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Processo n.º 558/2005
 
 2.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.  A. instaurou junto da 5ª Vara Cível da Comarca de Lisboa providência 
 cautelar não especificada, deduzindo vários pedidos relativos ao reconhecimento 
 da sua posição de accionista contra vários requeridos.
 Por sentença de 15 de Janeiro de 2004 do mencionado tribunal, a providência 
 cautelar foi julgada improcedente.
 Foi interposto recurso.
 O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 14 de Dezembro de 2004, depois 
 de enunciar os termos e os pressupostos da providência cautelar, entendeu o 
 seguinte:
 
  
 
 (...) Concretizando in casu cabe verificar se se acham preenchidos, dada a 
 factualidade assente, os pressupostos legais, sendo certo que, integrando-se a 
 providência cautelar não especificada na figura genérica do procedimento 
 cautelar, tal pressuposição, a verificar-se, assentará em summaria cognitio. 
 Quer dizer, a avaliação jurisdicional pretendida pelo Rte ora agravante, a fim 
 de ser apropriada ao seu caso, seja necessariamente sumária: o juiz limitar-se-á 
 a produzir uma averiguação perfunctória dos requisitos legais, sendo na base 
 desse conhecimento que haja de decretar-se a providência.
 Além disso, adverte a Mma. Juiz a quo que “importa não esquecer que, nos termos 
 do art. 660°, nº 2” CPC, “falecendo um dos requisitos de procedência da 
 providência impetrada, ficará prejudicado o conhecimento dos demais. “Pretende o 
 Requerente, com o presente procedimento cautelar, “se lhe reconheça e garanta o 
 exercício de direitos sociais resultantes da titularidade de seis mil acções do 
 capital da “Requerida, B., (nomeadamente, mas sem carácter de enumeração 
 exaustiva, o direito de estar presente nas respectivas assembleias, reuniões ou 
 quaisquer encontros que, legal ou estatutariamente, tenham lugar, o direito de 
 consultar previamente a essas ocasiões quaisquer documentos pertinentes aos 
 mesmos, o direito de nelas intervir, o direito de pedir informações ou quaisquer 
 esclarecimentos, ou direito de aí votar, o direito de impugnar judicialmente as 
 deliberações que entenda desconformes com a lei, e o direito de beneficiar de 
 quaisquer atribuições patrimoniais resultantes da qualidade de sócio)”.
 Logo, os prejuízos que lhe possam advir da violação de tais direitos revestem 
 não apenas um carácter patrimonial, mas também pessoal porque ser accionista de 
 uma empresa não é só obter lucros ou dividendos, mas também investir nela algo 
 da própria personalidade de cada um dos accionistas que todos merecem respeito. 
 
 É algo que passa pelo suum cuique tribuendi e pelo respeito da personalidade 
 individual de cada um.
 Lutar pelo próprio direito, diria Ihering, é não deixar-se espezinhar como a 
 verme... E isso é, como se vê numa análise perfunctória, mas fundada na prova, o 
 que o accionista Requerente ora agravante tem feito perante a indiferença da 
 gerência da empresa, essa assumindo uma veste de alheamento e indiferença que se 
 não compadece com direitos humanos fundamentais.
 Tem a Gerência, pura e simplesmente, barrado o caminho a qualquer entendimento e 
 esclarecimento com o accionista ora Requerente e se lhe impunha fizesse. Não 
 passará por aí... o capital que tão necessário com o figurino dessa 
 superestrutura sem rosto, alienada e indiferente a eminentes e indestrutíveis 
 valores humanos... Essa e outra ponderação não deixa de passar por aqui quando 
 se deseja, como lex voluit, valham tais valores humanos numa empresa humanizada 
 e forte, não meramente tecnocrática e de capital. Diga-se que é exemplar, na 
 aparência das coisas, a conduta do Requerente nesse combate pelo seu direito... 
 que na 1ª Instância já foi reconhecida mediante decisão passada já em julgado. 
 Essa ponderação assume-se como regra de experiência que o n° 1 do art. 514° CPC 
 acolhe por ser facto do conhecimento comum e geral a luta pelo direito que 
 felizmente sobrecarrega os Tribunais... porque a justiça, ao contrário do que 
 defendia alguém, não será nunca por definição, mas por mera contingência, um bem 
 escasso e raro.
 Certo é, quanto aos direitos sociais, não se lhes pode negar eminência e 
 dignidade pessoal já que a propriedade privada também de acções se acha 
 garantida constitucionalmente [art°s 2º,17º, 18° e 62° da Constituição da 
 República (CRP)]; além da consagração legal da tutela da personalidade por 
 ameaça à personalidade moral que é uma das dimensões de qualquer accionista 
 
 (art°s 70° CC e 2° CRP), s.dr.m.e..
 Tanto como o seu direito patrimonial de accionista, temos o seu direito de 
 personalidade infringido que lhe não mereceu uma única resposta ou acesso aos 
 meios que solicitara à direcção da empresa. A respeito, os factos enumerados são 
 patentes e notórios. A respeito, tenha-se presente que o juiz está vinculado aos 
 juízos de valor constitucionais e legais (art. 4°/1 LOFTJ) tanto que in casu 
 pondera-se a «vinculação do conteúdo dos actos jurisdicionais pelos direitos 
 fundamentais».
 Neste aspecto e pondo aí a tónica dominante seria de prover o agravo. Não 
 obstante, todavia, concentra-se o estado de coisas num apelo à norma do nº3, 
 art° 490º CSC segundo a qual a sociedade dita «dominante pode tornar-se titular 
 das acções ou quotas pertencentes aos sócios livres da sociedade dependente, se 
 assim o declarar na proposta e, nos 60 dias seguintes, fizer lavrar escritura 
 pública em que seja declarada a aquisição por ela das participações. A aquisição 
 está sujeita a registo e publicação.»
 Ora na prova produzida detecta-se que esse esquema de aquisição das 
 participações dos sócios livres foi seguido nos seus exactos termos. Daí que a 
 dominante, tendo obtido 90% do capital social da empresa, como se vê nos facto 
 
 (fto) 15, tenha agido em conformidade, por ter obtido “33.305 acções 
 pertencentes aos sócios livres”, como se exara no fto14. Poder-se-á adrede dizer 
 que, ponderados: a) a simetria de direitos atribuídos à sociedade maioritária e 
 aos sócios livres pelo art° 490° CSC, b) os vultuosos prejuízos emergentes da 
 frustração do expressivo investimento empregue pela sociedade para obter 90% do 
 capital de outra devido a eventual poder obstrucionista dos sócios livres; c) 
 igualmente, o sacrifício, justamente ressarcido, que resultaria da aquisição 
 forçada dos direitos patrimoniais dos sócios minoritários, poderia inferir-se 
 que o legislador fez bem em optar qualitativa e qualificativamente pelos 
 direitos patrimoniais daquela sociedade. Isto quereria também significar que o 
 legislador prudente desconfiaria dos sócios minoritários apenas em busca do 
 lucro...mas, obviamente, correndo riscos e, depois, sempre se estaria perante um 
 jogador da bolsa em busca do melhor lucro. Enfim, isto leva a ponderar, tanto 
 que é a cotação em bolsa que leva à concupiscência do melhor lucro... enquanto 
 os empresários estariam virados para o desenvolvimento.
 De qualquer modo, estaria sempre pendente uma ponderação que o Legislativo teria 
 ele próprio de fazer e não autorizar outrem a fazê-lo. Donde, a norma do 
 preceito citado pudesse estar ferida de inconstitucionalidade orgânica por 
 emanar do Governo e não o órgão legislativo por excelência que teria melhores 
 condições para o debate e afim de firmar «a garantia constitucional do não 
 desapossamento arbitrário e sem indemnização». O que pressupunha, por 
 conseguinte, uma mais ponderada, ponderosa e adequada deliberação legislativa 
 pelo órgão próprio e não por outro mais partidário e vinculado ao sector 
 específico que ganhou.
 Também, por aí, seria de dar provimento ao agravo.
 
  
 Em consequência, o recurso foi julgado procedente e a decisão que havia 
 indeferido a providência cautelar foi revogada.
 
  
 
  
 
 2.  B. e C., duas das empresas requeridas, interpuserem recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, com fundamento em contradição entre o decidido e o 
 anteriormente decidido quanto à questão de conformidade constante da norma do 
 artigo 490º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais.
 O recurso não foi admitido, uma vez que se entendeu que as considerações 
 constantes do acórdão de 14 de Dezembro de 2004 sobre a conformidade à 
 Constituição do referido artigo 490º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais, 
 constituíram mero “obiter dictum”.
 As recorrentes reclamaram da decisão de não admissão do recurso para o 
 Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, reclamação que foi indeferida por 
 despacho de 31 de Março de 2005.
 
  
 
  
 
 3.  As recorrentes interpuseram recurso de constitucionalidade do acórdão de 14 
 de Dezembro de 2004, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma 
 do artigo 490º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais.
 O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por decisão de 6 de Maio de 
 
 2005, em virtude de se ter entendido que o recurso de constitucionalidade devia 
 ter sido interposto da decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que 
 indeferiu a reclamação e não do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que já 
 não podia ser alterado.
 
