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Processo n.º 292/09
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A., arguido sujeito a obrigação de permanência no domicílio, com 
 vigilância electrónica, e recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu a 
 seguinte decisão sumária:
 
  
 
             «I – RELATÓRIO
 
  
 
             1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., arguido sujeito a 
 obrigação de permanência no domicílio, com vigilância electrónica, e recorrido o 
 Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 280º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, 
 relativamente ao acórdão proferido pela 3ª Secção do Tribunal da Relação de 
 Lisboa, em 28 de Janeiro de 2009 (fls. 693 a 722), para que seja apreciada a 
 constitucionalidade da norma extraída do artigo 127º do Código de Processo 
 Penal.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 
             II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
             2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a 
 quo” (cfr. fls. 750), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão 
 não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo 
 preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos 
 os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, 
 nº 2, da LTC.
 
  
 
             Sempre que o Relator verifique que não foram preenchidos algum ou 
 alguns desses pressupostos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, 
 conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
 
  
 
             3. No caso em apreço é evidente que o recorrente não pretende, 
 efectivamente, colocar o Tribunal Constitucional perante a apreciação de uma 
 questão de índole normativa. Em boa verdade, o recorrente limita-se a discordar 
 do juízo formulado pelo tribunal recorrido quanto à prova produzida em audiência 
 de discussão e julgamento, ao abrigo dos poderes que lhe foram legalmente 
 atribuídos pelo artigo 127º do Código de Processo Penal. O recorrente não 
 contesta – nem contestou, em sede de motivação de recurso – que aquele preceito 
 legal atribua aos tribunais criminais uma liberdade de apreciação da prova 
 produzida. O que o recorrente contesta é o concreto juízo levado a cabo pelo 
 tribunal recorrido, ao abrigo de tais poderes.
 
  
 
             Sucede, porém, que o Tribunal Constitucional não dispõe de poderes 
 para sindicar e ordenar a reforma de tais juízos, estando constitucional e 
 legalmente circunscrito à apreciação de questões de inconstitucionalidade 
 normativa, conforme decorre do n.º 1 do artigo 277º, da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
  
 
             4. Por outro lado, das duas uma: i) ou o recorrente pretendia que 
 fosse apreciada a constitucionalidade da redacção literal do artigo 127º do 
 Código de Processo Penal e, então, tal questão não podia ser apreciada porque 
 aquele não a suscitou de modo processualmente adequado perante o tribunal “a 
 quo”; ii) ou o recorrente pretendia que fosse apreciada a constitucionalidade de 
 uma determinada e específica interpretação normativa daquele preceito legal, 
 mas, nesse caso, não a indicou no requerimento de interposição de recurso.
 
  
 
             Evidentemente, caso se tratasse desta última opção, a Relatora 
 sempre teria convidado o recorrente a aperfeiçoar o respectivo requerimento de 
 interposição de recurso, conforme imposto pelo n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, de 
 modo a que aquele viesse indicar qual a concreta interpretação normativa que 
 reputa de inconstitucional. Porém, nos autos ora em apreço, verifica-se que o 
 recorrente também nunca suscitou de modo processualmente adequado a 
 inconstitucionalidade de qualquer interpretação normativa, conforme lhe era 
 exigido, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC. Assim, qualquer convite ao 
 aperfeiçoamento esbarraria sempre contra a omissão do cumprimento deste ónus 
 processual, pelo que se revelaria, impreterivelmente, como acto processual 
 inútil. Razão pela qual a Relatora se absteve de tal convite.
 
  
 
             Para que dúvidas não restem, importa, então, verificar se o 
 recorrente – tal como alude no § 4. do seu requerimento de interposição – 
 suscitou, de modo processualmente adequado a inconstitucionalidade da redacção 
 literal do artigo 127º do Código de Processo Penal ou de qualquer interpretação 
 normativa daquele preceito legal.
 
  
 
             As referências genéricas à violação das “mais elementares regras da 
 Administração da Justiça” e do “princípio «in dubio pro reu», consagrado na 
 Constituição da República Portuguesa no seu artigo 32º” (fls. 662) não são 
 directamente imputadas a uma concreta norma (ou interpretação normativa), antes 
 sendo atribuídas à própria decisão jurisdicional, que – segundo o sistema 
 português de fiscalização da constitucionalidade (artigo 277º, n.º 1, da CRP) – 
 não pode ser objecto do juízo fiscalizador deste Tribunal. Esta insistência na 
 alegada inconstitucionalidade da “decisão jurisdicional” persiste no penúltimo 
 parágrafo das conclusões da motivação (fls. 662), afirmando sempre o recorrente 
 que o tribunal recorrido “ultrapassou os limites que constitucionalmente deverá 
 respeitar”, mas sem nunca assentar tal inconstitucionalidade na concreta 
 aplicação da norma.
 
  
 
             Por fim, através do último parágrafo das suas conclusões, o 
 recorrente limita-se a confirmar a ideia de que apenas discorda do juízo 
 subsuntivo que os tribunais recorridos formularam quanto à prova produzia em 
 audiência de discussão e julgamento, afirmando que a própria decisão quanto aos 
 factos provados é que viola o princípio da proporcionalidade. Contudo, em 
 momento algum, o recorrente imputa qualquer inconstitucionalidade à norma 
 extraída do artigo 127º do Código de Processo Penal.
 
  
 
             Em suma, o recorrente nunca colocou em crise a constitucionalidade 
 da norma que pretende ver agora apreciada por este Tribunal, antes tendo 
 impugnado o modo concreto como os tribunais recorridos apreciaram a prova 
 produzida em audiência de discussão e julgamento. Essa é questão, porém, sobre a 
 qual este Tribunal não se pode pronunciar, por não deter poderes para tal.
 
  
 
  
 
             III – DECISÃO
 
  
 
             Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do 
 artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do 
 presente recurso.
 
  
 
             Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 
 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de 
 Outubro.»
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência, 
 contra a não admissão do recurso, nos seguintes termos:
 
  
 
 «1. Ao recorrer para o Tribunal Constitucional o ora Reclamante colocou para 
 escrutínio desse Órgão de Fiscalização da Constitucionalidade das Leis, três 
 questões.
 
  
 
 2. A primeira tinha a ver com o seguinte acervo normativo: 
 
  
 Primeira questão: O artigo 127. ° do Código Processo Penal, quando prevê que a 
 contestação de tal preceito, ou seja, o da “livre apreciação da prova”, não deva 
 ser decretada em sede de recurso, quando não foi especificamente suscitada pelo 
 recorrente em sede de motivação em que suscitou, entretanto, a violação daquilo 
 que considera ser as mais elementares regras da Administração da Justiça, ao 
 considerar que o Tribunal do Julgamento, o de 1ª Instância, tomou a sua decisão 
 ultrapassando os limites que, constitucionalmente tem que respeitar ao abrigo do 
 preceituado no aludido normativo. 
 
  
 
 3.         De acordo com o ora Reclamante a violação da Lei Fundamental, ocorria 
 porquanto, haviam sido desrespeitadas em relação a esta questão, as seguintes 
 normas da Constituição: 
 
  
 Primeira Norma: Artigo 32. °, nº. 2, ou seja o Principio “in dubio pro reo”, ao 
 optar por não dar credibilidade à versão dos factos apresentada pelo aqui 
 Reclamante, sendo a versão do mesmo bem possível, não valorando elementos 
 atinentes à personalidade moral de uma pessoa, inviabilizando a sociabilidade e 
 a liberdade, tornando processualmente irrelevantes factos e elementos de 
 personalidade que militem em defesa do arguido no sentido de uma pena suspensa 
 na sua execução. 
 
  
 Segunda Norma: Artigo 18. °, ou seja, os Princípios da Necessidade e 
 Proporcionalidade, ou da Proibição do Excesso, ao não considerar como 
 relevantes, para a aplicação de uma pena suspensa na sua execução, toda a prova 
 feita, sobre a vida do ora Reclamante, que prima pela ausência de antecedentes 
 criminais, e que está integrado, quer familiar e socialmente, bem como no 
 mercado de trabalho. 
 
  
 
 4.         Ora a presente matéria havia sido prevenida no recurso interposto 
 para o Tribunal da Relação, conforme as quatro últimas conclusões da motivação: 
 
  
 
 “Violando-se assim, aquilo que são as mais elementares regras da Administração 
 da Justiça. Ou seja, 
 O Princípio “in dúbio pró reo” consagrado na Constituição da República 
 Portuguesa no seu artigo 32º. Mais, 
 Ao tomar a sua decisão ao abrigo da livre apreciação da prova, prevista no 
 artigo 127º, do C.P.P., o Tribunal “a quo” ultrapassou os limites que 
 constitucionalmente deverá respeitar, ou seja, o princípio acima enunciado. 
 Sucede que, ao retirar de toda a prova produzida, bem como da livre apreciação 
 do julgador, outra conclusão que não seja, a mera existência de dúvida razoável 
 sobre a consciência da ilicitude do facto, afronta claramente os Princípios 
 Constitucionais da necessidade e proporcionalidade ou da proibição do excesso, 
 retirados desde logo do artigo 18.º C.R.P.” 
 
  
 
 5.         Conhecendo de tal matéria, a decisão sob reclamação, considerou não 
 conhecer do objecto do presente recurso, na medida em que considera que o 
 Recorrente nunca colocou em crise a constitucionalidade da norma, artigo 127. ° 
 do Código Processo Penal. 
 
  
 
 6.         Eis do que se discorda e integra objecto da presente reclamação. 
 
  
 
 7.         A decisão recorrida é aquela onde foram aplicadas as normas cuja 
 dimensão constitucional foi posta em crise; ora, no caso, lendo a configuração 
 concreta do problema — tal como suscitado aos poderes de cognição do TC — o ora 
 Reclamante tornou claro, desde logo no âmbito do recurso interposto para o 
 Tribunal da Relação a 21 de Novembro de 2008, do Acórdão da 1ª Instância, 
 conforme consta, nas quatro últimas conclusões das alegações, oferecidas nos 
 termos do artigo 442. °, nº. 2, do CPP. [as mesmas referenciadas no ponto 4 da 
 presente Reclamação]. 
 
  
 
 8.         Estamos em suma, ante normas que foram aplicadas na decisão sobre a 
 qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação, com prevenção de vício 
 de inconstitucionalidade, questão que foi reeditada aquando do recurso 
 interposto para o STJ, entretanto rejeitado, e presentemente face a normas cuja 
 desconformidade com a Lei Fundamental também já foi suscitada por recurso 
 desatendido pela decisão sumária de que ora se reclama.» (fls. 779 a 781).
 
  
 
 3. Notificado da reclamação, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 77º da 
 LTC, o Ministério Público veio pronunciar-se no seguinte sentido:
 
  
 
 «1°
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
  
 
 2°
 Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada, no que respeita à evidente inverificação dos pressupostos do 
 recurso.» (fls. 783)
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. Antes de mais, importa notar que, em sede de processo constitucional, cabe 
 aos recorrentes fixarem o objecto do recurso de constitucionalidade, por 
 intermédio do requerimento de interposição de recurso, conforme resulta, aliás, 
 da jurisprudência consolidada neste Tribunal, os recorrentes devem especificar 
 qual (ou quais) a(s) norma(s) que pretendem ver apreciada(s), não lhes sendo 
 lícito ampliar o objecto do recurso através de qualquer requerimento apresentado 
 em momento posterior ao da interposição de recurso (a mero título de exemplo, 
 ver, entre muitos outros, os Acórdãos n.º366/96, n.º 357/07, n.º 487/08 e n.º 
 
 14/09, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 Ora, nos presentes autos, o recorrente limitou-se a indicar como objecto do 
 presente recurso o artigo 127º do CPP, pelo que não lhe é lícito vir agora, em 
 sede de reclamação, afirmar que pretendia ver apreciada a constitucionalidade 
 daquela norma quando prevê que a contestação de tal preceito, ou seja, o da 
 
 “livre apreciação da prova”, não deva ser decretada em sede de recurso, quando 
 não foi especificamente suscitada pelo recorrente em sede de motivação em que 
 suscitou, entretanto, a violação daquilo que considera ser as mais elementares 
 regras da Administração da Justiça, ao considerar que o Tribunal do Julgamento, 
 o de 1ª Instância, tomou a sua decisão ultrapassando os limites que, 
 constitucionalmente tem que respeitar ao abrigo do preceituado no aludido 
 normativo” (fls. 779). Como é manifesto pela mera leitura do requerimento de 
 interposição de recurso, não corresponde à verdade processual que o recorrente 
 tenha colocado aquela questão como objecto do presente recurso, pelo que não 
 pode este Tribunal permitir agora a ampliação do respectivo objecto.
 
  
 
 5. Quanto aos demais argumentos, resta apenas frisar que, tal como já 
 demonstrado pela decisão ora reclamada: i) por um lado, o recorrente não colocou 
 o Tribunal Constitucional perante nenhuma questão de inconstitucionalidade 
 normativa, antes tendo manifestado a sua discordância quanto à concreta 
 utilização pelos tribunais recorridos do mecanismo de livre apreciação da prova; 
 ii) por outro lado, ainda que se admitisse – o que por mero esgotamento de 
 fundamentos se pondera – que havia sido colocada uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, não seria possível considerar que tal questão 
 houvesse sido suscitada de modo processualmente adequado.
 
  
 
             O excerto das alegações de recurso para o tribunal “a quo”, invocado 
 pelo ora reclamante, na respectiva reclamação, apenas confirma o entendimento de 
 que nunca foi suscitada qualquer inconstitucionalidade normativa, antes tendo o 
 
 (então) recorrente considerado que a decisão recorrida, no uso das suas 
 prerrogativas de livre apreciação de prova, havia violado determinados preceitos 
 constitucionais. Ora, o que se conclui – sem margem para dúvidas, é que nunca 
 foi colocada em causa a constitucionalidade da norma extraída do artigo 127º do 
 CPP, antes se tendo apenas questionado a concreta interpretação dos factos 
 revelados pelos meios de prova produzida em audiência de julgamento.
 
  
 Assim, não subsistem quaisquer argumentos que não tenham sido ponderados pela 
 decisão reclamada e que, como tal, conduzissem à sua reforma.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 20 de Maio de 2009
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão