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Processo n.º 187/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
           Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                           1. A., SA, apresentou reclamação para a conferência, 
 ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 14 de Março de 2007, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não tomar 
 conhecimento do recurso.
 
  
 
                            1.1. A decisão sumária reclamada tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
          “1. A., SA, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 das alíneas b) e f) (com referência à alínea c)) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão da Secção de 
 Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 12 de Julho 
 de 2006, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo 
 Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais contra o acórdão da Secção de 
 Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), de 1 
 de Fevereiro de 2005, revogou este acórdão e julgou improcedente a acção 
 administrativa especial que a ora recorrente havia instaurado contra o despacho 
 daquela entidade que indeferira pedido de dedução de prejuízos fiscais.
 
          No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, refere a recorrente que visa a fiscalização concreta da 
 constitucionalidade e da legalidade:
 
  
 
          «1 – Do artigo 69.º, n.º 7, do Código do Imposto sobre o Rendimento 
 das Pessoas Colectivas (Código do IRC), na redacção do Decreto‑Lei n.º 221/2001, 
 de 7 de Agosto, e do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 32‑B/2002, de 30 de 
 Dezembro, em vigor à data dos factos do processo (que será a redacção do dito 
 artigo 69.º do Código do IRC a considerar neste requerimento, salvo indicação 
 expressa em contrário), interpretado no sentido de que uma decisão 
 administrativa proferida mas não notificada ao requerente é susceptível de 
 impedir a formação de acto tácito de deferimento, por violação dos artigos 
 
 268.º, n.º 1 (princípio da transparência resultante da garantia constitucional 
 de informação dos particulares acerca dos procedimentos que lhes digam respeito) 
 e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, 66.º do Código do 
 Procedimento Administrativo e 36.º do Código de Procedimento e de Processo 
 Tributário.
 Esta questão foi suscitada na petição inicial e na réplica apresentada pela ora 
 recorrente no Tribunal Central Administrativo.
 
 2 – Do artigo 11.º‑A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quando interpretado no 
 sentido da sua aplicabilidade a um pedido formulado ao abrigo do artigo 69.º, 
 n.ºs 2 e 7, do Código do IRC em data anterior à sua entrada em vigor, por 
 violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, artigo 103.º, n.º 3, 
 da Constituição da República Portuguesa, do artigo 12.º, n.º 2, do Código 
 Civil, 12.º, n.ºs 1 e 3, da Lei Geral Tributária e do artigo 11.º do Estatuto 
 dos Benefícios Fiscais.
 Esta questão foi suscitada na petição inicial, na réplica apresentada pela ora 
 recorrente no Tribunal Central Administrativo, nas contra‑alegações produzidas 
 no Supremo Tribunal Administrativo e no requerimento de nulidade de fls. ... 
 
 (aplicando‑se a este respeito as considerações explanadas. em 4 supra [sic]).
 
 3 – Do artigo 69.º, n.º 7, do Código do IRC, interpretado no sentido de ser 
 exigível certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social para se iniciar 
 a contagem do prazo de deferimento tácito aí estabelecido por efeito de norma 
 impeditiva – artigo 11.º‑A do Estatuto dos Benefícios Fiscais – posterior ao 
 pedido do benefício fiscal e num contexto em que a entidade decisora (i) tenha 
 pedido outros elementos à aí requerente em momento anterior do mesmo 
 procedimento administrativo sem todavia pedir tal certidão (apesar de a então 
 requerente ter cumprido a Circular n.º 6/2002 in totum); (ii) disponha já dessa 
 mesmíssima certidão no âmbito da concessão de outro benefício fiscal requerido 
 ao mesmo Ministro das Finanças e apresentado na mesma Direcção de Serviços de 
 Benefícios Fiscais; e (iii) para a mesma operação económica, tudo por violação 
 do princípio da imparcialidade e boa fé estabelecidos no artigo 266.º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa, 6.º do Código do Procedimento 
 Administrativo e 9.º da Lei Geral Tributária.
 Esta questão foi suscitada na petição inicial, na réplica apresentada pela ora 
 recorrente no Tribunal Central Administrativo e no requerimento de nulidade de 
 fls. ... (aplicando‑se a este respeito as considerações explanadas. em 4 supra 
 
 [sic]).
 
 4 – Do artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC quando interpretado no sentido de 
 estabelecer conceitos indeterminados (mormente razões económicas válidas ou se a 
 fusão se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento 
 empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura 
 produtiva) concedentes de discricionariedade técnica insindicável pelos 
 tribunais administrativos, por violação do princípio constitucional da 
 legalidade e o limite a que ela está sujeita na prossecução do interesse público 
 
 (artigo 266.º da Lei Fundamental), do direito jusfundamental à tutela 
 jurisdicional plena e efectiva contra actos lesivos estabelecida no artigo 
 
 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 3.º e 95.º 
 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 
 
 15/2002, de 22 de Fevereiro, no âmbito de uma acção administrativa especial 
 instaurada com o expresso pedido de condenação à prática do acto devido.
 Esta questão decorre da petição inicial e das alegações no Tribunal Central 
 Administrativo (na justa medida em que expressamente se alega e pugna pela 
 sindicabilidade) e foi suscitada no requerimento de nulidade de fls. ….
 Em todo o caso, atendendo à natureza inesperada e insólita da interpretação 
 normativa efectuada pelo Acórdão do STA, a A. deve considerar‑se dispensada do 
 
 ónus estabelecido na parte final do n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, na 
 esteira aliás da douta Jurisprudência deste Venerando Tribunal plasmada, entre 
 outros, no Acórdão n.º 669/2005, de 6 de Dezembro de 2005, da 2.ª Secção 
 
 (Processo n.º 818/2005).
 Tanto mais que o despacho administrativo em crise no processo principal foi 
 sindicado em profundidade pelo Tribunal Central Administrativo Sul e que a 
 interpretação da insindicabiliciade de conceitos 
 indeterminados/discricionariedade técnica é contraditória com jurisprudência 
 do STA e deste douto Tribunal (v., pela sua qualidade, Acórdão n.º 269/2000, 1.ª 
 Secção, Processo n.º 598/99, em que foi Relator S. Ex.a o actual Presidente do 
 Tribunal Constitucional).»
 
  
 
          O recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator do STA, 
 decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (n.º 3 do 
 artigo 76.º da LTC), e, de facto, entende‑se que o presente recurso é 
 inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não 
 conhecimento do objecto do recurso, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
          2. A recorrente interpôs o presente recurso ao abrigo das alíneas b) e 
 f) (com referência à alínea c)) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
          Diga‑se, desde já, que não tem cabimento a invocação da alínea f), com 
 referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º, já que a recorrente não 
 suscitou perante o tribunal recorrido a questão de não dever ser aplicada 
 determinada norma por padecer de ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado, nem sequer, aliás, menciona qualquer ilegalidade deste tipo no 
 próprio requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
 
          Na verdade, para além das leis de autorização legislativa, das leis de 
 bases gerais, das leis orgânicas e das leis que careçam de aprovação por 
 maioria de dois terços, só podem ser consideradas leis com valor reforçado 
 aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário 
 de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas (n.ºs 2 e 3 do artigo 
 
 112.º da Constituição da República – CRP), o que não é manifestamente o caso do 
 Código do Procedimento Administrativo, do Código de Procedimento e de Processo 
 Tributário, do Código Civil, da Lei Geral Tributária, do Estatuto dos Benefícios 
 Fiscais ou do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, diplomas a que 
 pertencem disposições que, segundo a recorrente refere no requerimento de 
 interposição do recurso, teriam sido violadas, a par de normas constitucionais, 
 pelas interpretações normativas que teriam sido efectuadas pela decisão 
 recorrida.
 
          Para além de que, por razões similares às que a seguir serão 
 desenvolvidas a propósito do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.º da LTC, não se pode considerar que a recorrente haja suscitado, 
 de modo processualmente adequado, perante o tribunal recorrido, antes de 
 proferida a decisão impugnada, a questão da ilegalidade por violação de lei com 
 valor reforçado das interpretações normativas que no requerimento de 
 interposição de recurso se imputam a essa decisão.
 
          Não se conhecerá, pois, do recurso interposto ao abrigo da alínea f), 
 com referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
  
 
          3. Quanto ao recurso interposto com base na alínea b) do mesmo 
 preceito, importa começar por recordar que, no sistema português de 
 fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal 
 Constitucional cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou 
 seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas 
 
 (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com 
 clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa 
 inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas 
 directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção 
 entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação 
 normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em 
 que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um 
 critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com 
 carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras 
 situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios 
 normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
 
          Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão 
 de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a 
 decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, 
 por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota 
 com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo 
 excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade 
 processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a 
 decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que 
 suscitasse então a questão de constitucionalidade.
 
          Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que 
 o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de 
 constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter 
 proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em 
 princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido 
 que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua 
 aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar 
 a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma 
 inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão 
 judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz 
 quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos 
 factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem 
 necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por 
 maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de 
 constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de 
 interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
 
          Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade 
 constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa 
 interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o 
 uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou 
 similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que 
 
 (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de 
 inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte 
 dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido 
 
 (essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso 
 de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua 
 decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição.»
 
  
 
          4. Dos critérios expostos resulta, desde logo, que não relevam para o 
 apuramento da verificação do requisito da suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida 
 
 (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) eventuais arguições de inconstitucionalidade 
 apresentadas perante outras instâncias, designadamente instâncias inferiores, 
 em anteriores fases processuais. Não há, assim, que atender às suscitações de 
 questões de inconstitucionalidade que a recorrente afirma ter feito na petição 
 inicial, na réplica e nas alegações apresentadas no TCA Sul, mas apenas às que 
 terá feito nas contra‑alegações endereçadas ao STA, no âmbito do recurso 
 interposto pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (ficando a 
 atendibilidade das suscitações feitas no requerimento de arguição de nulidade 
 do acórdão ora recorrido dependente da apreciação, que adiante se fará, do 
 pretenso carácter inesperado, anómalo ou insólito das interpretações 
 normativas acolhidas nesse acórdão).
 
          Ora, as questões suscitadas nas aludidas contra‑alegações foram 
 sintetizadas pela recorrente nas seguintes conclusões:
 
  
 
          «A. Da articulação do artigo 11.º‑A do EBF com o n.º 2 do artigo 69.º 
 do Código do IRC não decorre uma obrigação de apresentação de uma certidão de 
 inexistência de dívidas à Segurança Social, já que a existência ou inexistência 
 destas dívidas não configura um elemento necessário ou conveniente para o 
 perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos 
 como económicos.
 
          B. De facto, a Administração Tributária apenas pode exigir que o 
 contribuinte apresente os elementos tendentes a demonstrar a validade das 
 razões económicas subjacentes à operação realizada.
 
          C. Assim o faz pensar a expressão «para esse efeito», que funcionaliza 
 a obrigação de apresentação de documentos pelo contribuinte à comprovação da 
 validade das razões económicas subjacentes à operação.
 
          D. E nesse sentido o comprova a ausência da referida certidão de 
 inexistência de dívidas na lista da Circular n.º 6/2002, emitida pela própria 
 Administração Fiscal.
 
          E. Como o artigo 11.º‑A do EBF não acrescentou qualquer elemento para 
 a aferição da validade das razões económicas subjacentes às operações enumeradas 
 nos artigos 67.º e seguintes do Código do IRC, pode concluir‑se que os elementos 
 da lista publicada com a Circular n.º 6/2002 se mantêm, e que deles não deve 
 constar uma certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social.
 
          F. Assim sendo, e por tudo o que ficou dito, pode concluir‑se que a 
 norma constante do artigo 11.º‑A do EBF é uma norma substantiva, que impede que 
 o direito aos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento se forme na 
 esfera jurídica dos contribuintes que tenham deixado de efectuar o pagamento de 
 qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das 
 contribuições relativas ao sistema de segurança social.
 
          G. E que da sua articulação com o n.º 2 do artigo 69.º não decorre 
 qualquer dever de apresentação documental por parte dos contribuintes.
 
          H. Consequentemente, o alegado incumprimento desta alegada obrigação 
 documental nunca poderia ter por efeito a suspensão ou interrupção do prazo de 
 formação do acto tácito de deferimento, pelo que o mesmo se formou em 27 de 
 Março de 2003.
 
          I. Ainda que assim não se entenda, e se defenda que a articulação do 
 artigo 11.º‑A do EBF com o n.º 2 do artigo 69.º do Código do IRC estabelecia a 
 obrigação de apresentação de uma certidão de inexistência de dívidas à 
 Segurança Social, sempre se deveria concluir que essa exigência apenas vigorava 
 para o futuro.
 
          J. E que era insusceptível de afectar os efeitos já produzidos pelos 
 factos que se destinava a regular, nos termos do n.º 1 do artigo 120.º do 
 Código Civil e do n.º 1 do artigo 12.º da LGT.
 
          K. Caso fosse defendida a posição contrária – a da inutilização do 
 tempo decorrido entre a apresentação do pedido pela A. e a aprovação do artigo 
 
 11.º‑A do EBF – estar‑se‑ia a sustentar a aplicação retroactiva da nova 
 exigência documental, o que contraria frontalmente a proibição da aplicação 
 retroactiva das normas fiscais, cuja dignidade é constitucional, nos termos do 
 n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.
 
          L. Assim sendo, ainda que se conceda que o prazo de formação do acto 
 tácito esteve suspenso entre o pedido da supra referida certidão pela 
 Administração Tributária (14 de Abril de 2003) e a data da sua entrega pela A. 
 
 (28 de Maio de 2003), sempre se concluiria pela formação do acto tácito de 
 deferimento em 27 de Agosto de 2003, ou seja, em data claramente anterior à 
 prática do acto de indeferimento expresso pelo Ex.mo Senhor Secretário de Estado 
 dos Assuntos Fiscais.
 
          M. Caso se defenda a natureza procedimental da norma constante do 
 artigo 11.º‑A do EBF, não se vê como sustentar simultaneamente um qualquer 
 efeito modificativo ou extintivo dos direitos invocados pela A., pois é da 
 própria natureza das normas procedimentais a ausência de efeitos substantivos.
 
          N. Consequentemente, decorreu o prazo de formação do acto tácito de 
 deferimento, interessando então saber se o acto de indeferimento expresso 
 praticado pelo Ex.mo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais poderia 
 revogá‑lo.
 
          O. Atendendo ao princípio da intangibilidade dos actos administrativos 
 válidos que sejam constitutivos de direitos e interesses legítimos, previsto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 140.º do CPA, pode concluir‑se que o acto expresso 
 de indeferimento supra identificado só podia subsistir na ordem jurídica caso o 
 acto tácito de deferimento fosse inválido.
 
          P. O que desde já se antecipa que não aconteceu, pelas razões que [se] 
 enumeram em seguida e que depõem a favor da validade do acto tácito de 
 deferimento.
 
          Q. De facto, a validade do acto expresso de indeferimento apenas 
 poderia afirmar‑se caso inexistissem razões económicas válidas subjacentes à 
 operação de entrada de activos em apreço nos autos.
 
          R. Ora, o conceito de razões económicas válidas é um conceito 
 indeterminado, e a sua integração no n.º 2 do artigo 69.º do Código do IRC não 
 atribui à Administração Tributária qualquer margem de discricionariedade.
 
          S. De facto, atestada a existência de razões económicas válidas, a 
 Administração Tributária não poderia optar por, ainda assim, negar a dedução 
 dos prejuízos fiscais transmitidos com a operação, estando antes vinculada à 
 autorização do pedido.
 
          T. Acresce que a A. alegou e provou documentalmente inúmeras vantagens 
 económicas decorrentes da operação da entrada de activos, tanto ao nível da 
 poupança de custos como no que se refere ao incremento dos proveitos esperados.
 
          U. Por seu lado, o Ex.mo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos 
 Fiscais apenas invocou, nas alegações de recurso, que as entidades envolvidas 
 na operação já funcionavam integradas numa lógica de grupo, pelo que a entrada 
 de activos nunca poderia ‘produzir alterações ou efeitos significativos do 
 ponto de vista económico’.
 
          V. Esta afirmação, que se escusou de provar, embate no entanto contra a 
 evidência da realidade económica: a mera existência de três estruturas 
 jurídicas, onde pode funcionar apenas uma, envolve custos de eficiência que 
 podem ser poupados com a integração.
 
          W. Além do mais, cumpre sublinhar que as três entidades envolvidas 
 desenvolviam a sua actividade numa área – como a seguradora – onde os custos 
 de compatibilização com as exigências regulatórias são elevados, e se 
 multiplicam pelas estruturas jurídicas existentes.
 
          X. E que, como foi provado e admitido pela Administração Tributária, a 
 transmissão dos activos e passivos dos estabelecimentos estáveis para a 
 A.aumentou consideravelmente a sua projecção no mercado, o que, desde logo, tem 
 efeitos económicos benéficos, nomeadamente no que se refere à negociação do 
 crédito.
 
          Y. Em suma, perante a existência de razões económicas válidas 
 
 (extensamente alegadas e provadas nos autos), a autorização do pedido 
 formulado pela A. era vinculada.
 
          Z. Assim sendo, não podem restar dúvidas que o acto tácito de 
 deferimento do pedido formulado foi validamente constituído na esfera jurídica 
 da A..
 
          AA. E que o acto expresso de indeferimento praticado pelo Ex.mo Senhor 
 Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais consubstancia uma revogação proibida 
 pela alínea b) do n.º 2 do artigo 140.º do CPA.
 
          BB. Resta então concluir que este acto expresso de indeferimento 
 padece do vício de violação de lei, pelo que a sua anulação deve ser (aplaudida 
 e) mantida.
 
          CC. Por último, foram também invocados pela Administração Tributária 
 indícios segundo os quais seria possível concluir que a realização da operação 
 em apreço nos autos teria sido motivada, principalmente, por fins fiscais.
 
          DD. Mas também esta última ordem de argumentos apresentada pela ora 
 recorrente carece de fundamento.
 
          EE. É a própria recorrente quem admite que foram transmitidas, na 
 operação em apreço, situações activas líquidas e unidades empresariais com 
 proveitos, apenas se invocando a desproporção do peso relativo destes 
 indicadores, quando comparados com os prejuízos transmitidos para a A..
 
          FF. Cumpre, no entanto, clarificar que esta desproporção não permite 
 retirar qualquer ilação da motivação subjacente à operação, mas antes concluir 
 que as duas entidades empresariais absorvidas pela A. apresentavam déficits de 
 eficiência.
 
          GG. E que foram esses mesmos déficits a ditar a integração das 
 actividades anteriormente desenvolvidas por três estruturas autónomas numa só 
 entidade, a fim de recolher ganhos de eficiência e racionalização.
 
          HH. Outra seria a conclusão se as duas entidades absorvidas apenas 
 transmitissem posições passivas e prejuízos fiscais e não permitissem 
 expectativa de proveitos futuros.
 
          II. O que não era manifestamente o caso, já que as duas entidades, 
 como a Administração Tributária bem reconhece, representavam 21% do total dos 
 proveitos das três estruturas.
 
          JJ. Por último, cabe referir que a doutrina e a jurisprudência depõem 
 no sentido de admitir a coexistência de razões económicas válidas e de uma 
 possibilidade de poupança fiscal.
 
          KK. Pelo que da mera possibilidade de uma futura poupança fiscal não 
 pode decorrer a negação da validade das razões económicas subjacentes a uma 
 operação como a dos autos.
 
          LL. Tampouco subsiste, então, a terceira ordem de argumentos invocados 
 pela ora recorrente, pelo que deve concluir‑se pela validade do acto tácito de 
 deferimento do pedido de utilização de prejuízos fiscais, formulado pela A.
 
          MM. E deve manter‑se (e aplaudir‑se) a decisão de anular o acto 
 expresso de indeferimento do referido pedido, constante do douto acórdão 
 recorrido.»
 
  
 
          Como é patente, nesta peça processual não suscitou a então recorrida 
 
 (ora recorrente) qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. A única 
 referência à Constituição consta da conclusão K e surge aí indissociavelmente 
 ligada às especificidades do caso concreto, não enunciando a recorrente – como 
 lhe cumpria – qualquer critério normativo, dotado de generalidade e abstracção, 
 que reputasse inconstitucional, enunciação essa que, no caso de vir a ser 
 julgado procedente o recurso, habilitasse o Tribunal Constitucional a 
 apresentá‑la na sua decisão «em termos de, tanto os destinatários desta, como, 
 em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, 
 qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste 
 modo, violar a Constituição».
 
          Por falta de suscitação adequada, pela recorrente, das questões de 
 inconstitucionalidade, perante o tribunal recorrido, antes de proferida a 
 decisão impugnada, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC surge também, à partida, como inadmissível.
 
  
 
          5. Só assim não seria se as interpretações normativas aplicadas na 
 decisão recorrida cuja conformidade constitucional a recorrente pretende ver 
 apreciadas fossem de tal modo insólitas, anómalas ou inesperadas que não fosse 
 exigível à recorrente que suscitasse antecipadamente a sua 
 inconstitucionalidade.
 
          Ora, o acórdão recorrido, para conceder provimento ao recurso do 
 Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, desenvolveu a seguinte 
 argumentação:
 
  
 
 «3. São duas as questões a apreciar: saber se há acto tácito de deferimento; e 
 depois, saber quais os efeitos produzidos pelo acto expresso do Secretário de 
 Estado dos Assuntos Fiscais.
 
          Vejamos cada questão de per si.
 
  
 
          3.1. O acto tácito de deferimento.
 
          A autora formulou em 27 de Setembro de 2002 um pedido de autorização 
 para a dedução de prejuízos fiscais dos estabelecimentos estáveis adquiridos 
 através de uma operação de entrada de activos.
 
          Tal pedido de dedução de prejuízos fiscais teve como fundamento legal 
 o artigo 69.º do CIRC, que, na redacção então em vigor, subordinada à epígrafe 
 
 «transmissibilidade dos prejuízos fiscais», dispunha:
 
  
 
          ‘1 – Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos 
 dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim 
 do período referido no n.º 1 do artigo 47.º, contado do exercício a que os 
 mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das 
 Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção‑Geral dos 
 Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do 
 registo comercial.
 
          2 – A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que 
 a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou 
 racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa 
 estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo 
 prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, 
 para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o 
 perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como 
 económicos.
 
          3 – O disposto nos números anteriores pode igualmente aplicar‑se, com 
 as necessárias adaptações, às seguintes operações:
 
          a) (...)
 
          b) Na entrada de activos, em que é transferido para uma sociedade 
 residente em território português um estabelecimento estável nele situado de uma 
 sociedade residente num Estado Membro da União Europeia, que preencha as 
 condições estabelecidas no artigo 3.º da Directiva n.º 90/434/CEE, de 23 de 
 Julho, verificando‑se, em consequência dessa operação, a extinção do 
 estabelecimento estável;
 
          c) (...)
 
          (...)
 
          7 – O requerimento referido no n.º 1, quando acompanhado dos elementos 
 previstos no n.º 2, considera‑se tacitamente deferido se a decisão não for 
 proferida no prazo de três meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das 
 disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis.
 
          8 – Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, 
 considera‑se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado 
 por motivo imputável ao requerente.’
 
  
 
          A norma daquele n.º 7 veio ainda a ser objecto de nova alteração 
 legislativa pela Lei n.º 32‑B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 
 o ano de 2003), tendo sido alargado para seis meses o prazo para se produzir o 
 deferimento tácito.
 
          E a do artigo 47.º, esta na redacção vigente introduzida pelo citado 
 Decreto‑Lei n.º 198/2001:
 
  
 
          ‘1 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos 
 termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, 
 havendo‑os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.’
 
  
 
          Face ao que vai referido, constata‑se que o prazo para deferimento 
 tácito era de 3 meses à data da apresentação do requerimento.
 
          Porém, ainda no decurso deste prazo, a lei foi alterada, passando ele 
 para 6 meses.
 
          Assim, face ao disposto no artigo 297.º, n.º 2, do [Código Civil], é de 
 concluir que o prazo para a formação do acto tácito é de seis meses.
 
          Aqui não há falta de sintonia entre as partes.
 
          Ponto em que recorrente e recorrida divergem é no momento do início da 
 contagem do prazo para a formação do acto tácito de deferimento.
 
          Como é óbvio, a formação do acto tácito está dependente do 
 preenchimento dos requisitos de deferimento da pretensão, já que se estes não 
 estiverem reunidos, não pode haver formação de acto tácito.
 
          E o prazo só começa a contar a partir do momento em que estão 
 preenchidos tais requisitos.
 
          O que parece não levantar dúvidas.
 
          Vejamos onde começa a questão.
 
          Após receber o pedido, o SEAF notificou o recorrido para apresentar 
 cópia da escritura pública do aumento do capital social, pedido que se 
 compreendia dentro dos «elementos necessários ou convenientes para o perfeito 
 conhecimento da operação visada» – n.º 2 do artigo 69.º do CIRC.
 
          Tal pedido foi satisfeito em 16 de Janeiro de 2003.
 
          É pois evidente que só a partir desta data é que poderia começar a 
 correr o prazo para a formação do acto tácito de deferimento.
 
          Sucede, porém, que, já depois de apresentado o pedido, concretamente 
 em 31 de Outubro de 2002, foi publicado o Decreto‑Lei n.º 229/2002, de 31 de 
 Outubro, que acrescentou ao Estatuto dos Benefícios Fiscais o artigo 11.º‑A, 
 sob a epígrafe ‘Impedimento de reconhecimento do direito a benefícios fiscais’ 
 e que passou a dispor o seguinte:
 
  
 
          ‘1 – Os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não poderão 
 ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de 
 qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das 
 contribuições relativas ao sistema da segurança social ...’
 
  
 
          É inquestionável que a requerida dedução dos prejuízos fiscais é um 
 benefício fiscal, pelo que este preceito tem aplicação à hipótese prevista no 
 artigo 69.º do CIRC, que vimos analisando.
 
          Ponto é saber se esta norma, que, como vimos, entrou em vigor depois da 
 apresentação do pedido, é de aplicação ao caso concreto.
 
          O acórdão recorrido entende que não. Ou seja: entende que esta norma só 
 
 é aplicável para os pedidos formulados depois da sua entrada em vigor.
 
          E isto é assim, no entender daquele aresto, pois, a entender‑se o 
 contrário, seriam violados os artigos 12.º, n.º 3, da LGT e 12.º, n.º 2, do CC.
 
          Não acompanhamos este entendimento.
 
          Temos, com efeito, para nós que esta norma é de aplicação imediata, 
 desde que não tenha decorrido o prazo para formação do acto tácito.
 
          Ou seja: para nós o problema perspectiva‑se no momento da decisão, que 
 não no momento do requerimento.
 
          É ao momento da decisão que se há‑de atender para efeito da formação 
 do acto tácito de deferimento.
 
          A não ser assim, o deferimento violava a lei, pois poderia ser 
 concedido sem que estivesse preenchido um dos pressupostos necessários para o 
 deferimento: a concessão de um benefício fiscal em que o requerente do 
 benefício eventualmente tivesse impostos em dívida.
 
          E daí que se possa dizer que a aplicação imediata da lei não prejudica 
 
 «as garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos» do 
 contribuinte, isto para usar a terminologia do n.º 3 do artigo 2.º da LGT.
 
          Já vimos até que, aquando da publicação desta lei, nem sequer se tinha 
 iniciado o prazo para o deferimento tácito.
 
          Daí que se deva considerar que esta norma é de aplicação imediata.
 
          Neste entendimento, e uma vez que o SEAF pediu a certidão de 
 inexistência de dívidas à Segurança Social em 14 de Abril de 2003, sendo tal 
 certidão entregue em 28 de Maio de 2003 (vide ponto 34 das contra‑alegações de 
 recurso), só a partir desta última data começou a decorrer o prazo de 6 meses 
 para formação do acto tácito de deferimento.
 
          Assim, aquando da prolação do acto expresso de indeferimento (26 de 
 Novembro de 2003) ainda não se tinha formado o acto tácito.
 
          Diferente, como vimos, é a perspectiva assumida no acórdão recorrido.
 
          Segundo este, o prazo para formação do acto tácito ocorreu em 15 de 
 Julho de 2003, ou seja, seis meses após a entrega da cópia da escritura pública 
 do aumento do capital social da recorrida.
 
          Em suma: para nós, e porque não se formou o acto tácito de 
 deferimento, o acto expresso de indeferimento é um acto administrativo 
 primário, que não um acto revogatório.
 
  
 
          3.2. O acto expresso do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. 
 Seus efeitos.
 
          Como vimos atrás, nos termos do n.º 2 do artigo 69.º do CIRC, «a 
 concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é 
 realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou 
 racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa 
 estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo 
 prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, 
 para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito 
 conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como 
 económicos».
 
          Ou seja, o Ministro das Finanças só autorizará a transmissibilidade 
 dos prejuízos fiscais da sociedade fundida, se entender que a fusão é realizada 
 por razões económicas válidas e inserção numa estratégia de redimensionamento e 
 desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na 
 estrutura produtiva.
 
          São assim dois os requisitos cumulativos exigidos pelo artigo 69.º, n.º 
 
 2, do CIRC.
 
          E a pergunta seguinte é esta: estamos aqui perante um poder 
 discricionário da Administração, ou, antes, perante conceitos indeterminados, 
 cujo preenchimento cabe à Administração?
 
          Casalta Nabais (Direito Fiscal, 2.ª edição, págs. 139 e 140) considera 
 que no caso do artigo 69.º do CIRC se está perante a concessão de uma margem 
 de livre decisão à administração fiscal através da outorga de verdadeiras 
 faculdades discricionárias, com as respectivas consequências a nível de 
 impugnação contenciosa.
 
          Mas afigura‑se‑nos antes que estamos perante conceitos 
 indeterminados, cujo preenchimento, como dissemos, cabe à Administração.
 
          O que significa que de entre as várias soluções válidas só se admite 
 uma solução justa no caso concreto.
 
          O SEAF entendeu que os requisitos não estavam preenchidos, pelo que 
 indeferiu o pedido da ora recorrida.
 
          O acórdão recorrido não navegou nas mesmas águas.
 
          Por um lado, considerou ter havido deferimento tácito.
 
          Por outro lado, considerou que estavam preenchidos os requisitos 
 previstos no artigo 69.º do CIRC, razão pela qual anulou o despacho recorrido.
 
          Que dizer?
 
          Sabendo nós que estamos perante conceitos indeterminados, como acima 
 referimos, importa agora avançar no sentido de saber se, no caso, estamos 
 perante um acto sindicável.
 
          Escreve Freitas do Amaral que ‘o que importa é saber se a 
 interpretação de conceitos indeterminados é uma actividade vinculada ou 
 discricionária e, por conseguinte, sindicável, ou não, pelos tribunais’ (Curso 
 de Direito Administrativo, vol. II, pág. 107).
 
          Ora, saber se houve «razões económicas válidas» ou se a fusão «se 
 insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de 
 médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva» é matéria 
 de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da 
 Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse 
 que a Administração privilegie: uma fusão pode fundar‑se numa razão económica 
 válida para um interesse público de vitalidade da economia nacional, mas tal 
 pode já não ocorrer em face dum interesse público de vitalidade de uma economia 
 sectorial.
 
          Citando Freitas do Amaral: ‘Porque não se lhe pede um trabalho de 
 subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado, mas se 
 exige uma tensão criadora do direito no caso concreto, deve naturalmente 
 entender‑se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo 
 autónomo da vontade do agente administrativo, deve escapar ao controlo do juiz, 
 embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às 
 exigências externas postas pela ordem jurídica’.
 
          Assim sendo, e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou 
 na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da 
 autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades 
 fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que 
 ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal. O que não se 
 antolha, nem vem alegado.
 
          No sentido ora exposto, pode ver‑se o acórdão deste STA, de 5 de Julho 
 de 2006 (rec. n.º 142/06).
 
  
 
          4. Face ao exposto, acorda‑se em conceder provimento ao recurso, 
 revogar o acórdão recorrido e julgar improcedente a acção administrativa 
 especial.»
 
  
 
          A recorrente pode discordar do entendimento adoptado neste acórdão a 
 propósito das duas questões que apreciou e reputar esse entendimento errado e 
 mesmo ilegal, mas de forma alguma o mesmo se pode considerar insólito, anómalo 
 ou inesperado – em termos de dispensar a ora recorrente do ónus de suscitar 
 antecipadamente a inconstitucionalidade dessas interpretações normativas, tanto 
 mais que estas já haviam sido debatidas no âmbito da acção administrativa 
 especial e correspondiam, na essência, as posições defendidas pela entidade 
 então recorrente, que a ora recorrente bem conhecia.
 
          Não tendo a recorrente suscitado perante o tribunal recorrido a questão 
 da inconstitucionalidade das interpretações normativas aplicadas no acórdão 
 recorrido como ratio decidendi, interpretações essas que não podem 
 considerar‑se inesperadas, também o recurso interposto ao abrigo da alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da LTC se mostra inadmissível, o que determina o não 
 conhecimento do seu objecto.
 
  
 
          6. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do artigo 78.º‑A, n.º 1, da 
 LTC, não conhecer do objecto do recurso.
 
          Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 7 (sete) 
 unidades de conta.”
 
  
 
                            1.2. A reclamação para a conferência apresentada pela 
 recorrente é do seguinte teor:
 
  
 
          “1.º – A Decisão Sumária sob reclamação não conheceu o objecto do 
 recurso interposto pela A. ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e f), com 
 referência à alínea c), da LTC.
 
          2.º – Com o devido respeito, que é muito, andou mal essa Decisão 
 Sumária pelos motivos de facto e direito que se passam a expor.
 
          1. Não conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo do 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
 
 3.º – A primeira razão adiantada na Decisão Sumária para recusar o conhecimento 
 do objecto deste recurso foi que o artigo 72.º, n.º 2, da LTC alegadamente 
 determina a incognoscibilidade de questões de inconstitucionalidade ou 
 ilegalidade suscitadas perante instâncias inferiores,
 
 4.º – ficando por isso, na tese da Decisão Sumária, prejudicadas as suscitações 
 efectuadas pela A. no Tribunal Central Administrativo (TCA).
 
 5.º – Tudo começa, portanto, no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, que estabelece que: 
 
 «2. Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º só podem 
 ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da 
 inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar 
 obrigado a dela conhecer».
 
 6.º – Ora, lê‑se na página 8 (ponto 4) da Decisão Sumária: «Dos critérios 
 expostos resulta, desde logo, que não relevam para o apuramento da verificação 
 do requisito da suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigo 72.º, n.º 2, da LCT) 
 eventuais arguições de inconstitucionalidade apresentadas perante outras 
 instâncias, designadamente instâncias inferiores, em anteriores fases 
 processuais. Não há assim que atender às suscitações de questões de 
 inconstitucionalidade que a recorrente afirma ter feito na petição inicial, na 
 réplica e nas alegações apresentadas no TCA Sul mas apenas às que terá feito nas 
 contra‑alegações endereçadas ao STA, no âmbito do recurso interposto pelo 
 Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (...)» – sublinhado nosso. 
 
 7.º – Se bem se compreende, este entendimento radica na jurisprudência 
 aparentemente vencedora da vetusta querela entre as correntes divergentes das 
 
 (então) 1.ª e 2.ª Secções deste Venerando Tribunal,
 
 8.º – Jurisprudência essa que supostamente tem interpretado o artigo 72.º, n.º 
 
 2, da LCT no sentido de o Tribunal Constitucional só poder, em princípio, 
 conhecer de questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade recolocadas perante 
 a instância decisória final (ex.: Acórdãos n.ºs 114/2000 e 182/95).
 
 9.º – Todavia, tal jurisprudência não pode ser importada qua tale para o casos 
 destes autos,
 
 10.º – até porque se foi formando ao sabor das especificidades de cada caso, sem 
 nunca existir uniformização (pois de matéria processual se trata) e admitindo 
 sempre excepções.
 
          11.º – Note‑se, a este respeito, que essa jurisprudência foi 
 alegadamente consagrada no artigo 70.º, n.º 2, da LTC com a redacção da Lei n.º 
 
 13‑A/98, de 26 de Fevereiro,
 
 12.º – mas os primeiros arestos produzidos após a data de entrada em vigor desse 
 diploma remetem precisamente para Acórdãos anteriores à entrada em vigor dessa 
 lei.
 
 13.º – Exemplo disso mesmo é o Acórdão n.º 114/2000, que procede à remissão para 
 os Acórdãos n.ºs 36/91 e 469/91, mas que não deixa de conhecer do objecto do 
 recurso.
 
 14.º – O mesmo vale por dizer que esta é uma questão em aberto.
 
 15.º – Ora, antes do mais, regista‑se que o artigo 72.º, n.º 2, da LTC refere a 
 questão «suscitada durante o processo» e não a «suscitada perante o tribunal 
 recorrido»,
 
 16.º – pelo que presumindo, como devemos, que o legislador consagrou a solução 
 mais acertada, essa expressão «durante o processo» inculca uma interpretação 
 funcional e útil das suscitações de inconstitucionalidade poderem ser invocadas 
 em outras sedes, que não somente o «tribunal recorrido», quando o recorte do 
 caso assim o permita.
 
 17.º – Compreende‑se assim que a citada jurisprudência restritiva «só é válida 
 quando a parte ou interessado que suscita a questão de inconstitucionalidade ou 
 ilegalidade continua a ser recorrente, por ter ficado vencido; se passa a 
 recorrido, por ter saído vencedor, como no caso dos autos, deixa de lhe ser 
 exigível insistir na questão de inconstitucionalidade» – cf. Declaração de Voto 
 do Cons. Mário de Brito no Acórdão n.º 469/91.
 
 18.º – A ser de outro modo, reduzido sentido faria a obrigação do recorrente em 
 indicar na interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a peça 
 processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade 
 
 (artigo 75.º‑A, n.º 2, da LTC), pois que a parte que se apresenta como vencedora 
 em última instância apenas disporia de oportunidade de aí contra‑alegar.
 
 19.º – Acresce que, em recurso, o STA está expressamente obrigado, pelo n.º 3 do 
 artigo 149.º do CPTA e pelo artigo 204.º da Constituição da República 
 Portuguesa, a conhecer das questões de inconstitucionalidade e ilegalidade 
 suscitadas pela A. em instâncias inferiores em que obteve ganho de causa e que 
 não tenham sido apreciadas por terem ficado prejudicadas,
 
 20.º – obrigação essa que o próprio STA afirma peremptoriamente ter cumprido, no 
 acórdão de 2 de Novembro de 2006, que tirou em conferência, sobre o requerimento 
 de nulidade do acórdão de 12 de Julho de 2006,
 
 21.º (requerimento de nulidade, sublinhe‑se, com fundamento no artigo 668.º, 
 n.ºs 1, alínea d), primeira parte, e 3, do Código de Processo Civil (doravante, 
 CPC), sem que houvesse recurso ordinário possível, que versava a omissão de 
 pronúncia quanto às questões de inconstitucionalidade e ilegalidade suscitadas 
 no TCA e no STA),
 
 22.º – Desenvolvendo para o efeito a seguinte (elucidativa) argumentação:
 
  
 
 «2.2. Quanto à omissão de pronúncia:
 Defende a requerente que a interpretação que o aresto sob censura faz do 
 Decreto‑Lei n.º 229/2002 é desconforme com o artigo 103.º, n.º 3, da CRP, 
 desconformidade que alegou expressamente e que o aresto em causa não apreciou. 
 Daí a omissão de pronúncia.
 Pois bem.
 O acórdão aqui em causa seguiu um determinado entendimento, que não julgou 
 inconstitucional.
 Se existe inconstitucionalidade, então estamos perante um erro de julgamento, 
 que pode ser sindicado pelo Tribunal Constitucional.
 O que não há é omissão de pronúncia.
 O mesmo se dirá da invocada interpretação do artigo 11.º do EBF e do artigo 
 
 69.º, n.º 7, do CIRC, alegadamente violadora dos princípios da imparcialidade e 
 boa fé da administração tributária, em desconformidade com o artigo 266.º, n.º 
 
 2, in fine, da CRP. Que na óptica do acórdão sob censura não existiu.
 Defende ainda a requerente que este Supremo Tribunal também não resolveu a 
 questão da data juridicamente relevante do despacho do SEAF, que indefere o 
 pedido de dedução de prejuízos. E isto é assim, segundo alega a requerente, por 
 isso que procedeu a uma interpretação dos artigos 67.º, n.ºs. 2 e 7, do CIRC e 
 do artigo 11.º do EBF violadora do artigo 268.º, n.º 3, da CRP.
 Estamos perante uma situação idêntica às anteriores: uma alegada interpretação 
 desconforme à Constituição. Ora, como se disse, esta pode ser sindicada pelo 
 Tribunal Constitucional.
 O que não se pode dizer é que há omissão de pronúncia.»
 
  
 
 23.º – Não restam, portanto, quaisquer dúvidas que o STA reconhece e defende que 
 analisou as questões de inconstitucionalidade e ilegalidade suscitadas pela A., 
 tanto as alegadas perante o TCA como as alegadas perante o STA (contra‑alegações 
 e requerimento de nulidade).
 
 24.º – Estando a A. na posição de vencedora/recorrida, estando o STA legalmente 
 obrigado a conhecer as questões de inconstitucionalidade e ilegalidade 
 suscitadas em instâncias inferiores (artigo 149.º, n.º 3, do CPTA) e tendo 
 efectivamente delas conhecido (acórdão de 2 de Novembro de 2006, tirado em 
 conferência, sem que fosse admissível recurso ordinário),
 
 25.º – tem que cair por terra o entendimento da Decisão Sumária de considerar 
 que não está cumprido o ónus constante do artigo 72.º, n.º 2, da LCT, por se 
 dever considerar o ónus como preenchido ou, no mínimo, a A. dele estar 
 dispensada.
 
 26.º – Deve, assim, conhecer‑se do objecto do recurso quanto às questões de 
 inconstitucionalidade e ilegalidade suscitadas pela A. no TCA.
 
 ***
 
          27.º – A segunda razão apresentada na Decisão Sumária para recusar 
 conhecer do objecto do recurso foi a alegada impossibilidade de conhecer as 
 questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitadas no requerimento de 
 nulidade do acórdão do STA apresentado pela A., por a isso se opor o artigo 
 
 72.º, n.º 2, da LTC e por o entendimento aí sustentado pelo STA não ter carácter 
 inesperado, anómalo ou insólito.
 
          28.º – A este respeito diz (somente) a Decisão Sumária, nos pontos 4 
 
 (pág. 8) e 5 (pág. 23), que:
 
  
 
          «(ficando a atendibilídade das suscitações feitas no requerimento de 
 arguição de nulidade do acórdão ora recorrido dependente da apreciação, que 
 adiante se fará, do pretenso carácter inesperado, anómalo ou insólito das 
 interpretações normativas acolhidas nesse acórdão)».
 
          e
 
          «A recorrente pode discordar do entendimento adoptado neste acórdão a 
 propósito das duas questões que apreciou e reputar esse entendimento errado e 
 mesmo ilegal, mas de forma alguma o mesmo se pode considerar insólito, anómalo 
 ou inesperado – em termos de dispensar a ora recorrente do ónus de suscitar 
 antecipadamente a inconstitucionalidade dessas interpretações normativas, tanto 
 mais que estas já haviam sido debatidas no âmbito da acção administrativa 
 especial e correspondiam, na essência, às posições defendidas pela entidade 
 então recorrente, que a ora recorrente bem conhecia».
 
  
 
 29.º – Com o devido respeito, que – reitera‑se – é muito, discorda‑se também 
 deste(s) argumento(s).
 
 30.º – Reconhecendo-se que os incidentes pós‑decisórios não são, em princípio, 
 meios idóneos para tempestivamente suscitar questões de inconstitucionalidade 
 ou ilegalidade, regista‑se que essa regra é excepcionada pela jurisprudência 
 deste Venerando Tribunal pelo menos quando:
 a) o poder jurisdicional, por força de norma processual específica, se não 
 esgota com a prolação da sentença recorrida; e
 b) nas hipóteses excepcionais ou anómalas, em que não houve possibilidade de 
 levantar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão.
 
 31.º – Estas são questões complexas, analisadas ao longo de décadas pelo 
 Tribunal Constitucional em sentido pro actione, entre tantos outros, nos 
 Acórdãos n.ºs 3/83, 136/85, 206/86, 176/88, 318/89, 47/90, 51/90, 158/90, 54/91, 
 
 61/92, 188/93, 329/95, 521/95, 366/96, 674/99, 124/2000, 155/2000, 192/2000, 
 
 374/2000, 364/2000 e 120/2002.
 
 32.º – No caso em análise, verificam‑se essas duas excepções (embora a segunda 
 só parcialmente).
 
 33.º – Quanto à primeira excepção (o poder jurisdicional não se ter esgotado por 
 força de norma processual específica), como se disse já, antes de dar vencimento 
 
 à recorrente, o STA estava obrigado a conhecer as questões de 
 inconstitucionalidade e ilegalidade suscitadas pela A. no TCA, pois ali ela 
 tinha saído vencedora (artigo 149.º, n.º 3, do CPTA).
 
 34.º – Convencida que o STA não tinha apreciado essas questões, como estava 
 legalmente obrigado (por passarem a integrar o objecto do recurso na instância 
 superior), a A. requereu a nulidade por omissão de pronúncia do acórdão de 12 de 
 Julho de 2006 ao abrigo da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º 
 do CPC,
 
          35.º – requerimento de nulidade esse que a Conferência do STA era 
 competente para conhecer, atendendo a que não era admissível recurso 
 ordinário, por força da norma processual específica do artigo 668.º, n.º 3, do 
 CPC, in limine.
 
          36.º – Não estava, portanto, esgotado o poder jurisdicional do STA, 
 enquanto tribunal a quo, nas questões suscitadas, se, efectivamente, se 
 verificasse omissão de pronúncia.
 
          37.º – O STA tirou novo acórdão em conferência (ao abrigo do artigo 
 
 668.º, n.º 3, do CPC), sustentando que no acórdão de 12 de Julho de 2006 tinha 
 efectivamente conhecido todas as questões de inconstitucionalidade e 
 ilegalidade suscitadas pela A. e, ainda assim, havia decidido no sentido em que 
 decidiu (aplicando as normas reputadas inconstitucionais, no mínimo, 
 implicitamente),
 
 38.º – Demonstrando‑se, com meridiana clareza, que o seu poder jurisdicional 
 não estava esgotado.
 
 39.º – A mesma conclusão se extrai da sempre fácil lição do ilustre mestre, José 
 Alberto dos Reis, quando no seu Código de Processo Civil Anotado, volume V, 
 escreve a páginas 128 e 149:
 
 – a propósito do artigo 666.º (Extinção do poder jurisdicional e as suas 
 limitações):
 
  
 
 «Depois de formular o princípio que examinámos, o artigo introduz quatro 
 limitações. O princípio da extinção do poder jurisdicional não obsta a que o 
 juiz: b) supra nulidades (…)»
 e
 
 – a propósito do (então) artigo 669.º (Suprimento de omissão ou de nulidades):
 
  
 
 «(…) Uma de duas:
 a) Ou o juiz desatende a arguição;
 b) Ou a julga procedente.
 No 1.º caso, a decisão tem o carácter de simples despacho. A sentença fica como 
 está. No 2.º caso, a decisão tem a natureza de sentença complementar, que vai 
 corrigir a nulidade ou suprir a omissão existente na sentença; quer dizer, neste 
 caso a sentença primitiva e a sentença complementar emitida em consequência da 
 arguição ficam a formar uma peça única: a sentença complementar integra‑se na 
 sentença defeituosa (...)». 
 
  
 
 40.º – Deve, assim, atender‑se a todas as questões de inconstitucionalidade e 
 ilegalidade suscitadas, em tempo, pela A. perante o STA no requerimento de 
 nulidade.
 
 41.º – Mas também se verifica, in casu, a 2.ª das excepções identificadas no 
 artigo 30.º supra, a propósito da questão suscitada no requerimento de nulidade 
 e no ponto 4 do requerimento de interposição de recurso,
 
 42.º – que de facto encerra uma situação anómala e excepcional, justificativa 
 da dispensa do ónus da sua alegação.
 
 43.º – Recorda‑se parte da alegação desenvolvida no requerimento de nulidade 
 
 (artigos 35.ª a 45.ª dessa peça):
 
  
 
 «Acresce que este Venerando Tribunal não se pronunciou, como devia, sobre a 
 questão de fundo, qual seja a existência ou não dos pressupostos estabelecidos 
 no artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC,
 interpretando assim os seus poderes cognitivos e o artigo 3.º, n.º 1, do CPTA no 
 sentido de não conhecer das normas e princípios jurídicos que vinculam a 
 administração tributária (onde se incluem a imparcialidade e a boa fé, ambos 
 com assento no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa),
 e dispensando‑se mesmo de conhecer do erro grosseiro cometido pelo mesmo 
 Ministério das Finanças,
 que, tendo já uma certidão de inexistência de dívidas da A. desde 20 de Dezembro 
 de 2002 referente a 30 de Setembro desse ano (além de o dever conhecer 
 oficiosamente),
 optou simplesmente por pedi‑la novamente à A. no âmbito da mesma operação.
 Com o devido respeito, estas questões deveriam ser conhecidas,
 como aliás é legalmente imposto, pelo menos desde a apelidada Reforma do 
 Contencioso Administrativo,
 emanada do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e com 
 afloramento no artigo 95.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA,
 que exige uma tutela plena e efectiva dos actos lesivos da administração 
 pública (incluindo a fiscal) e a sindicabilidade de todas as vertentes legais 
 dos mesmos.
 Neste sentido se pronuncia também ilustre doutrina – vide designadamente 
 Professor Vasco Pereira da Silva, entre outros, em O Contencioso Administrativo 
 no Divã da Psicanálise, Almedina, 2005,
 em contraposição à doutrina clássica encabeçada pelo ilustre Professor Freitas 
 do Amaral, proficuamente citado no Acórdão, aliás douto, que aqui nos traz.»
 
  
 
 44.º – E a efectuada no ponto 4 do requerimento de interposição deste recurso de 
 constitucionalidade:
 
  
 
 «4 – Do artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC quando interpretado no sentido de 
 estabelecer conceitos indeterminados (mormente razões económicas válidas ou se a 
 fusão se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento 
 empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos na estrutura produtiva) 
 concedentes de discricionariedade técnica insindicável pelos tribunais 
 administrativos, por violação do princípio constitucional da legalidade e o 
 limite a que ela está sujeita na prossecução do interesse público (artigo 266.º 
 da Lei Fundamental), do direito jusfundamental à tutela jurisdicional plena e 
 efectiva contra actos lesivos estabelecida no artigo 268.º, n.º 4, da 
 Constituição da República Portuguesa e nos artigos 32.º e 95.º do Código do 
 Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de 
 Fevereiro, no âmbito de uma acção administrativa especial instaurada com o 
 expresso pedido de condenação à prática de acto devido.
 Esta questão decorre da petição inicial e das alegações no Tribunal Central 
 Administrativo (na justa medida em que expressamente se alega e pugna pela 
 sindicabilidade) e foi suscitada no requerimento de nulidade de fls. ... 
 Em todo o caso, atendendo à natureza inesperada e insólita da interpretação 
 normativa efectuada pelo Acórdão do STA, a A. deve considerar‑se dispensada do 
 
 ónus estabelecido na parte final do n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, na 
 esteira aliás da douta Jurisprudência deste Venerando Tribunal plasmada, entre 
 outros, no Acórdão n.º 669/2005, da 2.ª Secção (Processo n.º 818/2005).
 Tanto mais que o Despacho administrativo em crise no processo principal foi 
 sindicado em profundidade pelo Tribunal Central Administrativo Sul e que a 
 interpretação da insindicabilidade de conceitos 
 indeterminados/discricionariedade técnica é contraditória com jurisprudência do 
 STA e deste douto Tribunal (v., pela sua qualidade, Acórdão n.º 269/2000, da 
 
 1.ª Secção, Processo n.º 298/99, em que foi Relator Sua Ex.a o actual 
 Presidente do Tribunal Constitucional).»
 
  
 
 45.º – A este respeito a Decisão Sumária começa por sustentar que «de forma 
 alguma o mesmo se pode considerar insólito, anómalo ou inesperado».
 
 46.º – (o que, com o devido respeito, é uma mera afirmação e nada mais que isso)
 
 47.º – afirmando de seguida que «estas [questões] já haviam sido debatidas no 
 
 âmbito da acção administrativa especial e correspondiam, na essência, às 
 posições defendidas pela entidade então recorrente, que a ora recorrente bem 
 conhecia».
 
 48.º – Ora, escrutinados os autos, em momento algum é alegada, discutida ou 
 aventada pela A., pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pelo próprio 
 Tribunal Central Administrativo a insindicabilidade pelos tribunais 
 administrativos dos conceitos indeterminados/discricionariedade técnica 
 alegadamente constantes do artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC.
 
 49.º – Acresce que a efectiva sindicabilidade desses conceitos 
 indeterminados/discricionariedade técnica pelos tribunais administrativos foi 
 muito justamente anunciada por arestos do STA,
 
 50.º – dos quais se poderá destacar, pela profundidade da análise da questão, o 
 aresto de 16 de Julho de 1999, publicado na Colectânea de Jurisprudência do 
 STA, 2.ª Secção – Contencioso Tributário, 2.º Trimestre de 1999, onde se pode 
 ler:
 
  
 
 «4 – O carácter técnico das questões a resolver não é obstáculo à apreciação 
 jurisdicional da correcção do valor patrimonial, podendo o tribunal realizar as 
 diligências probatórias que se afigurarem necessárias, inclusivamente recorrer 
 ao concurso de técnicos e proceder a actos de avaliação.»
 
  
 
          51.º – bem como por arestos deste mesmo Tribunal Constitucional – v., 
 pela sua qualidade, o Acórdão n.º 269/2000, da 1.ª Secção, Processo n.º 298/99, 
 em que foi Relator Sua Ex.a o actual Presidente do Tribunal Constitucional.
 
          52.º – na sequência, inclusive, de firme reclamação por muitíssima e 
 autorizada Doutrina,
 
          53.º – atendida e claramente plasmada na actual conformação 
 constitucional e legislativa do contencioso administrativo, mormente no artigo 
 
 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
 
          54.º – Tendo ainda em conta que o TCA analisou em profundidade, como 
 lhe competia, os conceitos indeterminados/discricionariedade técnica 
 alegadamente constantes do artigo 69.º, n.º 2, e deu ganho de causa à A..
 
          55.º – não se pode julgar razoável que a A., na posição de recorrida, 
 tivesse o ónus de «adivinhar» que o STA decidiria … no sentido de não decidir!
 
          56.º – O STA não decidir do fundo das questões que a ele são 
 submetidas não é, no actual contexto constitucional, um ónus que deva impender 
 sobre os recorridos nesses processos, sendo certo que a A. não teve qualquer 
 oportunidade para intervir a este respeito no processo antes da decisão, tendo‑o 
 feito assim que lhe foi possível (tanto no citado requerimento de nulidade como 
 no ponto 4 da interposição do recurso de constitucionalidade).
 
 57.º – As questões de inconstitucionalidade e ilegalidade suscitadas pela A. no 
 requerimento de nulidade e no ponto 4 do requerimento de interposição de recurso 
 de constitucionalidade estavam, portanto, dispensadas do ónus de alegação 
 estabelecido no artigo 72.º, n.º 2, da LCT.
 
 ***
 
          58.º – A terceira razão adiantada pela Decisão Sumária para recusar 
 conhecer do objecto do recurso foi alegadamente não terem sido suscitadas 
 questões de inconstitucionalidade normativa nas contra‑alegações para o STA, 
 
 único momento reputado como idóneo para essas suscitações.
 
          59.º – Com efeito, pode ler‑se no ponto 4 (pág. 14) da Decisão Sumária 
 que:
 
  
 
          «Como é patente, nesta peça processual não suscitou a então recorrida 
 
 (ora recorrente) qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. A única 
 referência à Constituição consta da conclusão K e surge aí indissociavelmente 
 ligada às especificidades do caso concreto, não enunciando a recorrente – como 
 lhe cumpria – qualquer critério normativo, dotado de generalidade e abstracção, 
 que reputasse inconstitucional, enunciação essa que, no caso de vir a ser 
 julgado procedente o recurso, habilitasse o Tribunal a apresentá‑la na sua 
 decisão em ‘termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores de direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição’.»
 
  
 
 60.º – Com o já reiterado devido respeito, discorda‑se também deste argumento.
 
 61.º – Não se nega que este Venerando Tribunal «vem decidindo que, para além de 
 a questão da constitucionalidade dever ser suscitada de forma clara e 
 perceptível» (vide Acórdãos n.ºs 269/94 e 521/95 do Tribunal Constitucional),
 
 62.º – mas, ex abundanti cautela, não se tem alheado às circunstâncias 
 específicas do caso concreto.
 
 63.º – De facto, em variada doutrina sufragada em doutos arestos, aponta‑se para 
 a análise da questão da inconstitucionalidade, mesmo que não claramente 
 invocada,
 
 64.º – atendendo‑se à consideração global de todas as peças processuais em jogo 
 
 (aliás, o único sentido processualmente admissível da interpretação da locução 
 
 «durante o processo», visto que a instância é só uma, que se inicia com a 
 propositura da acção e termina com a decisão final: «Uma vez que em certo 
 sentido a locução instância pode considerar‑se equivalente à locução processo 
 
 (assim, citando José Alberto dos Reis, o citado Acórdão, p. 247 [referindo‑se ao 
 aresto n.º 3/83])» – cf. Acórdão n.º 36/91.
 
 65.º – Hominum causa omne jus constitutum determina‑se «uma análise mais atenta 
 daquela e de outras peças processuais permite concluir, numa consideração global 
 do pedido do recorrente, que é ainda possível descortinar que, realmente, o que 
 
 é posto em causa é uma interpretação acolhida (..). Isto é: no fundo, pode 
 dizer‑se que é a inconstitucionalidade desta norma, segundo a interpretação dada 
 por aquele parecer, que se questiona»,
 
 66.º – concluindo que «Esta é, na verdade, a conclusão mais consentânea com o 
 invocado pelo recorrente quando afirma, no pedido de aclaração […], o seguinte: 
 
 ‘... dir‑se‑á que o facto de ter sido omitida a notificação do requerente para 
 se pronunciar sobre a questão prévia (...), um teor de sentido que viola o 
 disposto nos referidos preceitos constitucionais (...)» – cf. Acórdão n.º 
 
 318/90, entre outros.
 
 67.º – Assim, tomando todas as suscitações produzidas «durante o processo», bem 
 como o conjunto das contra‑alegações engendradas no STA sempre se poderá 
 inferir, ex bona fide, que a referência «estar‑se‑ia a sustentar a aplicação 
 retroactiva da nova exigência documental, o que contraria frontalmente a 
 proibição de aplicação retroactiva das normas fiscais, cuja dignidade é 
 constitucional, nos termos do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da 
 República Portuguesa» (alínea K das referenciadas contra‑alegações)
 
 68.º – para um destinatário normal equivale à afirmação de que a exigência de 
 tal documento (isto é, a aplicação do artigo 11.º‑A do EBF a pedido formulado 
 antes da sua entrada em vigor) viola o princípio (constitucional) da proibição 
 de retroactividade da lei fiscal, ínsito e protegido pelo artigo 103.º, n.º 3, 
 da Constituição da República Portuguesa,
 
 69.º – reportando‑se como inconstitucional a aplicabilidade pretérita de lei que 
 fixe condições de validade formal a factos (pedidos) ocorridos, in totus, antes 
 da sua entrada em vigor.
 
 70.º – Tudo porque o reconhecimento pleno dos direitos fundamentais implica o 
 abandono de uma concepção restritiva, sem esquecer a relevante questão da 
 determinação de um modelo geral de controlo da constitucionalidade, tendo em 
 consideração a redefinição conceptual desses direitos e pretensões à luz de um 
 princípio de sociabilidade no quadro de um moderno Estado de Direito Democrático 
 e Constitucional.
 Concomitantemente,
 
 71.º – Quanto à questão do recurso de inconstitucionalidade versar sobre uma 
 decisão judicial está‑se, efectivamente, perante uma situação de non liquet, na 
 medida em que o Tribunal Constitucional apesar de reiterar a insindicabilidade 
 de decisões judiciais,
 
 72.º – não se tem eximido em arrogar o poder de julgar a inconstitucionalidade 
 da norma na concreta interpretação que dela faz o juiz comum, enquanto questão 
 de inconstitucionalidade dessa mesma interpretação (a título meramente 
 exemplificativo, Acórdãos n.º 674/99 ou n.º 412/2003).
 
 73.º – Neste sentido, está, claramente, em causa a invocação de uma 
 inconstitucionalidade normativa (pois, entre outros, questiona‑se se a aplicação 
 de lei fiscal, que estabelece condições de validade formal, a procedimentos em 
 curso, contende, ou não, com a proibição de retroactividade da lei fiscal), pois 
 trata‑se de uma interpretação normativa dotada de generalidade e abstracção 
 capazes de serem identificadas pelos operadores jurídicos em geral como uma 
 situação de desconformidade constitucional (ou, melhor, como uma interpretação 
 não permitida pela Constituição).
 
 74.º – Reconhece‑se que se começa a principiar a dissipação da fronteira entre 
 o controlo da inconstitucionalidade de norma e controlo da 
 inconstitucionalidade da decisão judicial, o que pode revestir mais ou menos 
 complexidade.
 
 75.º – O que não se pode é recusar, por motivos de interpretação discutíveis e 
 de índole estritamente formal, o direito à tutela jurisdicional do controlo da 
 inconstitucionalidade (que encontra o seu último bastião no Tribunal 
 Constitucional),
 
 76.º – pois, perfilhar o entendimento da douta decisão sumária, não reconhecendo 
 no requerimento invocado uma questão de inconstitucionalidade normativa, 
 implica, peremptoriamente, o chamamento à colação de críticas, como as 
 arreigadas por Jorge Reis Novais, in Direitos Fundamentais: Trunfos Contra a 
 Maioria:
 
  
 
 «De resto, basta percorrer as decisões do Tribunal Constitucional em sede de 
 fiscalização concreta para confirmar que em inúmeras situações as decisões de 
 não admissibilidade de um recurso por não estar em causa a inconstitucionalidade 
 de uma norma, mas sim de uma decisão, podiam facilmente, com um pequeno esforço 
 de reformulação argumentativa, ser convertidas em decisões de admissibilidade. 
 Noutras ocasiões, a discussão e a divisão entre os juízes no próprio seio do 
 Tribunal Constitucional sobre a simples questão da admissibilidade é já tão 
 sofisticada e especiosa que, sem ironia, se poderia concluir que um curso 
 semestral numa Faculdade de Direito não chegaria para se perceber essa questão 
 particular de saber quando uma decisão judicial, entre nós, é ou não recorrível 
 para o Tribunal Constitucional ...»
 
  
 
          77.º – Concluindo que «(...) Pode sempre dizer‑se que à decisão 
 judicial de condenação à morte estava subjacente um norma, um critério 
 normativo, que foi o que o tribunal construiu mentalmente em ordem a justificar 
 a decisão. Mas, nessa altura, não há decisão judicial a que não esteja 
 igualmente subjacente uma norma, pelo que a conclusão logicamente inevitável é 
 a de que toda a decisão judicial é recorrível para o Tribunal Constitucional se 
 essa pretensa norma ou critério normativos forem arguíveis de 
 inconstitucionalidade».
 
          78.º – Termos em que devia o requerimento de recurso ser admitido por 
 verificação dos pressupostos do artigo 70.º, n.º 1, aliena b), da LTC.
 
 ***
 
          2. Não conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo do 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea f) (com referência à alínea c)), da LTC.
 
 79.º – A este respeito levantam‑se na Decisão Sumária duas questões:
 
 80.º – Em primeiro lugar, na afirmação «Não tem cabimento a invocação da alínea 
 f), com referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º, já que a recorrente não 
 suscitou perante o tribunal recorrido a questão de não dever ser aplicada 
 determinada norma por padecer de ilegalidade por violação de lei com valor 
 reforçado, nem sequer, aliás, menciona qualquer ilegalidade deste tipo no 
 próprio requerimento de interposição de recurso (…)» pode‑se descortinar uma 
 questão que se reparte em duas vertentes.
 
 81.º – Quanto à primeira vertente desta questão, da não suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade ou ilegalidade perante o tribunal recorrido, vale aqui a 
 argumentação expendida supra, que nos dispensamos de reproduzir, por inútil e 
 fastidioso.
 
 82.º – Quanto à segunda vertente da questão, a afirmação de que não se «menciona 
 qualquer ilegalidade deste tipo no próprio requerimento» não se afigura como 
 correcta, visto que no ponto n.º 2 do requerimento claramente se descortina a 
 sua invocação “por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, 
 artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 12.º, 
 n.º 2, do Código Civil, 12.º, n.ºs 1 e 3, da Lei Geral Tributária e do artigo 
 
 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais» (sublinhado nosso).
 
 83.º – Em segundo lugar, a Decisão Sumária alegou que «Na verdade, para além das 
 leis de autorização legislativa, das leis de bases gerais, das leis orgânicas e 
 das leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, só podem ser 
 consideradas leis de valor reforçado aquelas que, por força da Constituição, 
 sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por estas devam ser 
 respeitadas (n.ºs 2 e 3 do artigo 112.º da Constituição da República – CRP), o 
 que não é manifestamente o caso do Código do Procedimento Administrativo, do 
 Código do Procedimento e de Processo Tributário, do Código Civil, da Lei Geral 
 Tributária, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ou do Código de Processo nos 
 Tribunais Administrativos».
 
 84.º – Ora, não se pode acompanhar esse entendimento.
 
 85.º – De facto, variada jurisprudência (v. g., por todos, o Acórdão n.º 365/96 
 do Tribunal Constitucional) afirma que a Constituição não fornece uma definição 
 geral do que seja lei de valor reforçado, de forma a poder constituir um 
 critério diferenciador das leis integráveis nesse conceito.
 
 86.º – A doutrina tem tentado suprir tal ausência através da enunciação de 
 vários critérios, dos quais se poderá destacar: i) o critério da 
 parametricidade garantida por um processo judicial de fiscalização; ii) o 
 critério do fundamento material da validade normativa; iii) o critério da 
 capacidade derrogatória; iv) o critério da forma e especificidades 
 procedimentais.
 
 87.º – É certo que os critérios apresentados são de verificação apertada, mas, 
 nesta sede, não se pode desconsiderar que o conceito de «lei de valor reforçado» 
 
 é um Tatbestand que tende a compreender uma operatividade cada vez mais 
 abrangente, na medida em que as leis ordinárias, na construção do Estado de 
 Direito Democrático, dão exequibilidade à Constituição ou asseguram posições 
 jusfundamentalmente protegidas que adstrinjam outras leis, sob pena de 
 desconsideração do modelo constitucional de Estado.
 
 88.º – formando uma legalidade reforçada por força da conexão objectiva e 
 substantiva que apresentam com a própria Lei Fundamental.
 
 89.º – A este propósito cumpre verificar a força normativa do bloco legal 
 constituído pelos artigos 5.º a 13.º do Código Civil.
 
 90.º – Autorizada doutrina (vide, por todos, Paulo Otero, Legalidade e 
 Administração Pública, O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade) 
 afirma que «a determinação do sentido dos preceitos constitucionais obedece 
 sempre a regras de interpretação que partem da utilização dos designados 
 elementos interpretativos»,
 
 91.º – avançando que «existe aqui um fenómeno de prevalência lógica destes 
 princípios estruturais interpretativos, enquanto normas sobre normas que regulam 
 a determinação do sentido de todos os actos do sistema jurídico, sobre a 
 normatividade constitucional: são normas que no seu corpo material de 
 operatividade merecem a qualifica cão de ‘normas fundamentais’ (...)».
 
 92.º – e concluindo que «apesar de incluídas no Código Civil, deparamos com 
 normas aplicáveis a toda a ordem jurídica, gozando de uma natureza materialmente 
 constitucional» (sublinhado nosso),
 
 93.º – e «não há que discutir se essas normas do Código Civil referentes à 
 interpretação são leis ordinárias reforçadas (...) os princípios 
 interpretativos em causa revestem o valor de normas constitucionais 
 consuetudinárias: tratam‑se de princípios dotados de natureza praeter 
 constitutionem, gozando de força hierárquico‑normativa idêntica à Constituição 
 formal».
 
 94.º – Assim, a contrario, infere‑se que tais princípios interpretativos «não 
 podem, sob pena de inconstitucionalidade, ser derrogados ou revogados por uma 
 simples lei ordinária».
 
 95.º – Destarte, ao contrário do que afirma a Decisão Sumária, desponta uma 
 situação de inconstitucionalidade por violação de um princípio interpretativo 
 capital constante do Código Civil (mormente o artigo 12.º),
 
 96.º – sendo que, articulando tal reconhecimento com o n.º 1 do artigo 70.º da 
 LTC, não tendo os princípios força constitucional reconhecida, apenas restaria a 
 sua sindicabilidade com «fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com 
 valor reforçado», dado que as alíneas a) e b) estão reservadas para normas que, 
 no seu sentido e alcance, opugnem directamente a Constituição (rectius, 
 representem uma afronta à Constituição formal).
 
 97.º – Daí que, em termos de razoabilidade e racionalidade interpretativa, 
 apenas a alínea c) potenciaria a «racionalização do nosso sistema de 
 fiscalização da constitucionalidade em função do objectivo último de 
 proporcionar uma protecção adequada, nomeadamente para as violações da 
 Constituição que se traduzem na prática em afectação sensível e desfavorável 
 das posições jusfundamentais» (Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais, 
 Trunfos Contra a Maioria).
 
 98.º – O ideário exposto vale, por maioria de razão, para as normas invocadas da 
 Lei Geral Tributária,
 
 99.º – bastando, para tal, compulsar o seu Relatório onde, sem grande esforço, e 
 no que ao caso em apreço se refere, se observará que o «propósito de imprimir 
 certeza e segurança às normas de Direito Tributário preside às regras sobre 
 aplicação das leis tributárias no tempo e no espaço incluídas na Lei Geral 
 Tributária. No primeiro caso (aplicação no tempo), acolhe‑se expressamente o 
 princípio da proibição constitucional da criação de impostos retroactivos e 
 clarifica‑se o regime da sucessão das normas tributárias em caso de factos 
 tributários de formação igualmente sucessiva, como é o rendimento nos impostos 
 que sobre este incidem. Também se clarifica a aplicação no tempo das regras de 
 determinação da matéria tributável que constituam o mero desenvolvimento das 
 normas de incidência, às quais é estendida a regra da irretroactividade, em 
 atenção ao seu carácter verdadeiramente substantivo ou material».
 
 100.º – Termos em que também se deveria ter conhecido do recurso interposto ao 
 abrigo da alínea f), com referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
 ***
 
          À laia de conclusão:
 
          101.º – O recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea 
 b), da LTC deve ser conhecido porque não procedem os argumentos da Decisão 
 Sumária quanto à alegada proibição, constante do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, de 
 conhecer questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitadas em 
 instâncias inferiores (como o TCA) e em requerimentos de nulidade (quer 
 apresentados ao abrigo do artigo 668.º, n.º 1, alíneas d), e n.º 3, 1.ª parte, 
 do CPC, e portanto não estando esgotado o poder jurisdicional do Tribunal 
 recorrido, quer arguindo a inconstitucionalidade de uma interpretação normativa 
 surpresa), sendo certo que a conclusão K das contra‑alegações da A. no STA é 
 susceptível de fundamentar, por si só, o julgamento do objecto do recurso.
 Tudo nos termos alegados supra nos artigos 3.º a 78.º desta peça, para os quais 
 expressamente se remete.
 
 102.º – Também o recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea f) 
 
 (com referência à alínea c)), da LTC deve ser conhecido, não só pelas razões 
 atrás mencionadas e expendidas a propósito do recurso instaurado com fundamento 
 no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, mas também porque pelo menos o Código 
 Civil e a Lei Geral Tributária são comummente reconhecidos como um bloco de 
 legalidade reforçada (não derrogável por mera lei ordinária) e como tal podem 
 fundamentar este recurso de inconstitucionalidade e ilegalidade.
 Tudo nos termos alegados supra nos artigos 79.º a 100.º desta peça, para os 
 quais expressamente se remete.
 Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve a 
 presente Reclamação para a Conferência ser julgada procedente, e em consequência 
 ser ordenada a admissão do recurso com as consequências legais (designadamente a 
 notificação da A. para alegações), fazendo‑se assim a devida e costumeira 
 Justiça!”
 
  
 
                            1.3. O recorrido (Secretário de Estado dos Assuntos 
 Fiscais), notificado da precedente reclamação, não apresentou resposta.
 
                            Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                            2. São quatro os pontos fundamentais em que a 
 recorrente revela divergência com a decisão sumária: (i) relevância da 
 suscitação da questão de inconstitucionalidade perante instâncias inferiores; 
 
 (ii) tempestividade da suscitação da questão perante o tribunal recorrido; (iii) 
 carácter normativo da questão suscitada; (iv) natureza de lei com valor 
 reforçado das normas do Código Civil e da Lei Geral Tributária.
 
  
 
                            2.1. Quanto ao primeiro ponto, é sabido que, na 
 vigência da versão originária da LTC, se registou divergência na jurisprudência 
 do Tribunal Constitucional quanto a saber se, para assegurar a abertura da via 
 do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, bastava que a questão 
 de constitucionalidade houvesse sido suscitada em qualquer fase processual, ou 
 se era necessário que essa suscitação ocorresse perante a instância que proferiu 
 a decisão de que se recorre para o Tribunal Constitucional, mesmo que o 
 recorrente tivesse obtido ganho de causa na instância inferior e, portanto, 
 figurasse como recorrido no recurso onde foi proferida esta decisão. A primeira 
 posição foi perfilhada pela então 1.ª Secção (cf. Acórdãos n.ºs 232/92, 280/92 e 
 
 281/92), e a segunda pela então 2.ª Secção (cf. Acórdãos n.ºs 468/91, 469/91 e 
 
 182/95).
 
                            A disputa foi legislativamente decidida no sentido da 
 segunda posição, com a alteração do n.º 2 do artigo 72.º da LTC operada pela Lei 
 n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro, que passou a exigir – em sede de legitimidade 
 para recorrer nos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º 
 
 – que a “parte (…) haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da 
 ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”. Como 
 reconhecem Guilherme da Fonseca e Inês Domingos (Breviário de Direito 
 Processual Constitucional (Recurso de Constitucionalidade), 2.ª edição, 
 Coimbra, 2002, pp. 58‑59): “Hoje, porém, face à nova redacção dada ao referido 
 preceito legal, que exige dever a questão ser suscitada adequadamente, ou seja, 
 de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, consagrou‑se o entendimento seguido pela então 2.ª Secção”.
 
                            Constitui este o entendimento actualmente pacífico 
 deste Tribunal: cf., entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 114/2000 (“(…) hoje, 
 face à nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 72.º desse diploma, a questão devia 
 ter sido suscitada adequadamente perante aquele último [tribunal], que proferiu 
 a decisão recorrida”), 292/2002 (“Como tem sido jurisprudência deste Tribunal, 
 a suscitação da questão de inconstitucionalidade «durante o processo», nos 
 casos em que uma dada decisão judicial é impugnável por via de recurso 
 ordinário, tem de ser entendida por forma a que tal questão seja colocada nesse 
 recurso, para sobre ela haver um veredicto do tribunal superior, não podendo 
 dar‑se validade, para efeitos de cumprimento desse ónus, à circunstância de 
 aquela questão ser unicamente suscitada perante o tribunal de inferior 
 hierarquia, não vindo, posteriormente, a ser reiterada no recurso. É que, não o 
 sendo, houve um «abandono» dessa mesma questão e, consequentemente, sobre ela 
 não tinha o tribunal superior o dever de se pronunciar”), 343/2004 (“Nos termos 
 dos artigos 70.º n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, constitui pressuposto 
 do recurso interposto a suscitação, pelo recorrente, da questão de 
 constitucionalidade que se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, 
 durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. É, 
 assim, para este efeito, irrelevante tudo o que o recorrente possa ter alegado 
 em matéria de constitucionalidade de normas perante o tribunal de 1.ª instância, 
 quando o recurso de constitucionalidade vem interposto de um acórdão da 
 Relação.”), 12/2007 (“Resultando do referido artigo 72.º, n.º 2, da LTC que só 
 são atendíveis as questões de inconstitucionalidade suscitadas perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, há apenas que considerar – para 
 verificação do cumprimento do referido ónus de suscitação – as peças 
 processuais endereçadas pelo recorrente a esse tribunal (no caso: as alegações 
 do seu recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça), e já não as peças 
 produzidas perante distinta instância judicial (no caso: as alegações dos 
 recursos de apelação endereçados ao Tribunal da Relação do Porto)”) e 108/2007 
 
 (“Face ao disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, não são de considerar, para 
 se dar como verificado o cumprimento do apontado requisito, nem suscitações de 
 questões de constitucionalidade perante instâncias distintas do tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, nem questões suscitadas depois de proferida a 
 decisão final (com a qual se esgotou o poder jurisdicional do tribunal 
 recorrido), designadamente através de pedidos de aclaração ou de arguições de 
 nulidade dessa decisão. Por estas razões, não são atendíveis, para este efeito, 
 nem a petição inicial da impugnação judicial, apresentada no Tribunal 
 Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, nem o pedido de aclaração do acórdão 
 recorrido.”).
 
                            É esta orientação que ora se reitera, salientando‑se 
 que o requisito em causa de prende com a legitimidade para recorrer (epígrafe do 
 artigo 72.º, n.º 2, da LTC), sendo, por isso, de todo irrelevante, para este 
 efeito, que o acórdão recorrido tenha apreciado a questão de 
 inconstitucionalidade: para se reconhecer legitimidade ao recorrente não basta 
 que a questão de constitucionalidade tenha sido apreciada pelo tribunal 
 recorrido (oficiosamente ou por ter sido suscitada por outra parte), pois o 
 decisivo é que tenha sido o recorrente a suscitá-la perante esse tribunal.
 
                            Improcede, assim, o aduzido nos n.ºs 3.º a 26.º da 
 presente reclamação.
 
          
 
                            2.2. A segunda linha de argumentação da reclamante, 
 desenvolvida nos n.ºs 27.º a 57.º, também improcede: o poder jurisdicional do 
 tribunal recorrido, uma vez proferida a decisão de fundo, não se restaurou pelo 
 mero facto de ter sido arguida uma nulidade por omissão de pronúncia. Ele só se 
 restauraria se essa arguição fosse julgada procedente, o que no caso não 
 ocorreu. Isto é: se o tribunal a quo tivesse reconhecido que incorrera em 
 omissão de pronúncia, então, sim, renascia o poder de conhecer da questão a 
 propósito da qual poderia ser pertinente a apreciação da questão de 
 inconstitucionalidade suscitada no incidente pós‑decisório e, nessa hipótese, 
 essa suscitação seria de considerar como tempestiva. Mas tal não ocorreu no 
 presente caso, em que o STA não deu por verificada a omissão de pronúncia, pelo 
 que estamos em presença de uma situação em que o poder jurisdicional, 
 relativamente à questão de mérito em causa, se esgotou com a decisão de mérito 
 do recurso.
 
                            E também não ocorre a segunda situação em que se 
 entende estar a parte dispensada do ónus de suscitação prévia da questão de 
 inconstitucionalidade, pois a ora reclamante teve oportunidade processual de 
 suscitar tal questão, designadamente nas contra‑alegações que apresentou, e 
 sendo certo que a interpretação normativa acolhida na decisão ora recorrida nada 
 tem de inesperado ou insólito. A reclamante pode discordar da solução dada ao 
 caso concreto, mas não lhe é legítimo ignorar a existência de forte corrente 
 doutrinal e jurisprudencial que entende que em “matéria de discricionariedade 
 técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração”, o juízo 
 desta só “pode ser fiscalizado pelos tribunais [se ocorrer] erro grosseiro ou 
 manifesta desadequação ao fim legal”. Foi este o critério normativo adoptado 
 pelo acórdão recorrido (que nem sequer coincide com o critério identificado pela 
 recorrente no requerimento de interposição de recurso, segundo o qual o tribunal 
 a quo teria entendido ser de todo insindicável pelos tribunais administrativos a 
 discricionariedade técnica derivada do uso de conceitos indeterminados no 
 artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC). O acórdão recorrido entendeu que, no 
 caso, “não se antolha[va], nem [vinha] alegado” a ocorrência de “erro grosseiro 
 ou manifesta desadequação ao fim legal”. A reclamante – repete‑se – pode 
 discordar deste juízo subsuntivo, mas não pode negar que não suscitou, perante o 
 tribunal recorrido, apesar de ter disposto de oportunidade processual para o 
 efeito, a questão da inconstitucionalidade do critério normativo atrás 
 enunciado, cuja aplicabilidade, por nada ter de inesperado ou insólito, uma 
 litigância esclarecida e prudente devia ter previsto.
 
  
 
                            2.3. Quanto ao terceiro argumento, reitera‑se o 
 entendimento de que não pode ser considerada como adequadamente suscitada uma 
 questão de inconstitucionalidade normativa nos termos em que o foi na conclusão 
 K das contra-alegações da ora reclamante para o STA, pois aí se imputa a 
 violação da proibição da aplicação retroactiva das normas fiscais à decisão 
 judicial, em si mesma considerada.
 
                            Mas mesmo que assim se não entendesse, sobraria outro 
 motivo para a não admissão do recurso, nesta parte: o da falta de coincidência 
 entre a dimensão normativa supostamente arguida de inconstitucional e a dimensão 
 normativa aplicada, como ratio decidendi, no acórdão recorrido. É que, para 
 este, foi relevante a circunstância de que o pedido de autorização para a 
 dedução de prejuízos fiscais dos estabelecimentos estáveis adquiridos através 
 de uma operação de entrada de activos, apesar de inicialmente apresentado em 27 
 de Setembro de 2002, vinha insuficientemente instruído, por falta de cópia da 
 escritura pública do aumento do capital social, cópia esta que só foi entregue 
 em 16 de Janeiro de 2003. Por isso, o acórdão recorrido considerou que só a 
 partir desta última data (16 de Janeiro de 2003) e não da primeira (27 de 
 Setembro de 2002), o pedido se pode considerar validamente apresentado, sendo a 
 partir dessa data que começou a contar o prazo para a formação de acto tácito de 
 deferimento. Em congruência com este entendimento, uma vez que se considerou 
 como data relevante de apresentação do pedido a de 16 de Fevereiro de 2003, o 
 reconhecimento, pelo acórdão recorrido, da aplicabilidade da nova exigência, 
 introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 229/2002, de 31 de Outubro, com o aditamento do 
 artigo 11.º‑A do EBF, do pagamento das contribuições para a Segurança Social não 
 significa a adopção do critério normativo arguido de inconstitucional pela ora 
 reclamante. O acórdão recorrido considerou, além do mais, que da aplicação 
 imediata da nova lei não resultava prejuízo para as garantias, direitos e 
 interesses legítimos anteriormente constituídos do contribuinte pois “aquando da 
 publicação desta lei [nova], nem sequer se tinha iniciado o prazo para o 
 deferimento tácito”.
 
                            Improcede, assim, a aduzido nos n.ºs 58.º a 78.º da 
 LTC.
 
  
 
                            2.4. Finalmente, relativamente ao recurso interposto 
 ao abrigo da alínea f), com referência à alínea c), do n.º 1 do artigo 70.º da 
 LTC, valem aqui as considerações atrás tecidas quanto à inadequação da 
 suscitação da questão – inadequação quanto ao tempo e inadequação quando ao 
 modo –, o que seria por si só bastante para reiterar o juízo de 
 inadmissibilidade desta parte do recurso.
 
                            Ao que acresce que, como se explanou na decisão 
 sumária ora reclamada, no conceito de lei com valor reforçado – tal como foi, 
 designadamente, densificado no Acórdão n.º 374/2004 deste Tribunal – não cabem 
 as invocadas normas do Código Civil e da Lei Geral Tributária, já que não 
 resulta directamente da Constituição (como seria necessário para esse efeito) 
 que as mesmas constituam pressuposto normativo necessário ou parâmetro de 
 validade de outras leis.
 
  
 
                            3. Em face do exposto, acorda‑se em indeferir a 
 presente reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                            Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de justiça 
 em 20 (vinte ) unidades de conta.
 Lisboa, 16 de Maio de 2007.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos