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Processo n.º 711/08
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I – Relatório
 
 1. Por sentença de 19 de Março de 2008, o Tribunal Administrativo e Fiscal de 
 Loulé deferiu a reclamação que havia sido deduzida por A., 2.º Recorrido nos 
 autos, em que figura como Recorrido, igualmente, a Fazenda Pública, e como 
 Recorrentes o Ministério Público e a Caixa Geral de Depósitos, S.A., do despacho 
 da Chefe do Serviços de Finanças de Vila Real de Santo António, que lhe havia 
 negado o pedido de dispensa de prestação de garantia. O Ministério Público 
 interpôs então recurso, para o Supremo Tribunal Administrativo, concluindo, 
 nomeadamente, pela inconstitucionalidade orgânica do artigo 9.º, n.º 5, do 
 Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, e, consequentemente, pela incompetência 
 material dos tribunais tributários para a prossecução da execução fiscal em 
 causa. Aquele Supremo Tribunal, por acórdão de 18 de Junho de 2008, recusou a 
 aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, do referido 
 preceito. Vejamos a fundamentação expendida nesse juízo:
 
 “Começaremos pela apreciação da questão da incompetência, em razão da matéria, 
 dos tribunais tributários para conhecer do processamento da execução fiscal em 
 causa instaurada pela Caixa Geral de Depósitos e pendente à data da entrada em 
 vigor do Decreto-lei n° 287/93 de 20/8, já que, inquestionavelmente, aquela 
 incompetência afectaria a competência do STA para o conhecimento do presente 
 recurso. 
 Desde logo, importa referir que a execução fiscal em apreço foi instaurada em 
 
 22/9/92. 
 Posto isto e como tem sido jurisprudência pacífica e reiterada deste STA e do 
 Tribunal Constitucional, antes da entrada em vigor do predito Decreto-lei n° 
 
 287/93, os tribunais tributários eram os competentes para as execuções, em que a 
 Caixa Geral de Depósitos é a exequente, para cobrança de um seu crédito 
 proveniente de um contrato de mútuo celebrado no exercício da sua actividade 
 comercial. 
 De harmonia com o citado diploma legal, a Caixa deixou de ser pessoa colectiva 
 de direito público que era face aos Decretos-lei n°s 48.953 de 5/4/69 e 694/70 
 de 31/12 - que foram, assim, revogadas -, para passar a ser sociedade anónima de 
 capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se Caixa Geral de 
 Depósitos, SA (art° 1° desse diploma), deixando, assim, de ser competentes os 
 tribunais tributários, mas antes os judiciais, para a execução das dívidas à 
 Caixa. 
 Contudo, o art° 9°, n° 5 do mesmo diploma legal estabeleceu que as execuções 
 pendentes à data da entrada em vigor do mesmo ‘continuam a reger-se, até final, 
 pelas regras da competência e de processo vigente nessa data’, isto é, pelos 
 tribunais tributários e pelo processo de execução fiscal. 
 E a questão que aqui se coloca é a da inconstitucionalidade orgânica deste 
 normativo, uma vez que aquele Decreto-lei n° 287/93 foi emitido ao abrigo da 
 competência legislativa do Governo – art° 201°, n° 1, al. a) da CRP –, sendo 
 certo que a legislação sobre competência dos tribunais é da reserva relativa da 
 Assembleia da República – art° 168°, n° 1, al. a) do mesmo diploma. 
 A este propósito, escreve o Exmo. Conselheiro Jorge Sousa, in CPPT anotado, Vol. 
 II, pág. 21, citado pela Magistrada recorrente, que ‘este art. 9.°, n.º 5, do 
 Decreto-Lei n.° 287/93, parece-nos organicamente inconstitucional. 
 Com o Decreto-Lei n.° 287/93, de 20 de Agosto, a Caixa Geral de Depósitos, 
 Crédito e Previdência foi transformada em sociedade anónima de capitais 
 exclusivamente públicos, passando a denominar-se Caixa Geral de Depósitos, S.A. 
 
 (art. 1.º deste diploma). 
 Por outro lado, o art. 9.° deste mesmo diploma, nos seus n.°s 1, alíneas a) e 
 c), e 2, alíneas a) e b), revogou expressamente aquelas normas dos referidos 
 Decreto-lei n.° 48953 e Regulamentos. 
 Está-se, assim, perante modificações de direito, com reflexos a nível da 
 competência dos tribunais tributários para a cobrança das dívidas de que é 
 credora a Caixa Geral de Depósitos provenientes do exercício da sua actividade 
 comercial, pois, por um lado, esta deixou de ter a natureza de pessoa colectiva 
 pública, imprescindível para inclusão das dívidas referidas na competência dos 
 tribunais tributários (art. 62.°, n.° 1, alínea c), do ETAF, na redacção 
 inicial) e, por outro, deixaram de vigorar as normas especiais contendo a 
 previsão desta competência, exigida também pela mesma alínea. 
 Assim, deverá concluir-se que, à face das normas referidas, os tribunais 
 tributários deixaram de ser materialmente competentes para a cobrança coerciva 
 de dívidas de que é credora a Caixa Geral de Depósitos, provenientes da sua 
 actividade comercial. 
 Resulta do art. 8.°, n.° 2 do ETAF, que as modificações de direito posteriores 
 ao momento da propositura da causa são atendidas para efeitos de apreciação da 
 competência dos tribunais tributários se estes deixarem de ser competentes em 
 razão da matéria. 
 No caso, está-se perante alterações legislativas consubstanciadoras de 
 
 ‘modificações de direito’, pelo que, implicando elas que os tribunais 
 tributários deixassem de ser materialmente competentes, do referido n.° 2 do 
 art. 8.° do ETAF resulta a atendibilidade daquelas, conduzindo à conclusão da 
 incompetência material superveniente dos tribunais tributários para a cobrança 
 coerciva das dívidas referidas. 
 Com o perceptível objectivo de afastar a aplicação desta regra, quanto às 
 execuções fiscais pendentes no momento da sua entrada em vigor, o referido 
 Decreto-Lei n.° 287/93, no n.° 5 do seu art. 9.°, estabelece que ‘as execuções 
 pendentes à data da entrada em vigor do presente diploma continuam a reger-se, 
 até final, pelas regras da competência e de processo vigentes nessa data’. 
 Ao emitir esta norma, o Governo legislou em matéria de competência dos 
 tribunais, pois tanto se está a legislar nesta matéria quando se está a atribuir 
 ou retirar directamente determinadas competências a certos tribunais, como 
 quando se estabelecem regras gerais sobre a matéria ou se afasta a aplicação das 
 regras gerais pré-existentes. 
 Nesta perspectiva, tendo o Governo emitido o Decreto-Lei n.°287/93 ao abrigo da 
 sua competência legislativa própria (art. 201.º, n.° 1, alínea a), da CRP na 
 redacção de 1989, invocado nesse diploma) e inserindo-se a legislação sobre 
 competência dos tribunais na reserva relativa de competência legislativa da 
 Assembleia da República (art. 168.°, n.° 1, alínea q), da CRP, na mesma 
 redacção), é de concluir que o referido n.° 3 do art. 9.° do Decreto-Lei n.° 
 
 287/93 é organicamente inconstitucional à face do preceituado neste art. 168.° e 
 no art. 201.°, n.° 1, alínea b), da CRP, na mesma redacção’. 
 Posto isto, é, assim, de concluir pela não aplicação, por inconstitucionalidade 
 orgânica, do art° 9.º, n° 5 do Decreto-lei n° 287/93 de 20/8 e declarar os 
 tribunais tributários, conceito em que se engloba esta Secção do STA, 
 incompetentes, em razão da matéria, desde 1/9/93, para conhecer do processo de 
 execução fiscal em causa e do processo de reclamação de acto do órgão de 
 execução fiscal, o que prejudica o conhecimento do recurso jurisdicional 
 interposto para este Supremo Tribunal Administrativo.” 
 
 2. É então interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, 
 por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (Lei do Tribunal 
 Constitucional), pelos Recorrentes Ministério Público e Caixa Geral de 
 Depósitos, S.A., para apreciação da constitucionalidade do artigo 9.º, n.º 5, do 
 Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, face aos artigos 168.º, n.º 1, alínea 
 q), e 201.º, n.º 1, alínea b), da Constituição na redacção então em vigor 
 
 (resultante da revisão constitucional de 1989).
 
 3. Notificados para produzirem alegações, concluíram do seguinte modo:
 A.     Alegações do Ministério Público
 
 “l.º
 A definição do regime jurídico atinente à competência dos tribunais situa-se no 
 
 âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, não 
 sendo possível introduzir inovações em tal matéria mediante diploma legal 
 desprovido de credencial parlamentar. 
 
 2.º
 A norma de direito transitório, constante do artigo 9.º, n° 5, do Decreto-Lei n° 
 
 287/93, ao considerar que se mantinha intocada a competência da Ordem dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais para o processamento e tramitação das 
 execuções em que figurasse como exequente a Caixa Geral de Depósitos, 
 instauradas no momento em que esta se configurava ainda como instituto público, 
 mesmo que tivessem como objecto a cobrança de dívidas comerciais, não se 
 configura como inovatória, atenta a competência que já resultava das normas do 
 Decreto-Lei n° 48 953, derrogadas como simples decorrência da reconfiguração da 
 Caixa Geral de Depósitos como sociedade submetida a um estatuto de direito 
 privado. 
 
 3.º
 Tal norma transitória não pode identicamente configurar-se como inovatória, na 
 
 óptica dos princípios afirmados pelo artigo 8° do ETAF, quanto à matéria da 
 fixação da competência, constituindo mero corolário do princípio fundamental de 
 que a competência se fixa no momento em que a causa se propõe. 
 
 4.º
 Sendo certo que, na situação ora em apreciação, não se verificam as excepções a 
 tal regra, decorrentes da previsão contida no n° 2 daquele artigo 8°, já que não 
 pode qualificar-se como ‘modificação de direito’ na competência material dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais a mera circunstância de estes perderem, para 
 o futuro, a competência para execuções, versando sobre matéria civil e 
 comercial, em que figura como exequente – não uma entidade pública – mas uma 
 sociedade de capitais públicos, sujeita a um regime de direito privado. 
 
 5.º
 Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 B.     Alegações da Caixa Geral de Depósitos, S.A.
 
 “[…] 16.ª Vigorando o principio da irrelevância das modificações de direito 
 sobre a competência material dos tribunais face às acções que já tivessem sido 
 propostas, o artigo 9.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 287/93, de 20 de Agosto, 
 acolhendo essa mesma solução, não introduz qualquer inovação na ordem jurídica, 
 antes se limita a aplicar esse princípio geral, anteriormente definido por Lei 
 da Assembleia da República, à situação específica da Caixa Geral de Depósitos, 
 sem qualquer necessidade de uma autorização legislativa (cfr., parecer Junto); 
 
 17.ª Esse efeito revogatório do artigo 18.°, n.° 2, da Lei n.° 38/87, de 23 de 
 Dezembro, sobre o artigo 8.°, n.° 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e 
 Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 129/84, de 27 de Abril, negando qualquer 
 relevância às modificações de direito sobre a competência em razão da matéria 
 dos tribunais face aos processos pendentes, é também acolhido pelo 
 Procurador-Geral-Adjunto junto do Tribunal Constitucional e pela jurisprudência 
 do próprio Tribunal Constitucional (cfr, parecer Junto); 
 
 18.ª Desaparece, deste modo, uma das vertentes da linha argumentativa da tese da 
 inconstitucionalidade orgânica do artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.° 287/93, 
 de 20 de Agosto: não pode aqui existir derrogação ou alteração do artigo 8.°, 
 n.° 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 29184, de 27 de Abril, porque esta última norma já não se 
 encontrava então em vigor no que dizia respeito aos efeitos da modificação legal 
 da competência material dos tribunais face às acções já propostas (cfr. parecer 
 junto); 
 
 19.ª Por outro lado, a partir do artigo 18.°, n.° 2, da Lei n.° 38/87, de 23 de 
 Dezembro, formulou-se, enquanto corolário do princípio da estabilidade da 
 competência dos tribunais, o princípio de que são irrelevantes as modificações 
 de direito sobre a competência material dos tribunais face às acções que já 
 tenham sido propostas: essa foi, em total harmonia, a solução normativa acolhida 
 pelo artigo 9.º, n.° 5, do Decreto-Lei n.º 287/93 de 20 de Agosto (cfr., parecer 
 junto); 
 
 20.ª Limitando-se o artigo 9.°, n.° 5, do Decreto-Lei 287/93, de 20 de Agosto, 
 apenas a aplicar um princípio geral anteriormente definido em lei da Assembleia 
 da República, não carecia a norma de qualquer autorização legislativa, 
 inexistindo inconstitucionalidade orgânica por invasão governativa da reserva 
 relativa de competência legislativa parlamentar (cfr. parecer junto); 
 
 21.ª Pode mesmo afirmar-se, a título de excurso, que a argumentação desenvolvida 
 pelo Acórdão, da 2.ª Secção do Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal 
 Administrativo, de 18 de Junho de 2008, encerra uma contradição argumentativa 
 que conduz a uma conclusão paradoxal, reforçando o entendimento de que a solução 
 encontrada para as execuções pendentes não sofre de inconstitucionalidade 
 orgânica (cfr. parecer junto); 
 
 22.ª A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo defensora da tese da 
 inconstitucionalidade determina que, num hipotético cenário de 
 inconstitucionalidade orgânica de toda a transferência para os tribunais comuns 
 da competência para a cobrança coerciva das dividas de que fosse credora a Caixa 
 Geral de Depósitos, segundo resulta do Decreto-Lei n.° 287/93, de 20 de Agosto, 
 verificar-se-ia, paradoxalmente, que a solução transitória emergente do seu 
 artigo 9.°, n.° 5, nunca se poderia considerar ferida de inconstitucionalidade: 
 tratar-se-ia de uma solução que, não introduzindo qualquer alteração sobre a 
 esfera da competência dos tribunais, mantinha a competência dos tribunais 
 tributários sobre a matéria (cfr., parecer junto); 
 
 23.ª Regista-se, por outro lado, que o Tribunal Constitucional, por diversas 
 vezes e segundo uma orientação unânime, aplicou ou pelo menos, atribuiu 
 relevância aplicativa ao artigo 9.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 287/93, de 20 de 
 Agosto; uma tal conduta do Tribunal Constitucional, uma vez que não se pode 
 reconhecer efeitos jurídicos ou operatividade jurídica a normas 
 inconstitucionais, permite extrair uma implícita presunção da não 
 inconstitucionalidade do disposto no artigo 9.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 
 
 287/93, de 20 de Agosto (cfr., parecer junto) 
 
 24.ª Sem introduzir quaisquer alterações quanto à normatividade reguladora das 
 execuções pendentes excepcionando assim essa matéria do âmbito da revogação da 
 antiga legislação da Caixa Geral de Depósitos, o artigo 9.°, n.° 5, do 
 Decreto-Lei n.° 287/93, de 20 de Agosto, conseguiu evitar entrar na esfera da 
 competência legislativa reservada da Assembleia da República no que diz respeito 
 
 à definição da competência dos tribunais e, simultaneamente, aplicar o principio 
 geral definido pelo artigo 18.°, n.° 2, da Lei 38/87, de 23 de Dezembro (cfr. 
 parecer junto).” 
 A Recorrente Caixa Geral de Depósitos, S.A. juntou ainda um parecer de um 
 Ilustre Jurisconsulto.
 
 4. O Recorrido A. concluiu propugnando a inconstitucionalidade do artigo 9.º, 
 n.º 5, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto. Já a Recorrida Fazenda 
 Pública não apresentou contra-alegações.
 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 II – Fundamentação
 
 1. Do Objecto
 
 5. Funda-se o recurso, de interposição obrigatória para o Ministério Público, na 
 recusa de aplicação do artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de 
 Agosto. Tal diploma procedeu à transformação da Caixa Geral de Depósitos, 
 Crédito e Previdência em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. 
 O preceito indicado tem a seguinte redacção:
 Artigo 9.º
 
 1 – […]
 
 2 – […]
 
 3 – […]
 
 4 – […]
 
 5 – As execuções pendentes à data da entrada em vigor do presente diploma 
 continuam a reger-se, até final, pelas regras de competência e de processo 
 vigentes nessa data.
 A decisão a quo recusou a aplicação de tal norma com fundamento na respectiva 
 inconstitucionalidade orgânica na medida em que, contendendo a mesma com matéria 
 respeitante à competência dos tribunais, a respectiva normação estaria abrangida 
 pela reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos 
 termos do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição (redacção 
 resultante da revisão constitucional de 1989). Ora, tendo o Decreto-Lei n.º 
 
 287/93 sido emitido ao abrigo da competência legislativa própria do Governo 
 
 (artigo 201.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, na redacção já especificada), 
 carecia o mesmo da devida credencial parlamentar para o tratamento de matérias 
 abrangidas pela referida reserva legiferante. Assim sendo, não poderia o Governo 
 ter produzido tal norma pelo que, ao fazê-lo, invadiu a esfera de competência do 
 Parlamento padecendo a sua actividade, nessa parte, de inconstitucionalidade 
 orgânica.
 Será assim? A resposta à questão que se perfila nos autos não dispensa uma breve 
 análise contextualizadora da matéria em causa.
 
 6. À luz do Decreto-Lei n.º 48 953, de 5 de Abril de 1969 (diploma que aprovou a 
 nova lei orgânica da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência), os 
 tribunais competentes para a cobrança dos créditos daquela entidade eram, nos 
 termos do artigo 61.º, n.º 1, os tribunais de 1.ª instância das contribuições e 
 impostos. O Decreto-Lei n.º 693/70, de 31 de Dezembro, em alteração àquele 
 artigo 61.º, n.º 1, veio estabelecer a competência dos tribunais de 1.ª 
 instância das contribuições e impostos de Lisboa. Esta competência era total, 
 abrangendo quaisquer créditos da Caixa mesmo os que respeitassem a dívidas 
 estritamente comerciais. A solução legislativa, tendo suscitado diversas 
 críticas do ponto de vista da respectiva constitucionalidade na medida em que, 
 alegadamente, feriria o princípio da igualdade e da reserva de competência 
 material dos tribunais administrativos e fiscais, assentava nas funções de 
 utilidade e ordem pública que o Estado atribuiu à Caixa. Recorde-se que esta 
 instituição era então configurada como um instituto público.
 
 7. O Tribunal Constitucional teve a oportunidade de apreciar, em diversas 
 ocasiões, tais dúvidas de constitucionalidade tendo-se pronunciado sempre no 
 sentido de não se verificar qualquer desconformidade. 
 Assim, o Acórdão n.º 371/94, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de 
 Setembro de 1004, apreciou a constitucionalidade do artigo 61.º, n.º 1, do 
 citado Decreto-Lei n.º 48953, e do artigo 62.º, n.º 1, alínea c), do ETAF, 
 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, que atribuía aos tribunais 
 tributários de 1.ª instância competência para conhecer da cobrança coerciva de 
 dívidas a pessoas colectivas de direito público, nos casos previstos na lei. 
 Entendeu então o Tribunal que a atribuição aos tribunais tributários de 
 competência para proceder à cobrança coerciva de todas a dívidas de que seja 
 credora a Caixa Geral de Depósitos se traduzia no “afloramento de uma prática 
 enraizada do legislador nacional, atribuída à celeridade deste tipo de processo, 
 considerando a natureza dos interesses em causa e a informalidade da sua 
 tramitação.”
 No mesmo sentido avançaram, nomeadamente, os Acórdãos n.ºs 508/94, 509/94 e 
 
 579/94 (publicados, os dois primeiros, no Diário da República, II Série, de 13 
 de Dezembro de 1994, e o último disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 Mais recentemente, o Acórdão n.º 388/2005 (publicado no Diário da República, II 
 Série, de 20 de Dezembro), analisou o artigo 8.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 do 
 Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado 
 pelo Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro, no sentido segundo o qual o 
 processo de falência pode ser instaurado quando a Caixa Geral de Depósitos tenha 
 instaurado anteriormente processo de execução fiscal contra o devedor para 
 cobrança do mesmo crédito. Concluiu-se então que a possibilidade de a Caixa 
 Geral de Depósitos poder lançar mão sucessivamente dos meios processuais da 
 execução fiscal e do processo de falência a fim de poder obter o pagamento, na 
 medida do possível, do seu crédito, podendo no processo de execução fiscal ser 
 representada pelo Ministério Público e pelo Chefe de Repartição de Finanças, não 
 colocaria aquela instituição numa situação de supremacia jurídica diferente da 
 dos restantes credores. Por outro lado, adiantou ainda o Acórdão, 
 
 “A opção do legislador de atribuir aos tribunais fiscais, desde o art.º 1º do 
 Decreto n.º 16 899, de 27 de Maio de 1929, e sempre mantida nas subsequentes 
 alterações que o Estatuto da mesma Caixa sofreu até à entrada em vigor (mas com 
 ressalva das execuções pendentes) do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, a 
 competência para conhecer da execução coerciva de dívidas da Caixa Geral de 
 Depósitos e de a sujeitar ao processo de execução fiscal, deveu-se ao seu 
 entendimento de que a cobrança dos créditos que visavam prosseguir ou satisfazer 
 finalidades de interesse público devia ser cometida a tais tribunais e ser 
 efectuada mediante tal processo, em virtude de este estar estruturado, 
 comparativamente ao homónimo de processo civil, em termos de exigir uma menor 
 intervenção das partes durante o seu desenvolvimento (cf. Jorge Lopes de Sousa, 
 Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado, 3ª edição, revista e 
 aumentada, 2002, pp. 755).
 Na verdade, a Caixa Geral de Depósitos, até ao referido Decreto-Lei n.º 287/93 – 
 diploma este que procedeu à sua conversão em sociedade anónima de capitais 
 exclusivamente públicos e à cisão dos serviços de seguida mencionados - foi um 
 instituto público a quem a lei atribuía deveres de ordem pública, como, entre 
 outros, os de administrar a Caixa Geral de Aposentações e o Montepio dos 
 Servidores do Estado (art. 4º do Decreto-Lei n.º 48 953, de 5-4-69), ‘colaborar 
 na realização da política de crédito do Governo e, designadamente, no incentivo 
 e mobilização da poupança para o financiamento do desenvolvimento económico e 
 social, na acção reguladora dos mercados monetário e financeiro e na 
 distribuição selectiva do crédito” (art. 3º do mesmo diploma), e “cooperar na 
 resolução do problema habitacional, mediante o crédito para construção ou 
 aquisição de residência própria, o financiamento à construção civil para 
 edificação de habitações destinadas à venda ou arrendamento em condições 
 acessíveis, e a aplicação de fundos da Caixa Nacional de Previdência na 
 construção ou aquisição de casas para funcionários do Estado e dos corpos 
 administrativos’ (art. 7º, n.º 16, do mesmo diploma) (cf., Jorge Lopes de Sousa, 
 op. cit. pp. 755).
 Tendo o legislador cometido à CGD a satisfação destas necessidades públicas, não 
 se mostra, de modo algum, abusivo, arbitrário ou manifestamente 
 desproporcionado, que, simultânea e diferentemente do que se passa relativamente 
 
 às outras entidades bancárias, a tenha aliviado de certos encargos processuais 
 com a cobrança dos créditos com que, pelo menos em parte, satisfazia essas 
 necessidades públicas.
 De resto, a atribuição dessas prerrogativas processuais não deixa de constituir, 
 precisamente, uma expressão de afirmação da subordinação constitucional do poder 
 económico ao poder político, na medida em que elas representam uma contrapartida 
 pelo prosseguimento por parte da CGD dos interesses públicos que são 
 predeterminadamente definidos pelo legislador, em concretização de valores que a 
 Constituição de 1976 não deixou de igualmente assumir como direitos sociais ou 
 como injunções constitucionais (cf., artºs 65º e 101º, da CRP, na versão 
 actual).”
 
 8. Como é sabido, em 1993 a Caixa Geral de Depósitos deixou de constituir uma 
 pessoa colectiva de direito público. O citado Decreto-Lei n.º 287/93, alterando 
 a designação de Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência para Caixa Geral 
 de Depósitos, S.A., procedeu à sua transformação em sociedade anónima de 
 capitais exclusivamente públicos o que transmutou decisivamente a natureza da 
 instituição que, de instituto público (e, portanto, pessoa colectiva de direito 
 público) passou a estar submetida a um estatuto de direito privado. 
 O artigo 9.º, n.º 5, dispõe, todavia, sobre a competência dos tribunais 
 tributários relativamente às execuções pendentes à data da entrada em vigor do 
 Decreto-Lei n.º 287/93. Coloca-se então o problema de saber se, ao fazê-lo, terá 
 invadido a reserva legislativa do parlamento prevista no artigo 168.º, n.º 1, 
 alínea q), bem como a norma do artigo 201.º, n.º 1, alínea b), na redacção da 
 Constituição resultante da Lei Constitucional n.º 1/89?
 
 2. Do Mérito
 
 9. Vejamos, primeiramente, os parâmetros constitucionais convocados pelo 
 Tribunal a quo no juízo de inconstitucionalidade proferido:
 Artigo 168.º
 
 (Reserva relativa de competência legislativa)
 
 1 – É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as 
 seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
 
 […]
 q) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto 
 dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de 
 composição de conflitos;
 Artigo 201.º
 
 (Competência legislativa)
 
 1 – Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas:
 
 […]
 b) Fazer decretos-lei em matérias de reserva relativa da Assembleia da 
 República, mediante autorização desta;
 
 10. O artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 287/93, procedeu, como já 
 se referiu, à revogação do Decreto-Lei n.º 48 953 e do Decreto-Lei n.º 693/70, 
 contendo o primeiro, no seu artigo 61.º, n.º 1, a regra da competência dos 
 tribunais tributários para a cobrança das dívidas da Caixa Geral de Depósitos. 
 Tal não significa, no entanto, que este preceito se deva ter iniludivelmente 
 como normação respeitante à competência dos tribunais para efeitos da reserva 
 relativa do parlamento e consequente necessidade de habilitação devida para o 
 respectivo tratamento pelo Governo em sede de actividade legislativa. O Governo, 
 ao transformar a Caixa Geral de Depósitos em sociedade anónima (de capitais 
 exclusivamente públicos) e, portanto, ao alterar o seu estatuto jurídico, actuou 
 no exercício da sua competência própria. 
 Por outro lado, revogando o Decreto-Lei n.º 48 953, o artigo 9.º do Decreto-Lei 
 n.º 287/93 prevê, no seu n.º 5, uma norma referente às execuções pendentes, 
 estipulando que as mesmas se continuam a reger pelas regras de competência e de 
 processo então em vigor. Assim, o Tribunal a quo entendeu que tal diploma, ao 
 instaurar a competência dos tribunais judiciais para as execuções baseadas em 
 créditos da Caixa, procedeu a modificações de direito para os efeitos do artigo 
 
 8.º, n.º 2, do ETAF. 
 Dispunha assim o artigo 8.º de tal Estatuto:
 Artigo 8.º
 
 (Fixação da competência)
 
 1 – A competência fixa-se no momento em que a causa se propõe, sendo 
 irrelevantes as modificações de facto que ocorreram posteriormente.
 
 2 – São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for 
 suprimido o tribunal a que a causa estava afecta, se deixar de ser competente em 
 razão da matéria e da hierarquia ou se lhe for atribuída competência de que 
 inicialmente carecesse para o conhecimento da causa.
 Assim, e na óptica da decisão recorrida, tendo o Decreto-Lei n.º 287/93 
 procedido a alterações legislativas consubstanciadoras de modificações de 
 direito, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, deveriam as mesmas relevar para 
 efeitos da apreciação da competência dos tribunais tributários. Estes deixaram, 
 por conseguinte, segundo a mesma decisão, de ser competentes também para o 
 conhecimento das execuções que haviam sido propostas em data anterior à entrada 
 em vigor daquele diploma. Pelo que, o n.º 5 do artigo 9.º, ao “atribuir” a 
 competência dos tribunais tributários no caso das execuções pendentes, teria 
 legislado sobre competência dos tribunais o que, atenta a ausência de 
 autorização legislativa, configuraria inconstitucionalidade orgânica.
 
 11. Não procede, no entanto, a argumentação assim expendida. É que o artigo 9.º, 
 n.º 5 é uma norma de direito transitório que se limita a acautelar a competência 
 dos tribunais tributários relativamente às execuções pendentes. Desde logo, tais 
 execuções reportar-se-iam, necessariamente, a créditos que a Caixa obteve 
 enquanto pessoa colectiva de direito público que prosseguia fins de utilidade 
 pública. A ratio da competência dos tribunais tributários encontrava-se ainda 
 presente. Independentemente disso, tal norma não atribui competência aos 
 tribunais tributários como se estes não fossem, em princípio competentes. O 
 preceito apenas explicita que a competência dos tribunais tributários se mantém, 
 não consubstanciando, portanto, modificação de direito relevante para efeitos de 
 alteração da competência dos tribunais. 
 Deste modo, o artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 287/93 limita-se a proceder 
 
 à regulamentação do direito transitório atento o princípio geral de que a 
 competência do tribunal se fixa no momento em que a acção/execução é intentada, 
 não contendo qualquer disciplina inovatória.
 
 12. Ora, o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, firme e reiteradamente, 
 no sentido de que, ainda que se comprove a ausência da autorização legislativa 
 parlamentar, não se verifica qualquer inconstitucionalidade orgânica sempre que 
 o Governo se limite a, no exercício da função legislativa que lhe compete, 
 proceder à reprodução de normatividade já existente. Tal entendimento remonta à 
 Comissão Constitucional que em vários pareceres se pronunciou no sentido da não 
 verificação de inconstitucionalidade orgânica sempre que as normas em análise 
 não ostentavam carácter inovatório (cfr. Pareceres n.ºs 2/79 e 17/82, 
 publicados, respectivamente, nos Pareceres da Comissão Constitucional, 7.º 
 volume e 10.º volume).
 Também o Tribunal Constitucional teve oportunidade de se pronunciar no sentido 
 de o carácter não inovatório de normas emanadas pelo Governo relevar para 
 efeitos de não se considerar procedente a verificação de inconstitucionalidade 
 orgânica assente na respectiva ausência de autorização legislativa por parte da 
 Assembleia da República. Vejam-se, a título meramente exemplificativo os 
 Acórdãos n.ºs 1/84, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º 
 volume, pp. 173 e seguintes, 423/87, publicado no Diário da República, I Série, 
 de 26 de Novembro de 1987, e 137/2003, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 24 de Maio de 2003, e 483/2007, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt. 
 
 13. Deste modo, o artigo 9.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, 
 ao prever a competência dos tribunais tributários para as execuções de créditos 
 da Caixa Geral de Depósitos pendentes à data da entrada em vigor daquele 
 diploma, na medida em que não consagra qualquer regulamentação inovatória, não 
 padece da apontada inconstitucionalidade orgânica por violação dos artigos 
 
 168.º, n.º 1, alínea q), e 201.º, n.º 1, alínea b), da Constituição (na redacção 
 resultante da revisão constitucional de 1989).
 III – Decisão
 
 4. Nestes termos, acordam, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional, em conceder 
 provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, o juízo de 
 inconstitucionalidade proferido nos autos.
 Sem custas.
 Lisboa, 10 de Fevereiro de 2009
 José Borges Soeiro
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos