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Processo n.º 586/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
            Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 No âmbito da acção administrativa especial proposta por A. contra a CAIXA GERAL 
 DE APOSENTAÇÕES, que correu os seus termos sob o n.º 342/04.6 BELSB no Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Lisboa, foi proferido acórdão que julgou improcedente 
 o pedido de anulação da decisão da demandada que não reconheceu ao demandante o 
 direito à aposentação requerido ao abrigo do Decreto-lei n.º 362/78, de 28 de 
 Novembro.
 
  
 A referida decisão judicial viria a ser integralmente confirmada por acórdão do 
 Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido em 24 de Abril de 2008, com a 
 seguinte fundamentação, na parte que ora releva:
 
  
 
 “(...) Salvo o devido respeito não assiste razão ao recorrente, tendo sido feita 
 correcta interpretação do disposto no artº 1º/1 do DL nº 362/78, de 28/9, na 
 redacção introduzida pelo DL nº 23/80, de 29/2, resultando dessa disposição 
 legal que quem não tenha efectuado no momento da prestação de actividade à 
 ex-Administração Pública ultramarina os correspondentes descontos para 
 aposentação não tem direito a este regime especial de aposentação, não podendo 
 os descontos para a compensação de aposentação ser efectuados ao abrigo do 
 disposto nos artºs 13º, 16º e 18º do EA, que constitui regime geral não 
 aplicável às pensões dos ex-funcionários ultramarinos. 
 Conclusão que não importa qualquer violação dos princípios constitucionais 
 invocados, não demonstrando o recorrente as razões da sua verificação, 
 decorrendo tal conclusão da própria lei que faz depender a concessão da 
 aposentação da prestação de pelo menos cinco anos de serviço à ex-Administração 
 Pública ultramarina e da realização dos descontos para efeitos de aposentação. 
 Não se demonstra que ao recorrente tivesse sido negada a possibilidade de 
 efectuar tais descontos, que no momento em que prestou serviço tivesse qualquer 
 expectativa que iria ser consagrado o regime especial de aposentação constante 
 do DL nº 362/78, de 28/11, e legislação complementar, para salvaguarda do 
 serviço prestado no ex-Ultramar, ou que a não concessão de tal aposentação nos 
 termos referidos pelo acórdão recorrido, importe, sem mais, violação do direito 
 
 à segurança social ou implique violação do princípio da igualdade, pois que 
 poderão existir razões para que o legislador de 1978 tivesse distinguido entre 
 os funcionários ou agentes que tinham efectuado descontos para a compensação de 
 aposentação e aqueles que não o fizeram, concedendo apenas aos primeiros a 
 possibilidade de beneficiarem desse regime especial de aposentação.”
 
                                           
 O A. interpôs então recurso desta última decisão para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), pedindo 
 a fiscalização da constitucionalidade concreta “dos requisitos legais da pensão 
 previstos pelo art. 1º do Dec.-Lei nº 362/78, de 28.11 e sucessivas alterações 
 
 (Dec.-Lei nº 363/86, de 31.10.1986 e Dec.-Lei 210/90), na parte em que esta 
 norma foi interpretada e aplicada não só com o sentido de que são obrigatórios 
 descontos para compensação de aposentação mas também com o sentido de que é 
 obrigatória a efectuação de descontos correspondentes no mínimo a 5 anos de 
 serviço”, por alegada violação dos princípios constitucionais consagrados nos 
 artigos 13.º, 15.º e 63.º da Constituição.”
 
  
 Posteriormente, o Recorrente apresentou as respectivas alegações, culminando as 
 mesmas com a formulação das seguintes conclusões:
 
 “(...) 1) O acórdão recorrido, do T.C.A.S., na peugada da C.G.A., fez uma 
 interpretação subvertida do n.º 1 do art. 1.º do Dec.-Lei n.º 362/78, que, além 
 de ultrapassar o seu próprio texto, desafia a ratio dessa disposição legal, a 
 teleologia acautelada pelo instituto da previdência social em geral;
 
 2) Segundo tal interpretação, o legislador, mais do que exigir 5 anos como tempo 
 de serviço, teria querido também exigir 5 anos como medida de descontos 
 processados sobre o vencimento, para compensação de aposentação no momento 
 legalmente previsto como apropriado para tal processamento.
 
 3) Tal interpretação da supradita disposição do Dec.-Lei n.º 362/78 consagra uma 
 solução arbitrária e discriminatória, que se traduz em violação do princípio 
 constitucional do direito à segurança social, previsto no artigo 63º, nºs 1 e 3, 
 da CRP, do princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 13º da CRP, 
 e, ainda, do princípio constitucional da tutela da confiança, previsto no art. 
 
 2º da CRP.
 
 4) Porque o legislador não exigiu nem quis exigir 5 anos de descontos como 
 requisito para reconhecimento do direito à pensão de aposentação, mas apenas 
 exigiu o processamento oportuno desses descontos, sem prejuízo do pagamento 
 posterior dos mesmos por compensação com as prestações vencidas ou vincendas da 
 pensão de aposentação nada autoriza o julgador ou decisor administrativo a 
 exigir que estejam processados descontos correspondentes no mínimo a 5 anos de 
 serviço e a precludir, assim, a faculdade de o servidor público devedor de 
 descontos os pagar retroactivamente por compensação. 
 
 5) A falta de processamento dos descontos sobre o vencimento pela entidade 
 pública servida, onerada com a operação de tal processamento, constitui “mora 
 accipiendi” em sede de Direito Administrativo, sendo a falta de processamento 
 
 (contemporâneo do vencimento) imputável ao aparelho do Estado, como omissão 
 deste, nunca ao servidor público.
 
 6) O art. 431.º e § 1.º do E.F.U. previa para os funcionários ultramarinos a 
 faculdade de virem a pagar a pensão de aposentação em data posterior à do normal 
 processamento dos descontos sobre o vencimento.
 
 7) Os arts. 13.º, 16.º e 18.º do E.A. fazem que a C.G.A. deva efectuar os 
 descontos nos retroactivos em dívida aquando do pagamento destes.
 
 8) A jurisprudência da C.G.A. foi pacificamente, durante pelo menos 26 anos, no 
 sentido de os descontos em dívida poderem ser feitos nos retroactivos da pensão 
 de aposentação, só tendo mudado nos últimos anos por razões de estratégia 
 financeira que são totalmente estranhas à hermenêutica.
 
 9) O Acórdão do T.C.A.S., recorrido, porque violou o princípio constitucional do 
 direito à segurança social previsto no artigo 63º, nsº 1 e 3 da CRP e o 
 princípio constitucional da tutela da confiança, previsto no art. 13º da CRP e o 
 princípio da igualdade, previsto no art. 2º da C.R.P., incorreu em ilegalidades, 
 que são também inconstitucionalidades materiais.
 
 10) No plano supranacional, aliás, o acórdão recorrido violou a garantia do 
 julgamento equitativo, prevista no art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem.
 Nestes termos, deverá o douto acórdão recorrido ser julgado inconstitucional, 
 sendo no seu lugar proferido acórdão que anule o despacho de 29.12.2003 da 
 C.G.A., proferido no âmbito do procedimento administrativo n.º 
 GAC-3/VF/1704665,da C.G.A., assim se fazendo a esperada JUSTIÇA». 
 
  
 A Recorrida concluiu as suas contra-alegações do seguinte modo:
 
 «(…) 1ª. As condições ou pressupostos de atribuição da pensão e o conteúdo 
 exacto da prestação, são definidos pelo legislador ordinário, o que foi feito no 
 
 âmbito do Decreto-Lei n.º 362/78, de 28/11, e legislação complementar. 
 
 2ª. O n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 362/78, de 28/11, exige 
 cumulativamente, de acordo com a vastíssima jurisprudência dos Tribunais 
 Superiores, para efeitos de concessão de uma pensão de aposentação, que os 
 interessados tenham prestado, pelo menos, cinco anos de serviço efectivo à 
 ex-Administração Pública ultramarina e tenham efectuado descontos para a 
 compensação de aposentação. 
 
 3ª. Tais condições não violam o artigo 63.º da CRP, nem o princípio da 
 igualdade, nem da protecção da confiança, já que, por um lado, à semelhança do 
 que sucedeu com muitos outros assalariados eventuais, o agravante teve a 
 possibilidade de optar pela realização dos descontos para a compensação de 
 aposentação em altura própria, iniciando assim o direito à formação da pensão, 
 não o tendo feito só de si se pode queixar e não da Administração ou do Estado, 
 e por outro, a exigência do cumprimento de um prazo de garantia com tempo de 
 serviço efectivo prestado ou de contribuições efectivamente efectuadas é algo 
 que o legislador exige em qualquer sistema de segurança social. 
 
 4.ª Neste momento não pode o recorrente efectuar tais descontos por 
 impossibilidade – inexistência do fundo de compensação para aposentação, sendo 
 certo que não os poderá fazer ao abrigo dos artigos 13.º, 16.º e 18.º do 
 Estatuto da Aposentação, já que a especialidade do regime previsto no 
 Decreto-lei n.º 362/78, de 28/11, afasta a sua aplicação (assim como afastou, de 
 acordo com a interpretação jurisprudencial do diploma em causa os requisitos de 
 idade ou de incapacidade absoluta e permanente para o exercício de funções 
 previstos no Estatuto da Aposentação para o acesso a uma pensão de aposentação, 
 exigível para a generalidade dos subscritores da CGA). 
 
 5.ª Acresce que o recorrente conta apenas 4 anos e 7 meses de tempo de serviço 
 efectivo como agente eventual da ex-administração pública ultramarina, não 
 podendo ser considerado para efeitos de atribuição de pensão o tempo de serviço 
 militar prestado debaixo da bandeira portuguesa que é contado por acréscimo ao 
 tempo de serviço efectivo, nem as eventuais bonificações a que aquele teria 
 direito. 
 
 6.ª Pelo que, por este prisma, o presente recurso não tem, sequer, qualquer 
 utilidade. 
 
 7.ª Não se percebe, nem o recorrente demonstra, em que sentido foi a garantia do 
 direito a um processo judicial equitativo violada. 
 
 8.ª O douto Acórdão recorrido não violou qualquer norma ou princípio legal ou 
 constitucional, devendo, por isso, manter-se, com as legais consequências. 
 Termos em que, com o douto suprimento de V.ª Ex.ª, deve o presente recurso ser 
 julgado improcedente, com as legais consequências.”
 
  
 
                                                     *
 Fundamentação
 
 1.                                                               Da delimitação 
 do objecto do recurso
 No requerimento de interposição do recurso o recorrente disse pretender a 
 fiscalização da constitucionalidade “dos requisitos legais da pensão previstos 
 pelo art. 1º do Dec.-Lei nº 362/78, de 28.11 e sucessivas alterações (Dec.-Lei 
 nº 363/86, de 31.10.1986 e Dec.-Lei 210/90), na parte em que esta norma foi 
 interpretada e aplicada não só com o sentido de que são obrigatórios descontos 
 para compensação de aposentação mas também com o sentido de que é obrigatória a 
 efectuação de descontos correspondentes no mínimo a 5 anos de serviço”.
 Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP), e do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, cabe recurso 
 para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que “apliquem norma 
 cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
 No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas 
 aplicadas pela decisão recorrida como sua ratio decidendi.
 Perante os termos da suscitação da questão de constitucionalidade efectuada pelo 
 recorrente nas alegações de recurso apresentadas perante o Tribunal Central 
 Administrativo do Sul, a redacção das alegações de recurso apresentadas neste 
 Tribunal e o conteúdo da decisão recorrida, constata-se que a fórmula adoptada 
 no requerimento de interposição do recurso para exprimir a interpretação 
 normativa cuja constitucionalidade se pretendia ver apreciada não foi a mais 
 feliz quando se refere que “…esta norma foi interpretada não só com o sentido de 
 que são obrigatórios os descontos para compensação da aposentação…”.
 Como resulta, com evidência, da suscitação da questão de constitucionalidade 
 perante o tribunal recorrido e das alegações do recurso apresentadas neste 
 Tribunal, o recorrente não pretende pôr em crise a obrigação de realização dos 
 descontos propriamente dita, mas sim o prazo de cumprimento dessa obrigação, na 
 interpretação sustentada na decisão recorrida.
 Esta interpretou e aplicou o disposto no n.º 1, do artigo 1.º, do Decreto-lei 
 n.º 362/78, de 28 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 
 
 23/80, de 29 de Fevereiro, no sentido de que a pensão de aposentação atribuída 
 por aquele dispositivo só pode ser concedida a quem tenha efectuado durante o 
 período mínimo de serviço (5 anos) os correspondentes descontos para efeito de 
 aposentação, não sendo possível a regularização retroactiva desses descontos ao 
 abrigo do disposto no Estatuto da Aposentação.
 Foi esta a interpretação que constituiu a ratio decidendi do acórdão recorrido e 
 foi esta a interpretação cuja constitucionalidade o recorrente revelou pretender 
 ver fiscalizada pelo Tribunal Constitucional, apesar da deficiente formulação 
 adoptada no requerimento de interposição de recurso, pelo que deve tal 
 interpretação constituir o objecto do presente recurso.
 A recorrida entende que o conhecimento do presente recurso de 
 constitucionalidade não tem qualquer utilidade, alegadamente porque o regime 
 especial de aposentação, de cuja aplicação o recorrente pretende beneficiar 
 exige pelo menos a prestação de 5 anos de serviço como funcionário ultramarino e 
 ficou provado que o recorrente apenas prestou 4 anos e 7 meses de serviço nessa 
 qualidade, sem que lhe seja possível cumular esse tempo de serviço com o tempo 
 de serviço militar prestado ou até mesmo beneficiar de eventuais bonificações na 
 contagem do tempo de serviço.
 Ora, não obstante esta posição assumida pela recorrida poder ainda vir a ser 
 acolhida pelo tribunal recorrido, impõe-se frisar que o conhecimento do presente 
 recurso de constitucionalidade reveste utilidade na medida em que o tribunal a 
 quo não chegou a pronunciar-se, positiva ou negativamente, relativamente à 
 suficiência do tempo de serviço prestado pelo recorrente como funcionário do 
 serviço ultramarino, nem sequer relativamente à possibilidade de acumulação 
 desse tempo de serviço com o tempo de serviço militar, sendo evidente que não 
 cabe ao Tribunal Constitucional proferir qualquer decisão nessa matéria 
 específica em substituição ou por antecipação ao tribunal recorrido.
 Nada obsta, pois, ao conhecimento do mérito do recurso interposto.
 
  
 
 2.                                                               Do mérito do 
 recurso
 
 2.1. Do regime especial de aposentação instituído pelo Decreto-lei n.º 362/78 e 
 seu enquadramento legislativo
 O presente recurso de constitucionalidade versa a matéria do direito à segurança 
 social, mais concretamente o direito à pensão de aposentação atribuído pelo 
 Estado português a determinados funcionários da antiga Administração Pública 
 ultramarina.
 O n.º 1, do artigo 1.º, do Decreto-lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, na 
 redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 23/80, de 29 de Fevereiro, dispõe que 
 
 “os funcionários e agentes das ex-províncias ultramarinas poderão requerer a 
 pensão de aposentação desde que contem cinco anos de serviço e hajam efectuado 
 descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da 
 independência do território em que estavam colocados”.
 Esta norma foi aplicada pelo tribunal a quo na interpretação segundo a qual a 
 pensão de aposentação em questão só pode ser concedida a quem tenha efectuado 
 durante o período mínimo de serviço os correspondentes descontos para efeito de 
 aposentação, não sendo possível a regularização retroactiva desses descontos ao 
 abrigo do disposto no Estatuto da Aposentação.
 O recorrente, além de discordar do sentido desta interpretação, entende que ela 
 viola normas e princípios constitucionais, nomeadamente o direito à segurança 
 social, o princípio da igualdade e o princípio da protecção da confiança, e 
 ainda o princípio de direito internacional de garantia de um julgamento 
 equitativo.
 Não compete a este tribunal sindicar a correcção perante o direito 
 infra-constitucional desta interpretação.
 O conhecimento da concreta questão de constitucionalidade, em especial o 
 conhecimento de cada um dos fundamentos de inconstitucionalidade invocados pelo 
 recorrente, pressupõe necessariamente que sejam recuperados e situados no tempo 
 alguns dos factos dados como provados respeitantes às funções desenvolvidas pelo 
 recorrente na antiga província ultramarina de Angola, bem como que seja 
 sucintamente enunciada a evolução verificada no regime jurídico de aposentação 
 dos funcionários da antiga Administração Pública ultramarina com relevância 
 para o caso em apreço.
 Na antiga província ultramarina de Angola, o recorrente exerceu, como eventual, 
 as funções de professor de posto escolar nos períodos compreendidos entre 
 
 21-11-1967 e 30-6-1968, entre 1-10-1968 e 30-6-1969 e entre 4-9-1969 e 
 
 30-6-1970, sem ter sofrido quaisquer descontos para compensação de aposentação.
 Para além disso, o recorrente exerceu as funções de factor na extinta 
 Direcção-Geral dos Serviços de Postos e Caminhos de Ferro e Transportes de 
 Angola, no período compreendido entre 26-5-1973 e 10-11-1975, mais uma vez sem 
 ter sofrido quaisquer descontos para compensação de aposentação.
 No intervalo de tempo que separou o exercício das referidas funções, o 
 recorrente prestou ainda serviço militar pelo tempo total de 2 anos e 217 dias.
 Quando o recorrente iniciou as suas funções na antiga Administração Pública 
 ultramarina, encontrava-se então em vigor o Estatuto do Funcionalismo 
 Ultramarino (EFU), aprovado pelo Decreto n.º 46 982, de 27 de Abril de 1966, 
 aplicável a todos os serviços públicos civis da administração provincial no 
 ultramar.
 De acordo com a redacção originária desse diploma legal, o funcionário 
 ultramarino, mesmo eventual, tinha direito à aposentação desde que, para além de 
 ter completado 60 anos de idade e 40 de serviço, tivesse satisfeito ou viesse a 
 satisfazer determinados encargos, nomeadamente o pagamento de uma determinada 
 percentagem da totalidade da remuneração que competisse ao cargo que exercia 
 para compensação de aposentação (artigos 144.º, 430.º e 437.º do EFU).
 Satisfazendo esses encargos, tinha igualmente direito à aposentação o 
 funcionário ultramarino que, tendo, pelo menos, 40 anos de idade e 15 de 
 serviço, fosse julgado absolutamente incapaz (artigo 430.º do EFU). 
 O tempo de serviço prestado nas províncias ultramarinas tinha a particularidade 
 de ser sempre aumentado de um quinto para efeitos de aposentação qualquer que 
 fosse o número de anos de serviço e ainda que o funcionário viesse a transitar 
 para os quadros do Ministério do Ultramar e a aposentar-se nessa situação pela 
 legislação ultramarina, sem que houvesse lugar ao pagamento de quotas (proémio 
 do artigo 435.º do EFU). 
 O encargo para aposentação era normalmente satisfeito por meio de desconto 
 efectuado nas remunerações dos funcionários (artigo 437.º, § 3.º, do EFU).
 Tratando-se de funcionários eventuais, a aposentação só seria concedida se os 
 interessados viessem a reunir os requisitos necessários para ela e declarassem 
 expressamente que desejavam fazer o desconto para compensação de aposentação 
 
 (artigo 430.º, § 4.º, do EFU).
 Os encargos correspondentes a tempo de serviço que, por qualquer motivo, não 
 tivesse sido oportunamente contado, podiam ser satisfeitos directamente e a 
 pronto pelos interessados ou por meio de descontos nas remunerações ou pensões 
 que auferissem no momento do pedido da contagem, não podendo, neste caso, o 
 fraccionamento ser superior a 96 prestações (artigo 437.º, § 5.º, do EFU).
 Não obstante as alterações pontuais introduzidas no EFU pelo Decreto n.º 49 165, 
 de 2 de Agosto de 1969, e pelo Decreto n.º 52/75, de 8 de Fevereiro, tal regime 
 de aposentação manteve-se inalterado nos seus traços essenciais até sobrevir a 
 independência dos territórios ultramarinos, exceptuando a dispensa de uma idade 
 mínima em caso de incapacidade absoluta e o aumento do número máximo de 
 prestações mensais exigíveis a título de descontos retroactivos para compensação 
 de aposentação que podiam ser realizados nas próprias pensões a ser abonadas.
 Importa notar que até à emergência das independências das províncias 
 ultramarinas, a situação dos funcionários ultramarinos não era muito distinta da 
 dos funcionários metropolitanos em matéria de aposentação.
 Os funcionários metropolitanos estavam sujeitos ao Estatuto da Aposentação (EA), 
 aprovado pelo Decreto-lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro.  
 De acordo com a redacção originária desse diploma legal, o servidor do Estado, 
 obrigatoriamente inscrito na Caixa Geral de Aposentações, tinha direito à 
 aposentação ordinária, independentemente de qualquer outro requisito, desde que 
 contasse pelo menos 60 anos de idade e 40 de serviço (artigos 1º, n.º 1, 35.º e 
 
 37.º, n.º 1, do EA).
 O servidor do Estado também tinha direito à aposentação ordinária quando, tendo, 
 pelo menos, 40 anos de idade e 15 de serviço: a) fosse declarado absoluta e 
 permanentemente incapaz para o exercício das suas funções; b) atingisse o limite 
 de idade legalmente fixado para o exercício das suas funções; c) fosse punido 
 com a pena de aposentação compulsiva (artigo 37.º, n.º 2, do EA).
 A idade máxima para a inscrição na Caixa era a que correspondia à possibilidade 
 de o subscritor perfazer o mínimo de quinze anos de serviço até atingir o limite 
 de idade fixado para o exercício do respectivo cargo (artigo 4.º, n.º 1, do EA).
 O subscritor contribuía mensalmente para a CGA com a quota para a aposentação 
 mediante o pertinente desconto a realizar pelos serviços (artigos 5.º, 7.º e 8.º 
 do EA).
 Nos casos de contagem de tempo de serviço relevante para efeito de aposentação, 
 as quotas que não houvessem sido pagas podiam ser liquidadas com ou sem 
 acréscimo de juros de mora, consoante, respectivamente, a falta de oportuna 
 inscrição fosse ou não imputável ao subscritor (artigos 13.º e 16.º do EA).
 Apenas era contado o tempo de serviço em relação ao qual tivessem sido ou 
 viessem a ser pagas as quotas correspondentes (artigo 28.º do EA).
 O recorrente cessou as respectivas funções ao serviço da administração 
 portuguesa ultramarina em 10 de Novembro de 1975, precisamente na véspera da 
 independência da República Popular de Angola ocorrida em 11 de Novembro de 1975.
 Quando o recorrente deixou de ser funcionário da administração pública da 
 ex-província ultramarina de Angola, é manifesto que o mesmo não reunia os 
 requisitos necessários para a respectiva aposentação à luz de qualquer dos 
 regimes jurídicos acabados de enunciar, sendo que ainda estava longe a entrada 
 em vigor da nova redacção do artigo 1.º, do DL 362/78, de 28 de Novembro, 
 introduzida pelo DL 23/80, de 29 de Fevereiro, ao abrigo da qual o recorrente 
 veio requerer a atribuição da pensão de aposentação.
 Aliás, quando o recorrente deixou de ser funcionário público ultramarino, estava 
 já em vigor o Decreto-lei n.º 23/75, de 22 de Janeiro, ao abrigo do qual tinha 
 sido criado o quadro geral de adidos (I) destinado a integrar os funcionários 
 públicos portugueses em serviço nas antigas províncias ultramarinas, à medida 
 que estas fossem ascendendo à independência, com vista à respectiva transição 
 para os correspondentes quadros do funcionalismo metropolitano, desde que 
 contassem, pelo menos, dois anos de serviço efectivo e ininterrupto, com 
 manutenção dos direitos em matéria de segurança social. 
 Posteriormente, com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 294/76, de 24 de 
 Abril, no âmbito de um processo mais amplo de gestão dos recursos humanos do 
 sector público, esses funcionários – desde que vinculados ao Estado e corpos 
 administrativos da Administração Pública ultramarina em 22 de Janeiro de 1975 e 
 contassem nessa data, pelo menos, um ano de serviço ininterrupto – vieram a ser 
 considerados excedentes de pessoal em virtude do processo de descolonização com 
 garantia de ingresso no quadro geral de adidos (II) com vista à respectiva 
 integração noutros serviços ou organismos da Administração Pública, com 
 salvaguarda de todos os direitos relativos à segurança social.
 Este novo quadro geral de adidos absorvia não só os excedentes de pessoal em 
 virtude do processo de descolonização, como ainda integrava os agentes que 
 estivessem desocupados ou sem pleno aproveitamento no sector público em virtude 
 da extinção, reconversão ou reorganização de serviços e organismos da 
 Administração Pública. 
 As regras gerais de aposentação, decorrentes do EA, começaram a sofrer algumas 
 alterações importantes, com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 294/76, das 
 quais também beneficiavam os antigos funcionários ultramarinos integrados no 
 quadro geral de adidos.
 Na verdade, passaram a ser aposentáveis:
 a) a pedido dos próprios interessados, os adidos que contassem o tempo mínimo de 
 serviço, nos termos da lei geral (15 anos), independentemente da idade que 
 possuíssem (artigo 49.º, n.º 1);
 b) oficiosamente, os adidos que contassem um mínimo de vinte anos de serviço, 
 tivessem permanecido dois anos na situação de disponibilidade no quadro geral de 
 adidos e relativamente aos quais se considerasse inviável a passagem à 
 actividade por razões ponderosas (artigo 49.º, n.º 2);
 c) e, também, oficiosamente, os adidos com idade igual ou superior a 60 anos que 
 tivessem permanecido dois anos na situação de disponibilidade no quadro geral de 
 adidos e relativamente aos quais se considerasse inviável a passagem à 
 actividade por razões ponderosas (artigo 49.º, n.º 3).
 O quadro geral de adidos criado pelo Decreto-lei n.º 294/76 foi considerado 
 legalmente extinto em 30 de Junho de 1984 (artigo 1.º, do Decreto-lei n.º 42/84, 
 de 3 de Fevereiro).  
 Consoante as situações em que se encontrassem, os adidos foram: a) integrados 
 nos serviços e organismos públicos e nas empresas públicas e nacionalizadas; b) 
 aposentados obrigatoriamente; c) ou integrados num quadro de efectivos 
 interdepartamentais (artigo 2.º do Decreto-lei n.º 42/84, de 3 de Fevereiro).  
 Os adidos que se encontravam na situação de disponibilidade em 31 de Dezembro de 
 
 1983 e cujo tempo de inactividade atingisse nessa data 2 anos seguidos ou 3 
 interpolados, foram considerados desligados do serviço, para efeito de 
 aposentação, a partir de 1 de Março de 1984 (artigos 3.º e 5.º, do Decreto-lei 
 n.º 42/84, de 3 de Fevereiro).  
 Com ressalva dos agentes que prestaram serviço nos territórios de Macau e Timor, 
 a possibilidade dos funcionários ultramarinos que não continuaram a prestar 
 serviço para além da independência nos novos países requererem o ingresso no 
 referido quadro geral de adidos terminou em 30 de Novembro de 1977 (artigo 1.º, 
 n.º 2, d), do Decreto-lei n.º 356/77, de 31 de Agosto). 
 Todavia, o Estado português foi sensível à existência de agentes da antiga 
 Administração Pública ultramarina que tinham completado o tempo de serviço 
 necessário para a aposentação dos adidos nos termos do Decreto-lei n.º 294/76 
 
 (artigo 49.º), mas que não haviam ingressado no quadro geral de adidos, 
 designadamente por haverem perdido a nacionalidade portuguesa ou por já não 
 serem funcionários da Administração Pública ultramarina à data da independência 
 dos territórios onde haviam exercido as suas funções.
 Em conformidade com essa preocupação, foi aprovado e entrou em vigor o 
 Decreto-lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, cujo artigo 1.º, n.º 1, dispunha que 
 
 “os funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias 
 ultramarinas poderão requerer a pensão de aposentação desde que contem quinze 
 anos de serviço e hajam efectuado os descontos para aquele efeito, ainda que não 
 fossem já subscritores na data da independência do território em que estavam 
 colocados”.
 Posteriormente, sob a influência da Constituição de 1976, o EA sofre alterações 
 relevantes introduzidas pelo Decreto-lei n.º 191-A/79, de 25 de Janeiro, que 
 visam a respectiva aproximação de regras já vigentes na previdência social do 
 sector privado, entre as quais avulta a redução do prazo de garantia de 15 para 
 
 5 anos (artigos 4.º e 37.º, n.º 2, b), do EA).
 Esta alteração legislativa – automaticamente aplicável, por força do disposto no 
 artigo 49.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 294/76, aos ex-funcionários ultramarinos 
 integrados no quadro geral de adidos – foi estendida igualmente aos 
 ex-funcionários ultramarinos não integrados no quadro geral de adidos, passando 
 o n.º 1, do artigo 1.º, do Decreto-lei n.º 362/78, na redacção introduzida pelo 
 Decreto-lei n.º 23/80, de 29 de Fevereiro, a dispor que “os funcionários e 
 agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas poderão requerer 
 a pensão de aposentação desde que contem cinco anos de serviço e hajam efectuado 
 os descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da 
 independência do território em que estavam colocados”.
 O prazo para requerer as pensões de aposentação ao abrigo do Decreto-lei n.º 
 
 362/78 foi sendo sucessivamente prorrogado pelos Decretos-lei n.º 23/80, de 29 
 de Fevereiro, 118/81, de 18 de Maio, e 263/86, de 30 de Outubro, até que o 
 Decreto-lei n.º 210/90, de 27 de Junho, extinguiu este direito.
 Da análise deste panorama legislativo resulta que o direito a uma pensão de 
 aposentação atribuído pelo artigo 1.º, do Decreto-lei n.º 362/78, de 28 de 
 Novembro, a funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias 
 ultramarinas, se enquadrou numa política de justiça relativamente a todos 
 aqueles que haviam servido a Administração Pública ultramarina durante um 
 período de tempo igual àquele que havia permitido aos adidos aposentarem-se, não 
 tendo, contudo, podido ingressar no quadro geral de adidos, com vista à sua 
 transição para os quadros do funcionalismo metropolitano.
 Apesar destes funcionários não terem atingido a idade ou o tempo de serviço 
 necessários à aposentação ordinária, excepcionalmente, entendeu-se conceder-lhes 
 o direito a receberem uma pensão proporcional ao período de tempo em que 
 trabalharam na Administração Pública ultramarina.
 
  Não estamos, pois, perante uma verdadeira pensão de aposentação, enquanto 
 prestação pecuniária mensal vitalícia atribuível aos funcionários da 
 Administração Pública, por motivo da cessação do exercício de funções, nos 
 termos previstos na legislação sobre aposentação (EA), mas sim perante uma 
 pensão especial, equivalente à pensão de aposentação, mas cuja atribuição não 
 resultou da cessação do exercício de funções por aposentação, mas sim de 
 legislação específica, ditada por razões de justiça, que visou compensar quem 
 havia trabalhado durante um período de tempo na Administração Pública 
 ultramarina, igual àquele que havia permitido aos adidos aposentarem-se.
 O recorrente requereu o pagamento desta pensão, ao abrigo do referido diploma, 
 em 30 de Dezembro de 1988 mas, após várias vicissitudes, tal pretensão não lhe 
 foi reconhecida porque o tribunal recorrido interpretou aquele dispositivo no 
 sentido de que essa pensão de aposentação só pode ser concedida a quem tenha 
 efectuado durante o período mínimo de serviço (5 anos) os correspondentes 
 descontos para efeito de aposentação, não sendo possível a regularização 
 retroactiva desses descontos ao abrigo do disposto no Estatuto da Aposentação”, 
 e o recorrente não havia efectuado tais descontos.
 
  
 
 2.2. Do direito à segurança social
 O recorrente invoca, em primeiro lugar, que esta interpretação viola o direito à 
 segurança social previsto no artigo 63.º, da C.R.P..
 As situações de carência ou de insegurança necessariamente cobertas pelo sistema 
 público de segurança social não obedecem a um numerus clausus, dispondo o n.º 3, 
 do artigo 63.º, da C.R.P., que os cidadãos deverão ser protegidos na doença, 
 velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as 
 outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de 
 capacidade para o trabalho. 
 Como já acima se constatou a pensão aqui em causa não visou acorrer a qualquer 
 situação de velhice ou invalidez do funcionário público, nem a uma situação de 
 desemprego, nem a qualquer outra situação de falta ou diminuição de meios de 
 subsistência ou de capacidade para o trabalho. Pretendeu-se apenas, por razões 
 de justiça, recompensar quem havia dado o seu esforço e dedicação à 
 Administração Pública ultramarina durante um período de tempo igual àquele que 
 havia permitido aos adidos aposentarem-se.
 Está-se, pois, para além das situações de carência e insegurança previstas no 
 n.º 3, do artigo 63.º, da C.R.P., e num domínio de livre previsão e conformação 
 político-legislativo, em que o legislador ordinário entendeu intervir 
 
 “voluntariamente”, num sinal de justiça para funcionários públicos que haviam 
 servido o Estado português nos territórios ultramarinos, mas que não haviam 
 podido ingressar no quadro de adidos.
 Neste domínio, tem o legislador uma ampla liberdade para fixar os requisitos e 
 critérios de atribuição das pensões por si previstas, desde que sejam 
 observados os princípios constitucionais inerentes à ideia de Estado de 
 Direito, como o da igualdade e o da confiança dos cidadãos.
 
  Não sendo esta uma pensão de velhice ou invalidez, não tem aqui aplicação a 
 imposição do critério de cálculo das pensões do n.º 4, do artigo 63.º, da CRP, 
 pelo que também não pode a interpretação normativa sindicada contrariá-lo.
 
  
 
 2.3 Do princípio da igualdade
 O recorrente alega também que a interpretação sob fiscalização viola o princípio 
 da igualdade ao não permitir a regularização retroactiva dos descontos para a 
 Segurança Social, diferentemente do que se dispõe no regime geral da 
 aposentação na função pública.
 O princípio da igualdade, como limite externo da liberdade de conformação do 
 legislador, exige que realidades fundamentalmente iguais não sejam tratadas 
 arbitrariamente pela lei de forma desigual.
 Se é verdade que o Estatuto de Aposentação permitia a regularização retroactiva 
 de descontos (quotas) em dívida, para efeitos de contagem de tempo de serviço 
 para aposentação (artigo 13.º), nomeadamente através de descontos na respectiva 
 pensão (artigos 16.º e 18.º), não é possível, contudo, equiparar as pensões de 
 aposentação do regime geral, com a pensão atribuída excepcionalmente pelo 
 Decreto-lei n.º 362/78, de 28 de Novembro (vide, neste sentido, a fundamentação 
 dos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 467/2003, em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional”, 57.º vol., pág. 563, e 554/2003, em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional”, 57.º vol., pág. 923).
 Como já acima se referiu, enquanto aquelas resultam da cessação do exercício de 
 funções públicas, nos termos previstos na legislação sobre aposentação, a 
 atribuição excepcional da pensão prevista pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 
 
 362/78, de 28 de Novembro, visou apenas, por razões de justiça, compensar quem 
 apesar de já ter cessado há algum tempo o exercício de funções na Administração 
 Pública ultramarina, sem reunir as condições para beneficiar do estatuto da 
 aposentação, havia aí trabalhado, durante um período igual àquele que havia 
 permitido aos adidos aposentarem-se.
 Estando nós perante a atribuição excepcional duma pensão de aposentação a 
 pessoas que se encontram numa posição diferente daquelas que se aposentam nos 
 termos do regime geral da função pública, em que, aliás, os requisitos de idade 
 e permanência na função são bem mais rigorosas, não é exigível uma identidade de 
 regimes quanto ao prazo de cumprimento das obrigações contributivas para o 
 sistema de segurança social, em nome do princípio da igualdade.
 Realidades diferentes podem, como muitas vezes devem, ser tratadas de forma 
 diferente.
 E a igual conclusão se chega quando se coloca como termo de comparação as 
 pensões de aposentação dos funcionários e agentes da Administração Pública das 
 ex-províncias ultramarinas que ingressaram no quadro geral de adidos, os quais 
 tinham a faculdade de utilizar o regime previsto no EA, para regularizarem o 
 pagamento das contribuições para aposentação não efectuadas, por conservarem as 
 prerrogativas comuns a todo o funcionalismo público, nos termos dos artigos 25.º 
 e 26º, n.º 1, a) e n.º 5, do Decreto-lei n.º 294/76, de 24 de Abril.
 Se, neste caso, os requisitos de permanência na função pública são idênticos, 
 não se pode esquecer que estes funcionários públicos ao ingressarem no quadro 
 geral de adidos, apesar de se encontrarem numa situação transitória, mantiveram 
 a qualidade de funcionários públicos, com a generalidade dos direitos e deveres 
 correspondentes, pelo que a atribuição da pensão de aposentação resultou da 
 cessação do exercício de funções públicas, nos termos especialmente previstos na 
 lei (Decreto-lei n.º 294/76, de 24 de Abril), que tiveram o objectivo de 
 favorecer a redução do excedente de funcionários públicos resultante do processo 
 de descolonização.
 Sendo diferente a posição dos adidos e dos ex-funcionários públicos ultramarinos 
 que já haviam cessado o seu vínculo à função pública, também aqui o princípio da 
 igualdade não exige uma equiparação total dos requisitos necessários à 
 atribuição de pensões, podendo o legislador exigir apenas aos últimos, como 
 condição da atribuição da pensão, que tivessem efectuado durante o período 
 mínimo de serviço os correspondentes descontos para efeito de aposentação.
 Finalmente, também não viola o princípio da igualdade a distinção, para efeitos 
 de atribuição da pensão em análise, entre os ex-funcionários públicos 
 ultramarinos que exerceram funções durante o período mínimo de serviço exigido 
 pelo Decreto-lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, e que efectuaram aqueles 
 descontos e os que, contando também esse tempo de permanência mínimo na função 
 pública, não os efectuaram.
 A circunstância dos primeiros terem contribuído para a manutenção de um sistema 
 de segurança social público, relativamente ao qual tinham a expectativa de poder 
 vir a dele beneficiar, tem o peso suficiente para que a distinção efectuada não 
 possa ser qualificada como arbitrária, o que afasta a possibilidade dela violar 
 o princípio constitucional da igualdade.
 
  
 
 2.4. Do princípio da confiança 
 Do princípio do Estado de Direito, a doutrina deduz os seus subprincípios 
 concretizadores e essenciais da segurança jurídica e da protecção da confiança 
 dos cidadãos (vide GOMES CANOTILHO, em “Direito constitucional e teoria da 
 Constituição”, pág. 257 e seg., da 7.ª Edição, da Almedina, e JORGE REIS NOVAIS, 
 em “Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa”, pág. 
 
 261 e seg., da ed. de 2004, da Coimbra Editora).
 Conforme sintetiza Jorge Reis Novais “(…)a protecção da confiança dos cidadãos 
 relativamente à acção dos órgãos do Estado é um elemento essencial, não apenas 
 da segurança da ordem jurídica, mas também da própria estruturação do 
 relacionamento entre Estado e cidadãos em Estado de Direito. Sem a 
 possibilidade, juridicamente garantida, de poder calcular e prever os possíveis 
 desenvolvimentos da actuação dos poderes públicos susceptíveis de repercutirem 
 na sua esfera jurídica, o indivíduo converter-se-ia, em última análise com 
 violação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, em mero objecto 
 do acontecer estatal.” (na ob. cit., pp. 261-262).
 Não oferece dúvidas que a alteração frequente das leis pode perturbar a 
 confiança das pessoas, sobretudo quando as suas situações jurídicas sejam 
 objectivamente lesadas pela entrada em vigor de uma nova lei que pretenda dispor 
 sobre elas de forma retroactiva.
 Contudo, no presente caso, o artigo 1.º, do Decreto-lei n.º 362/78, de 28 de 
 Novembro, dispôs retroactivamente não de forma a lesar qualquer situação 
 jurídica já constituída ou com uma legítima expectativa de constituição, mas sim 
 de forma a valorar positivamente uma situação anterior, atribuindo uma pensão a 
 quem dela não beneficiava segundo os regimes anteriores. 
 Na verdade, em 10 de Novembro de 1975, quando o recorrente cessou as suas 
 funções na Administração Pública ultramarina não reunia, à luz da legislação 
 vigente, os pressupostos de facto necessários à atribuição de qualquer pensão de 
 aposentação, ainda que reportada ao tempo de serviço mínimo.
 E esta situação manteve-se inalterável até ser aprovado o Decreto-lei n.º 
 
 362/78, de 28 de Novembro, pelo que este diploma ao atribuir uma pensão a quem, 
 segundo a interpretação impugnada, tenha efectuado durante o período mínimo de 
 serviço os correspondentes descontos para efeito de aposentação, não sendo 
 possível a regularização retroactiva desses descontos ao abrigo do disposto no 
 Estatuto da Aposentação, não lesou qualquer situação jurídica anteriormente 
 constituída, nem qualquer expectativa objectivamente fundada, ao não abranger os 
 funcionários que não tivessem efectuados esses descontos, como era o caso do 
 recorrente.
 Não existia, pois, à data da aprovação daquele diploma, qualquer situação de 
 confiança objectiva na atribuição desta pensão especial, por parte dos 
 ex-funcionários públicos ultramarinos que apesar de contarem o período mínimo de 
 serviço exigido por aquele diploma, não tinham efectuado durante esse período os 
 descontos para efeitos de aposentação que justificassem uma protecção em nome do 
 princípio estruturante do Estado de Direito.
 Por este motivo constata-se que a interpretação analisada também não viola o 
 sub-princípio da protecção da confiança dos cidadãos.
 
  
 
 2.5. Da exigência do processo equitativo
 O recorrente ainda alega que a interpretação normativa questionada atenta contra 
 a garantia do julgamento equitativo, prevista no artigo 6.º, n.º 1, da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 A garantia do processo equitativo é também uma exigência da nossa Constituição 
 
 (artigo 20.º, n.º 4).
 Contudo, a interpretação normativa questionada não respeita a qualquer regra 
 processual, pelo que não está em causa o mencionado imperativo constitucional.
 O facto do recorrente entender que o tribunal recorrido efectuou uma 
 interpretação incorrecta do disposto no artigo 1.º, do Decreto-lei n.º 362/78, 
 de 28 de Novembro, não suscita a sua avaliação perante aquele parâmetro 
 constitucional, reclamando apenas um controle infra-constitucional dessa 
 interpretação que não compete ao Tribunal Constitucional.
 
  
 
 2.6. Conclusão
 Não se tendo constatado que a interpretação normativa fiscalizada, segundo a 
 qual a pensão de aposentação atribuída pelo artigo 1.º, do Decreto-lei n.º 
 
 362/78, de 28 de Novembro, só pode ser concedida a quem tenha efectuado durante 
 o período mínimo de serviço (5 anos) os correspondentes descontos para efeito de 
 aposentação, não sendo possível a regularização retroactiva desses descontos ao 
 abrigo do disposto no Estatuto da Aposentação, viole qualquer parâmetro 
 constitucional, deve o recurso ser julgado improcedente.
 
  
 
                                                     *
 Decisão
 Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto por A., para o Tribunal 
 Constitucional, do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido 
 nestes autos em 24 de Abril de 2008.
 
  
 
                                                     *
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
 
  
 Lisboa, 13 de Janeiro de 2009
 João Cura Mariano
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos