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Processo n.º 172/08
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
 
 I.
 Relatório
 
  
 
 1.
 Os arguidos A.  e B. reclamaram para o Presidente do Supremo Tribunal de 
 Justiça, com expressa invocação do artigo 405º do Código de Processo Penal, 
 contra o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Dezembro de 2007, 
 que, “por não ser admissível por força do art. 400.º, n.º 1, f) do CPP”,  lhes 
 rejeitara o recurso interposto do acórdão proferido em 28 de Junho de 2007 na 
 Relação de Lisboa. Na reclamação, pediram que o aludido acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça fosse 'revogado' para que pudesse ser conhecido o recurso 
 por eles interposto do acórdão da Relação.
 Em 8 de Janeiro de 2008 o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu 
 não conhecer da reclamação, com fundamento no aludido artigo 405º do Código de 
 Processo Penal, em virtude de 'o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não 
 poder conhecer da reclamação de um acórdão do STJ, dado que a sua competência 
 para decidir reclamações prevista nos artigos acima referidos apenas se reporta 
 aos despachos de retenção ou de não admissão de recursos proferidos na instância 
 inferior'.
 Pretenderam, então, os arguidos recorrer deste despacho para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro, argumentando que o recurso tinha “como fundamento a violação 
 do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, questão que foi 
 suscitada na motivação de recurso interposto e admitido [para o] Supremo 
 Tribunal de Justiça, por violação do princípio da ampla defesa, manifesta 
 omissão de pronúncia e violação do princípio do duplo grau de jurisdição em 
 matéria penal, bem como na reclamação apresentada ao Acórdão proferido nos 
 presentes autos em 5 de Dezembro de 2007, o qual rejeitou a apreciação do mesmo 
 recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa”.
 Todavia, por despacho de 28 de Janeiro de 2008, o Vice-Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça não admitiu o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional por o seu objecto “se reportar à decisão e não a qualquer norma 
 em que a mesma decisão se tenha baseado”.
 
 É contra este despacho que os mesmos arguidos agora reclamam, nos termos do 
 artigo 76.º, n.ºs 4 e 5 da referida Lei de Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
 
  
 
  
 
 “ (…)
 I. Da irrecorribilidade das decisões judiciais
 
 1.º Recurso interposto pelos ora Reclamantes foi indeferido, com o seguinte 
 fundamento: «o recurso de inconstitucionalidade só pode incidir sobre normas e 
 não sobre decisões judiciais».
 
 2.º Ora, conforme se infere do despacho reclamado, o fundamento do indeferimento 
 do recurso interposto pelos Reclamantes consiste no facto de o Tribunal 
 recorrido considerar que só é admissível recurso quando são impugnadas normas e 
 não decisões judiciais. 
 
 3.º Ou seja, ainda que o não faça com clareza, considerou que apenas é 
 admissível o recurso de normas, e não das decisões dos tribunais que aplicam as 
 referidas normas, interpretando-as num sentido que o Recorrente considere violar 
 a constituição, como é o caso. 
 
 4.º Ora, resulta do artigo 280.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa: 
 
 
 
  
 
 «Artigo 280.º
 
 (Fiscalização concreta da constitucionalidade
 
  e da legalidade)
 
 1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais: 
 a) Que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade; 
 b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo. 
 
 2. Cabe igualmente recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos 
 tribunais: 
 
 (…)»
 
  
 
 5.º Nos termos do artigo 70.º, n.º 1 da Lei de Organização Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, 
 pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e 
 pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, «Cabe recurso para o Tribunal 
 Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma 
 cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo». 
 
 6.º Assim, com mediana clareza, o legislador instituiu um sistema de controlo da 
 constitucionalidade que visa, não apenas controlar normas, como também a 
 interpretação que os tribunais fazem dessas normas, nas respectivas decisões que 
 proferem. 
 
 7º Debalde, esta é até uma falsa questão, porquanto os ora reclamantes, no 
 requerimento de interposição de recurso sobre o qual recaiu o despacho reclamado 
 enunciaram expressamente a norma que consideraram que a referida decisão violou. 
 
 
 
 8.º E bem assim o sentido em que a referida decisão é contrária ao princípio do 
 duplo grau de decisão, constitucionalmente consagrado. 
 
 9.º Arrepiando, desde logo, o caminho da fundamentação do recurso interposto. 
 
 10.º Cumprindo, portanto, os requisitos plasmados no artigo 75.º-A, n.º 2 da Lei 
 de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional: o 
 requerimento de interposição do recurso deve indicar — e indica, no caso sub 
 judicio — a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é 
 interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o 
 Tribunal aprecie, a realidade é que até esse ónus o Recorrente cumpriu, 
 suficientemente;
 
 11.º Bem como, sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 
 do artigo 70.º, a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se 
 considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a 
 questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade, conforme resulta, ipsis 
 literis, do artigo 75.º-A, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional. 
 
 12.º Razão pela qual, não são estranhas ao Tribunal recorrido quais as normas e 
 princípios constitucionais que os Recorrentes consideram ofendidos — e, 
 evidentemente, o recurso de inconstitucionalidade há-de ser interposto, como 
 foi, com fundamento na aplicação ou interpretação, pela decisão recorrida, de 
 outra norma ordinária, em violação de uma outra norma ou princípio 
 constitucionais. 
 
 13.º Não assiste pois razão ao venerando conselheiro relator, data vénia, quando 
 afirma, na decisão ora reclamada, que «O recurso de inconstitucionalidade só 
 pode incidir sobre normas e não sobre decisões judiciais». 
 
 14.º Os tribunais obedecem à Constituição e à lei. Vale dizer: Os Tribunais, nas 
 pronúncias que emitem, obedecem, primeiro, à Constituição; Depois, à lei. 
 
 15.º Conforme resulta do artigo 76.º, n.º 2 da Lei de Organização, Funcionamento 
 e Processo do Tribunal Constitucional, «o requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando não satisfaça 
 os requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento previsto no seu n.º 5, 
 quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido interposto fora do 
 prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos 
 previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, quando forem 
 manifestamente infundados». 
 
 16.º Razão pela qual, nos termos do n.º 5 do artigo 75.º-A, da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, «se o 
 requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos 
 previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa 
 indicação no prazo de 10 dias». 
 
 17.º Assim, ainda que o Venerando Conselheiro Relator — sem conceder — 
 considerasse que o requerimento de interposição de Recurso omitia algum dos 
 elementos essenciais a que se refere o artigo 75.º-A, sempre estaria vinculado, 
 nos termos do n.º 5, a convidar o recorrente a suprir quaisquer irregularidades, 
 de que no seu douto entender aquele sofresse, 
 
 18.º Só se o Recorrente não responder ao convite efectuado pelo relator no 
 Tribunal Constitucional poderia o Venerando Tribunal recorrido julgar o recurso 
 deserto, 
 
 19.º Não podendo, sem mais, indeferir o recurso interposto, com fundamento no 
 incumprimento dos referidos requisitos formais. 
 
 20.º E foi o que fez, salvo melhor opinião. 
 
  
 II. Da irrecorribilidade por razões formais
 
 21.º Sem embargo, o recurso foi indeferido, aparentemente — porquanto o tribunal 
 recorrido nem sequer indicou ser esse o fundamento da rejeição — por «face ao 
 disposto no n.º 2 do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional, o recurso previsto nas alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º daquele diploma, só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a 
 questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente 
 adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este 
 estar obrigado a dela conhecer». 
 
 22.º Ora, data vénia, e salvo o devido respeito por opinião diferente da nossa, 
 o Tribunal recorrido, uma vez mais, engana-se. 
 
 23.º É que, os Recorrentes consideram que o Tribunal recorrido está obrigado a 
 conhecer do recurso que lhe foi dirigido, 
 
 24.º Recurso esse, aliás, interposto perante o Tribunal da Relação, que também o 
 julgou admissível e admitiu, ordenando a sua subida ao Supremo Tribunal de 
 Justiça. 
 
 25.º Acresce que, considerando o Supremo Tribunal de Justiça, em reclamação 
 deduzida sobre o Acórdão que decidiu sobre a inadmissibilidade do recurso 
 recebido, que também essa reclamação é inadmissível, os Recorrentes ficam num 
 circunstancialismo ou situação processual sui generis: 
 
 26.º Ficam impedidos de controlar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que 
 recusou conhecer dum recurso tempestivamente interposto, alegado e admitido. 
 
 27.º Ou seja: aparentemente, o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando que 
 não há recurso possível, de uma (não) decisão que ignorou e não apreciou os 
 fundamentos do recurso interposto de uma decisão da primeira instância que os 
 Recorrentes consideraram violadora dos mais elementares direitos da pessoa 
 humana. Nem sequer, no Tribunal Constitucional... 
 
 28.º Circunstancialismo esse, muito pouco compaginável com qualquer 
 interpretação que se possa fazer do direito a ver reconhecida uma situação de 
 nulidade de uma decisão, por recusa em conhecer de uma pretensão a que o 
 Tribunal estaria obrigado a conhecer — consideram os Recorrentes, 
 
 29.º E que, por si mesmo, consubstancia uma inconstitucionalidade digna de 
 realce: a proibição da aplicação de normas inconstitucionais e a consequente 
 preterição do direito ao recurso para o Tribunal Constitucional, consagrada no 
 artigo 204.º e 280.º da Constituição da República Portuguesa. 
 
 30.º Diga-se desde já, o que se expõe infra é totalmente inverosimilhante no que 
 respeita à apreciação da presente reclamação. 
 
 31.º A reclamação não é um recurso, e os ora Reclamantes não o desconhecem. 
 Sem embargo, há que alertar para o seguinte: 
 
 32.º O direito ao recurso em processo penal permite a apreciação por parte de um 
 tribunal superior dos motivos (de facto ou de direito) que sustentam a posição 
 jurídica do arguido e a sua argumentação, reduzindo o risco de um eventual erro 
 de julgamento e oferecendo “uma garantia de melhor qualidade potencial da 
 decisão obtida na nova sede”, 
 
 33º Não resultando já da nossa Lei Fundamental — em conformidade, aliás, com o 
 disposto no artigo 2.º do protocolo adicional n.º 7 à Convenção para a Protecção 
 dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação, 
 pela Resolução da Assembleia da República n.º 22/90, de 27 de Setembro, e 
 ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/90, da mesma data) — a 
 necessidade de, em todo o caso, haver obrigatoriamente lugar a um “triplo grau 
 de jurisdição”, que conduzisse ao Supremo Tribunal de Justiça todos os processos 
 da jurisdição penal, (cf., quanto ao direito de recurso e à garantia do duplo 
 grau de jurisdição, no período anterior à Revisão de 1997, Carlos Lopes do Rego, 
 Acesso ao direito e aos tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, Lisboa, 1993, pp. 42 e ss., esp. 74 e ss.). 
 
 34.º O Tribunal Constitucional, apreciando os fundamentos materiais da imposição 
 jusfundamental do direito ao recurso em processo penal, tem unanimemente 
 reconhecido que tais fundamentos entroncam, directa e imediatamente, na garantia 
 do duplo grau de jurisdição penal, o qual se satisfaz com a garantia de um único 
 recurso. Pois, conforme se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º49/03 
 
 «estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para 
 limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição (...). Tais fundamentos 
 são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de 
 Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e a circunstância de os crimes em 
 causa terem uma gravidade não acentuada. Esta segunda justificação, aliás, 
 explica a diferença entre as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.ºdo Código 
 de Processo Penal; com efeito, se ao crime for aplicável pena de prisão “não 
 superior a oito anos” (...), só não cabe recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se este confirmar 
 
 “decisão de 1.ª instância”). 
 
 35º Foi, aliás, tal teleologia que, como se explicita no Acórdão n.º 189/01 do 
 Tribunal Constitucional, norteou a alteração efectuada pela Lei n.º 59/98, de 25 
 de Agosto, ao artigo 400.º do Código de Processo Penal (como resulta da proposta 
 de revisão do processo penal – Lei n.º157/VII, Diário da Assembleia da 
 República, I.ª Série-A, n.º27, de 28 de Janeiro de 1998), no sentido de obter 
 melhorias nos objectivos de eficácia e economia processual. 
 
 36.º Sem embargo, os Recorrentes suscitaram questão bem distinta, nas alegações 
 do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça: suscitaram a questão 
 da nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por omissão 
 de pronúncia, e desta forma, a preterição daquele duplo grau de decisão. 
 
 37.º Aliás, este acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa é sem 
 qualquer margem de dúvida completamente nulo, consubstanciando uma verdadeira 
 aberração jurídica face aos princípios constitucionais aplicáveis. Neste 
 sentido, Acórdão do STJ, de 29.11.2006, Proc. n.º 06P3656, in www.dgsi.pt: 
 
  
 
 «I- A apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do 
 art. 412.º, n.º 3, do CPP, exige que a instância de recurso aborde 
 especificadamente cada um dos pontos de facto impugnados e das provas indicadas 
 pelo recorrente, para concluir pela manutenção ou alteração do decidido. 
 
 [...]
 
 «IV - Não apreciando o recurso da matéria de facto, nem formulando aquele 
 convite ao aperfeiçoamento, o acórdão da Relação mostra-se ferido de nulidade, 
 por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.» 
 
  
 
 38.º A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa é aliás contrária à 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional, que teve já oportunidade de se 
 pronunciar no sentido de «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, 
 n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 
 
 412.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, quando interpretada no 
 sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso do 
 arguido, de forma clara, das provas que impunham decisão diversa da recorrida, 
 tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a 
 improcedência do recurso nessa parte, sem que ao arguido seja facultada 
 oportunidade de suprir tal deficiência;». 
 
 39.º O Recurso interposto para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça não visou 
 a reapreciação da matéria de facto, ao abrigo de qualquer “duplo grau de 
 recurso”, inexistente no nosso sistema jurídico. 
 
 40.º As questões suscitadas no presente recurso, de acordo com as conclusões 
 formuladas que delimitam o respectivo âmbito, são as seguintes: 
 a. Violação do Princípio da presunção de inocência, decorrente dos atropelos, 
 grave perturbação da isenção e da imparcialidade da MM.ª Juiz, que ocorreram em 
 sede de audiência e julgamento, no qual «os Recorrentes estavam condenados antes 
 de iniciado o julgamento» (Nas palavras do anterior mandatário, cfr. conclusões 
 nº 1 a 4.º) 
 b. Nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronuncia, cfr. conclusões nº 
 
 5º a 17º;
 c. Manifesto erro de julgamento, de interpretação e de subsunção, do art. 227.º 
 do Código Penal, cfr. conclusões n.º 18º a 29º; 
 d. Prescrição do procedimento criminal e consequente violação dos artigos 2.º, 
 nº 4, 118º nº 1 c) do Código Penal e o artigo 368º nº 1 do Código de Processo 
 Penal, cf. conclusões nº 30.º a 32º; 
 e. Ilegalidade da condição de suspensão da execução da pena de prisão, 
 consubstanciada no dever de efectuar o pagamento à massa falida, no período de 
 um ano, da quantia de € 150.000,00, cf. conclusões nº 33º a 42º; 
 
 41.ºA execução da pena de prisão aplicada aos arguidos foi suspensa, suspensão 
 subordinada ao pagamento, à massa falida, da quantia de € 150.000,00. Não se 
 trata, em rigor, de uma indemnização (porquanto a mesma não foi pedida, nos 
 termos do art. 78º do Código das Sociedades Comerciais), determinando, embora, a 
 aplicação subsidiária das regras respeitantes ao pedido de indemnização cível 
 
 (porquanto, na realidade, é de uma verdadeira indemnização que se trata, embora 
 ao arrepio de todas e quaisquer regras aplicáveis) e, desta forma, da regra 
 plasmada no artigo 400.º, n.º 2, do C.P.C., assim se legitimando, sempre, que 
 seja revogado o acórdão recorrido e ordenada ou efectivada a reexame da decisão 
 de primeira instância (em primeiro efectivo apreciação dos fundamentos ali 
 deduzidos pelos Recorrentes). 
 
 42.º A imparcialidade e seriedade do “julgamento” podem resumir-se em várias 
 afirmações, proferidas pela MM.ª Juiz presidente, que questionando o Recorrente 
 A. sobre o desaparecimento de documentos contabilísticos da falida, afirmou: 
 
 “não, não desapareceram, eles é que não encontraram porque não procuraram bem”. 
 E, referindo-se à Reclamante, inquiriu; “À pala de quê é que a Dora se tornou 
 gerente (...)“ e ainda: “pois, o seu pai já morreu quem falece é que fica sempre 
 com as culpas”. 
 
 43.º Porém, o Tribunal recorrido reconduziu tais expressões, perturbações e 
 juízos de culpabilidade, quando muito, a meras irregularidades do julgamento, 
 invocáveis de imediato nos termos do artigo 120.º, n.º 1 e 3 e 123.º do CPP, sob 
 pena de se terem por sanadas. 
 
 44.º Debalde, o grau desta invalidade é determinado pela natureza das normas 
 violadas, e se estas forem direitos e garantias fundamentais (designadamente, as 
 garantias de imparcialidade do processo criminal, a que refere o artigo 32.º da 
 Constituição) não restam dúvidas de que esta corresponde a nulidade, que opera 
 ex tunc e que pode e deve ser conhecida oficiosamente. 
 
 45.º Assim, o Acórdão recorrido é manifestamente nulo — e não anulável! — razão 
 pela qual se impõe que como tal seja declarado: sem nenhuns efeitos. 
 
 46.º Os recorrentes não criticam que o sistema de recurso vigente não consinta o 
 exercício de um terceiro grau de jurisdição sobre a matéria de facto, sendo 
 inquestionável que o princípio constitucional das garantias de defesa não dá a 
 mínima cobertura a tal pretensão; 
 
 47.º Sem embargo, se a Constituição não impõe ao legislador a obrigação de 
 consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz — e tendo 
 presente que o direito a um duplo grau de jurisdição fundeia, em processo penal, 
 na exigência constitucional das garantias de defesa — tem de aceitar-se de igual 
 forma que ao legislador penal está vedado fixar de forma discricionária, 
 restrita ou taxativa, um limite acima do qual não seja admissível um terceiro 
 grau de jurisdição: ponto é que, com tal limitação, se não atinja o núcleo 
 essencial das garantias de defesa do arguido. 
 
 48.º Aqui se encontra o limite da liberdade de conformação do legislador na 
 limitação dos graus de recurso. No caso, o fundamento da limitação — não ver a 
 instância superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de 
 casos de pequena ou média gravidade, cede perante a garantia de efectiva 
 reapreciação da questão sub judicio. 
 
 49.º O conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito 
 a ver o processo examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a 
 novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior, o que 
 implica por premissa lógica que esta, efectivamente, tenha procedido ao referido 
 reexame. 
 
 50.º E, neste enquadramento, nunca se poderá dizer que se verifica uma situação 
 de dupla conforme: quando o Acórdão proferido em sede de recurso, seja nulo por 
 omissão de pronúncia, não satisfaz o imperativo constitucional a que alude o 
 artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. A decisão nula, por 
 omissão de pronúncia, não aprecia a questão suscitada pelo Recorrente, daí que 
 não se possa falar, com propriedade, em confirmação da decisão recorrida. 
 
 51.º Esse mesmo parece ser o sentido a retirar do artigo 410.º, n.º 3 no qual 
 não se encontra qualquer referência à limitação do conhecimento, pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça, relativamente às nulidades do Acórdão recorrido que não 
 devam considerar-se sanadas. 
 
 52.º Diferente conclusão, determinaria que o Tribunal de Recurso poderia cometer 
 todo e qualquer atropelo às regras consagradas nos art.º s 374.º e 376º, do CPC, 
 grave violação dos princípios da proporcionalidade, atento o fundamento da 
 negação da apreciação na teleologia intrinsecamente plasmada no artigo 410.º do 
 Código de Processo Penal, porquanto teria como efeito, a ab-rogação do princípio 
 do duplo grau de decisão relativamente a tais hipóteses específicas de omissão 
 de pronúncia, chocando à consciência jurídica minimamente esclarecida. 
 
 53.º O caso dos autos apenas aparentemente foi apreciado em duas instâncias. 
 Quando o acórdão do tribunal da Relação, proferido em sede de recurso de 
 sentença condenatória, não aprecie as questões suscitadas naquele recurso, não 
 existe reapreciação dos pressupostos da condenação. E quando a decisão da 
 primeira instância foi proferida num kafkiano circunstancialismo de assumida e 
 absoluta falta de isenção, estaremos perto da verdade ao afirmar que não houve 
 julgamento (…)”.
 
  
 
  
 
  
 
 2.
 O representante do Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
  
 A presente reclamação carece  manifestamente de fundamento.
 Na verdade – e para além de os reclamantes não terem delineado, em termos 
 inteligíveis, inclusivamente no âmbito da presente reclamação, qualquer questão 
 de inconstitucionalidade normativa – não têm na devida conta que o despacho 
 recorrido apenas fez aplicação da norma constante do art. 405º do CPP, 
 interpretado em termos de a reclamação, aí prevista, não comportar a atribuição 
 de competência ao Presidente do STJ para sindicar um acórdão proferido por esse 
 mesmo Tribunal.
 
  
 
  
 Os reclamantes foram notificados, mas nada acrescentaram.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II.
 Fundamentação
 
  
 
 3.
 
 É manifesta a sem razão dos reclamantes.
 Com efeito, a decisão de que pretendem recorrer para o Tribunal Constitucional é 
 o despacho de 8 de Janeiro do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, 
 que, com fundamento no artigo 405.º do Código de Processo Penal – interpretado 
 no sentido de a reclamação, aí prevista, não comportar a atribuição de 
 competência para sindicar um acórdão proferido por esse mesmo Tribunal –, 
 decidiu não conhecer da reclamação na qual os arguidos pediam a revogação de 
 acórdão anteriormente proferido no Supremo Tribunal de Justiça. 
 Acontece que no recurso que os reclamantes pretendem interpor, conforme resulta 
 do requerimento de interposição, não concretizam qualquer acusação de 
 desconformidade constitucional de natureza normativa, designadamente quanto à 
 aludida norma que constitui o fundamento da decisão, a do artigo 405.º do Código 
 de Processo Penal; ora, esta circunstância é suficiente para impedir a admissão 
 do recurso, pois revela que não ocorre um pressuposto essencial quanto ao seu 
 objecto.
 Acresce que, dos termos em que se acha formulado o requerimento de interposição 
 
 – e melhor resulta, até, do teor da presente reclamação –, os arguidos 
 pretendiam, através do recurso, impugnar uma outra decisão tomada no processo, 
 designadamente a que determinou o não conhecimento do recurso interposto do 
 acórdão da Relação de Lisboa.
 Em suma: para além de não levantarem qualquer questão de inconstitucionalidade, 
 de natureza normativa, quanto ao fundamento jurídico do despacho recorrido, os 
 reclamantes visam, por esta via, sindicar uma determinação jurisdicional que o 
 referido despacho manifestamente não contém.
 Torna-se, por isso, desnecessário responder aos argumentos que os reclamantes 
 apresentam numa errada perspectiva quanto ao âmbito do recurso cuja inadmissão 
 ora é reclamada, pois a verdade é que, conforme se detectou no despacho do 
 Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, essa pretensão enferma de 
 deficiência substantiva irremediável – insusceptível de regularização –, por se 
 não centrar no único objecto legalmente permitido, que é a acusação de 
 inconstitucionalidade da norma aplicada, como ratio decidendi, na decisão 
 recorrida – citada alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
 
  
 III.      
 Decisão
 Em face do exposto, indefere-se a reclamação apresentada. Custas pelos 
 recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 10 de Abril de 2008
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão