no art.º 138.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, 
 para que, desta forma, se reponha a JUSTIÇA!”
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 3.  A representante do Ministério Público junto do tribunal a quo invoca a 
 questão da extemporaneidade do recurso, já que “o arguido foi pessoalmente 
 notificado do teor da decisão em causa nos autos, ditada para a acta, no dia 21 
 de Novembro de 2006, sendo que dela interpôs recurso apenas no dia 05 de 
 Dezembro de 2006, ou seja, 11 dias depois, cotados daquela notificação.” 
 Ora, tendo o recurso dado entrada neste Tribunal, via telecópia, pelas 20h01m do 
 dia 4 de Dezembro de 2006, e sendo incontroversa a admissibilidade do envio por 
 telecópia do respectivo requerimento de interposição, independentemente do 
 
 “horário normal” da secretaria judicial, é de concluir pela tempestividade do 
 vertente recurso. 
 
  
 
 4.  O mesmo recurso é interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da 
 Lei do Tribunal Constitucional, invocando o recorrente o facto de o Tribunal já 
 ter anteriormente julgado inconstitucional (no Acórdão nº 574/2006) a “norma” 
 aplicada na decisão recorrida.
 Sucede porém – e tal só resulta claro da fundamentação de um outro Acórdão do 
 Tribunal, em que se decidiu uma questão de constitucionalidade em tudo idêntica 
 
 à dos presentes autos (Acórdão nº 114/2008) – que existe uma diferença 
 substancial, relevante sob o ponto de vista jurídico‑constitucional, entre o 
 caso dirimido nos autos e o apreciado no precedente jurisprudencial invocado 
 como fundamento do recurso.
 Ao recorrente, porém, não era exigível a percepção de uma tal diferença, visto 
 
 (como se disse) decorrer ela apenas da fundamentação inscrita no Acórdão nº 
 
 114/2008, e não resultar clara do Acórdão nº 574/2006 que é invocado como razão 
 de interposição do presente recurso.
 
  
 
  
 
 5.  A questão que se discute no presente recurso de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade é a da conformidade constitucional da norma do n.º 2 do 
 artigo 138.º, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 
 de Fevereiro. 
 Como se disse, trata-se de questão de constitucionalidade idêntica à que foi 
 apreciada pelo Tribunal no Acórdão n.º 114/2008, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt. 
 Nesse acórdão – tirado em recurso de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade, interposto pelo Ministério Público ao abrigo do disposto na 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, de sentença 
 absolutória do arguido que teve por base a recusa de aplicação da norma do 
 artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, tida como organicamente 
 inconstitucional –, o Tribunal concluiu que não violava o disposto na alínea c) 
 do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição a norma do n.º 2 do artigo 138.º do 
 Código da Estrada, na parte (dimensão ou segmento ideal) em que pune como 
 desobediência qualificada quem conduzir veículo a motor estando inibido de o 
 fazer por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva a 
 título de sanção acessória pela prática de contra-ordenações, consequentemente 
 ordenando a reforma da decisão então recorrida em conformidade com o julgamento 
 de não inconstitucionalidade.
 As considerações que justificaram essa decisão pareceriam ser totalmente 
 transponíveis para o caso sub judice. Pode ler-se na fundamentação do referido 
 aresto:
 
  
 
 3. Invocando a autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de 
 Novembro, e o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da 
 Constituição, o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, veio dar nova 
 redacção a vários preceitos do Código da Estrada (artigo 1.º). Entre as matérias 
 que foram objecto de alteração avulta o regime de sancionamento dos ilícitos 
 estradais. Neste capítulo, se insere o artigo 138.º que, na nova redacção, 
 passou a dispor (sublinhada a disposição sobre que incide a controvérsia):
 
  
 Artigo 138.º
 Sanção acessória
 
 1 – As contra-ordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com 
 sanção acessória.
 
 2 – Quem praticar qualquer acto estando inibido ou proibido de o fazer por 
 sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva que aplique 
 uma sanção acessória é punido por crime de desobediência qualificada.
 
 3 – A duração mínima e máxima das sanções acessórias aplicáveis a outras 
 contra-ordenações rodoviárias é fixada nos diplomas que as prevêem.
 
 4 – As sanções acessórias são cumpridas em dias seguidos.
 
  
 Na redacção imediatamente anterior do Código da Estrada, esta matéria estava 
 regulada no artigo 139.º, que tinha a seguinte redacção (também sublinhada a 
 norma em que se punia a condução de veículos automóveis no período de 
 cumprimento da sanção acessória):
 
  
 
 
 
 
 Artigo 139.º
 Inibição de conduzir
 
 1 – As contra-ordenações graves e muito graves são sancionadas com coima e com 
 sanção acessória de inibição de conduzir. 
 
 2 – A sanção de inibição de conduzir tem a duração mínima de um mês e máxima de 
 um ano, ou mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja aplicável 
 
 às contra ordenações graves ou muito graves, respectivamente. 
 
 3 – A sanção de inibição de conduzir é cumprida em dias seguidos e refere-se a 
 todos os veículos a motor. 
 
 4 – Quem conduzir veículo a motor estando inibido de o fazer por sentença 
 transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva é punido por 
 desobediência qualificada.
 
             
 Cotejando os preceitos transcritos, verifica-se que, além da diferente 
 numeração, e da alteração da epígrafe do preceito, existem as seguintes 
 diferenças entre os textos legais em comparação: 
 i)  onde anteriormente se dizia: “Quem conduzir veículo a motor …”, agora 
 diz-se: “ Quem praticar qualquer acto”; 
 ii)  onde se dizia: “ ….estando inibido de o fazer”, passou a dizer-se : “ 
 
 …estando inibido ou proibido de o fazer”.
 
  
 Mantém-se a estatuição: a conduta tipificada era e continua a ser punida como 
 crime de desobediência qualificada.
 O legislador pretendeu abranger na punição da desobediência qualificada prevista 
 no n.º 2 do artigo 138.º do Código da Estrada não só o agente que conduza 
 estando inibido de o fazer por força de decisão administrativa ou judicial, como 
 sanção acessória de contra-ordenação (anterior n.º 4 do artigo 139.º do Código 
 da Estrada), mas também a conduta do individuo que viole, no domínio rodoviário, 
 as proibições ou interdições que resultem da imposição de pena acessória por 
 sentença criminal (artigo 353.º do Código Penal). Unificou-se a punição criminal 
 de condutas que se traduzam em desrespeito de decisões judiciais ou 
 administrativas que imponham ao agente proibições ou inibições de conduzir ou 
 outras condutas no domínio da circulação rodoviária, seja qual for a natureza da 
 infracção (crime ou contra-ordenação) cuja prática pelo agente levou a essa 
 proibição de agir ou a natureza da decisão que a impôs (decisão judicial ou 
 administrativa). 
 Nesta interpretação, o n.º 2 do artigo 138.º, na nova redacção, numa parte 
 
 (dimensão ou segmento ideal) sobrepõe-se e noutra é inovador, relativamente ao 
 anterior n.º 4 do artigo 139.º do Código da Estrada. Seguramente que se limita a 
 manter o regime anterior na parte em que sanciona o desrespeito pelo cumprimento 
 da inibição de conduzir veículo a motor resultante da imposição de sanção 
 acessória pela prática de contra-ordenações, porque essa conduta, já punida nos 
 mesmos termos na redacção anterior do Código, cabe na expressão “qualquer acto”. 
 E é inovador na parte em que transpõe para o Código da Estrada o desrespeito por 
 proibições atinentes à circulação rodoviária, impostas a título de pena 
 acessória ou medida de segurança por sentença criminal, subtraindo-a do domínio 
 geral da punição do não cumprimento das obrigações impostas por sentença 
 criminal.
 
  
 
 4. Foi com esta interpretação que o acórdão n.º 574/2006 (publicado no Diário da 
 República, II Série, de 13 de Dezembro) confirmou o juízo de 
 inconstitucionalidade orgânica, por violação da reserva relativa de competência 
 legislativa constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, 
 formulado pela sentença que nesse processo estava em reapreciação. 
 Com efeito, na Lei n.º 53/2004 não se vislumbra autorização ao Governo para, 
 como se diz na sentença agora em apreciação, proceder à '(re)tipificação ou 
 alteração do tipo inscrito no artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada 
 actualmente em vigor', ou seja, para alterar o que constava da  anterior versão 
 do mesmo Código no domínio da definição de crimes e penas criminais, como seria 
 necessário para que o Governo pudesse legislar nesta matéria, face à reserva 
 relativa de competência legislativa estabelecida pela alínea c) do n.º 1 do 
 artigo 165.º da Constituição.
 Todavia, não pode interpretar-se esse acórdão, em que se decidiu 'confirmar o 
 juízo de inconstitucionalidade orgânica constante da decisão recorrida', como 
 comportando um juízo de inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 138.º do Código 
 da Estrada, em toda a sua extensão normativa. 
 Na verdade, o que o despacho então recorrido recusara aplicar, por organicamente 
 inconstitucional, fora “a norma do n.º 2 do artigo 138.º do Código da Estrada, 
 na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 44/2005, na interpretação segundo a 
 qual comete um crime de desobediência qualificada todo aquele que conduzir um 
 veículo automóvel estando proibido de o fazer por força de pena acessória 
 aplicada por sentença criminal transitada em julgado”. Estava, pois, em causa o 
 desrespeito da proibição de conduzir veículos automóveis imposta como pena 
 acessória por uma anterior sentença criminal. E essa é, por contraposição ao 
 anterior n.º 4 do artigo 139.º do Código da Estrada, uma das “zonas de não 
 sobreposição”. Este alcance restrito do julgamento do referido acórdão ressalta 
 da seguinte passagem:
 
  
 
 'A nova norma, ainda que com zonas de sobreposição, abrange hipóteses distintas 
 e implica ponderações diferentes, nomeadamente no que respeita à variação 
 relativa da gravidade da ilicitude dos vários comportamentos tipificados, com 
 consequências para os comportamentos que agora são abrangidos. Com efeito, o nº 
 
 4 do artigo 139º do Código da Estrada, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 
 
 44/2005, de 23 de Fevereiro, previa a punição por desobediência qualificada para 
 quem conduzisse veículo a motor estando inibido de o fazer por sentença 
 transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva, ao passo que o nº 2 
 do artigo 138º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei nº 44/2005, de 
 
 23 de Fevereiro, prevê a mesma punição quer para quem praticar qualquer acto, 
 quer esteja inibido quer esteja proibido de o fazer. Independentemente de saber 
 se, noutras hipóteses em que não existisse [existisse?] uma exacta coincidência 
 de factualidade típica, ainda assim por razões de ilicitude material se teria de 
 reconhecer o carácter inovatório da norma em causa, o certo é que, no presente 
 caso, o agente violou a proibição de condução de veículo a motor decorrente da 
 sanção acessória aplicada por sentença transitada em julgado que o condenou por 
 crime rodoviário. Como se verifica, não existe total coincidência entre a 
 factualidade típica constante das duas normas incriminadoras'. 
 
        
 
 5. Sucede que a situação agora em apreciação é diversa.  
 Imputou-se ao arguido e considerou-se provada a condução de um ciclomotor na via 
 pública no período de cumprimento de sanção acessória de inibição de conduzir 
 imposta por decisão administrativa em processo de contra-ordenação. 
 Consequentemente, a dimensão ou o segmento normativo do n.º 2 do artigo 138.º 
 relevante não coincide com aquele que se julgou inconstitucional no acórdão n.º 
 
 574/2006. A situação respeita à violação da inibição de conduzir imposta como 
 sanção acessória por contra-ordenação estradal, conduta que já estava prevista 
 na redacção anterior do Código da Estrada como constituindo crime de 
 desobediência qualificada, ou seja, o segmento normativo do n.º 2 do artigo 
 
 138.º em causa no presente recurso corresponde a uma “zona de sobreposição” 
 total com o n.º 4 do artigo 139.º do Código da Estrada na versão anterior àquela 
 a que o Decreto-Lei n.º 44/2005 deu corpo. 
 Assim, reconduzindo o objecto do recurso à dimensão normativa relevante, como é 
 próprio do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, importa 
 saber se é organicamente inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 138.º do 
 Código da Estrada, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 44/2005, enquanto 
 pune como crime de desobediência qualificada quem conduzir veículo a motor 
 estando inibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisão 
 administrativa definitiva, como sanção acessória de contra-ordenação.    
 
 6. Há dois aspectos essenciais que podem afirmar-se sem maior demonstração, uma 
 vez que as considerações que a sentença recorrida faz a este propósito não são 
 postas em dúvida por qualquer dos sujeitos processuais e se subscrevem, a saber:
 
 – A Lei n.º 53/2004 não conferiu credencial ao Governo para legislar em matéria 
 de definição de crimes ou penas criminais, porque dela não consta qualquer 
 referência a esta matéria, como o Tribunal já considerou no acórdão n.º 574/2006 
 e se reitera;
 
 – A norma que qualifica determinada conduta como fazendo incorrer o agente em 
 crime de desobediência qualificada (a disposição legal a que se refere o n.º 2 
 do artigo 348.º do Código Penal) consubstancia ainda a definição de crime, pelo 
 que a sua emissão está abrangida pela reserva parlamentar a que se refere o 
 artigo 165º, nº 1, alínea c), da Constituição (cfr. Acórdão n.º 256/2002, 
 publicado no Diário da República, I Série-A, de 8 de Julho de 2002).
 
  
 Estamos, portanto perante uma norma que pertence ao domínio de reserva relativa 
 de competência legislativa da Assembleia da República e que foi inserida em acto 
 legislativo da autoria do Governo sem que exista credencial parlamentar 
 específica. 
 
  
 
 7. Todavia, nem por assim ser tem de concluir-se necessariamente pela 
 inconstitucionalidade orgânica.
 Com efeito, o Tribunal já por diversas vezes afirmou, em jurisprudência que 
 remonta à Comissão Constitucional, que o facto de o Governo aprovar actos 
 normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de 
 competência da Assembleia da República não determina, por si só e 
 automaticamente, a invalidação das normas que assim decretem, por vício de 
 inconstitucionalidade orgânica. Força é que se demonstre que as normas postas 
 sob observação não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que 
 até essa nova normação vigorava, limitando-se a retomar e a reproduzir 
 substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão 
 de soberania competente (Cfr. os acórdãos n.ºs 502/97, 589/99, 377/02, 414/02, 
 
 450/02, 416/03, 340/05 estes tirados em Secção e publicados no Diário da 
 República, II Série, de 4 de Novembro de 1998, de 20 de Março de 2000, de 14 de 
 Fevereiro de 2002, de 17 de Dezembro de 2002, de 12 de Dezembro de 2002, de 6 de 
 Abril de 2004 e de 29 de Julho de 2005, bem como o acórdão n.º 123/04 (Plenário) 
 publicado no Diário da República, 
 I Série-A, de 30 de Março de 2004. Cfr. ainda, aliás com posição discordante, a 
 indicação de jorge miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V, págs. 
 
 234/235). 
 Para tanto, para que essa intromissão formal em domínios de reserva relativa de 
 competência parlamentar seja irrelevante, é necessário que se possa concluir 
 pelo carácter não inovatório da normação suspeita. Não bastará a mera 
 verificação da identidade textual dos dispositivos legais em sucessão, tendo 
 também de ponderar-se os demais elementos de interpretação da lei, pois o mesmo 
 texto, reproduzido em novo contexto, pode adquirir diverso conteúdo normativo. 
 Mas, adquirida a certeza do carácter materialmente não inovatório da norma 
 editada pelo Governo, na perspectiva da distribuição constitucional de 
 competências legislativas tutelada pela inconstitucionalidade orgânica, não se 
 vê razão para a invalidade da norma. A opção política e a volição legislativa 
 primária do parlamento materializadas em determinado acto legislativo da 
 Assembleia da República ou parlamentarmente autorizado mantêm-se intocadas no 
 ordenamento jurídico, apesar da recompilação no novo acto legislativo do 
 Governo.
 A este propósito mantém-se válida a exposição que o acórdão n.º 299/92, Diário 
 da República, II Série, de 14 de Dezembro de 1992, faz dos contornos da 
 jurisprudência do Tribunal:
 
 “(…)
 Com efeito, numa primeira fase, o Tribunal Constitucional apenas julgou 
 inconstitucionais as normas que, versando sobre matéria integrada na reserva de 
 competência legislativa da Assembleia da República, fossem inovatórias. 
 Uma tal visão das coisas decorria do entendimento já perfilhado pela Comissão 
 Constitucional (cf. Pareceres n.ºs 2/79, 31/79, 24/80, 29/80, 3/82, 12/82 e 
 
 17/82, publicados nos volumes que coligiram os pareceres daquela Comissão, 
 respectivamente 7.º vol., p. 189, 10.º vol., p. 59, 13.º vol., pp. 129 e 249, 
 
 18.º vol., p. 141, e 19.º vol., pp. 113 e 253) e reiterado pelo Tribunal 
 Constitucional, entre outros, nos seus Acórdãos n.ºs 1/84 (publicado no Diário 
 da República, 2.ª série, de 26 de Abril de 1984), 56/84 (publicado no Diário da 
 República, 1.ª série, de 9 de Agosto de 1984), 142/85 (publicado no Diário da 
 República, 1.ª série, de 7 de Setembro de 1985), 212/86 (publicado no Diário da 
 República, 1.ª série, de 4 de Julho de 1986), 254/86 (publicado no Diário da 
 República, 2.ª série, de 26 de Novembro de 1986), 67/87 (publicado no Diário da 
 República, 2.ª série, de 16 de Abril de 1987) e 423/87 (publicado no Diário da 
 República, 1.ª série, de 26 de Novembro de 1987), segundo o qual não originaria 
 inconstitucionalidade orgânica a produção pelo Governo de decretos-leis não 
 autorizados em matérias reservadas à competência legislativa da Assembleia da 
 República, desde que o Governo se limitasse a compilar e reproduzir a legislação 
 vigente. Nestes casos, em que o Governo se limitava a reproduzir o texto de 
 disposições em vigor, em nada alterando, acrescentando ou retirando ao que antes 
 já estava legislado, tudo se passaria como se o legislador governamental se 
 tivesse mantida inactivo em tal matéria, abstendo-se de legislar. 
 Desenvolvendo e precisando os contornos de tal entendimento, o Tribunal 
 Constitucional, no seu Acórdão n.º 77/88 (publicado no Diário da República, 1.ª 
 série, de 29 de Abril de 1988), introduziu uma nuance na formulação daquele 
 entendimento, ao sublinhar, num enfoque mais sensível a argumentos de ordem 
 sistemática, a relevância da «vocação global» do diploma onde as normas 
 reproduzidas se inserem para efeitos do juízo de constitucionalidade. Ai se 
 escreve que, «se é inegável que num conjunto não despiciendo de disposições do 
 diploma em apreço o legislador governamental se limitou a reproduzir e 
 
 ‘sistematizar’ direito vigente, não é menos certo que o que sobreleva nessa 
 intervenção legislativa é, por um lado, o seu propósito de modificar pontos de 
 fundamental relevância no regime jurídico em causa e, por outro lado, o seu 
 significado e alcance global. 
 
 […]
 Ora, nestas condições, não faz sentido aplicar na espécie a orientação 
 jurisprudencial atrás citada e restringir o juízo de inconstitucionalidade 
 apenas às normas desse diploma efectivamente modificadoras do regime legal 
 anterior: a verdade é que se está perante uma intervenção global, e de fundo, do 
 legislador governamental em matéria que entra por inteiro na reserva 
 parlamentar». 
 
  
 Esta argumentação viria a ser retomada nos Acórdãos n.ºs 111/88 (publicado no 
 Diário da República, 2.ª série, de 1 de Setembro de 1988), 8/89 (publicado no 
 Diário da República, 2.ª série, de 13 de Abril de 1989), 407/89 (publicado no 
 Diário da República, 2.ª série, de 14 de Setembro de 1989) e 414/89 (publicado 
 na 1.ª série do jornal oficial de 3 de Julho de 1989) e, mais recentemente, nos 
 Acórdãos n.ºs 372/91 (publicado no Diário da República, 1.ª série, de 7 de 
 Novembro de 1991) e 373/91 (publicado no Diário da República, 1.ª série, de 6 de 
 Novembro de 1991) embora neste último caso com dois votos de vencido …”. 
 Ora, como se deixou dito, os factos imputados ao arguido, ora recorrido, eram 
 punidos como crime de desobediência qualificada pelo n.º 4 do artigo 139.º do 
 Código da Estrada na versão deste Código anterior àquela em que se insere a 
 norma a que agora foi subsumida essa conduta. E continuam a ser punidos como 
 crime de desobediência qualificada pelo n.º 2 do artigo 138.º na nova versão do 
 Código, nos mesmos exactos termos. A diferente numeração e a alteração da 
 epígrafe do preceito é mera consequência da reordenação dos demais preceitos do 
 Código, não traduzindo diversa valoração quanto ao bem jurídico protegido ou 
 quanto ao contexto dos elementos relevantes para a punição desta conduta. Nesta 
 parte, continua a tutelar-se penalmente, agora como antes, o cumprimento das 
 decisões que imponham sanções acessórias de inibição de conduzir pela prática de 
 contra‑ordenações em matéria de circulação rodoviária. Não houve aqui 
 intervenção materialmente constitutiva do Governo. Estão, assim, reunidas as 
 condições para que, à luz da referida jurisprudência do Tribunal e tendo em 
 consideração que estamos no âmbito de um processo de fiscalização concreta, a 
 intromissão legislativa formal não autorizada do Governo no domínio da reserva 
 relativa da competência da Assembleia da República não gere 
 inconstitucionalidade orgânica.
 Nestas circunstâncias, o Tribunal Constitucional não considera violado o 
 disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição pela norma do n.º 
 
 2 do artigo 138.º do Código da Estrada, na parte (dimensão ou segmento ideal) em 
 que pune como desobediência qualificada quem conduzir veículo a motor estando 
 inibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa 
 definitiva a título de sanção acessória pela prática de contra-ordenações, pelo 
 que o recurso merece provimento.
 
  
 Porém, resulta do aresto acima transcrito a manifesta inutilidade do 
 conhecimento do presente recurso, que a resposta do recorrente não conseguiu 
 abalar. Lê-se, nomeadamente, na respectiva fundamentação:
 
 (…) a dimensão ou o segmento normativo do n.º 2 do artigo 138.º relevante não 
 coincide com aquele que se julgou inconstitucional no acórdão n.º 574/2006. A 
 situação respeita à violação da inibição de conduzir imposta como sanção 
 acessória por contra-ordenação estradal, conduta que já estava prevista na 
 redacção anterior do Código da Estrada como constituindo crime de desobediência 
 qualificada, ou seja, o segmento normativo do n.º 2 do artigo 138.º em causa no 
 presente recurso corresponde a uma “zona de sobreposição” total com o n.º 4 do 
 artigo 139.º do Código da Estrada na versão anterior àquela a que o Decreto-Lei 
 n.º 44/2005 deu corpo. 
 
  
 No caso vertente, a decisão condenatória também teve por base a violação da 
 inibição de conduzir imposta como sanção acessória por contra-ordenação 
 estradal, conduta que, como se (re)transcreveu, já estava prevista na redacção 
 anterior do Código da Estrada como constituindo crime de desobediência 
 qualificada, pelo que, do mesmo modo, o segmento normativo do n.º 2 do artigo 
 
 138.º em causa no presente recurso corresponde a uma “zona de sobreposição” 
 total com o n.º 4 do artigo 139.º do Código da Estrada na versão anterior àquela 
 a que o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, deu corpo.
 Daqui se retira a evidente inutilidade do conhecimento do presente recurso, 
 pois, fosse qual fosse a decisão tomada, permaneceria incólume a decisão 
 condenatória recorrida, em face da qualificação dos factos a título de 
 desobediência qualificada de acordo com o segmento normativo do n.º 2 do artigo 
 
 138.º do Código da Estrada em causa nos presentes autos (e nos que deram origem 
 ao citado Acórdão n.º 114/2008) ou, por força da repristinação em consequência 
 de um hipotético juízo de inconstitucionalidade, com o n.º 4 do artigo 139.º do 
 Código da Estrada, na versão anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 
 
 44/2005, de 23 de Fevereiro.
 Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu 
 o recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 nem sendo exacto que, após a apresentação de alegações, fique precludida a 
 possibilidade de não se conhecer do objecto do recurso, importa concluir pela 
 procedência da questão respeitante ao não conhecimento do recurso.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar o 
 recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 12 UC’s.
 
  
 Lisboa, 2 de Abril de 2008
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão