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Processo nº 1068/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira  Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A., Lda., vem, a fls. 600 e segs., reclamar para a conferência da decisão 
 sumária de fls. 587 e segs., que decidiu não tomar conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade por aquela interposto após ter sido notificada do acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça de fls. 553 e segs. Pode ler-se na fundamentação da 
 decisão ora reclamada:
 
  
 
 3.  Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que 
 admitiu o recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, entende-se não se poder conhecer do objecto do mesmo, sendo caso 
 de proferir decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo 
 diploma.
 
  
 
 4.  Com efeito, tratando-se de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, são pressupostos para se 
 poder tomar conhecimento deste tipo de recurso, além da aplicação como ratio 
 decidendi, pelo tribunal recorrido, da norma cuja constitucionalidade se impugna 
 e do esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, que a 
 inconstitucionalidade normativa tenha sido suscitada durante o processo. 
 Este último pressuposto, como o Tribunal tem vindo repetidamente a decidir, e se 
 diz, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República [DR], 
 II série, de 6 de Setembro de 1994), deve ser entendido, “não num sentido 
 meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à 
 extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa 
 invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda 
 pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz 
 sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”. É, na 
 verdade, este o sentido que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal 
 Constitucional em via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma 
 questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado – ver, por exemplo, 
 o Acórdão n.º 560/94, publicado no DR, II série, de 10 de Janeiro de 1995, onde 
 se escreveu que “a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação 
 atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, 
 pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim, 
 mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão 
 de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de 
 recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão” 
 
 (assim, também, por exemplo, o Acórdão n.º 155/95, publicado no DR, II série, de 
 
 20 de Junho de 1995).
 Os pedidos de aclaração e reforma de uma decisão, ou a arguição da sua nulidade, 
 enquanto incidentes pós-decisórios, não são já momentos adequados para, 
 atempadamente, suscitar uma questão de constitucionalidade normativa, em termos 
 de ela poder vir a ser decidida pelo tribunal a quo, e de provocar a intervenção 
 do Tribunal Constitucional para reapreciação, em recurso de constitucionalidade 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional. Como se salientou no citado Acórdão n.º 352/94, “porque o poder 
 jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença, e porque a 
 eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, 
 não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura e ambígua, 
 há-de entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a 
 reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados 
 para suscitar a questão de inconstitucionalidade” (v. também já, por exemplo, o 
 Acórdão n.º 62/85, DR, II série, de 31 de Maio de 1985). 
 Esta orientação quanto ao ónus de suscitação da questão de constitucionalidade 
 
 (como também se salientou no referido Acórdão n.º 352/94) sofre restrições 
 apenas em situações excepcionais, anómalas, nas quais não se pode exigir ao 
 interessado que suscitasse a questão de constitucionalidade antes de proferida a 
 decisão final, designadamente, por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação 
 de todo em todo insólita e imprevisível da norma impugnada. Este Tribunal tem, 
 porém, repetidamente afirmado, como se disse no Acórdão n.º 479/89 (DR, II 
 Série, de 24 de Abril de 1992) que:
 
  
 
 (...) não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem 
 as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem 
 socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais 
 
 (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual 
 adequada). E isso também logo mostra como a simples ‘surpresa’ com a 
 interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos, 
 certamente, em princípio) a configurar uma dessas “situações excepcionais” em 
 que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação da 
 inconstitucionalidade antes de se esgotar o poder jurisdicional do tribunal a 
 quo sobre a questão para cuja resolução é relevante a norma impugnada.
 
 (...) Mas, se alguma vez tal for de admitir, então haverá de sê-lo apenas numa 
 hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita e imprevisível que 
 seria de todo desrazoável dever a parte contar (também) com ela.
 
 (E vejam-se também já, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 94/88 e 90/85, publicados 
 no DR, II Série, respectivamente de 22 de Agosto de 1988 e de 11 de Julho de 
 
 1985, bem como, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 565/96 e 660/96, onde se afirma 
 que não existe “surpresa” relevante na interpretação perfilhada na decisão 
 recorrida quando a doutrina e a jurisprudência se dividem quanto à interpretação 
 da norma impugnada).
 
  
 
 5.  No presente caso, o recurso de constitucionalidade tem por objecto, nos 
 termos do respectivo requerimento, a apreciação da inconstitucionalidade do 
 artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, numa “interpretação/aplicação” não 
 expressamente enunciada, mas que a recorrente considera violadora do disposto no 
 n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
 Pela remissão para o requerimento de arguição de nulidade e da consulta da 
 fundamentação do acórdão recorrido extrai-se que a questão em causa se prende 
 essencialmente com o problema de saber se deveria ter sido aplicado no caso dos 
 autos o artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, por se verificarem os 
 fundamentos enunciados nesta disposição.
 Tal pretensão, dizendo respeito à determinação das normas de direito 
 infraconstitucional aplicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça na decisão do 
 recurso que lhe havia sido submetido, excede obviamente a competência do 
 Tribunal Constitucional, que, no tipo de recurso de constitucionalidade 
 interposto, se limita à apreciação da conformidade constitucional das normas 
 efectivamente aplicadas pelo tribunal a quo na decisão recorrida.
 Como decorre do que acaba de se referir, a norma do artigo 732.º-A do Código de 
 Processo Civil não foi aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça e não cabe ao 
 Tribunal Constitucional decidir se estavam ou não verificados no caso os 
 pressupostos de que tal disposição faz depender o julgamento ampliado da 
 revista.
 
  
 
 6. Acresce que a recorrente jamais suscitou durante o processo a questão da 
 inconstitucionalidade do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, na dimensão 
 normativa que pretende ver apreciada por este Tribunal, só tendo suscitado tal 
 questão no requerimento de arguição de nulidade do acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça, de 5 de Julho de 2007.
 Ora, à data das suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 não podia deixar de considerar-se exigível, à recorrente, numa estratégia 
 processual cautelosa, antecipando a eventualidade de o Supremo Tribunal de 
 Justiça vir a optar pela tese mais desfavorável ao seu interesse e ponderando os 
 sentidos possíveis ou plausíveis do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, 
 face às orientações doutrinárias e correntes jurisprudenciais conhecidas, que 
 suscitasse a questão de constitucionalidade antes de esgotado o poder 
 jurisdicional do tribunal a quo ou requeresse, ela mesma, o julgamento ampliado 
 de revista.
 Em face das circunstâncias do processo e considerando a jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional neste domínio, tal não corresponde a qualquer exigência 
 de onerosidade desproporcionada, tratando-se, muito simplesmente, do ónus, que 
 este Tribunal tem afirmado repetidamente na sua jurisprudência e que recai sobre 
 as partes, de estas “analisarem as diversas possibilidades interpretativas 
 susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão e utilizarem as 
 necessárias precauções, de modo a poderem, em conformidade com a orientação 
 processual considerada mais adequada, salvaguardar a defesa dos seus direitos” 
 
 (cfr., nesse sentido, o Acórdão n.º 22/2002). 
 Não tendo a recorrente suscitado durante o processo a inconstitucionalidade da 
 norma que pretende submeter à apreciação sub specie constitutionis, não pode 
 agora o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso.
 
  
 
  
 
 2.  A reclamante diz o seguinte na sua reclamação: 
 
  
 Decidiu a Meritíssima Juíza Relatora não tomar conhecimento do recurso 
 interposto pela Recorrente, ora Reclamante, sustentando tal decisão, por um 
 lado, no facto da inconstitucionalidade normativa não ter sido alegadamente 
 suscitada durante o processo, e, por outro lado, no facto de considerar dever 
 extrair-se do requerimento de arguição de nulidade e da consulta do acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça recorrido, estar em causa a apreciação da 
 conformidade constitucional de uma norma não efectivamente aplicada. 
 A Recorrente não se conforma com uma tal decisão, razão pela qual vem requerer 
 que sobre a admissibilidade/inadmissibilidade do recurso se pronuncie, em 
 conferência, o Tribunal Constitucional. 
 Com efeito, está a Recorrente convicta que se impõe a prossecução do recurso por 
 si tempestivamente interposto, sob pena de patente – e não sancionada – 
 violação, quer do princípio da confiança, que do acesso ao direito, 
 constitucionalmente consagrado. 
 Começando pela falta de alegação da inconstitucionalidade durante o processo, 
 não se pode deixar de questionar – ressalvado o devido respeito – como poderia a 
 parte – in casu, a Recorrente –, ter suscitado a questão da 
 inconstitucionalidade antes mesmo dessa questão se ter verificado no processo?!
 Na verdade, importa ter em atenção que foi tão só com a prolação, pela 4ª Secção 
 do Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão que decidiu a causa – com 
 
 “afastamento”, pois, da intervenção do pleno das secções cíveis, ao arrepio de 
 quanto, em contrário, dispõe o artigo 732°-A do Código de Processo Civil –, que 
 
 “nasceu” a questão da inconstitucionalidade. 
 Pretender exigir da Recorrente – como parece resultar da douta decisão reclamada 
 
 – que esta, com anterioridade à decisão do Supremo Tribunal de Justiça, tivesse 
 que – em nome de uma alegada “exigível (...) estratégia processual cautelosa” 
 
 (?!) – antecipar a eventualidade do Supremo Tribunal de Justiça vir a suprimir 
 uma garantia processual, constitucionalmente consagrada, corresponde a exigir da 
 parte uma conduta “desconfiada”, de contínua invocação de potencial (e futura) 
 inconstitucionalidade. Se é que não equivale mesmo a exigir da parte um poder, 
 quase “sobrenatural”, para adivinhar qual o entendimento que irá ser adoptado 
 pelo julgador... 
 Do mesmo modo, afigura-se pouco curial exigir que a Recorrente, ainda em sede de 
 interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tivesse que 
 requerer, ela própria – ao abrigo da tal “estratégia processual cautelosa”... – 
 a intervenção do pleno das secções cíveis, quando é certo que – como reconheceu 
 o Supremo Tribunal de Justiça –, as duas únicas decisões proferidas sobre a 
 matéria haviam sido em sentido idêntico ao sustentado pela própria Recorrente. 
 Assim, no firme entendimento da Recorrente, o caso dos autos tem, forçosamente, 
 de ser enquadrado nas “situações excepcionais, anómalas”, às quais se refere 
 expressamente, quer a decisão reclamada, quer diversos outros acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, como sejam, por exemplo, o Acórdão n° 479/89 (publicado 
 no DR, II Série, de 24.04.95 e parcialmente reproduzido na decisão reclamada), o 
 Acórdão de 19.01.94 (acessível in http://www.dqsi.pt, com o n° convencional 
 ACT00004565), o Acórdão n° 291/89 (publicado no DR, II Série, de 15.03.91), ou 
 ainda o Acórdão de 03.03.93 (acessível in http://www.dqsi.pt, com o n° 
 convencional ACT00003858). 
 Permita-se à Recorrente, pela sua relevância, aqui citar parte do sumário do 
 Acórdão do Tribunal Constitucional de 19.01.94, acima melhor identificado: 
 
 “II – O poder jurisdicional esgota-se, em princípio, com a prolação da sentença, 
 pelo que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua 
 nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a 
 questão de inconstitucionalidade. 
 III – Só assim não será, em situações excepcionais, anómalas, nas quais o 
 interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de 
 inconstitucionalidade antes de pro ferida a decisão final”. 
 Ora, é de todo o ponto manifesto que a Recorrente não teve outra oportunidade 
 processual, que não no seu requerimento de arguição de nulidade, para suscitar a 
 questão da inconstitucionalidade, uma vez que, como se viu, tal questão apenas 
 nasceu... com a prolação do douto acórdão objecto da arguição de nulidade! 
 Donde, no firme entendimento da Recorrente – entendimento este que a mesma 
 espera ver sufragado pelo Tribunal Constitucional –, o facto da questão da 
 inconstitucionalidade apenas ter sido suscitada após a prolação do douto acórdão 
 do Supremo Tribunal de Justiça, não pode constituir válido obstáculo ao 
 conhecimento, pelo Tribunal Constitucional, do recurso para o mesmo interposto 
 pela Recorrente, ora Reclamante. 
 Quanto à segunda questão suscitada pela Meritíssima Juíza Relatora, é um facto 
 que a alínea b) do artigo 70° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional apenas se refere directamente à apreciação das decisões 
 dos tribunais que apliquem uma norma inconstitucional. 
 Contudo, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, mal se compreende 
 como pode o Tribunal Constitucional não se pronunciar sobre um caso como o dos 
 autos, isto é, sobre a interpretação que um Tribunal (in casu, o Supremo 
 Tribunal de Justiça) faz de uma determinada norma legal (no caso, o artigo 
 
 732°‑A do Código de Processo Civil), quando essa interpretação se traduz numa 
 redução, manifestamente inconstitucional, da garantia constitucional de acesso 
 ao direito e aos tribunais. Maxime quando a apreciação dessa questão de 
 inconstitucionalidade não é enquadrável em qualquer das demais alíneas do nº 1 
 do artigo 70º da mencionada Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional. 
 Impõe-se aqui, pois, no firme entendimento da Recorrente, e tal como sucede a 
 propósito do outro pressuposto da alínea b) do n° 1 do artigo 70º, fazer uma 
 interpretação que permita, também quanto a este pressuposto, salvaguardar 
 
 “situações excepcionais, anómalas”, como é, manifestamente, o caso dos autos. 
 Com efeito, e reportando-nos agora, directamente, ao caso em apreço, teremos que 
 concluir que, em último termo, a eventual não apreciação, pelo Tribunal 
 Constitucional, da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, 
 
 “legitimará” o facto da Recorrente se ter visto confrontada com uma 
 decisão-surpresa de inflexão judicial, violadora do princípio da confiança – 
 posto que a Recorrente gozava da legítima expectativa de que a jurisprudência do 
 tribunal superior se mantivesse –, consequência, ademais, da supressão de uma 
 importante garantia processual, em clara violação, pois, do disposto no n° 1 do 
 artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 Cumpre decidir.
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 3.  Adiante-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento, por 
 não abalar os fundamentos em que se baseou a decisão reclamada.
 Como muito bem se sabe – e como inúmeras vezes tem sido repetido por este mesmo 
 Tribunal – através deste tipo de recursos [previstos, antes do mais, pela alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição] só pode o Tribunal Constitucional 
 conhecer de questões relativas à constitucionalidade de normas. As decisões 
 judiciais, em si mesmas consideradas, não são, em direito português, objecto de 
 controlo de constitucionalidade. Daí que, para o Tribunal Constitucional, surja 
 naturalmente como um dado a norma de direito infraconstitucional que é 
 questionada no recurso. No nosso sistema de fiscalização concentrada e 
 incidental da constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem 
 controlar o modo como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, 
 nem sequer controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, 
 apurar se as normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. Como 
 se disse no Acórdão n.º 44/85, “saber se a norma era ou não aplicável ao caso, 
 ou se foi ou não bem aplicada – isso é da competência dos tribunais comuns, e 
 não do Tribunal Constitucional” (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 
 
 1985, p. 408).
 
 É, por isso, liminarmente de afastar o alegado a fls. 603 e 604 da reclamação, 
 que se relembra:
 Contudo, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, mal se compreende 
 como pode o Tribunal Constitucional não se pronunciar sobre um caso como o dos 
 autos, isto é, sobre a interpretação que um Tribunal (in casu, o Supremo 
 Tribunal de Justiça) faz de uma determinada norma legal (no caso, o artigo 
 
 732°‑A do Código de Processo Civil), quando essa interpretação se traduz numa 
 redução, manifestamente inconstitucional, da garantia constitucional de acesso 
 ao direito e aos tribunais. Maxime quando a apreciação dessa questão de 
 inconstitucionalidade não é enquadrável em qualquer das demais alíneas do nº 1 
 do artigo 70º da mencionada Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional. 
 Impõe-se aqui, pois, no firme entendimento da Recorrente, e tal como sucede a 
 propósito do outro pressuposto da alínea b) do n° 1 do artigo 70º, fazer uma 
 interpretação que permita, também quanto a este pressuposto, salvaguardar 
 
 “situações excepcionais, anómalas”, como é, manifestamente, o caso dos autos. 
 Com efeito, e reportando-nos agora, directamente, ao caso em apreço, teremos que 
 concluir que, em último termo, a eventual não apreciação, pelo Tribunal 
 Constitucional, da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, 
 
 “legitimará” o facto da Recorrente se ter visto confrontada com uma 
 decisão-surpresa de inflexão judicial, violadora do princípio da confiança – 
 posto que a Recorrente gozava da legítima expectativa de que a jurisprudência do 
 tribunal superior se mantivesse –, consequência, ademais, da supressão de uma 
 importante garantia processual, em clara violação, pois, do disposto no n° 1 do 
 artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
 4. Acresce que, como se disse na decisão sumária reclamada e a própria 
 reclamante acaba por reconhecer, não se verifica o pressuposto, indispensável 
 para se poder tomar conhecimento do recurso, consistente na aplicação como ratio 
 decidendi, pela decisão de que se pretende recorrer, da norma do artigo 732.º-A 
 do Código de Processo Civil, na dimensão normativa que o requerente pretende ver 
 apreciada por este Tribunal. 
 De acordo com tal dimensão normativa, o artigo 732.º-A do Código de Processo 
 Civil conferiria ao juiz um poder discricionário de sugerir a intervenção do 
 colectivo de juízes que compõem a Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 
 quando estivesse em causa a prolação de um acórdão que invertesse jurisprudência 
 anteriormente firmada. Ora, semelhante “norma” não constituiu verdadeiramente a 
 ratio decidendi da decisão de que se pretende recorrer. 
 O Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerimento de fls. 534 e segs. por 
 entender que 
 
  
 
 (…) não só não existe jurisprudência que se possa considerar firmada sobre a 
 questão fundamental de direito analisada no acórdão, como não há uma absoluta 
 coincidência normativa justificativa da conveniência em assegurar a uniformidade 
 da jurisprudência, como, ainda, a evolução doutrinária de que também se dá nota 
 ao longo do acórdão de fls. 504 e ss. desaconselhava que o STJ tomasse desde já 
 uma posição uniformizadora, sem a desejável sedimentação jurisprudencial. 
 Neste contexto, entenderam, quer o Relator, quer os Adjuntos, quer o próprio 
 Presidente da Secção Social que não se verificava, como efectivamente não se 
 verifica, no caso vertente fundamento para sugerir a uniformização de 
 jurisprudência.
 
  
 E, um pouco mais à frente, que
 Ao invés do que sucede com a intervenção das partes e do Ministério Público ao 
 requerer o julgamento alargado, que se traduz numa faculdade [como se infere da 
 terminologia “(...) pode ser requerido por qualquer das partes ou pelo 
 Ministério Público (...)”], ou quando muito num ónus processual, afigura-se-nos 
 que a sugestão do Relator, dos Adjuntos ou do Presidente da Secção tem a 
 natureza de um dever legal [“...deve ser sugerido pelo relator, por quaisquer 
 adjuntos, ou pelos presidentes das secções (...)]”. 
 Constituindo um dever legal, só haverá, contudo, a obrigação de o observar 
 quando se mostrarem preenchidos os fundamentos prescritos na lei para o seu 
 exercício, ou seja, quando se verificar fundamento para sugerir a uniformização 
 de jurisprudência nos termos enunciados no art. 732.°-A do CPC.
 
  
 Donde, o Supremo Tribunal de Justiça não fundamentou o indeferimento da arguição 
 de nulidade deduzida mediante um juízo discricionário quanto à prática do acto 
 de sugerir o julgamento ampliado quando se verifiquem os fundamentos enunciados 
 no artigo 732.º-A do Código de Processo Civil. Antes considerou que 
 
  
 
 (…) não se verifica fundamento para uniformização de jurisprudência, não só 
 porque os dois acórdãos de 1997 e 1998 não constituem jurisprudência firmada 
 sobre a questão neles decidida em moldes diversos da perspectiva jurídica 
 acolhida no acórdão proferido nestes autos, como também por não haver absoluta 
 coincidência do quadro legislativo aplicável, como, ainda, porque se entende ser 
 efectivamente desaconselhável que o Supremo intervenha desde já com uma posição 
 jurídica uniformizadora, não se verificando a necessidade ou conveniência da 
 uniformização jurisprudencial pelas razões já apontadas. 
 Não incidia, pois, sobre o Relator, os Adjuntos ou o Presidente da Secção o 
 dever de sugerir o julgamento ampliado da revista interposta pelo A. nos 
 presentes autos, de modo algum podendo perfilhar-se a afirmação da R. de que tal 
 falta de sugestão constituiu omissão de um acto que deveria ter sido praticado e 
 inquinou de nulidade o acórdão proferido nestes autos pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça.
 
  
 Reitere-se que num recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 normativa não tem cabimento vir discutir a forma como o direito ordinário foi ou 
 deveria ter sido aplicado. 
 E, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente observado, o recurso de 
 constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica, como se sabe, que 
 
 é condição de conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de repercussão 
 do julgamento que nele venha a ser efectuado na decisão recorrida.
 No caso, nenhuma repercussão teria o julgamento da questão de 
 constitucionalidade da norma impugnada pela recorrente, ainda que o Tribunal 
 viesse a concluir no sentido da inconstitucionalidade.
 Tanto basta para concluir pelo indeferimento da reclamação.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e 
 confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar a 
 reclamante em custas, com 20 ( vinte ) unidades de conta de taxa de justiça.
 
  
 
  
 Lisboa, 27 de Fevereiro de 2008
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão