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Processo n.º 503/05
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 Acordam em conferência na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório
 
  
 
 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Évora foi decidido, por despacho de 15 de 
 Julho de 2004, “declarar resolvido o perdão da pena de um ano e seis meses de 
 prisão que [] foi concedido [a A., ora recorrente,] ao abrigo do disposto no 
 art.º 8 n.º 1 al.ª d) da Lei 15/94, de 11.05.” Mais foi decidido “declarar 
 perdoado um ano de prisão em que foi condenado, ao abrigo do disposto no art.º 1 
 n.º 1 da Lei 29/99, de 12.05, mediante a condição resolutiva prevista no art.º 
 
 5.º do citado diploma legal”, bem como “determinar o cumprimento pelo arguido [] 
 do remanescente da pena de prisão de 6 (seis) meses.”
 
  
 
 2. Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, 
 alegando, para o que agora importa, o seguinte:
 
 “[...] O despacho agora notificado não só viola o caso julgado, como vem 
 infringir os direitos individuais assim como as garantias constitucionais dos 
 mesmos, art.º 27º n.º 2 da C.R.P. [...]
 Conclusões. [...] g) Além disso, porque o recorrente nunca teve a mínima ideia 
 de violar o art.º 11 da citada lei, lei essa constante da sentença condenatória, 
 não pode ficar condenado à pena que lhe foi perdoada incondicionalmente, sem 
 novo julgamento, porque ele não violou a sentença, que para si passou a ser toda 
 a lei.
 h) O douto despacho recorrido constitui, assim, violação de caso julgado, art.º 
 
 29 n.º 5, e constitui também condenação sem prévio julgamento, o que é proibido 
 pelo art.º 27 n.º 2 ambos da CRP[...].
 
  
 
 3. O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 1 de Março de 2005, negou 
 provimento ao recurso, confirmando integralmente a decisão recorrida. 
 
  
 
 4. Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, através 
 de um requerimento que tem o seguinte teor:
 
 “[...], recorrente no processo acima indicado, notificado do douto Acórdão de 
 
 01/03/2005 de que já não cabe recurso ordinário, vem dele interpor recurso para 
 o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no art. 75-A da Lei 28/82 na 
 redacção da Lei 85/89 de 7 de Setembro e da Lei 13- A/ 98 de 26 de Fevereiro, 
 indicando-se:
 a) A alínea do N° 1 do art. 70° ao abrigo da qual o presente recurso está a ser 
 interposto: alínea b );
 b) Norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada e definida: a do 
 artigo 671º do C. P. C. aplicável ao processo crime por força do art. 4 ° do C. 
 Processo Penal;
 c) Normas ou princípio jurídico constitucional que se consideram violadas: 
 violação de caso julgado, arts. 205,2 e 29,5 e condenação sem prévio julgamento, 
 art. 27,2 e 32,1 da C. R. P .;
 d) A peça processual onde foi levantada a questão da inconstitucionalidade: nas 
 Alegações de Recurso para o Tribunal da Relação de Évora.[...]”
 
  
 
 5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao 
 abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, 
 na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão 
 sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na 
 parte agora relevante, o seu teor:
 
 “5. Tendo o presente recurso sido admitido no Tribunal da Relação de Évora, 
 cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do seu objecto, uma vez que a 
 decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 
 
 3 da Lei do Tribunal Constitucional -LTC).
 O recorrente indica, como fundamento do recurso, a alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70º da Lei do Tribunal Constitucional. O recurso previsto nesta alínea, 
 pressupõe, designadamente, que a questão colocada ao Tribunal Constitucional 
 seja uma questão de constitucionalidade normativa, isto é reportada ao confronto 
 de uma determinada norma ou interpretação normativa com a Constituição. 
 Pressupõe, além disso, porque de recurso se trata, que o recorrente tenha 
 suscitado, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de 
 uma sua dimensão normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha 
 aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso. 
 Vejamos.
 O recorrente afirma pretender ver apreciada a norma “do artigo 671º do C. P. C. 
 aplicável ao processo crime por força do art. 4 ° do C. Processo Penal”, por 
 
 “violação de caso julgado, arts. 205,2 e 29,5 e condenação sem prévio 
 julgamento, art. 27,2 e 32,1 da C. R. P.”. Ora, como vai sumariamente ver-se, o 
 recorrente nunca suscitou, como exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, de modo processualmente adequado, perante o Tribunal da Relação 
 de Évora, que proferiu a decisão recorrida, a inconstitucionalidade daquela 
 norma, que agora pretende ver apreciada por este Tribunal.
 De facto, basta ler o teor da alegação de recurso para o Tribunal da Relação de 
 
 Évora, que supra transcrevemos na parte relevante, para verificamos que o 
 recorrente, quando muito, imputa uma alegada violação da Constituição ao “douto 
 despacho recorrido”, que não só violaria caso julgado, como constituiria 
 
 “condenação sem prévio julgamento” contrário à Constituição. 
 
 É, contudo, jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, estando em 
 causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta 
 do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82, e 
 assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Na 
 verdade, ao contrário dos sistemas em que é admitido recurso de amparo, 
 nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões jurisdicionais 
 que, alegadamente, violam directamente a Constituição, o recurso de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade vigente em Portugal não se destina ao controlo 
 da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando a 
 discordância se dirige a esta última, mas, pelo contrário, ao controlo normativo 
 de constitucionalidade da norma aplicada.
 Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se 
 evidente que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que, não 
 tendo o recorrente suscitado, de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do art. 72º da Lei 
 do Tribunal Constitucional, qualquer questão de constitucionalidade normativa, 
 não está presente, pelo menos, um dos pressupostos da sua admissibilidade”.
 
  
 
 6. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 
 
 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que o reclamante fundamenta 
 nos seguintes termos:
 
 “1º Levantada foi uma questão formal para rejeitar o recurso sem ter sido 
 definida a forma bastante para que a sua formulação seja 'processualmente 
 adequada'. Sem sombra de dúvidas que, sem tal definição o relativismo instalado 
 para admitir ou rejeitar um recurso para o Tribunal Constitucional está 
 instalada. E diz-se relativismo, porque a letra da lei não define o que é ' 
 processualmente adequado' . Dir-se-á que nem tinha que o dizer. Mas uma 
 realidade é necessário encarar: Será que 'o processualmente adequado' vai passar 
 a depender de maior ou menor exigência formal de quem aprecia, ou da suficiência 
 terminológia ou semântica de quem recorre, ou dum julgamento livre e pessoal 
 duma questão que nada tem a ver com o objecto do recurso e apenas com o 
 processualmente adequado?
 
 É que nem sequer se trata de preclusão dum direito por força da não observância 
 duma condição prevista expressamente na lei, sobre a qual não existem dúvidas, 
 v. g. um prazo decorrido.
 Aqui é barrado o acesso ao Tribunal porque a questão 'não foi apresentada de 
 modo processualmente adequado' sem que a lei o tenha estabelecido, nem o 
 Tribunal o tenha definido.
 
 2º Conforme dispõe o art. 72, 2 da Lei do Tribunal Constitucional, os recursos 
 previstos na alínea b) do art. 70, 1 só podem ser interpostos por quem haja 
 suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade.
 Ora as normas foram citadas, ou seja, o art. 671, 672 e 673 do C. P. Civil que 
 definem o conteúdo e efeito de caso julgado foram denunciadas por terem sido 
 violadas, normas estas que proíbem novo julgamento do mesmo facto ou questão. O 
 que aconteceu por ter sido condenado ao cumprimento de pena que já tinha sido 
 perdoada por despacho que única e exclusivamente teve em vista decidir que a sua 
 pena tinha sido perdoada, e sem qualquer condição ou limitação.
 Também foram indicadas as normas 205,2; 29,5 e 27,2; 32,1 da C.R.P. que na 
 redacção do Recurso foram violadas com a aplicação das atrás citadas normas do 
 C. P. Civil.
 Ora estas normas agora citadas não permitirão concluir que apenas foi invoca da 
 a fiscalização concreta da Constituição. Salvo o devido respeito, que é muito, 
 foi pedida a apreciação da constitucionalidade das normas citadas e 
 concretamente por violarem as disposições constitucionais também expressamente 
 indicadas. O Recorrente não pediu para se apreciar a inconstitucionalidade da 
 decisão, mas só de normas.
 Será que os termos usados no Recurso para o Tribunal da Relação Évora não colhem 
 procedência, porque não se encontra explicitamente escrito 'inconstitucional' ou 
 
 'constitucional' ?
 Todavia a (in)constitucionalidade ficou devidamente salientada. Tanto assim que 
 sobre a sua existência, a Relação não teve dúvidas em a referenciar na alínea h) 
 do resumo que fez das conclusões do recurso.
 Ainda mesmo que se verifique a falta da palavra - constitucionalidade - tudo o 
 mais, mais que necessário e suficiente ficou para que se produza a apreciação 
 concreta da constitucionalidade normativa. A norma da lei ordinária e a norma da 
 lei constitucional ficaram frontalmente em confronto. [...]”.
 
  
 
 7. O Ministério Público, notificado da presente reclamação, disse o seguinte:
 
 “1. A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2. Na verdade – e como é incontroverso – o reclamante não cumpriu, adequadamente 
 o ónus de suscitar, antes da prolação da decisão recorrida, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, delineando, em termos claros e inteligíveis, 
 qual a norma ou interpretação normativa que pretendia questionar.
 
 3. Implicando naturalmente tal conduta processual a manifesta inverificação dos 
 pressupostos do recurso interposto.”
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 III – Fundamentação
 
  
 
 8. Na decisão sumária reclamada concluiu-se no sentido da impossibilidade de 
 conhecer do objecto do recurso, por não ter o recorrente suscitado, de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 como exige o n.º 2 do art. 72º da Lei do Tribunal Constitucional, qualquer 
 questão de constitucionalidade normativa. Com a presente reclamação o reclamante 
 vem contestar que assim seja, alegando, em síntese, que não só suscitou uma 
 questão de constitucionalidade normativa, como o fez em termos processualmente 
 adequados.
 
  
 Porém, como então já se demonstrou, é manifesto que não lhe assiste qualquer 
 razão. 
 
  
 
 8.1. Desde logo não tem qualquer razão quando, agora, pretende que se conclua 
 que “não pediu [na alegação de recurso para o Tribunal da Relação de Évora] para 
 se apreciar a inconstitucionalidade da decisão, mas só de normas”. A afirmação é 
 inequivocamente desmentida pela invocação das partes daquela peça processual 
 onde o recorrente se refere à violação de preceitos constitucionais e que agora, 
 mais uma vez, se transcrevem:
 
 “[...] O despacho agora notificado não só viola o caso julgado, como vem 
 infringir os direitos individuais assim como as garantias constitucionais dos 
 mesmos, art.º 27º n.º 2 da C.R.P. [...]
 
 [...]
 h) O douto despacho recorrido constitui, assim, violação de caso julgado, art.º 
 
 29 n.º 5, e constitui também condenação sem prévio julgamento, o que é proibido 
 pelo art.º 27 n.º 2 ambos da CRP[...]”. (Negritos aditados).
 
  
 Ora, as passagens supra transcritas não deixam espaço para qualquer dúvida, 
 sendo manifesto que foi ao “despacho agora notificado” ou, noutros termos, ao 
 
 “douto despacho recorrido” - em suma, à decisão recorrida, e não a normas por 
 esta aplicadas - que o recorrente imputou, durante o processo, a violação da 
 Constituição. E, sendo assim, como se demonstrou já na decisão reclamada em 
 termos que merecem a nossa inteira concordância, não há lugar ao recurso que o 
 recorrente pretendeu interpor.
 
  
 
 8.2. Agora apenas se acrescenta, porque o reclamante coloca expressamente a 
 questão, que também não tem qualquer razão quando afirma que nem a lei nem o 
 Tribunal Constitucional têm estabelecido o que se entende por um “modo 
 processualmente adequado” de suscitar uma questão de constitucionalidade 
 normativa. Ao contrário do que afirma, a lei é clara no sentido de exigir que a 
 questão seja posta em termos tais que o tribunal recorrido dela seja obrigado a 
 conhecer e, além disso, são, incontáveis as decisões em que, ao longo dos já 
 mais de 20 anos de jurisprudência constitucional, este Tribunal tem fornecido 
 critérios de concretização daquela exigência legal, afirmando, nomeadamente, que 
 a questão de constitucionalidade tem que ser suscitada de forma clara e 
 perceptível e que o deve ser em termos tais que, se este Tribunal vier a julgar 
 determinada interpretação normativa desconforme com a Constituição, o possa 
 enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que 
 houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os 
 operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não 
 pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 20 de Setembro de 2005
 
  
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Artur Maurício