  
 
  
 
 4.  As recorrentes interpuseram a presente reclamação do despacho de não 
 admissão do recurso de constitucionalidade ao abrigo dos artigos 76º e 77º da 
 Lei do Tribunal Constitucional.
 O Ministério Público pronunciou‑se do seguinte modo:
 
  
 Face à identificação, feita pelo recorrente, da decisão que pretendia impugnar 
 
 (o acórdão proferido pela Relação) e ao objecto do recurso (certa desaplicação 
 normativa dele constante) é evidente que assiste razão ao reclamante, face ao 
 preceituado no artigo 75º, nº 2, da Lei nº 28/82, nada impedindo que – 
 
 “esgotada” a reclamação para o Presidente do STJ, circunscrita à questão da 
 existência ou inexistência de “recurso ordinário” para esse Tribunal – se 
 interpusesse recurso de fiscalização concreta, reportado às normas em que se 
 fundara a dirimição da causa pelas 2ª instância.
 Importa, porém, verificar se estão presentes os demais pressupostos de 
 admissibilidade do recurso, já que disso depende a procedência da reclamação ora 
 deduzida: e a resposta é obviamente negativa, já que a ratio decidendi 
 do acórdão da Relação não assentou manifestamente no juízo de 
 inconstitucionalidade da norma identificada pelo recorrente.
 Aliás, segundo o entendimento maioritário da jurisprudência constitucional, nem 
 sequer seria de qualificar como decisão “definitiva” a que, no âmbito de uma 
 providência cautelar, se reportasse a normas que relevam decisivamente para a 
 apreciação e julgamento da causa principal.
 Deste modo, por inverificação dos pressupostos do recurso interposto, somos de 
 parecer que a reclamação terá de ser julgada improcedente, embora por razões 
 diversas das apontadas na decisão reclamada.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 
 5.  As reclamantes interpuseram o recurso que pretendem ver admitido do acórdão 
 do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Dezembro de 2004.
 O recurso é interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional.
 O prazo para interposição do recurso, nos termos do artigo 75º, nº 2, da Lei do 
 Tribunal Constitucional, inicia‑se na data em que a decisão que não admitiu o 
 recurso ordinário interposto do acórdão ora recorrido se tornou definitiva.
 Tal decisão transitou em julgado no dia 18 de Abril de 2005. O recurso foi 
 interposto em 20 de Abril de 2005.
 
 É, pois, tempestivo o recurso interposto.
 
  
 
  
 
 6.  Importa, porém, averiguar se a apreciação do objecto do presente recurso tem 
 utilidade.
 As reclamantes afirmam que a ratio decidendi do acórdão recorrido é 
 consubstanciada pelo juízo de inconstitucionalidade formulado sobre o artigo 
 
 490º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais.
 Ora, o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 14 de Dezembro de 2004, 
 considerou que o agravo “seria de prover”, em face da existência de indícios de 
 prejuízos por parte do requerente da providência cautelar, em virtude de serem 
 violados os seus direitos de accionista.
 Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a bondade, no plano 
 infraconstitucional, de tal entendimento. Apenas cumpre notar que, no contexto 
 do acórdão em análise, tal perspectiva é fundamento suficiente de provimento do 
 agravo.
 O juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal da Relação de Lisboa 
 surge, pois, com um fundamento alternativo, de acordo com o qual “também, por 
 aí, seria de dar provimento ao agravo” (cfr. transcrição supra).
 Na verdade, caso o Tribunal Constitucional viesse a formular um juízo de não 
 inconstitucionalidade sobre a norma em causa, afigura‑se seguro que a decisão 
 recorrida sempre subsistiria com o fundamento relacionado com a protecção de 
 direitos de accionista. Nessa medida, tal juízo seria inútil.
 O acórdão recorrido é definitivo, no contexto do procedimento cautelar (sendo, 
 naturalmente, o objecto do litígio apreciado na acção principal), pelo que não 
 tem utilidade a apreciação do objecto do recurso de constitucionalidade não 
 admitido. 
 A presente reclamação será, pois, indeferida.
 
  
 
  
 
 7.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente 
 reclamação, confirmando, consequentemente, mas com fundamento diverso, o 
 despacho reclamado.
 
  
 
  
 Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs. 
 
  
 Lisboa, 21 de Setembro de 2005
 
  
 Maria Fernanda Palma
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos