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Processo n.º 677/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
 (Conselheira Maria Fernanda Palma)                         
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 I. Relatório
 
 1.Por decisão do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso os 
 arguidos A. e B. foram condenados, pela prática, em co-autoria, de um crime de 
 introdução fraudulenta no consumo, previsto e punido pelo artigo 96.º, n.º 1, 
 alínea a), do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 7 (sete) meses 
 de prisão cada um, e de um crime contra a genuinidade, qualidade ou composição 
 de géneros alimentícios, previsto e punido pelo artigo 24.º, n.º 1, alínea a), 
 do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) meses de prisão 
 e em 110 (cento e dez) dias de multa à razão diária de € 3 (três euros), cada 
 um. Em cúmulo jurídico cada um dos arguidos foi condenado na pena única de 8 
 
 (oito) meses de prisão e em 110 (cento e dez) dias de multa à razão diária de € 
 
 3 (três euros), perfazendo para cada um a multa de € 330 (trezentos e trinta 
 euros), com 73 (setenta e três) dias de prisão subsidiária. No que concerne ao 
 pedido de indemnização civil, os arguidos foram solidariamente condenados a 
 pagarem ao Estado a quantia de € 30.007,23 (trinta mil e sete euros e vinte e 
 três cêntimos), acrescida dos juros contados às sucessivas taxas legais desde 14 
 de Março de 2003, até integral pagamento. A pena única de 8 (oito) meses de 
 prisão foi declarada suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob 
 condição de os arguidos procederem ao pagamento ao Estado naquele montante no 
 prazo de 2 (dois) anos.
 Inconformados com esta decisão, os arguidos recorreram para o Tribunal da 
 Relação do Porto, tendo, a concluir as alegações que então apresentaram e para o 
 que ora releva, alegado que:
 
 «[…]
 
 «13.ª 
 Por isso, o disposto nos art.ºs 96.º, n.º 1, a) e b), 14.º, n.º 1, e 9.º do 
 RGIT, objectivamente, prosseguem interesses que não são os da generalidade do 
 Povo Português, mas do Supercapital, quanto à lógica de afastar os pequenos 
 produtores e comerciantes, sendo certo que nem prossegue interesses estaduais, 
 porque é imoral que este se financie através do maior sacrifício daqueles que já 
 sofrem a dureza de uma sociedade injusta, e por isso de alienam no vício. 
 
 14.ª 
 Por outro lado não é legítimo que o Estado tolere penalmente a conduta viciosa 
 para a tributar, e não tolere penalmente a infracção fiscal que apenas é 
 praticada pelos pobres (os ricos não bebem do “grosso”, os ricos bebem do 
 
 “fino”). 
 
 15.ª 
 A tributação, e muito especialmente a tipificação penal, através das normas 
 referidas, contendem claramente com o disposto nos art.ºs 1.º, 2.º, 9.º, 13.º, 
 
 25.º, 27.º, n.º 1, 81.º, a), c), d) e e), da C.R.P., bem como os princípios 
 constitucionais da justiça, da proporcionalidade e da unidade da ordem 
 jurídica.»
 
 […]
 
 18.ª
 As penas também não podiam ser suspensas com a condição do pagamento do imposto 
 alegadamente dito em dívida. A suspensão da pena funda-se, essencialmente, em 
 critérios de ressocialização do infractor, quando a simples censura do facto e a 
 ameaça da prisão é suficiente para “forçar” o infractor a conformar-se com os 
 comandos legais. A suspensão condicionada ao cumprimento de injunções, só é de 
 aplicar quando aquelas censura e ameaça são insuficientes, ou quando, por razões 
 de equidade, e de possibilidade do infractor, este deva indemnizar a vítima. Se 
 isto é assim no direito penal de justiça, por maioria de razão deve ser no 
 direito penal secundário. Assim sendo, o disposto no art.º 14.º, n.º 1, do RGIT, 
 mais que norma jurídica, parece uma ordem, em clara violação das normas e 
 princípios constitucionais invocados na conclusão 15.ª, e ainda o princípio de 
 separação de poderes (art.º 111.º, n.º 1, da C.R.P.), e viola também o disposto 
 nos art.ºs 50.º e 51.º do C.P., pelo que, nesta última perspectiva, é uma norma 
 ilegal.»
 O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 2 de Junho de 2004, negou 
 provimento aos recursos, afirmando, nomeadamente:
 
 «[…]
 
 3.4. Da violação dos artigos 1.º, 2.º, 9.º, 13.º, 25.º, 27.º, n.º 1, 81.º, 
 alíneas a), c), d) e e), da CRP, bem como os princípios da justiça, 
 proporcionalidade e da unidade da ordem jurídica, atenta a finalidade de 
 política legislativa prosseguida pelo Estado no mencionado artigo 96.º, n.º 1, 
 alíneas a) e b) para justificar a tributação da detenção, fabrico e introdução 
 no mercado de bebidas alcoólicas. 
 Elencam os recorrentes diversos preceitos do texto constitucional, cujas 
 epígrafes respectivas consistem em República Portuguesa; Estado de direito 
 democrático; Tarefas fundamentais do Estado; Princípio da igualdade; Direito à 
 integridade pessoal; Direito à liberdade e à segurança; Incumbências 
 prioritárias do Estado para questionar o ajustamento da tributação especial das 
 bebidas alcoólicas com esses mesmos normativos. 
 O próprio texto constitucional contém norma expressa sobre o sistema fiscal, 
 sendo que visa ele, além do mais, urna repartição justa dos rendimentos e da 
 riqueza (artigo 103.º, n.º 1), cabendo ao legislador determinar a respectiva 
 incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes (seu n.º 2). 
 Este texto tem reprodução no artigo 8.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. 
 Desta conjugação normativa resulta a vinculação do legislador ordinário aos 
 invocados princípios constitucionais que, concretamente, se não mostram 
 questionados pela instituição de um particular regime de tributação. Aliás, a 
 própria prossecução do princípio da igualdade impõe, por vezes, o princípio do 
 tratamento discriminatório de situações desiguais: o caso dos autos, em que o 
 legislador, ponderada a particular natureza dos bens em causa, os submeteu a 
 diferente regime fiscal sem que, só por tal facto, se mostrem violados os 
 reclamados princípios. 
 Donde que não colha toda a argumentação fundada em simples considerações 
 genéricas sobre os fins alegadamente prosseguidos pelo legislador ao introduzir 
 tal tributação. 
 
 […]
 
 3.7. Da indevida determinação de suspensão da execução das penas 
 condicionadamente ao pagamento do imposto alegadamente em dívida – O artigo 
 
 14.º, n.º 1, do RGIT viola os princípios constitucionais referidos, além do da 
 separação de poderes plasmado no artigo 111.º, n.º 1, da CRP, bem como os 
 artigos 50.º e 51.º, ambos do Código Penal (CP). 
 Dispõe o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT que “A suspensão da execução da pena de 
 prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao 
 limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e 
 acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o 
 juiz entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a 
 pena de multa”. 
 Prescreve este artigo algumas especialidades em relação ao regime geral que 
 resulta do Código Penal. 
 Assim, estabelece o artigo 50.º, n.º 1, do CP que “O tribunal suspende a 
 execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, 
 atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta 
 anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples 
 censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as 
 finalidades da punição”. 
 Tem tal regime na sua base um juízo de prognose social favorável em relação ao 
 arguido, que, em caso afirmativo, levará o tribunal a ter que – decidir se a 
 simples censura do facto e a ameaça de prisão serão suficientes para satisfazer 
 as necessidades de prevenção geral do crime. Já o artigo 14.º em causa impõe 
 sempre como condição para a suspensão da execução da pena de prisão o pagamento 
 da prestação tributária e acréscimos legais, podendo ainda o juiz impor o 
 pagamento de quantia até ao limite máximo da pena de multa. 
 Institui esta lei especial um primado que cabe acatar e uma suspensão ope legis 
 não discriminativa e que, só por si se não mostra mais gravosa que o regime 
 geral em que o julgador também podia subordinar a suspensão ao cumprimento de 
 injunções, um delas podendo consistir exactamente no pagamento de uma 
 indemnização ou numa reparação ao lesado, no caso o Estado. 
 A conclusão, então, de que não infringe a suspensão condicionada qualquer 
 normativo constitucional, e se devem elas manter no caso dos autos.
 
 […]
 
 3.9. Se a condenação civil dos recorrentes padece de justo fundamento. 
 A síntese argumentativa essencial dos recorrentes neste aspecto é a seguinte: 
 aquela sua condenação civil pressupunha a transacção efectiva, mas sem pagamento 
 de imposto. O Estado ao apropriar-se dos líquidos deve introduzi-los no mercado. 
 Esta circunstância determinará o retorno do imposto devido, salvo se o produto 
 não tiver as virtualidades de que se reclama, mas, também, nesta hipótese, não é 
 devido imposto. Valendo o sentido imposto no Acórdão recorrido, o Estado 
 apropria-se do valor do produto, do imposto da sua colocação no mercado, e do 
 valor do imposto da condenação. Não pode ser este o sentido do artigo 9.º do 
 RGJT que, assim interpretado, se mostra violado. Mas, se for, mostra-se, então, 
 inconstitucional perante os princípios já invocados, a cuja luz deve ser 
 interpretado. 
 A questão assim colocada traduz-se em apurar se a tributação de uma actividade 
 de introdução fraudulenta no consumo de bebidas alcoólicas, é legal e 
 constitucionalmente, pois que se estará a tributar urna actividade que está a 
 laborar de forma ilícita ou ilegítima, não tendo sido declarada nem os seus 
 proveitos. 
 Estabelece o artigo 9.º do RGIT que “o cumprimento da sanção aplicada não 
 exonera do pagamento da prestação tributária devida e acréscimos legais”. 
 Respigamos, de novo, as pertinentes considerações adiantadas pelo Ministério 
 Público na 1.ª instância: 
 
 “Este artigo tem como antecedentes os art.ºs 17.º do RJIFNA e 9.º do RJIFA e 
 trata-se de urna disposição que consagra explicitamente uma solução evidente, 
 pois sendo a responsabilidade por tributos distinta da responsabilidade criminal 
 ou contra-ordenacional, a extinção destas não poderia extinguir aquela” (Jorge 
 Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias 
 Anotado, 2001, pág. 95). 
 O mesmo estabelece o art.º 10.º da Lei Geral Tributária ao dizer que “a 
 tributação é valorativamente neutra, reportando-se unicamente às circunstâncias 
 do facto ou do acto. Não se levam em conta imperativos jurídicos ou éticos como 
 pressuposto ou medida da tributação. Esta assenta, pelo contrário, no simples 
 resultado económico dos negócios ou dos actos jurídicos, mesmos que estes sejam 
 ilícitos ou contra os bons costumes” (Diogo Leite Campos e Mónica Horta Neves 
 Leite de Campos, Direito Tributário, 2.ª Edição, pág. 183). 
 Idêntica tem sido a solução a nível do direito comparado, considerando, por 
 exemplo, em paralelo, a Lei Geral Tributária Alemã, que os comportamentos 
 ilícitos não devem ser beneficiados fiscalmente e como tal têm que ser 
 tributados. 
 Como no mesmo sentido tem sido a Jurisprudência do Tribunal da Comunidade 
 Europeia, assentando no PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE TRIBUTÁRIA – 6.ª Directiva 
 Comunitária em matéria de imposto sobre as transacções. 
 E também não colhe ao argumento dos recorrentes de que sempre a indemnização 
 civil consistente na prestação tributária em dívida não seria devida porque os 
 líquidos apreendidos não foram efectivamente introduzidos no mercado. 
 Olvidam, contudo, que são eles os sujeitos passivos do imposto. 
 Na verdade, quanto aos impostos especiais sobre o consumo, dispõe o artigo 3.º 
 do Decreto-Lei n.º 104/93, que “São sujeitos passivos do imposto, os 
 depositários autorizados, os operadores registados, os operadores não 
 registados, os representantes fiscais e os arrematantes em hasta pública (...) 
 No caso de produção, detenção ou introdução no consumo irregulares, são sujeitos 
 passivos do imposto, as pessoas que produzam ou detenham as bebidas alcoólicas” 
 
 (neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 17/06/2003, 
 acessível na base de dados da DGSI, em www.dgsi.pt). 
 A produção ou detenção gera, desde logo, a dívida de imposto, só assim não 
 acontecendo com aquelas empresas que beneficiam de um estatuto de entreposto 
 fiscal que lhes permite suspender o pagamento dos impostos até à sua introdução 
 efectiva no consumo, estatuto de que os arguidos não beneficiavam urna vez que 
 nem sequer tinham qualquer autorização da administração tributária, laborando 
 completamente à margem da lei. 
 A conclusão final da improcedência igualmente desta conclusão dos recorrentes.»
 Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, este não foi admitido por 
 despacho do Desembargador Relator de fl. 503 dos autos, confirmado por decisão 
 do Vice-Presidente daquele Supremo Tribunal de fl. 508 dos autos, que indeferiu 
 a reclamação apresentada pelos recorrentes.
 
 2.Inconformados com o decidido pela Relação do Porto, B. e A. interpuseram o 
 presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), “porquanto se consideram as normas constantes dos art.s 
 
 96.º 1 a) e b), 14.º 1 e 9.º do RGIT inconstitucionais por violarem o disposto 
 nos art.s 1.º, 2.º, 9.º, 13.º, 25.º, 27.º, 81.º a), c), d) e e) da CRP”, recurso 
 admitido por despacho de fl. 512 dos autos.
 Notificados para alegar, os recorrentes concluíram do seguinte modo as suas 
 alegações de recurso:
 
 «1.ª
 Os artºs. 96°.1 e 97°. do RGIT tipificam o crime de introdução fraudulenta no 
 consumo e introdução fraudulenta qualificada no consumo, enquanto o artigo  
 
 109°., do mesmo diploma, consagra ordenação de introdução irregular no consumo. 
 A matriz de ambas as formas consta do nº. 1 do artº. 96°., enquanto o artº. 96°. 
 determina os elementos qualificadores, que, assim, o agravam.
 
 2.ª
 O artigo 96°.1 viola o disposto no artº. 29°.1 da CRP, que consagra o princípio 
 da legalidade ou estrita taxatividade dos comportamentos penalmente 
 sancionáveis, porque utiliza conceitos vagos, ao ponto de, em alguns casos, como 
 na parte final desse n°.1, pressupor elementos indeterminados e indetermináveis. 
 
 
 
 3.ª
 O artº. 109°1. do RGIT qualifica as mesmas matérias dos artºs. 96°.1 e 97°. como 
 matéria contra‑ordenacional, de modo que, para que a matéria contraordenacional 
 passe para matéria criminal, basta que o valor aumente um cêntimo.
 Assim, nas hipóteses em que o tipo pressupõe prestações tributárias, se o valor 
 da prestação tributária for de 7 500€, ou menos, o agente pratica uma 
 contra-ordenação; se o valor da prestação for de 7500.01€, pratica um crime.
 Nas hipóteses em que está em causa o valor dos produtos, se este valor for de 
 
 25000€ ou menos, o agente pratica uma contra-ordenacão; se o valor for de 
 
 25000.01€ o agente pratica um crime.
 
 4.ª
 Pela contradição axiológica e lógica destas normas, em que a eticidade do 
 comportamento das pessoas se mede ao cêntimo da unidade da moeda em curso, esta 
 norma atenta contra o princípio supremo da dignidade da pessoa humana, e atenta 
 também contra os princípios de direito e de justiça, em forma absolutamente 
 desproporcionada. Por isso viola o disposto nos artºs. 1º. 2°. e 18°.2 da CRP.
 
 5.ª
 O disposto no artº. 14°1. concatenado com o disposto no artº. 9°., ambos do 
 RGIT, que permite a dupla condenação no pagamento do valor da prestação 
 tributária e acréscimos legais, e ainda, em conjugação com outras normas penais, 
 permite a condenação da perda em favor do Estado das mercadorias e outros bens 
 utilizados (máquinas, utensílios, viaturas), bem como a suspensão da pena de 
 prisão com a condição de ser pago (e perdido) tudo aquilo, com total desprezo 
 dos requisitos da lei penal, consagrados nos artºs. 50°. e 51º. e 40°.1 e 2 do 
 CP, é ilegal, porque viola estas normas, e inconstitucional porque viola o 
 disposto nos artºs. 1°., 2°., 29º.4, 13°.1 e 18°.2 da CRP.
 
 6.ª
 Aquela norma (artº. 14°1), é vassalagem do legislador à ideia que deifica o 
 Estado, relegando para segundo plano a dignidade suprema da pessoa humana, que 
 assim objectiva, dando mais força ao direito penal secundário em relação ao 
 direito penal primário ou de justiça, por intuitos estritamente economicistas, 
 assente na falsa crença, que assim se transforma em 'intentio' totalitária, de 
 que ao Estado tudo é permitido, porque o Estado tudo merece (provavelmente a bem 
 
 ... do Povo).
 Como a iniquidade é um desvalor em si, não é a natureza do ente que a pratica 
 que lhe transmuta o ser.
 Termos em que devem ser declaradas inconstitucionais as normas dos artºs. 96°., 
 
 97°. e 14°.1 do RGIT, com todas as consequências jurídicas daí decorrentes nas 
 decisões proferidas neste processo.»
 O Ministério Público contra‑alegou, concluindo o seguinte:
 
 «1.° – O tipo legal de crime definido na norma do artigo 96.°, n.º 1, alínea a), 
 do RGIT tem um grau suficiente de clareza e determinabilidade, susceptível de 
 orientar a actividade humana, de modo a prevenir a violação de bens jurídicos 
 penalmente tutelados, não ocorrendo qualquer violação do princípio da 
 tipicidade, enquanto expressão do princípio constitucional da legalidade.
 
 2.° – Não é inconstitucional a norma do artigo 14.°, n.º 1, do RGIT ao 
 condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento da prestação 
 tributária e legais acréscimos, em si mesma considerada, quer em conjugação com 
 a norma do artigo 9.° do mesmo diploma, quer perante a possibilidade legal de 
 ser determinada cumulativamente a perda de bens e de instrumentos do crime.
 
 3.° – Na ausência de violação de normas e princípios constitucionais, deverá 
 improceder o presente recurso.»
 Notificados para se pronunciarem, querendo, sobre a questão prévia suscitada 
 pelo Ministério Público, os recorrentes vieram dizer:
 
 «1.
 Sem que isto signifique adesão aos argumentos do Ilustre Magistrado do 
 Ministério Público, sempre se dirá que o Tribunal Constitucional não está 
 confinado à apreciação da inconstitucionalidade, ou até da ilegalidade, das 
 normas, nos termos alegados pelas partes.
 
 2.
 E mal seria, se fosse de outro modo, visto que os valores constitucionais, que 
 transcendem os valores consagrados no direito ordinário, ficassem na dependência 
 de meras questões processuais.»
 Inscrito o processo em tabela, e após mudança de relator, cumpre apreciar e 
 decidir.
 II. Fundamentos
 A) Delimitação do objecto do recurso
 
 3.Como salienta o Ministério Público, e não é infirmado pela resposta dos 
 recorrentes, o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento da 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 97.º do Regime Geral das Infracções 
 Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, mencionada nas 
 alegações do recurso de constitucionalidade. 
 Na verdade, essa norma não foi indicada pelos recorrentes no requerimento de 
 interposição de recurso. E é sabido que o objecto do recurso é delimitado por 
 aquele requerimento, conforme resulta do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 
 
 75.º-A da LTC (cf., entre muitos, os Acórdãos deste Tribunal n.os 641/99, 205/02 
 e 215/02, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). 
 Estamos, pois, perante uma ampliação, não permitida por lei, do objecto do 
 recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade, pelo que não se 
 conhecerá da questão a que se refere.
 O presente recurso de constitucionalidade tem, assim, por objecto, conforme os 
 recorrentes indicaram no respectivo requerimento de interposição, e após a 
 limitação na parte conclusiva das alegações, a apreciação da conformidade 
 constitucional de quatro normas distintas:
 
 1)        a norma do artigo 96.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, na parte em 
 que remete para “as formalidades legalmente exigidas”;
 
 2)        a norma do artigo 96.º, n.º 1, do RGIT, na parte em que estabelece 
 como condição da punição a circunstância de “o valor da prestação tributária em 
 falta [ser] superior a (euro) 7500”, originando os casos em que o valor é igual 
 ou inferior responsabilidade contraordenacional;
 
 3)        a norma do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, na parte em que condiciona a 
 suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelo arguido do imposto em 
 dívida e respectivos acréscimos legais;
 
 4)        a norma do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, conjugada com a do artigo 9.º 
 do mesmo diploma, na medida em que possibilita o cumprimento da sanção aplicada, 
 por um lado, e a condenação no pagamento do imposto em dívida e respectivos 
 acréscimos legais, por outro.
 B) Questões de constitucionalidade
 
 4.Dispõe aquele artigo 96.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT:
 
 «Artigo 96.º
 Introdução fraudulenta no consumo
 Quem, com intenção de se subtrair ao pagamento dos impostos especiais sobre o 
 
 álcool e as bebidas alcoólicas, produtos petrolíferos ou tabaco: 
 a) Introduzir no consumo produtos tributáveis sem o cumprimento das formalidades 
 legalmente exigidas; 
 b) Produzir, receber, armazenar, expedir, transportar, detiver ou consumir 
 produtos tributáveis, em regime suspensivo, sem o cumprimento das formalidades 
 legalmente exigidas; 
 
 […]
 
 é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias, se 
 o valor da prestação tributária em falta for superior a € 7500 ou, não havendo 
 lugar a prestação tributária, se os produtos objecto da infracção forem de valor 
 líquido de imposto superior a € 25000.»
 Esta norma, na parte em que, nas alíneas a) e b), remete para “as formalidades 
 legalmente exigidas”, não viola o princípio da legalidade tributária, consagrado 
 no artigo 103.º da Constituição, na dimensão que exige uma lei certa, isto é, 
 suficientemente determinada. O preceito apresenta um grau de determinabilidade 
 suficiente para respeitar as exigências do princípio da legalidade, pois refere 
 as obrigações exigidas por lei (obrigações fiscais, de pagamento de impostos 
 especiais sobre o consumo) para uma actividade específica devidamente 
 identificada (fornecimento e comércio de bebidas alcoólicas, de produtos 
 petrolíferos ou de tabaco). Logo pela norma incriminatória, e independentemente 
 do reenvio normativo – que se cinge às “formalidades legalmente exigidas” –, o 
 comportamento sancionado “é objectivamente determinável, tornando-se claro o 
 juízo de censura penal para os cidadãos que, deste modo, podem orientar a sua 
 conduta de acordo com esse juízo normativo (cfr. Direito Penal – Questões 
 Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime – Apontamentos e materiais de estudo da 
 cadeira de Direito Penal segundo as lições dos Profs. Figueiredo Dias e Costa 
 Andrade, pág. 172)”, como se afirmou, a propósito desta vertente do princípio da 
 legalidade, no acórdão n.º 545/2000 (publicado no Diário da República, II Série, 
 de 6 de Fevereiro de 2001, e disponível disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), em que estava igualmente em causa um reenvio 
 normativo na norma incriminatória.
 Como se ponderou no acórdão n.º 93/2001 (publicado no Diário da República, II 
 Série, de 5 de Junho de 2001, e igualmente disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt):
 
 «[...] se a norma deve ser formulada de modo ao seu conteúdo se poder impor 
 autónoma e suficientemente, permitindo um controlo objectivo na sua aplicação 
 individualizada e concreta (cfr., António Castanheira Neves, “O Princípio de 
 Legalidade Criminal. O seu problema jurídico e o seu critério dogmático”, in 
 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, Coimbra, 1984, pág. 
 
 334), nem sempre é possível alcançar uma total determinação – nem será, 
 porventura, desejável  –, bastando que o facto punível seja definido com 
 suficiente certeza: a própria natureza da linguagem impede uma determinação 
 integral, sendo certo que pode representar-se negativamente uma enumeração 
 demasiado casuística, a multiplicar a eventualidade das lacunas e a dificultar a 
 determinação do que é essencial em cada caso.
 A este respeito, escreveu um autor nunca ser o caso concreto um puro facto, “mas 
 uma unidade de sentidos socialmente relevante, mais ou menos complexa e 
 normalmente integrados por elementos culturais difíceis de definir”, de modo que 
 a descrição de previsão legal contém muitas vezes expressões que não se deixam 
 reduzir a conceitos precisos (cfr. José de Sousa e Brito, “A lei penal na 
 Constituição”, in Estudos sobre a Constituição, vol. 2.º, Lisboa, 1978, págs. 
 
 243/244).
 A necessidade de, na definição de crimes, se usar uma linguagem precisa e 
 delimitadora, com repúdio de preceitos abertos ou vagos, tem vindo a ser 
 jurisprudencialmente reconhecida, nomeadamente na matriz 
 jurídico-constitucional.
 Desde logo, a Comissão Constitucional reconheceu que o princípio do nullum 
 crimen sine lege seria inoperante se fosse dada ao legislador ordinário a 
 possibilidade de não determinar com um mínimo de rigor, através do tipo legal, o 
 facto voluntário a considerar punível, sem prejuízo de admitir a inviabilidade 
 de uma total determinação e a eventual contraprocedência de um demasiado 
 casuismo (assim, o Parecer nº 19/78, publicado in – Pareceres da Comissão 
 Constitucional, 6.º volume, Lisboa, 1979, pág. 89).
 Em linha consonante, o parecer n.º 32/80 (in Pareceres citados, 14º volume, 
 
 1983, pág. 60), após se interrogar sobre o grau admissível de indeterminação ou 
 flexibilidade normativa para os efeitos em causa, reconhece que uma relativa 
 indeterminação dos tipos legais de crime pode mostrar-se justificada, sem que 
 isso signifique violação dos princípios da legalidade e da tipicidade.
 De igual modo vem ponderando o Tribunal Constitucional, como são exemplo os 
 acórdãos n.ºs 147/99, 168/99 e 179/99, inédito o segundo, publicados os demais, 
 no Diário da República, II Série, de 5 e 9 de Julho de 1999, respectivamente.
 Retira-se dos lugares jurisprudenciais citados que, não sendo possível a 
 determinação absoluta – o que a Doutrina igualmente corrobora – é 
 constitucionalmente compatível um certo grau de indeterminação.
 No citado acórdão n.º 168/99 escreveu-se, a certo passo:
 
 “Averiguar da existência de uma violação do princípio da tipicidade, enquanto 
 expressão do princípio constitucional da legalidade, equivale a apreciar da 
 conformidade da norma penal aplicada com o grau de determinação exigível para 
 que ela possa cumprir a sua função específica, a de orientar condutas humanas, 
 prevenindo a lesão de relevantes bens jurídicos. Se a norma incriminadora se 
 revela incapaz de definir com suficiente clareza o que é ou não objecto de 
 punição, torna-se constitucionalmente ilegítima.”
 Reconhece-se a impossibilidade de uma pré-determinação integral, dada a dimensão 
 pragmática da linguagem jurídica, a intenção normativa das prescrições 
 jurídicas, a índole problemático-concreta do decisório juízo jurisdicional (A. 
 Castanheira Neves, loc. cit., pág. 377), para, no entanto, se concluir por se 
 pedir à norma penal, em síntese, “que obedeça a um grau de determinação 
 suficiente para não pôr em causa os fundamentos do princípio da legalidade”.
 Assim, pode a modelação do tipo não dispensar o recurso a técnicas 
 exemplificativas que nem por isso, necessariamente, se pode considerar afrontada 
 a exigência constitucional da lege certa que o princípio da tipicidade implica.
 Decerto, a valoração jurídico-criminal dos comportamentos há-de ser formulada de 
 maneira tanto quanto possível precisa, de modo a não restarem dúvidas quanto aos 
 valores protegidos e à clara definição dos elementos da infracção, como se 
 ponderou, por exemplo, nos citados acórdãos n.ºs 179/99 e 383/00 ainda inédito.
 
  Ponto é que haja um “completamento normativo” (Maria Fernanda Palma, Direito 
 Penal – Parte Especial – Crimes contra as Pessoas, sumários policopiados, 
 Lisboa, 1983, pág. 49), de modo a que o critério decisivo para aferir do 
 respeito pelo princípio da legalidade [...] residirá sempre em saber se, apesar 
 da indeterminação inevitável resultante da utilização desses elementos 
 
 (elementos normativos, conceitos indeterminados, cláusulas e fórmulas gerais], 
 do conjunto da regulamentação típica deriva ou não uma área e um fim de 
 protecção claramente determinados”, nas palavras de Jorge Figueiredo Dias 
 
 (Direito-Penal – Questões Fundamentais – A doutrina geral do crime, apontamentos 
 policopiados, 1996, pág. 173).»
 As considerações transcritas são aplicáveis ao presente caso. Com efeito, nem 
 sempre é possível uma determinação do tipo de tal modo acabada que se possa 
 libertar de conceitos indeterminados, ou de remissões para outras exigências 
 normativas, sendo certo que uma rigorosa enumeração casuística pode 
 apresentar-se insuficiente, dada a multiplicação de espaços lacunares que 
 inevitavelmente comportaria – acórdão n.º 338/2003, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 22 de Outubro de 2003, e disponível também em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
 5. Quanto ao artigo 96.º, n.º 1, do RGIT, na parte em que estabelece como 
 condição da punição a circunstância de “o valor da prestação tributária em falta 
 
 [ser] superior a (euro) 7500”, originando os casos em que o valor é igual ou 
 inferior responsabilidade contraordenacional, entende-se que ele não viola o 
 princípio da proporcionalidade. Antes tal limite de valor para a incriminação 
 decorre do próprio carácter fragmentário do direito penal. 
 Com efeito, o facto é ilícito independentemente do valor. No entanto, em face do 
 princípio da necessidade a que está sujeita a tutela penal, isto é, do mínimo de 
 intervenção e da natureza fragmentária do direito penal, é consagrado um limite 
 de natureza económica aquém do qual o legislador considera suficiente, em função 
 da relevância do facto aferida pelo valor em causa, uma tutela 
 contraordenacional. É, pois, ainda o próprio princípio da proporcionalidade que 
 fundamenta a solução impugnada.
 O Tribunal Constitucional tem reiteradamente reconhecido que a Constituição 
 acolhe, designadamente no seu artigo 18.º, n.º 2, os princípios da necessidade e 
 da proporcionalidade das penas, salientando, também, no entanto, que não cabe ao 
 Tribunal substituir-se ao legislador na determinação das opções políticas sobre 
 a necessidade ou a conveniência na criminalização de certos comportamentos.
 Tendo em conta os interesses jurídico-constitucionais que a norma visa proteger 
 
 – visando o sistema fiscal a satisfação das necessidades financeiras do Estado e 
 outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza 
 
 (artigo 103.º da Constituição) –, não é de considerar manifestamente arbitrário 
 ou desproporcionado sancionar a subtracção ao pagamento de impostos especiais 
 sobre o consumo como crime ou como contra-ordenação consoante o valor da 
 prestação tributária em falta.
 Na perspectiva do grau de desvalor relevante para a incriminação, é sustentável 
 que o legislador entenda que há um acréscimo de desvalor na medida em que o 
 montante do imposto em causa é mais significativo. É, deste modo, esse acréscimo 
 de desvalor que torna justificável o ponto de vista legal de uma incriminação a 
 partir de certo montante. Seriam, naturalmente, possíveis, escolhas de outros 
 valores monetários, diversos do adoptado. Todavia, a Constituição não impõe uma 
 
 única solução jurídica nesta matéria, e, como se disse, não cabe ao Tribunal 
 Constitucional substituir-se ao legislador na sua definição.
 
 6. Quanto à terceira norma impugnada, o Tribunal Constitucional teve já, por 
 diversas vezes, oportunidade de se pronunciar sobre ela, concluindo pela 
 inexistência de inconstitucionalidade no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, na parte 
 em que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelo 
 arguido do imposto em dívida e respectivos acréscimos legais. Fê-lo, 
 designadamente, nos acórdãos n.ºs 256/03, 335/03 e 500/05 (todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 No primeiro dos arestos citados, para cuja fundamentação, em boa parte, remetem 
 os demais, ponderou o Tribunal:
 
 «10.4. Comparando o artigo 11.º, n.º 7, do RJIFNA com o (posterior) artigo 14.º 
 do RGIT, verifica-se que ambos condicionam a suspensão da execução da pena de 
 prisão ao pagamento das quantias em dívida. 
 Não sendo pagas tais quantias, o primeiro preceito remetia (em parte) para o 
 regime do Código Penal relativo ao não cumprimento culposo das condições da 
 suspensão; já o segundo preceito – que englobou tal regime do Código Penal – é 
 mais dúbio, porque não faz referência à necessidade de culpa do condenado. 
 De qualquer modo, deve entender-se que a já referida aplicação subsidiária do 
 Código Penal, prevista no artigo 3.º, alínea a), do RGIT (cfr. os artigos 55.º e 
 
 56.º do referido Código), bem como a circunstância de só o incumprimento culposo 
 conduzir a um prognóstico desfavorável relativamente ao comportamento do 
 delinquente implicam a conclusão de que o artigo 14.º, n.º 2, do RGIT, quando se 
 refere à falta de pagamento das quantias, tem em vista a falta de pagamento 
 culposa (refira-se, a propósito, na sequência de Jorge de Figueiredo Dias, 
 Direito Penal Português/Parte Geral, II – As Consequências Jurídicas do Crime, 
 Aequitas, 1993, pp. 342-343, que pressuposto material de aplicação da suspensão 
 da execução da pena de prisão é a existência de um prognóstico favorável a esse 
 respeito). 
 
 [...]
 
 10.7. A questão que ora nos ocupa tem algumas afinidades com uma outra que já 
 foi discutida no Tribunal Constitucional.
 Assim, no acórdão n.º 440/87, de 4 de Novembro (publicado em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 10.º volume, 1987, p. 521), o Tribunal Constitucional 
 não julgou inconstitucional a norma do artigo 49.º, n.º 1, alínea a), do Código 
 Penal de 1982 (versão originária), na parte em que ela permite que a suspensão 
 da execução da pena seja subordinada à obrigação de o réu “pagar dentro de certo 
 prazo a indemnização devida ao lesado”. Nesse acórdão, depois de se ter 
 salientado que se deve considerar como princípio consagrado na Constituição a 
 proibição da chamada “prisão por dívidas”, entendeu-se, para o que aqui releva, 
 o seguinte:
 
 “(...) nos termos do artigo 50.º, alínea d), do actual Código Penal, o tribunal 
 pode revogar a suspensão da pena, «se durante o período da suspensão o condenado 
 deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres impostos na sentença», v.g., 
 o de «pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado» [artigo 49.º, 
 n.º 1, alínea a), primeira parte]. Nunca, porém, se poderá falar numa prisão em 
 resultado do não pagamento de uma dívida: – a causa primeira da prisão é a 
 prática de um «facto punível» (artigo 48.º do Código). Como se escreveu no 
 acórdão recorrido, «o que é vedado é a privação da liberdade pela única razão do 
 não cumprimento de uma obrigação contratual, o que é coisa diferente».
 Aliás, a revogação da suspensão da pena é apenas uma das faculdades concedidas 
 ao tribunal pelo citado artigo 50.º para o caso de, durante o período da 
 suspensão, o condenado deixar de cumprir, com culpa, qualquer dos deveres 
 impostos na sentença: – na verdade, «conforme os casos», pode o tribunal, em vez 
 de revogar a suspensão, «fazer-lhe [ao réu] uma solene advertência [alínea a)], 
 exigir-lhe garantias do cumprimento dos deveres impostos» [alínea b)] ou 
 
 «prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas 
 não por menos de um ano» [alínea c)].” 
 Por outro lado, no acórdão n.º 596/99, de 2 de Novembro (publicado no Diário da 
 República, II Série, n.º 44, de 22 de Fevereiro de 2000, p. 3600), o Tribunal 
 Constitucional não considerou inconstitucional, designadamente por violação do 
 artigo 27.º, n.º 1, da Constituição, a norma constante do artigo 51.º, n.º 1, 
 alínea a), do Código Penal, na parte em que permite ao juiz condicionar a 
 suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados 
 ao ofendido. Foram os seguintes os fundamentos dessa decisão:
 
 “(...) 8. A alegada inconstitucionalidade do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do 
 Código Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
 Dispõe o artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal que «a suspensão da 
 execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres 
 impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente pagar 
 dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a 
 indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução 
 idónea».
 Trata-se mais uma vez, no entender do recorrente, da previsão de uma situação de 
 
 «prisão por dívidas», proibida pela Constituição.
 Desde logo deve notar-se que tem inteira razão o Ministério Público quando 
 refere que, a proceder, a argumentação do recorrente acabaria por redundar em 
 seu próprio prejuízo, «na medida em que a considerar-se inconstitucional a norma 
 ora objecto de recurso, estaria afastada a possibilidade de suspensão da 
 execução da pena – que só se justifica pela ‘condição’ estabelecida naquele 
 preceito – restando-lhe o inexorável cumprimento da pena de prisão que a decisão 
 recorrida, em primeira linha, lhe impôs...».
 
 É, no entanto, manifestamente improcedente a alegação de que a norma que se 
 extrai do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, traduz uma violação do 
 princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de 
 não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e 
 
 à segurança (artigo 27.º, n.º 1 da Constituição).
 Na realidade, e mais uma vez, não se trata aqui da impossibilidade de 
 cumprimento como única razão da privação da liberdade, mas antes da consideração 
 de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite 
 realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se a ela – 
 suspensão da execução – se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, 
 traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização 
 devida (...).”
 Apesar da afinidade com a questão de que ora cumpre apreciar, nos arestos 
 citados não estava em causa o problema da conformidade constitucional (à luz dos 
 princípios da adequação e da proporcionalidade) da imposição de uma obrigação 
 que, no próprio momento em que é imposta, pode ser de cumprimento impossível 
 pelo condenado, mas um outro (que Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 353, 
 aliás, considerou absolutamente infundado), que era o de “saber se o 
 condicionamento da suspensão pelo pagamento da indemnização não configuraria, 
 quando aquele pagamento não viesse a ser feito, uma (inconstitucional) prisão 
 por dívidas”. 
 De qualquer modo, dos arestos citados extrai-se uma ideia importante para a 
 resolução da presente questão: é ela a de que não faz sentido analisá-la à luz 
 da proibição da prisão por dívidas. Na verdade, mesmo que se considere – e é 
 isso que importa determinar – desproporcionada a imposição da totalidade da 
 quantia em dívida como condição de suspensão da execução da pena, o certo é que 
 o motivo primário do cumprimento da pena de prisão não radica na falta de 
 pagamento de tal quantia, mas na prática de um facto punível.
 
 10.8. A questão em análise tem também algumas afinidades com a questão da 
 conformidade constitucional do estabelecimento dos limites da pena de multa em 
 função do valor da prestação em falta, analisada pelo Tribunal Constitucional a 
 propósito dos artigos 24.º, n.º 1, e 23.º, n.º 4, do RJIFNA (cfr., por exemplo, 
 os acórdãos n.ºs 548/01, de 7 de Dezembro, e 432/02, de 22 de Outubro, 
 respectivamente publicados no Diário da República, II Série, n.º 161, de 15 de 
 Julho de 2002, p. 12639, e n.º 302, de 31 de Dezembro de 2002, p. 21183).
 Neste último aresto, disse-se nomeadamente o seguinte:
 
 “(...) Por outro lado – e sendo certo que o legislador goza de ampla margem de 
 liberdade na fixação dos limites mínimo e máximo das molduras penais –, não se 
 afigura que o critério da vantagem patrimonial pretendida pelo agente, adoptado 
 na norma em apreço, se revele ofensivo dos princípios da necessidade, 
 proporcionalidade e adequação das penas. Contrariamente ao que sustenta o 
 recorrente, a adopção de um tal critério não significa que a pena aplicável ao 
 crime de fraude fiscal prossiga o fim da retaliação ou da expiação. É que a 
 conduta que lhe subjaz é tanto mais grave e socialmente mais lesiva quanto mais 
 elevado for o montante envolvido: como tal, é ainda a protecção de um bem 
 jurídico o que se visa e não a mera censura do agente. (...).”
 Desta passagem retira-se uma importante consideração para o problema que nos 
 ocupa.
 
 É ela a de que, podendo a realização dos fins do Estado – dependente do 
 cumprimento do dever de pagar impostos – justificar a adopção do critério da 
 vantagem patrimonial no estabelecimento dos limites da pena de multa, não há 
 qualquer motivo para censurar, como desproporcionada, a obrigação de pagamento 
 da quantia em dívida como condição da suspensão da execução da pena. As razões 
 que, relativamente à generalidade dos crimes, subjazem ao regime constante do 
 artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal [...] não têm necessariamente de assumir 
 preponderância nos crimes tributários: no caso destes crimes, a eficácia do 
 sistema fiscal pode perfeitamente justificar regime diverso, que exclua a 
 relevância das condições pessoais do condenado no momento da imposição da 
 obrigação de pagamento e atenda unicamente ao montante da quantia em dívida.
 
 [...]
 
 10.9. As normas em apreço não se afiguram, portanto, desproporcionadas, quando 
 apenas encaradas na perspectiva da automática correspondência entre o montante 
 da quantia em dívida e o montante a pagar como condição de suspensão da execução 
 da pena, atendendo à justificável primazia que, no caso dos crimes fiscais, 
 assume o interesse em arrecadar impostos.
 Cabe, todavia, questionar se não existirá desproporção quando, no momento da 
 imposição da obrigação, o julgador se apercebe de que o condenado muito 
 provavelmente não irá pagar o montante em dívida, por impossibilidade de o 
 fazer.
 Esta impossibilidade, que não chegou a ser declarada pelo tribunal recorrido – 
 pois que este analisou a questão em abstracto, sem averiguar se o ora recorrente 
 efectivamente estava impossibilitado de cumprir [...] –, não altera, todavia, a 
 conclusão a que se chegou.
 Em primeiro lugar, porque perante tal impossibilidade, a lei não exclui a 
 possibilidade de suspensão da execução da pena. 
 Dir-se-á que tal exclusão se encontra implícita na lei, atendendo a que não 
 seria razoável que a lei permitisse ao juiz condicionar a suspensão da execução 
 da pena de prisão ao cumprimento de um dever que ele próprio sabe ser de 
 cumprimento impossível.
 Todavia, tal objecção não procede, pois que traz implícita a ideia de que o juiz 
 necessariamente elabora um prognóstico quanto à possibilidade de cumprimento da 
 obrigação, no momento do decretamento da suspensão da execução da pena. Ora, 
 nada permite supor a existência de um tal prognóstico: sucede apenas que a lei – 
 bem ou mal, mas este aspecto é, para a questão de constitucionalidade que nos 
 ocupa, irrelevante –, verificadas as condições gerais de suspensão da execução 
 da pena (nas quais não se inclui a possibilidade de cumprimento da obrigação de 
 pagamento da quantia em dívida), permite o decretamento de tal suspensão. O 
 juízo do julgador quanto à possibilidade de pagar é, para tal efeito, 
 indiferente.
 Em segundo lugar, porque mesmo parecendo impossível o cumprimento no momento da 
 imposição da obrigação que condiciona a suspensão da execução da pena, pode 
 suceder que, mais tarde, se altere a fortuna do condenado e, como tal, seja 
 possível ao Estado arrecadar a totalidade da quantia em dívida.
 A imposição de uma obrigação de cumprimento muito difícil ou de aparência 
 impossível teria assim esta vantagem: a de dispensar a modificação do dever 
 
 (cfr. artigo 51.º, n.º 3, do Código Penal) no caso de alteração (para melhor) da 
 situação económica do condenado. E, neste caso, não se vislumbra qualquer razão 
 para o seu tratamento de favor, nem à luz do princípio da culpa, nem à luz dos 
 princípios da proporcionalidade e da adequação.
 Em terceiro lugar, e decisivamente, o não cumprimento não culposo da obrigação 
 não determina a revogação da suspensão da execução da pena. Como claramente 
 decorre do regime do Código Penal para o qual remetia o artigo 11.º, n.º 7, do 
 RJIFNA, bem como do n.º 2 do artigo 14.º do RGIT, a revogação é sempre uma 
 possibilidade; além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado (supra, 
 
 10.4.).
 Não colidem, assim, com os princípios constitucionais da culpa, adequação e 
 proporcionalidade, as normas contidas no artigo 11.º, n.º 7, do RJIFNA, e no 
 artigo 14.º do RGIT. [...]».
 Esta conclusão, e a fundamentação que a sustenta, além de aplicáveis ao caso que 
 ora nos ocupa, merecem concordância, pelo que, reiterando-a, conclui-se, uma vez 
 mais, pela inexistência de inconstitucionalidade do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, 
 no segmento em causa.
 
 7. Os recorrentes sustentam, por último, que da conjugação da norma do n.º 1 do 
 artigo 14.º do RGIT com a do artigo 9.º do mesmo diploma, que dispõe que “o 
 cumprimento da sanção aplicada não exonera do pagamento da prestação tributária 
 devida e legais acréscimos”, resulta “a dupla condenação no pagamento do valor 
 da prestação tributária e acréscimos legais”, interpretação que, segundo crêem, 
 
 é inconstitucional, por violação dos artigos 1.°, 2.°, 29.º, n.º 4, 13.°, n.º 1 
 e 18.°, n.º 2 da Constituição.
 A questão de constitucionalidade assim delineada parece referir ao próprio 
 princípio da justiça como padrão de constitucionalidade. A este respeito, 
 disse-se no acórdão n.º 363/2001 (publicado no Diário da República, II Série, de 
 
 13 de Outubro de 2001, e disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
 
 «[…]
 O Tribunal Constitucional tem reconhecido, em alguns casos, a justiça como 
 parâmetro de constitucionalidade (cf., entre outros, o Acórdão n.º 368/97 - 
 D.R., II Série, de 12 de Julho de 1997 -, onde o Tribunal Constitucional 
 considerou inconstitucional a norma que previa um horário de trabalho para as 
 guardas de passagem de nível sem limite).
 O Tribunal Constitucional chegou mesmo a afirmar que a justiça era parâmetro de 
 constitucionalidade, quando considerou que o direito à indemnização dos 
 trabalhadores no despedimento colectivo derivava de um princípio de justiça (cf. 
 Acórdão n.º 162/95 - D.R., I Série‑A, de 8 de Maio de 1995).
 O princípio da justiça, como parâmetro aferidor da conformidade constitucional 
 das normas jurídicas, pressupõe, porém, que esteja em causa uma solução 
 normativa absolutamente inaceitável (como sempre aconteceu nos casos apreciados 
 nos arestos citados), que afecte uma dada dimensão do núcleo fundamental dos 
 interesses essenciais da pessoa humana e que colida com os valores estruturantes 
 do ordenamento jurídico (…).»
 A questão de constitucionalidade ora em apreciação, tal como os recorrentes a 
 definem, funda-se no entendimento segundo o qual a solução impugnada 
 consubstancia uma afectação excessiva e desproporcionada dos seus direitos e 
 interesses, vedada pelos princípios resultantes dos preceitos constitucionais 
 que invocam.
 Tal, porém, não acontece. Como refere o Ministério Público, a norma do artigo 
 
 9.º limita-se tão-só a clarificar que o pagamento do imposto devido, por um 
 lado, e as sanções (principais e acessórias), por outro, constituem realidades 
 distintas, não sendo perceptível em que medida o estabelecimento de um regime 
 sancionatório em matéria de infracções tributárias, em paralelo com a manutenção 
 da obrigação de pagamento do imposto em dívida e respectivos acréscimos legais, 
 afecta de modo absolutamente intolerável qualquer direito ou interesse 
 fundamental dos recorrentes, para que se possa afirmar a violação de um 
 princípio de justiça com relevância constitucional. Não existe qualquer 
 obrigação constitucional de dispensar o agente do pagamento da dívida tributária 
 em relação com a qual se verificou a infracção, apenas pelo facto de ele ter 
 sido condenado pela prática desta.
 Há, pois, que negar provimento ao presente recurso.
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao 
 presente recurso e condenar os recorrentes em custas,  com 20    ( vinte )     
 unidades de conta de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 17 de  Janeiro  de 2007
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 
                                Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de 
 declaração de voto junta).
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Entendo que a norma do artigo 14º, nº 1, do Regime Geral das Infracções 
 Tributárias, na parte em que condiciona sempre a suspensão da execução da pena 
 de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, é 
 inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da necessidade e da 
 proporcionalidade da pena, consignados nos artigos 13º e 18º, nº 2, da 
 Constituição, pelas razões constantes da declaração de voto aposta no Acórdão nº 
 
 376/2003, que são globalmente aplicáveis nos presentes autos.
 
            Maria Fernanda Palma