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Processo 425/08
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I – RELATÓRIO
 
 
 
 1. Nos presentes autos, em que são recorrentes o Ministério Público, com 
 natureza obrigatória, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da CRP 
 e dos artigos 70º, n.º 1, alínea a) e 72º, n.º 3, ambos da LTC, e ERC – Entidade 
 Reguladora para a Comunicação Social, e recorrida A., S.A., foram interpostos 
 recursos, respectivamente, em 17 de Janeiro de 2008 (fls. 197) e em 24 de 
 Janeiro de 2008 (fls. 198), de sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e 
 Fiscal de Sintra, em 9 de Janeiro de 2008 (fls. 186 a 192), que desaplicou as 
 normas constantes dos artigos 3º, n.º 3, alínea a), e 4º do Anexo I que consagra 
 o Regime de Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, 
 aprovado Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, por as ter considerado 
 inconstitucionais, por violação do princípio da legalidade tributária (no 
 sentido da exigência de lei em sentido formal) consagrado nos nºs 2 e 3 do 
 artigo 103º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
  
 
 2. Notificado para tal pela Relatora, o Ministério Público, na sua qualidade de 
 recorrente, produziu alegações, das quais constam as seguintes conclusões:
 
  
 
                    “1º
 A parte final da alínea i) do nº 1, do artigo 165º da Constituição da República 
 Portuguesa prevê a existência de uma terceira categoria tributária, ao lado das 
 taxas “stricto sensu” e dos impostos, permitindo incluir nas contribuições 
 financeiras a favor de entidades públicas as “taxas colectivas” que funcionam 
 como contrapartida do serviço prestado – embora em termos não estritamente 
 individualizáveis – por uma entidade pública a favor de um círculo ou categoria 
 de pessoas, que beneficiam colectivamente da actividade daquela.
 
  
 
                    2º
 
             A taxa de regulação e supervisão, criada e regulada pelos artigos 
 
 50º, alínea b), e 51º dos Estatutos Anexos à Lei nº 53/05, de 08/11, e pelos 
 artigos 3º, nº 3, alínea a), e 4º do Regime de Taxas, aprovado pelo Decreto-Lei 
 nº 103/06, de 7 de Junho, insere-se na figura dos referidas “taxas colectivas”, 
 estando consequentemente sujeita a reserva de lei parlamentar apenas quanto ao 
 respectivo “regime geral”.
 
  
 
                    3º
 
             Os traços fundamentais de tal taxa resultam, em termos bastantes, da 
 Lei nº 53/05, suportando o respectivo desenvolvimento em diploma editado pelo 
 Governo, no exercício da sua competência legislativa própria.
 
  
 
                    4º
 Termos em que deverá proceder o presente recurso.” (fls. 221 e 222)
 
  
 
  
 
 3. Por sua vez, igualmente notificada para tal, a recorrente ERC produziu 
 alegações, das quais constam as seguintes conclusões:
 
  
 
 «
 
                                                 A.       A decisão recorrida não 
 pode manter-se na nossa ordem jurídica porquanto – ao contrário do que concluiu 
 sumariamente o tribunal a quo -  a taxa de regulação e supervisão constitui uma 
 verdadeira taxa, criada de acordo com as regras constitucionais e no estrito e 
 rigoroso cumprimento da lei, designadamente do disposto na Lei n.º 53/2005, de 8 
 de Novembro, no D. L. n.º 103/2006 e na Portaria n.º 653/2006, de 29 de Junho. 
 
                                                 B.       Em cumprimento do 
 preceituado no artigo 39.º da CRP, incumbe à ERC a tarefa de proceder à 
 regulação do sector da comunicação social o que, naturalmente, exige uma 
 intervenção dituturna em garantia do pluralismo, da liberdade de expressão dos 
 cidadãos e da liberdade de imprensa dos meios de comunicação social, do 
 equilíbrio entre valores contrapostos e entre os interesses do mercado e as 
 finalidades do serviço público ou as exigências da actuação na esfera pública.
 
                                                 C.       A distinção entre as 
 figuras da taxa e do imposto tem sido objecto de abundante jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional e assenta, em síntese, nos critérios estruturais da 
 bilateralidade e da proporcionalidade a que a taxa de regulação e supervisão dá 
 integral cumprimento.
 
                                                 D.       A letra do artigo 4.º 
 do D.L. n.º 103/2006 é, por si só, elucidativa quanto à existência de uma 
 contraprestação e quanto à respectiva natureza: mediante o pagamento da taxa de 
 regulação e supervisão, os operadores beneficiam de um serviço público que se 
 consubstancia na regulação e supervisão do sector onde se insere, i.e., na 
 monitorização e acompanhamento contínuo e regular, que assegura aos regulados – 
 como a ora recorrida – a conservação das condições institucionais de pluralismo, 
 liberdade de expressão e até de concorrência, indispensáveis ao cumprimento das 
 garantias constitucionais em sede de liberdade de imprensa ou comunicação 
 social.
 
                                                 E.       Concretamente, a 
 recorrida beneficiou desta contraprestação por parte da ERC.
 
                                                  F.       No que se reporta ao 
 critério da proporcionalidade, não subsistem quaisquer dúvidas que a relação 
 entre o valor a pagar a título de taxa e o serviço concretamente prestado pela 
 ERC se orienta por uma pauta de estrita proporcionalidade, ou que – delimitando 
 o critério pela negativa como se faz na jurisprudência prolatada pelo Tribunal 
 Constitucional – não se verifica, in casu, uma «desproporção manifesta ou 
 flagrante» entre o custo do serviço e a sua utilidade para os meios de 
 comunicação social
 
                                                 G.       Com efeito, o cálculo 
 da taxa de regulação e supervisão é efectuado por reporte a um escrupuloso 
 catálogo de categorias de meios de comunicação social e subcategorias de acordo 
 com a diferente intensidade das actividades de regulação e supervisão postuladas 
 em cada situação, o que implica que pagará mais, a título de taxa, quem obriga a 
 ERC a uma actividade mais intensa de regulação e supervisão.
 
                                                H.       Para mais, o facto de o 
 legislador ter estabelecido uma taxa anual para a remuneração global dos 
 serviços de regulação e supervisão em nada belisca a natureza de taxa do tributo 
 em apreço nos presentes autos, nem tão-pouco o transmuta num «imposto de 
 repartição», pois nada impede que se opte por um modelo de pagamento global de 
 um conjunto de serviços em detrimento de uma quantificação casuística do valor a 
 pagar.
 
                                                   I.       Todavia, ainda que 
 não entendesse que a taxa de regulação e supervisão se consubstancia numa 
 verdadeira taxa – hipótese levantada à cautela por mero dever de patrocínio – a 
 receita em causa apenas poderia ser incluída na terceira categoria tributária 
 prevista na CRP: «contribuições financeiras a favor de entidades públicas» (cf. 
 al. i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP), categoria esta que tem agora na 
 Constituição um tratamento em tudo igual e paralelo ao que é dado pela Lei 
 Fundamental às taxas.
 
                                                  J.       Na verdade, com a 
 consagração deste terceiro tipo de tributos, o legislador constitucional veio 
 assim dar cobertura ao conceito de parafiscalidade, admitindo a existência de 
 figuras híbridas que partilham a natureza dos impostos e, ao mesmo tempo, a 
 natureza das taxas, facto que resulta logo da leitura dos trabalhos 
 preparatórios da revisão constitucional de 1997 quanto ao tratamento e natureza 
 que o legislador constitucional pretendeu atribuir às chamadas contribuições 
 financeiras. 
 
                                                K.       É, de resto, opinião de 
 Cardoso da Costa, Gomes Canotilho e Vital Moreira, que a configuração e o regime 
 das contribuições financeiras poderá ser efectuado por diploma governamental e 
 regulado por via regulamentar, desde que observados os condicionalismos da 
 lei-quadro competente, circunstância que, naturalmente, garantiria, em qualquer 
 caso, a conformidade constitucional da taxa de regulação e supervisão.
 
                                                 L.       Acrescente-se ainda que 
 esta inovação constitucional de 1997 veio, aliás, corroborar uma corrente 
 jurisprudencial do próprio Tribunal Constitucional que, de há muito e sob formas 
 variadas, reconhecia a plena legitimidade de um tertium genus; o qual, não 
 configurando uma taxa em sentido estritamente técnico, também repelia a 
 aplicação do regime mais gravoso e exigente dos impostos.
 
                                               M.       De nada vale brandir o 
 argumento de que uma tal qualificação só colheria se já houvesse uma lei 
 parlamentar que definisse o regime geral das ditas contribuições financeiras, 
 porquanto a verdade é que inexiste também uma lei definidora do regime geral das 
 taxas e isso não impede – nem nunca impediu – a sua legítima criação por 
 decreto-lei ou por outro instrumento normativo.
 
                                                 N.       O argumento à luz do 
 qual a impostação de que a lei de autorização apenas previa uma taxa e já não 
 uma contribuição financeira carece em absoluto de sentido uma vez que, do ponto 
 de vista constitucional, tais figuras estão rigorosamente equiparadas, ao que 
 acresce que actualmente, em face da inexistência de leis parlamentares que 
 recortem o regime geral de cada uma delas, essa equiparação é, ao nível da 
 Constituição, integral.» (fls. 242 a 245)
 
  
 
 4. Por sua vez, a recorrida juntou aos autos as correspondentes contra-alegações 
 cujas conclusões são as seguintes:
 
  
 
 “A.      A ERC, na sua actividade, não está a prestar qualquer serviço às 
 entidades fiscalizadas; 
 
  
 B.        Trata-se de uma simples função de “polícia” (no sentido etimológica e 
 tradicional do termo) de prossecução de um interesse da “polis;
 
  
 C.        De um interesse geral, consubstanciado na protecção dos interesses e 
 direitos do público em geral. 
 
  
 D.        Pelo que não se verifica a primeira característica das taxas — a 
 prestação de um serviço individualizado, directa e indirectamente às entidades 
 fiscalizadas. 
 
  
 E.        Não havendo também qualquer direito das entidades fiscalizadas a 
 exigir um comportamento da ERC, ao arrepio de exigência feita pelo Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 F.        Aliás a lei nem sequer se preocupa em demonstrar de qualquer modo que 
 os operadores que mais taxas pagam exigem maior esforço de actividade de 
 regulação. 
 
  
 G.        O atributo em causa também não pode ser qualificado de taxa com 
 referência ao seu montante.
 
  
 H.        O artigo 8. ° determina que a taxa específica por serviços prestados 
 deve ser calculada com base no custo efectivo do serviço prestado, tendo em 
 consideração a natureza dos actos, a sua complexidade, o tempo despendido, os 
 meios técnicos empregues e a qualidade profissional dos funcionários envolvidos, 
 o que não se verifica no caso em presença.
 
  
 I.         Estamos inequivocamente, perante uma situação semelhante à de 
 qualquer imposto em que o que se leva em conta — neste caso de maneira presumida 
 
 — é a riqueza ou rendimento do contribuinte, como base de incidência da matéria 
 tributável. 
 
  
 J.         Se, enquanto nos impostos em geral, essa matéria colectável é 
 assumida como tal, aqui tenta-se disfarçá-la através de serviços prestados, mas 
 cuja retribuição não depende efectivamente do montante desses serviços mas sim 
 está directamente relacionada com a capacidade contributiva geral presumida do 
 contribuinte.
 
  
 K.        É uma situação semelhante àquela que referimos — e que foi criticada 
 pelo Tribunal Constitucional — dos emolumentos notariais em que o que estava em 
 causa não era o serviço prestado mas sim efectivamente a capacidade contributiva 
 presumida do contribuinte.
 
  
 L.        Pelo que também não se verifica a segunda característica das taxas — a 
 proporcionalidade da medida da taxa. 
 
  
 M.        Verifica-se que o montante desta taxa é medido pela capacidade 
 contributiva em geral, pela capacidade da entidade de pagar “taxas”. Na 
 realidade, pela capacidade contributiva verificada nos impostos.
 
             
 N.        E não pelo custo dos serviços prestados que é apresentado unicamente 
 como um pretexto, uma capa; e não como um efectivo parâmetro do montante da 
 taxa.
 
  
 O.        A integração da taxa de regulação e supervisão na categoria dos 
 tributos unilaterais — impostos — determina a inconstitucionalidade das normas 
 que a instituem, pois viola o princípio da legalidade fiscal através, de um 
 defeito de autorização. 
 
  
 P.        Foi o Governo que veio regular uma matéria de competência reservada a 
 Assembleia da República, sem que tenha havido qualquer autorização legislativa 
 para isso. Viola-se assim o disposto nos artigos 165. °, n.º 1, alínea i) e 
 
 103.° n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 Q.        Não é só aqui que há uma inconstitucionalidade, pois a instituição de 
 novos tributos unilaterais sobre as entidades reguladas pela ERC, seja sob que 
 forma de tributo for, deve tomar em consideração a distribuição da carga fiscal 
 pelos contribuintes, não esquecendo os numerosos tributos que os regulados em 
 causa já suportam, de modo pelo menos equivalente aos outros contribuintes, não 
 havendo qualquer justificação de racionalidade ou de justiça que levem a 
 impor-lhes um novo tributo (ou impor-lhes uma nova taxa). 
 
  
 R.        Por outro lado, também há que levar em conta que o tratamento fiscal 
 dispensado ao regulado viola o principio da neutralidade fiscal que obriga o 
 Estado a actuar sem provocar destruições significativas à concorrência, violando 
 também o princípio da proibição do estrangulamento tributária previsto no n.º 3 
 do artigo 7. °da LGT.
 
  
 S.         Quanto à hipótese subsidiária levantada pela Recorrente de se 
 qualificar este tributo como uma contribuição financeira a favor de uma entidade 
 pública, lembre-se que não se poderá nunca admitir, em qualquer circunstância 
 
 (segundo o entendimento destes tributos como impostos ou corno um tertium 
 genus), que ao abrigo do artigo 165. ° n.º 1 alínea i) da Constituição se venham 
 a criar, como sucedeu no caso em discussão, por decreto-lei simples tributos com 
 natureza jurídica deste tipo.
 
  
 T.        De referir ainda que independentemente de se entenderem aquelas 
 contribuições como meros impostos, quer como verdadeiras contribuições, sempre 
 falecerá nesta última hipótese a medida das mesmas e o respeito pelo princípio 
 da equivalência, de onde se concluirá estarmos sempre a final perante impostos 
 ocultos, sujeitos às exigências legais supra expendidas e não cumpridas no caso 
 em análise.» (fls. 290 a 292)
 
  
 Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 5. Com o objectivo de clarificar o regime de financiamento da ERC – Entidade 
 Reguladora para a Comunicação Social – , importa começar por averiguar a 
 natureza jurídico-constitucional desta entidade.
 
  
 Após a revisão constitucional de 2004, o legislador constituinte expressou, de 
 forma inequívoca, um comando ao legislador ordinário para que fosse criada uma 
 
 “entidade administrativa independente” [n.º 1 do artigo 39º, da CRP], mediante 
 lei de valor reforçado da Assembleia da República [n.º 2 do artigo 39º e n.º 3 
 do artigo 112º, ambos da CRP], sujeita a uma votação qualificada de 2/3 dos 
 Deputados presentes, desde que superior à maioria qualificada dos Deputados em 
 efectividade de funções [alínea a) do n.º 6 do artigo 168º, da CRP], sendo os 
 respectivos membros eleitos igualmente sujeitos a uma votação favorável de 2/3 
 dos Deputados presentes, desde que superior à maioria qualificada dos Deputados 
 em efectividade de funções [alínea h) do artigo 163º, da CRP].
 
  
 A referida entidade administrativa independente viria a ser criada através da 
 Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, substituindo a extinta AACS – Alta Autoridade 
 para a Comunicação Social (criada pela Lei n.º 15/90, de 30 de Junho), que por 
 sua vez, havia sucedido aos Conselhos de Informação para a RTP – Rádio Televisão 
 Portuguesa, para a RDP – Rádio e Difusão Portuguesa e para a ANOP – Agência 
 Nacional de Notícias de Portugal (aprovado pela Lei n.º 76/77, de 26 de Outubro) 
 e ao Conselho de Comunicação Social (aprovado pela Lei n.º 28/83, de 06 de 
 Setembro) – para um maior desenvolvimento sobre os antecedentes da ERC, ver o 
 recente Acórdão n.º 365/2008, deste Tribunal (disponível in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), bem como a doutrina nele citada, designadamente, 
 José Lucas Cardoso, “Autoridades Administrativas Independentes e Constituição”, 
 Coimbra, 2002, págs. 261 a 280; Luís Brito Correia, “Direito da Comunicação 
 Social”, Vol. I, Coimbra, 2000, págs. 439 a 445.
 
  
 Da sua configuração constitucional, retira-se que aquela “entidade 
 administrativa independente” não se limita a integrar o leque de pessoas 
 colectivas públicas dotadas de funções administrativas de mera regulação e 
 supervisão de um determinado mercado económico, antes se configurando – e em 
 principal medida – como uma entidade administrativa dotada de funções de defesa 
 e salvaguarda de direitos fundamentais, maxime, dos direitos directamente 
 relacionados com o princípio do pluralismo político, com a liberdade de 
 expressão e de informação e com a liberdade de imprensa. Tal resulta, desde 
 logo, das várias atribuições que o legislador constituinte entendeu 
 conferir-lhe. Porventura, com excepção da alínea e) do n.º 1 do artigo 39º da 
 Constituição, todas as demais alíneas daquele preceito constitucional afastam a 
 
 “entidade administrativa independente” da categoria das pessoas colectivas 
 públicas, exclusiva ou predominantemente, vocacionadas para a mera regulação e 
 supervisão de determinado mercado económico (reforçando esta função de defesa de 
 direitos fundamentais, ver Gomes Canotilho / Vital Moreira, “Constituição da 
 República Portuguesa Anotada”, Vol. I, Coimbra, 2007, págs. 598 e 599).
 
  
 Assim, as especiais funções constitucionalmente atribuídas àquela “entidade 
 administrativa independente” reforçam as exigências de independência, de 
 imparcialidade e de autonomia face aos demais poderes públicos (designadamente, 
 face ao Governo e face à Assembleia da República), de modo a assegurar que 
 aquela entidade administrativa não funcione como mera correia de transmissão de 
 qualquer pensamento político circunstancialmente colocado em funções de 
 governação. Sendo certo que, no plano do Direito Comparado, o surgimento das 
 entidades administrativas independentes – v.g., das “agencies” norte-americanas 
 e, no plano europeu, das agências comunitárias – visou sempre retirar poder de 
 decisão aos órgãos executivos, colocando na mão de peritos reconhecidos pelos 
 sectores a regular a função administrativa de regulação e supervisão de mercados 
 económicos determinados (a este propósito, ver, entre outros, José Lucas 
 Cardoso, “Autoridades Administrativas Independentes e Constituição”, ob. cit., 
 pp. 41 a 211; Vital Moreira / Maria Fernanda Maçãs, “Autoridades Administrativas 
 Independentes – Estudo e Projecto de Lei-Quadro”, Ministério da Reforma do 
 Estado e da Administração Pública, 2002, págs. 3 a 14), mais razões justificam 
 uma especial cautela no regime jurídico aplicável a uma “entidade administrativa 
 independente” que não só exerça funções de mera regulação económica, como ainda 
 esteja predominantemente vocacionada para a defesa dos direitos e liberdades 
 fundamentais.
 
  
 
             6. Ora, o grau de autonomia financeira não pode deixar de se 
 afigurar como um dos critérios decisivos na aferição da efectiva independência 
 de uma entidade administrativa não sujeita a qualquer tipo de poderes de 
 controlo por parte do Governo. O regime de financiamento instituído pelo 
 Decreto-Lei n.º 103/2006, de 07 de Junho, traduz pois a própria natureza mista 
 da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
 
  
 
             Na medida em que todos os membros da comunidade residente em 
 território nacional são beneficiários directos da actividade administrativa da 
 ERC, enquanto pessoa colectiva pública especialmente vocacionada para a 
 protecção dos direitos, liberdades e garantias nos meios de comunicação social, 
 
 é a própria lei [cfr. alínea a) do artigo 50º dos Estatutos da ERC, aprovados 
 pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro] que determina que uma parte substancial 
 do orçamento próprio daquela entidade seja assegurada mediante verbas a 
 transferir do Orçamento de Estado, de cada ano, ou ainda mediante a participação 
 nas taxas de utilização do espectro radioeléctrico pagas ao ICP-ANACOM, a título 
 de remuneração por utilização de um bem do domínio público [cfr. alínea a) do 
 artigo 50º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de 
 Novembro]. Como é evidente, ao contrário do que sucede com outras entidades 
 administrativas reguladoras, não seria expectável – ou sequer compatível com o 
 princípio da proporcionalidade – que os regulados pela ERC fossem exclusivamente 
 onerados com os custos financeiros (“excessive burden”) da sua actuação. Pelo 
 contrário, no caso da ERC, a actividade administrativa desempenhada vai muito 
 para além de uma clássica função de mera regulação e supervisão económica do 
 mercado da comunicação social, pelo que sempre será exigível que a toda a 
 comunidade contribua, através dos impostos liquidados por cada contribuinte, 
 para suprir os custos financeiros da actividade daquela entidade administrativa 
 independente.
 
  
 
             Mas, para além de assumir a sua função de entidade administrativa de 
 defesa dos direitos e liberdades fundamentais, a ERC actua igualmente enquanto 
 entidade encarregue da regulação e da supervisão do sector económico da 
 comunicação social. Como tal, outra parcela significativa do orçamento próprio 
 da ERC não pode deixar de ser sustentada por taxas (e outras contribuições 
 financeiras) a cobrar junto das entidades que prosseguem actividades de 
 comunicação social e, como tal, se encontram sujeitas à actividade reguladora 
 daquela entidade administrativa independente. Na medida em que a actividade da 
 ERC também visa assegurar a promoção de um mercado mais eficiente, transparente 
 e de sã concorrência, torna-se inevitável que os próprios regulados participem 
 nos custos financeiros daquela actividade.
 
  
 
             Resta assim verificar se, tal como entendido pela decisão recorrida, 
 a participação dos regulados não pode ser feita mediante pagamento de uma “taxa 
 de regulação e supervisão”, na medida em que as normas constantes dos artigos 
 
 3º, n.º 3, alínea a), e 4º do Anexo I que consagra o Regime de Taxas da ERC – 
 Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovado Decreto-Lei n.º 
 
 103/2006, de 7 de Junho, são inconstitucionais, por violação do artigo 103º, nºs 
 
 2 e 3, e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
  
 
             7. Antes de avançar, importa transcrever os preceitos legais em 
 apreciação:
 
  
 
 “Artigo 3.º
 
 (Natureza e espécies de taxas da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação 
 Social)
 
 (…)
 
 3 - As taxas da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social integram-se 
 nas seguintes categorias: 
 a) Taxa de regulação e supervisão;
 
 (…)
 
  
 Artigo 4.º
 
 (Taxa de regulação e supervisão)
 
 1 - Ao abrigo da alínea b) do artigo 50.º e do n.º 1 do artigo 51.º dos 
 Estatutos da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados pela 
 Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, a taxa de regulação e supervisão visa 
 remunerar os custos específicos incorridos pela ERC - Entidade Reguladora para a 
 Comunicação Social no exercício da sua actividade da regulação e supervisão 
 contínua e prudencial. 
 
 2 - Estão sujeitas à taxa de regulação e supervisão todas as entidades que 
 prossigam, sob jurisdição do Estado Português, actividades de comunicação 
 social, sendo o quantitativo da taxa calculado em conformidade com a categoria 
 em que se inserem e com a subcategoria de intensidade reguladora necessária. 
 
  
 
                         Ora, a decisão recorrida afirmou que:
 
  
 
 “Dificilmente se poderá considerar o tributo em causa como uma taxa atent[a] a 
 falta de uma contrapartida específica e individualizada em relação ao seu 
 sujeito passivo e em concreto, na pessoa do respectivo operador da área da 
 comunicação social sua beneficiária. Efectivamente, aquela não tem por 
 fundamento a prestação concreta de um serviço público, antes visam assegurar os 
 interesses públicos postos a seu cargo pelo Estado, não se concretizando numa 
 utilização individualizada pelo sujeito passivo de bens públicos ou 
 semi-públicos, com contrapartida numa actividade do credor especialmente 
 dirigida ao mesmo.” (fls. 189 a 190).
 
  
 
             Tal concepção de “taxa”, exclusivamente ancorada na verificação de 
 uma contrapartida expressa através da prestação de um serviço público, aparenta 
 desconsiderar que o n.º 2 do artigo 4º da Lei Geral Tributária configura como 
 taxa não só aqueles tributos que visam retribuir a prestação de um serviço 
 público, mas também a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um 
 obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. Porém, não cabe, neste 
 momento, aprofundar um juízo sobre a qualificação jurídico-tributária a atribuir 
 
 à “taxa de regulação e supervisão”, prevista artigos 3º, n.º 3, alínea a) e 4º 
 do Anexo I relativo ao Regime de Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a 
 Comunicação Social, aprovado Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho.
 
  
 
             Independentemente de tal qualificação ser susceptível de 
 controvérsia – tendo, aliás, sido colocada em causa pela recorrente ERC, em sede 
 de alegações –, não cabe, nos presentes autos, desenvolver este tema. É que, por 
 força do artigo 79º-C da LTC, o Tribunal Constitucional apenas pode apreciar a 
 constitucionalidade de normas que tenham sido efectivamente desaplicadas pelos 
 tribunais recorridos. Ora, neste caso concreto, a decisão recorrida apenas 
 desaplicou as normas constantes dos referidos artigos 3º, n.º 3, alínea a) e 4º, 
 quando interpretadas no sentido de que a referida “taxa de regulação e 
 supervisão” se reconduz a uma “contribuição financeira” a favor de uma entidade 
 pública e não a uma “taxa”.
 
  
 
             Procede-se, então, ao conhecimento da questão de 
 inconstitucionalidade suscitada pela desaplicação normativa adoptada pela 
 decisão recorrida.
 
  
 
 8. Qualquer que seja a terminologia adoptada pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, ou a 
 conclusão a que se chegue acerca da discussão sobre a natureza de “taxa” – em 
 função da sua maior ou menor sinalagmaticidade –, importa notar que a actual 
 redacção da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da CRP, após a revisão 
 constitucional de 1997, distingue claramente “impostos”, de uma parte, de 
 
 “taxas” e “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”, de 
 outra parte (para um maior desenvolvimento, veja-se o Acórdão n.º 365/2008, 
 disponível in www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 Se quanto aos “impostos”, é fixada uma reserva de competência legislativa 
 parlamentar quanto à respectiva criação, já quanto às “contribuições financeiras 
 a favor das entidades públicas” apenas é exigível a fixação parlamentar do 
 respectivo regime geral, aproximando-as, a final, do regime aplicável às 
 
 “taxas”.
 
  
 
 9. Ora, como já notado por este Tribunal (cfr. Acórdão n.º 365/2008, disponível 
 in www.tribunalconstitucional.pt), na falta de um regime geral fixado por lei 
 parlamentar, deve dar-se por suficientemente protector da reserva de lei 
 parlamentar o preceituado na própria lei de valor reforçado que criou a ERC – 
 Entidade Reguladora para a Comunicação Social. É que o legislador parlamentar, 
 através do n.º 1 do artigo 51º dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 
 
 53/2005, de 8 de Novembro, não se limitou a remeter para o legislador 
 governamental a fixação das taxas (e demais contribuições financeiras – 
 acrescenta o Tribunal) devidas àquela “entidade administrativa independente”.
 
  
 A criação de taxas e demais contribuições financeiras, para efeitos de inclusão 
 nas receitas da ERC, consta expressamente da alínea b) do artigo 50º dos 
 Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro. Sucedeu 
 apenas que, nos termos do já referido n.º 1 do artigo 51º do mesmo diploma, se 
 remeteu para decreto-lei do Governo a determinação de: i) critérios de 
 incidência; ii) requisitos de isenção; iii) valor das taxas. Daqui decorre que 
 foi a Assembleia da República quem, mediante lei de valor reforçado [cfr. n.º 3 
 do artigo 112º e alínea a) do n.º 6 do artigo 168º, ambos da CRP] criou 
 expressamente as taxas e demais contribuições financeiras a suportar pelas 
 entidades sujeitas à regulação e supervisão da ERC, remetendo para decreto-lei a 
 sua concretização.
 
  
 Mas, ainda mais relevante, o próprio legislador parlamentar não se furtou a 
 fixar estritos limites de conteúdo ao diploma legal regulamentador das taxas e 
 demais contribuições financeiras. Pelo contrário, o legislador parlamentar fixa 
 os princípios fundamentais a respeitar pela legislação densificadora, a saber:
 
  
 a)                           Critérios para fixação das taxas (e demais 
 contribuições financeiras), de acordo com princípios de objectividade, 
 transparência e proporcionalidade – cfr. n.º 2 do artigo 51º dos Estatutos da 
 ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 08 de Novembro;
 
  
 b)                           Delimitação dos sujeitos passivos das taxas (e 
 demais contribuições financeiras) – cfr. n.º 4 do do artigo 51º dos Estatutos da 
 ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 08 de Novembro;
 
  
 c)                           Tendencial sinalagmaticidade entre a actividade de 
 regulação gerada pelo sujeito passivo e o montante da taxa (e demais 
 contribuições financeiras) a suportar – cfr. n.º 4 do artigo 51º dos Estatutos 
 da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 08 de Novembro;
 
  
 d)                           Periodicidade da liquidação e pagamento das das 
 taxas (e demais contribuições financeiras) – cfr. n.º 5 do do artigo 51º dos 
 Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 08 de Novembro.
 
  
 Em suma, da análise da concreta configuração da lei de valor reforçado que criou 
 a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, resulta que deve dar-se 
 por preenchida a exigência de previsão parlamentar de um regime geral das 
 contribuições financeiras, sendo que – neste caso concreto – a definição 
 parlamentar dos princípios gerais aplicáveis ao regime de taxas e demais 
 contribuições financeiras se apresenta até mais pormenorizado do que seria 
 exigível a um regime geral fixado por lei parlamentar (neste sentido 
 pronunciou-se este Tribunal, no já citado Acórdão n.º 365/2008, disponível in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 Assim, independentemente da discussão sobre a natureza jurídico-tributária da 
 
 “taxa de regulação e supervisão”, e apreciando exclusivamente a interpretação 
 normativa desaplicada pela decisão recorrida, que considerou que aquela 
 integraria a categoria de “contribuição financeira devida a entidade pública”, 
 conclui-se que as normas extraídas dos artigos 3º, n.º 3, alínea a) e 4º do 
 Anexo I que consagra o Regime de Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a 
 Comunicação Social, aprovado Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, não são 
 inconstitucionais, pois não violaram os nºs 2 e 3 do artigo 103º e da alínea i) 
 do n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa, nem se 
 vislumbram outros fundamentos de inconstitucionalidade, pelo que deve ser 
 concedido provimento aos recursos interpostos, com a necessária reforma da 
 decisão recorrida, nos termos do n.º 2 do artigo 80º da LTC.
 
 
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide-se:
 
  
 a)      Conceder provimento aos recursos apresentados;
 
  
 E, em consequência:
 
  
 b)       Remeter os autos ao tribunal recorrido para que seja reformulada a 
 decisão recorrida, em conformidade com o precedente juízo de não 
 inconstitucionalidade, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 80º da LTC
 
  
 Sem custas, por não serem legalmente devidas.
 
 
 Lisboa, 10 de Dezembro de 2008
 
 
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão