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Processo n.º 910/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
             I – Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é 
 recorrente o Ministério Público e recorridos, A. e União Desportiva B., foi 
 interposto recurso obrigatório de fiscalização concreta de constitucionalidade, 
 ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional 
 
 (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 22.09.2008, que recusou a aplicação, da 
 norma do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, quando 
 interpretada no sentido de que «a rescisão do contrato a termo operada pelo 
 praticante desportivo, com fundamento em justa causa, apenas lhe confere uma 
 indemnização que nunca pode ser superior às prestações a que ele tinha direito, 
 se acaso o contrato de trabalho apenas terminasse no seu termo», por entender 
 que viola o artigo 13.º da Constituição.
 
  
 
 2. As partes foram notificadas para alegar, com a advertência para a 
 eventualidade de não conhecimento do objecto do recurso, por inutilidade.
 
  
 
  
 
  
 
 3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 concluiu as respectivas alegações da forma seguinte:
 
 «1º
 A norma constante do artigo 27º, nº 1, da Lei nº 28/98, de 26 de Junho, ao 
 estabelecer que, nos casos de rescisão do contrato de trabalho desportivo por 
 iniciativa do praticante, a indemnização não pode exceder o valor das 
 retribuições que àquele seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado 
 no seu termo estabelece uma discriminação negativa para o trabalhador/praticante 
 desportivo, já que – após a vigência do Código do Trabalho – o valor das 
 retribuições vincendas passou a constituir limite mínimo – e não limite máximo — 
 ao valor da indemnização a arbitrar ao trabalhador.
 
 2º
 Não se vislumbrando fundamento material bastante para esta radical diversidade 
 de soluções jurídicas, a norma desaplicada no presente processo viola o 
 princípio da igualdade, devendo confirmar-se, nesta parte, o acórdão recorrido.»
 
  
 
 4. A recorrida União Desportiva B. contra-alegou, concluindo o seguinte:
 
 «1 - O princípio da igualdade não proíbe que a lei estabeleça distinções, 
 proibindo apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material, isto é, 
 tal princípio apenas determina a proibição do arbítrio. 
 
 2 - O princípio da igualdade impõe que se trate de forma diferente situações que 
 são diferentes. 
 
 3 - O praticante desportivo profissional representa uma realidade distinta do 
 trabalhador comum, impondo-se, por isso, um tratamento diferente por parte do 
 legislador, não representado tal opção legislativa violação da proibição do 
 arbítrio, sendo antes uma concretização do princípio da igualdade. 
 
 4 - O art. 27.°, n.° 1 da Lei 28/98, ao tratar de forma diferente realidades 
 diferentes não viola o art. 13.° da Constituição da República Portuguesa. 
 
 5 - Sendo certo que a definição do concreto regime de indemnização não pode 
 inferir-se do art. 59.° da Constituição da República Portuguesa, sempre se dirá 
 que o art. 27.° da Lei 28/98, ao consagrar a indemnização aí prevista, garante 
 as “condições mínimas” de protecção do trabalhador desportivo. 
 Termos em que, a norma constante do art. 27.°, n.°1, da Lei 28/98, de 26 de 
 Junho, não viola os arts. 13.° e 59.° da Constituição da República Portuguesa, 
 devendo, nesta parte, revogar-se o acórdão recorrido.»
 
  
 
 5. O recorrido A. não apresentou contra-alegações.
 
  
 
 6. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrido, tem o seguinte 
 teor, na parte que agora releva:
 
 «2. A Lei 28/98 e o Código do Trabalho.
 Sob a epígrafe “Indemnização devida ao trabalhador”, prescreve o art. 443.º n.º 
 
 3 do Código do Trabalho que “no caso de contrato a termo, a indemnização 
 prevista nos números anteriores não pode ser inferior à quantia correspondente 
 
 às retribuições vincendas”.
 Como decorre do acabado de transcrever, o legislador do Código do Trabalho 
 deixou de estabelecer um limite máximo da indemnização e passou a estabelecer um 
 limite mínimo.
 E se assim é, então a Lei 28/98 está em conflito com o Código do Trabalho. Ou 
 melhor dizendo: a Lei 28/98 que estaria em harmonia com a LCCT (entretanto 
 revogada) passou a “brigar” com o Código do Trabalho em termos do montante da 
 indemnização a atribuir ao trabalhador em caso de rescisão com justa causa do 
 contrato de trabalho a termo.
 E perante dois regimes jurídicos diferentes – um especial e outro geral – que 
 regulam a mesma situação jurídica, que dizer?
 Seríamos tentados a responder que a lei especial prevalece sobre a lei geral e 
 como tal ter-se-ia de aplicar ao caso o regime estabelecido pela Lei 28/98. 
 Mas assim não é como vamos explicar de seguida.
 
 3. Da inconstitucionalidade do art. 27.º n.º 1 da Lei 28/98.
 Só para facilitar o nosso raciocínio imaginemos o seguinte caso: um trabalhador 
 contratado a termo certo resolve o contrato de trabalho ao abrigo do art. 441.º 
 n.ºs. 1 e 2 do Código do Trabalho e formula o pedido de indemnização a que alude 
 o art. 443.º do mesmo diploma legal. 
 Atento o disposto no n.º 3 do art. 443.º do Código do Trabalho, ele tem direito, 
 no mínimo, ao valor das retribuições que deveria auferir até ao termo do seu 
 contrato de trabalho. No entanto, se o mesmo trabalhador for um praticante 
 desportivo, o montante da indemnização nunca poderá ultrapassar aquele valor.
 Há nitidamente uma diferença no tratamento de situações jurídicas idênticas. 
 Tratamento desigual que “choca” o senso comum! Porque será que o trabalhador 
 comum recebe sempre um montante indemnizatório mínimo, e o praticante desportivo 
 só pode receber esse mesmo montante como limite máximo?
 Salvo melhor opinião, não encontrámos razões objectivas para a diferença de 
 tratamento de situações iguais: a rescisão com justa causa do contrato de 
 trabalho a termo e o direito à correspectiva indemnização.
 E pelas razões acabadas de indicar temos que concluir que o disposto no art. 
 
 27.º n.º 1 da Lei 28/98 é inconstitucional por violar o princípio da igualdade 
 previsto no art.13.º da Constituição da República Portuguesa, quando 
 interpretado no sentido de que a rescisão do contrato a termo operada pelo 
 praticante desportivo, com fundamento em justa causa, apenas lhe confere uma 
 indemnização que nunca pode ser superior ás prestações a que ele tinha direito 
 se acaso o contrato de trabalho apenas terminasse no seu termo.
 Acresce que o art. 27.º n.º 1 da Lei 28/98 ofende igualmente o disposto no art. 
 
 59.º da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, este preceito 
 constitucional determina que o Estado - Legislador estabeleça as “condições 
 mínimas” de protecção aos trabalhadores. E necessariamente não podemos esquecer 
 que essa protecção tem também a ver com os “mínimos indemnizatórios” e que se 
 mostram consagrados nos arts.436.º, 437.º, 439.º, 440.º e 443.º, todos do Código 
 do Trabalho. Ora, a norma do art. 27.º n.º 1 da Lei 28/98 não cumpre tal 
 desiderato ao limitar a indemnização devida ao praticante desportivo (no sentido 
 da inconstitucionalidade da referida disposição legal ver “Em Limitações à 
 Liberdade Contratual do Praticante Desportivo, do Dr. Lúcio Correia, pg. 279).
 A conclusão a que se chegou – a inconstitucionalidade do n.º 1 do art.27.º da 
 Lei 28/98 – determina que este Tribunal recuse a sua aplicação ao caso dos 
 autos.
 Tal significa que a indemnização devida ao Autor é aquela que foi fixada pelo 
 Tribunal a quo, atento o disposto no art.443.º n.º 3 do Código do Trabalho.
 No entanto, e atenta a natureza imperativa do disposto no art. 383.º n.º 3 do 
 Código do Trabalho, ao valor da indemnização não é de deduzir o que o Autor 
 auferiu após a resolução do contrato. Ou seja, o Autor tem direito a receber a 
 indemnização mínima a que alude a citada disposição legal, sempre sem prejuízo 
 da invocação dos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais para justificar 
 indemnização superior àquela.
 Assim, e neste particular, e ainda que por fundamentos diversos, a sentença terá 
 de ser parcialmente revogada, precisamente na parte em que ordenou a dedução das 
 retribuições que o Autor auferiu ao serviço de outra entidade e após a data da 
 resolução do contrato.»
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II − Fundamentação
 
  
 A) Questão prévia
 
  
 
 7. Importa começar por decidir a questão prévia quanto à utilidade do 
 conhecimento do objecto do recurso.
 Na parte que releva à presente decisão, verifica-se que a acção de que emerge o 
 presente recurso foi julgada parcialmente procedente em 1.ª instância, tendo a 
 ré União Desportiva B. sido condenada, além do mais, a pagar ao autor, A., as 
 retribuições acordadas para a época de 2006/2007, no montante de €44.100, 
 deduzidas as retribuições que o autor auferiu do Clube Queluz Sintra Património 
 Mundial, na mesma época de 2006/2007.
 O acórdão recorrido − apesar do juízo de inconstitucionalidade emitido − manteve 
 o montante da indemnização (€44.100) que a ré tinha sido condenada a pagar ao 
 autor, mas revogou a decisão da 1.ª instância na parte em que tinha ordenado a 
 dedução das retribuições que o autor auferiu ao serviço de outra entidade, após 
 a data da resolução do contrato.
 A propósito da “utilidade” do recurso de constitucionalidade o Ministério 
 Público sustentou o seguinte:
 
             «Tal situação [a manutenção, pelo acórdão recorrido, do montante a 
 pagar pela ré], numa análise, limiar, é susceptível de criar dúvidas quanto à 
 utilidade do recurso de fiscalização concreta interposto, já que se poderia 
 tomar a citada desaplicação normativa como mero “obiter dictum”, insusceptível 
 de se reflectir no conteúdo da decisão de mérito proferida – que manteve a 
 condenação da ré a pagar precisamente o valor das remunerações acordadas para a 
 
 época em que vigorou o contrato de trabalho desportivo: e, na realidade, o 
 
 “desaparecimento” do limite indemnizatório prescrito no referido nº 1 do artigo 
 
 27º não implica que as indemnizações a arbitrar, nos casos concretos, sejam 
 necessariamente superiores ao valor das remunerações que ao praticante 
 desportivo seriam devidos se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo 
 normal – apenas autorizando o autor a alegar e provar danos superiores ao 
 referido montante. Mas – como é evidente – se tal ónus de alegação e prova não 
 for cumprido em certo processo, não será naturalmente a circunstância de a lei 
 autorizar, em abstracto, o arbitramento de uma indemnização superior ao valor 
 das ditas retribuições que conduzirá o Tribunal a, sem mais, atribuir um valor 
 compensatório superior ao praticante desportivo que não logrou demonstrar danos 
 adicionais, superiores ao montante das ditas remunerações.
 
             Analisando, porém, a fundamentação da decisão recorrida, afigura-se 
 que não estará precludido o interesse na apreciação da questão de 
 constitucionalidade suscitada, já que terá sido precisamente o juízo de 
 desconformidade constitucional da norma do artigo 27º, nº 1 que conduziu à 
 revogação do segmento da sentença da 1ª instância que aplicou o princípio do 
 
 “compensatio lucri cum damno”: na verdade o afastamento da norma desaplicada 
 terá conduzido à aplicação do regime geral, prescrito no artigo 443º, nº 3, do 
 Código de Trabalho, entendendo-se, perante a sua natureza “imperativa”, que a 
 indemnização arbitrada não poderia ser, em nenhuma circunstancia, inferior à 
 quantia correspondente às retribuições vincendas, o que precludiria a dedução 
 das remunerações auferidas, na mesma época, ao serviço de outro clube 
 desportivo.
 
             É evidente que este problema se não colocaria se fosse plenamente 
 aplicável o regime estabelecido no artigo 27º, nº 1, da Lei nº 28/98, em que o 
 valor das remunerações devidas na pendência do contrato, até ao seu termo 
 normal, funciona como limite ou tecto – e não como base ou mínimo da 
 indemnização a arbitrar ao praticante desportivo.»
 A recorrida União Desportiva B.não se pronunciou sobre esta questão.
 Numa análise preliminar, e necessariamente perfunctória, do acórdão recorrido, o 
 relator entendeu suscitar a questão da eventual inutilidade do recurso, pois, 
 tendo o Tribunal da Relação do Porto mantido o valor da condenação proferida em 
 
 1.ª instância, tal poderia significar que a recusa de aplicação, por 
 inconstitucionalidade, do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 (do limite 
 indemnizatório aí estabelecido), representava, no contexto da decisão, um mero 
 obiter dictum.
 Constata-se, no entanto, como salienta o Ministério Público, que foi o juízo de 
 desconformidade constitucional daquela norma que conduziu à revogação do 
 segmento da sentença da 1.ª instância que aplicou o princípio do compensatio 
 lucri cum damno. De facto, resulta da parte final do ponto IV do acórdão 
 recorrido que o afastamento da norma desaplicada levou à convocação do regime 
 prescrito no artigo 443.º, n.º 3, do Código de Trabalho. A partir daí, 
 fundamentando-se na natureza imperativa deste regime, o tribunal recorrido 
 entendeu que a indemnização a que o autor tinha direito não podia ser inferior à 
 quantia correspondente às retribuições vincendas, pelo que não podia deduzir-se, 
 a esse valor, as remunerações por ele auferidas, após a resolução do contrato, 
 ao serviço de outro clube desportivo.
 Conclui-se, assim, pela utilidade no conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade.
 
  
 B) Mérito do recurso
 
  
 
 8. A Lei n.º 28/98, de 26 de Junho (alterada pela Lei n.º 114/99, de 3 de 
 Agosto), veio estabelecer o novo regime jurídico do contrato de trabalho do 
 praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, revogando o 
 Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro.
 O questionado artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, estabelece o seguinte:
 
 «Artigo 27.º
 Responsabilidade das partes pela cessação do contrato
 
 1 − Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior, a parte 
 que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em 
 responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do 
 contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao 
 praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu 
 termo.
 
 2 − (…).
 
 3 − (…).»
 As alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 26.º, que integram o âmbito de previsão da 
 norma transcrita, referem-se à cessação do contrato de trabalho desportivo por, 
 respectivamente, “despedimento com justa causa promovido pela entidade 
 empregadora desportiva” e «rescisão com justa causa por iniciativa do praticante 
 desportivo».
 
  
 
 9. A questão de constitucionalidade emerge da seguinte situação concreta:
 A., jogador profissional de basquetebol, celebrou com a União Desportiva B., um 
 
 “contrato de trabalho desportivo” com início em 25-08-2005 e termo em 25-05-2007 
 
 (ou 48 horas depois do último jogo oficial em que o clube participasse na 
 
 época), mediante determinada remuneração. As partes celebraram, ainda, um 
 aditamento ao contrato, bem como um “contrato de direitos de imagem”.
 Por carta de 21-09-2006, o contrato foi rescindido pelo praticante desportivo, 
 invocando justa causa, em virtude do não pagamento de remunerações. 
 Na sequência, o referido jogador intentou, no Tribunal de Trabalho de Oliveira 
 de Azeméis, acção emergente daquele contrato, com vista, nomeadamente, ao 
 pagamento da indemnização devida pela cessação do mesmo.
 Na apreciação deste litígio concreto, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 
 de 22.09.2008, recusou a aplicação da norma do citado artigo 27.º, n.º 1, da Lei 
 n.º 28/98, quando interpretada no sentido de que a rescisão do contrato a termo 
 operada pelo praticante desportivo, com fundamento em justa causa, apenas lhe 
 confere uma indemnização que nunca pode ser superior às prestações a que ele 
 tinha direito se acaso o contrato de trabalho apenas terminasse no seu termo.
 A questão de constitucionalidade que se coloca é, portanto, a da conformidade 
 constitucional do limite estabelecido naquele artigo 27.º, n.º 1, in fine, 
 segundo o qual a indemnização não pode exceder o valor das retribuições que ao 
 praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu 
 termo.
 O acórdão recorrido considerou que esta norma violava o princípio da igualdade, 
 previsto no artigo 13.º da Constituição, e, ainda, o artigo 59.º da 
 Constituição, na medida em que este impõe ao legislador que estabeleça 
 
 “condições mínimas” de protecção dos trabalhadores, entre as quais considerou 
 estarem incluídos os “mínimos indemnizatórios”.
 
  
 
 10. Cumpre, em primeiro lugar, apreciar a questão de constitucionalidade tomando 
 como parâmetro o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da 
 Constituição.
 A este respeito, a decisão recorrida considerou que da comparação entre o regime 
 indemnizatório fixado no artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, e o regime 
 constante do artigo 443.º, n.º 3, do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 
 
 99/2003, de 27 de Agosto), resulta uma diferença de tratamento de situações 
 jurídicas idênticas, sem que haja uma razão objectiva que a fundamente. Ou seja, 
 em caso de rescisão do contrato a termo, pelo trabalhador, com justa causa, o 
 trabalhador comum (a quem é aplicável a norma do Código do Trabalho) tem direito 
 a um mínimo indemnizatório correspondente às retribuições vincendas, enquanto 
 que para o praticante desportivo esse montante é, de acordo com a norma julgada 
 inconstitucional, o montante máximo da indemnização.
 Esta tão pronunciada diferenciação de regimes nasceu apenas com a promulgação do 
 Código do Trabalho.
 Na verdade, à data da aprovação da Lei n.º 28/98, o legislador previu, no citado 
 artigo 27.º, n.º 1, um regime indemnizatório similar ao regime vigente para o 
 contrato de trabalho a termo “comum”, então constante do artigo 52.º, n.º 4, da 
 denominada LCCT (Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, com as alterações 
 posteriores), no qual se previa o seguinte:
 
 «No caso de rescisão com justa causa por iniciativa do trabalhador, este tem 
 direito a uma indemnização correspondente a mês e meio de remuneração de base 
 por cada ano de antiguidade ou fracção, até ao limite do valor das remunerações 
 de base vincendas.»
 Como realça JOANA VASCONCELOS (Pedro Romano Martinez, et alii, Código do 
 Trabalho, Anotado, 6.ª ed., Coimbra, 2008, 806) o limite mínimo fixado no n.º 3 
 do artigo 443.º do Código do Trabalho traduz uma «completa inflexão de rumo 
 relativamente ao direito anterior».
 Acontece que esta mudança de rumo não foi, depois, reproduzida na regulamentação 
 do contrato de trabalho desportivo, que manteve a redacção de 1998, pelo que, 
 supervenientemente, passou a haver um regime diferenciado de indemnização, por 
 rescisão do contrato a termo por iniciativa do trabalhador, consoante se trate 
 de trabalhador abrangido pelo regime comum ou de praticante desportivo.
 Estes antecedentes legislativos levaram até o Ministério Público a concluir, nas 
 suas alegações, que a diferença entre o regime de indemnização fixado no artigo 
 
 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, e o regime que, desde 2003, se encontra plasmado 
 no artigo 443.º, n.º 3 do Código de Trabalho, não radica «numa ponderação do 
 legislador sobre eventuais especificidades do contrato de trabalho desportivo», 
 mas antes numa situação de «inércia legislativa».
 A este entendimento contrapõe-se um outro, perfilhado pela recorrida União 
 Desportiva B., nas suas contra-alegações, de que o praticante desportivo 
 profissional é um trabalhador cujo estatuto juslaboral é distinto do estatuto 
 aplicado à generalidade dos trabalhadores, o que justificaria a solução.
 
  
 
 11. É vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o princípio da 
 igualdade, nas suas várias dimensões, podendo ler-se uma síntese da mesma no 
 Acórdão n.º 232/2003.
 No presente recurso, está em causa o princípio da igualdade, enquanto vínculo 
 específico do legislador (na expressão do Acórdão n.º 69/2008), na sua vertente 
 de proibição do arbítrio, ou seja, de imposição da igualdade de tratamento para 
 situações iguais e de interdição de tratamento igual para situações 
 manifestamente desiguais.
 Escreveu-se a este respeito no Acórdão n.º 409/99:
 
 «O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República 
 Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e 
 que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o 
 princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade 
 legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. 
 Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções 
 discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas 
 ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da 
 igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de 
 proibição do arbítrio (…)».
 Tendo em vista esta dimensão do parâmetro da igualdade, cumpre apreciar se, no 
 caso vertente, há uma diferença material entre as situações reguladas no artigo 
 
 27.º, n.º 1, da Lei 28/98, e no artigo 443.º, n.º 3, do Código do Trabalho que 
 justifique o tratamento distinto das mesmas.
 Uma resposta a essa questão requer uma sumária caracterização das 
 especificidades (e suas implicações) da relação de trabalho desportivo, que 
 levaram à sua constituição como campo normativo relativamente autónomo, com 
 regulação própria, desviante, em aspectos significativos, da disciplina geral do 
 contrato de trabalho.
 O artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 28/98 define contrato de trabalho desportivo 
 como «aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, 
 a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova 
 ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e a direcção desta».
 Globalmente considerada, a relação laboral do praticante desportivo tem natureza 
 especial, pelo que só subsidiariamente lhe são aplicáveis as regras aplicáveis 
 ao contrato de trabalho (cfr. o artigo 3.º da Lei n.º 28/98) e apenas na medida 
 em que não sejam incompatíveis com a especificidade do contrato de trabalho 
 desportivo (artigo 11.º do Código de Trabalho).
 Assim, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, que antecedeu 
 a Lei n.º 28/98, justificava-se a necessidade de intervenção legislativa, no 
 domínio do contrato de trabalho dos praticantes desportivos, «em razão das 
 especialidades que a actividade desportiva comporta e a que o regime geral do 
 contrato de trabalho não pode responder inteiramente». 
 JOÃO LEAL AMADO (Vinculação versus Liberdade, O processo de constituição e 
 extinção da relação laboral do praticante desportivo, Coimbra, 2002, 67 e s.) 
 salienta que a relação laboral desportiva apresenta particularidades 
 importantes, quer no que toca aos seus sujeitos, quer no atinente ao respectivo 
 objecto. Conclui este Autor que «o contrato de trabalho desportivo é um 
 
 “contrato especial de trabalho”, acima de tudo, pela necessidade de na sua 
 disciplina jurídica se coordenar o aspecto laboral com o aspecto desportivo, 
 compatibilizando ambas as facetas. Trata-se de articular a tradicional protecção 
 do trabalhador/desportista com a adequada tutela do desporto/competição 
 desportiva, visto que, para o ordenamento jurídico estadual, estes são dois 
 valores de extrema importância, cuja conciliação se mostra indispensável. Ora, 
 sucede que a lógica muito própria da competição desportiva profissional pode 
 reivindicar − ou, pelo menos, recomendar − um certo número de desvios, nesta 
 sede, relativamente ao regime geral do contrato de trabalho.» (ob. cit., 79-80).
 O atendimento das exigências próprias da competição e do espectáculo desportivos 
 repercutiu-se, nomeadamente, no que agora importa, no regime de duração e de 
 cessação do contrato.
 São essas razões que justificam que o contrato seja celebrado necessariamente a 
 termo certo, com um prazo mínimo de uma época e um máximo de oito épocas (artigo 
 
 8.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98) e caduque obrigatoriamente no fim do período 
 acordado (artigo 26.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/98). 
 Como explica PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3ª ed., 2006, Coimbra, 
 
 698), está-se perante uma contratação obrigatória a termo «por se entender que a 
 transitoriedade se encontra associada à actividade e às condições físicas do 
 praticante».
 São ainda razões de organização e de funcionamento do desporto profissional, na 
 medida em que reclamam uma estabilidade mínima na constituição das formações em 
 competição, que fundam a limitação da liberdade de desvinculação ante tempus do 
 praticante desportivo (cfr., neste sentido, JOÃO LEAL AMADO, ob. cit., 258, e 
 
 “Ainda sobre as cláusulas de opção e de rescisão no contrato de trabalho 
 desportivo”, Temas laborais, 2, Coimbra, 2007, 152 s., esp. 168-169): enquanto 
 que, no regime comum, o trabalhador é livre de fazer cessar o contrato de 
 trabalho, resolvendo-o com justa causa (artigo 441.º do Código do Trabalho), ou 
 denunciando-o, independentemente de justa causa, mediante aviso prévio, mesmo na 
 hipótese de se tratar de contrato a termo (artigo 447.º, n.ºs 3 e 4, do mesmo 
 Código), no contrato de trabalho desportivo, o praticante tem de respeitar o 
 período contratual estipulado (cfr. o artigo 8.º da Lei n.º 28/98), só podendo 
 rescindir o contrato, antes do seu termo, com justa causa (ressalvado o período 
 experimental − artigo 26.º, n.º 1, alíneas d) e e) da mesma Lei). Ao passo que, 
 no contrato de trabalho desportivo, a justa causa é condição da licitude da 
 rescisão pelo trabalhador, no regime geral, é apenas factor de resolução com 
 cessação imediata do contrato (artigo 441.º, n.º 1 do Código do Trabalho), 
 dispensando o pré-aviso.  
 
  
 
 12. Esta contextualização normativa, de que ressalta o não reconhecimento ao 
 trabalhador desportivo do poder de desvinculação ad nutum, a todo o tempo, de 
 que goza o trabalhador comum, não pode ser perdida de vista, quando se trata de 
 comparar, à luz do princípio da igualdade, regimes (o geral e o do contrato de 
 trabalho desportivo) da indemnização devida pela cessação do contrato.
 Na verdade, na situação prevista no n.º 3 do artigo 443.º do Código do Trabalho, 
 o credor da indemnização é sempre o trabalhador. Como a epígrafe expressamente 
 refere, o artigo ocupa-se da “indemnização devida ao trabalhador”, uma 
 indemnização a que ele tem direito como reparação pelos prejuízos sofridos com a 
 resolução do contrato, por sua iniciativa, com fundamento em justa causa, 
 imputável ao empregador (pela prática de qualquer dos factos referenciados no 
 n.º 2 do artigo 441.º). Sendo o contrato a termo, essa indemnização tem como 
 limite mínimo a quantia correspondente às prestações vincendas.
 Já o artigo 27.º da Lei n.º 28/98, diferentemente, regula a “responsabilidade 
 das partes pela cessação do contrato”, sendo o sujeito responsável identificado 
 como “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente”.
 Conjugando este segmento com as alíneas c) e d) do artigo 26.º, facilmente se 
 concluirá que a posição debitória tanto pode ser assumida pelo empregador como 
 pelo trabalhador. Das quatro situações possíveis, em duas delas é o praticante 
 desportivo quem incorre em responsabilidade: quando o despedimento é promovido 
 com justa causa (comprovada) pela entidade empregadora e quando a rescisão é 
 promovida por si, mas indevidamente, por não se verificar justa causa. Só nas 
 duas situações restantes, de improcedência da justa causa invocada pela entidade 
 empregadora, ou de rescisão com justa causa (comprovada) por iniciativa do 
 praticante desportivo, é este quem se constitui como credor da indemnização.
 
   Sendo assim, a norma do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 tem, do ponto de 
 vista do seu alcance tutelador, uma natureza bifrontal, não podendo ser lida 
 como unidireccionada a satisfazer os interesses de um dos lados em relação. Na 
 verdade, sempre que é o praticante desportivo o devedor da indemnização, a 
 fixação de um limite máximo redunda em seu benefício. Benefício tanto mais 
 palpável quanto é certo que, pelo menos nas modalidades a que se ligam 
 interesses também de grande expressão pecuniária, os prejuízos efectivos da 
 entidade empregadora podem atingir, no caso dos praticantes de maior destaque 
 
 (cuja contratação implica, amiúde, um avultado investimento, como contrapartida 
 da transferência do clube a que anteriormente estavam ligados) montantes 
 significativamente mais elevados do que o limite legalmente fixado, o que, a não 
 existir este limite, redundaria na imposição, ao trabalhador, de um débito 
 indemnizatório extremamente pesado.
 
  
 
 13. O que acabou de ser dito, se é indispensável para uma correcta colocação do 
 problema de constitucionalidade que nos foi posto, não é determinativo de uma 
 decisão no sentido da não afectação do princípio da igualdade.
 Um juízo definitivo não pode, na verdade, esquecer que está aqui em apreciação 
 uma única dimensão aplicativa do preceito, não a plenitude da disciplina 
 normativa que ele contém. E, nessa dimensão – a da rescisão do contrato de 
 trabalho desportivo, com justa causa, por iniciativa do praticante –, o regime 
 em questão, independentemente do seu alcance noutras situações extintivas (e do 
 juízo que, nessas vertentes, ele mereça), é desfavorável ao trabalhador 
 desportivo. Este é, nesta circunstância, pior tratado do que a generalidade dos 
 trabalhadores.
 
  E é-o por duas razões, ou de duas maneiras. Em primeiro lugar, porque a 
 indemnização a que tem direito está sujeita a um limite máximo; em segundo 
 lugar, porque não beneficia de um limite mínimo. Sob o primeiro aspecto, pode 
 acontecer que danos concreta e efectivamente sofridos fiquem por indemnizar, por 
 excederem o tecto máximo do quantum indemnizatório; do segundo ponto de vista, 
 não tem garantida uma indemnização mínima, quer haja, quer não haja danos 
 comprovados e, em caso afirmativo, independentemente do seu concreto montante.
 Estamos, pois, perante um duplo desfavorecimento do praticante desportivo 
 profissional, em face da generalidade dos trabalhadores, na medida em que sofre 
 de uma desvantagem que a estes não é imposta e não beneficia de uma vantagem de 
 que aqueles outros gozam. 
 Para a apreciação da admissibilidade, ou não, desta diferenciação “negativa”, 
 perante as exigências decorrentes do princípio da igualdade, o que importa agora 
 
 é saber se as especificidades da prestação do trabalho desportivo se projectam 
 também em sede de indemnização por virtude da rescisão com justa causa por 
 iniciativa do praticante desportivo, constituindo, neste particular campo 
 normativo, um ponto de vista suficientemente diferenciador, apto a fornecer um 
 fundamento material para esta disparidade de regimes.
 Ora, vimos já que, por razões desportivas, se encontra objectivamente 
 justificada a temporalidade do vínculo, não gozando o praticante das garantias 
 de estabilidade concedidas aos outros trabalhadores. Daí, não só a 
 obrigatoriedade da celebração do contrato a termo, como também o regime de 
 caducidade pura a que este fica sujeito. A contratação a termo, com esta 
 disciplina, é a que melhor se amolda à natureza específica da prestação laboral 
 a que o praticante se obriga, pelo que a solução legal não representa (ou não 
 representa prioritariamente), neste âmbito, o atendimento preferencial dos 
 interesses do empregador – com o correspondente sacrifício dos interesses do 
 trabalhador − , mas antes um ajustamento da disciplina normativa à ontologia 
 própria do desporto profissional. 
 
 É outro o contexto de valoração dos contratos a termo submetidos ao regime do 
 Código do Trabalho. Num domínio em que o interesse do trabalhador na 
 continuidade do vínculo é objecto de forte tutela e em que o contrato a tempo 
 indeterminado corresponde a um ideal normativo – só deste modo se justifica, na 
 verdade, o regime restritivo da admissibilidade do contrato a termo, consagrado 
 nos artigos 129.º e seguintes do Código do Trabalho − esta modalidade de 
 contrato representa, em si mesmo, uma situação laboral desfavorável ao 
 trabalhador. 
 Haverá, porventura, quem, num esforço ingente de identificação de um fundamento 
 para a disparidade de tratamento, encontre aqui uma razão bastante para o regime 
 de indemnização favorável do artigo 443.º, n.º 3, do Código do Trabalho, e 
 favorável na medida em que possibilita o ressarcimento de danos não sofridos e 
 até, eventualmente, a colocação do trabalhador em melhor situação patrimonial do 
 que a que gozaria se o contrato fosse cumprido até ao termo (no caso da obtenção 
 de nova colocação, nesse período, em condições salariais iguais ou melhores do 
 que as vigentes no contrato objecto de cessação antecipada). Se o trabalhador 
 não dispõe de qualquer garantia de perduração do vínculo para além do termo (não 
 obstante a hipótese de conversão em contrato a tempo indeterminado) – o que 
 corresponde a uma desprotecção excepcional da garantia de segurança de emprego, 
 excepcional em face do modelo normativo constitucional e legal − é-lhe 
 reconhecido, em compensação, o direito a todas as prestações devidas até esse 
 termo, sem sujeição às incertezas de satisfação dos ónus probatórios da 
 existência e do montante de danos. Em caso de cessação antecipada do contrato, 
 provocada por incumprimento da contraparte, o trabalhador tem direito a receber, 
 por via indemnizatória, tudo o que receberia se o contrato fosse integralmente 
 cumprido. 
 
  Deste ponto de vista, se quisermos ver neste regime indemnizatório uma 
 compensação para a excepcional retirada da tutela da segurança no emprego, 
 dir-se-á que não se vislumbra razão para o estender ao contrato de trabalho 
 desportivo, onde, justificadamente, esse vector não encontra guarida.
 Mas, a proceder, o argumento só justificaria que o trabalhador desportivo não 
 beneficie de um limite mínimo de indemnização, contrariamente ao estatuído para 
 o regime jurídico-laboral comum. Deixa sempre por explicar porque é que, a mais 
 disso, o seu crédito indemnizatório não pode exceder o montante das retribuições 
 vincendas, o que pode implicar que fiquem por indemnizar danos por ele 
 efectivamente suportados (designadamente, mas não só, danos não patrimoniais). E 
 a necessidade de uma fundamentação cabal impõe-se tanto mais quanto é certo que 
 o princípio da reparação integral dos danos é de direito comum – de que o 
 contrato de trabalho desportivo está seguramente mais próximo do que o contrato 
 laboral regido pelo Código do Trabalho.
 
  Como objecto único de regulação, no caso do artigo 443,º, n.º 3, do Código do 
 Trabalho, ou como segmento normativo, no caso do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 28/98, os dois preceitos estatuem para uma mesma situação – a de cessação do 
 contrato antes do termo, por iniciativa unilateral do trabalhador, com 
 fundamento em justa causa −, fixando regras de cálculo indemnizatório para o 
 ressarcimento dos danos por ele sofridos. 
 Ora, quanto a este ponto específico, não se descortina qualquer razão desportiva 
 que possa fundamentar um regime “especial”, menos tutelador do praticante 
 desportivo, ao estabelecer um limite máximo para a indemnização em que incorre o 
 empregador, correspondente a um limite mínimo de reparação a que o trabalhador, 
 pelo regime geral, tem direito. O praticante desportivo não é, quanto a este 
 aspecto, um trabalhador (diríamos, mesmo, um contraente) diferente dos outros. A 
 indemnização a arbitrar ao trabalhador, em consequência dessa cessação, comunga 
 das mesmas razões e finalidades, quer o trabalhador em causa seja um praticante 
 desportivo, quer seja um trabalhador sujeito ao regime geral do contrato de 
 trabalho a termo. As razões, ligadas à competição desportiva, que, no que diz 
 respeito a outras aspectos da disciplina legal, fundamentam suficientemente 
 soluções de regime distintas das consagradas em geral, não constituem, por 
 padrões de razoabilidade, um ponto de vista diferenciador quanto à aplicação do 
 princípio da reparação integral dos danos. 
 Logo, se, no exercício da sua liberdade conformativa, o legislador entendeu que, 
 ao contratado a termo, não deve ser coarctada a possibilidade de reparação 
 integral dos danos comprovadamente sofridos, sem qualquer limite máximo – não se 
 desviando, aliás, sob este aspecto, do regime geral dos contratos —, não há 
 fundamento, pelo parâmetro da igualdade, para excluir desse regime os 
 trabalhadores desportivos, sujeitos, imperativamente, a esse tipo de contrato.   
 
  
 O artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98 não se limita a omitir a garantia de 
 limite mínimo que o regime do artigo 443,º, n.º 3, do Código do trabalho 
 concede: fixa um tecto máximo para o montante da indemnização, coincidente com 
 esse mínimo da indemnização, de que beneficiam os trabalhadores do regime comum, 
 em situação idêntica. Pode dizer-se que o tratamento dispensado ao trabalhador 
 desportivo é, sob este aspecto, não apenas distinto, mas verdadeiramente o 
 oposto daquele concedido ao trabalhador de regime comum. O que espelha um grau 
 de diferenciação, uma disparidade de tratamento de tal magnitude que ultrapassa, 
 sem dúvida, a medida da diferença singularizadora da prestação de trabalho 
 desportivo – para quem admita que alguma diferença aqui existe. 
 Na verdade, não só está condenada ao malogro qualquer tentativa de identificação 
 de razões próprias deste tipo de contrato que justifiquem esse limite máximo, 
 como facilmente se podem alinhar razões contrárias, particularmente actuantes, 
 neste âmbito contratual. A calendarização da competição desportiva, por épocas 
 temporalmente delimitadas, com a concomitante fixação de períodos de inscrição, 
 de acordo com os regulamentos aplicáveis, torna bem presente o risco de 
 inactividade, mais ou menos alongada, mesmo para praticantes com “procura” 
 alternativa. Por outro lado, a curta perduração da capacidade natural de 
 exercício da profissão, a própria dependência da aptidão para um desempenho 
 funcional valioso de uma prática regular, em competição, tornam as consequências 
 danosas da concretização desse risco especialmente graves para o trabalhador 
 desportivo “forçado” a rescindir, pela conduta da contraparte. E – convém 
 lembrá-lo — está longe de poder generalizar-se à maioria dos praticantes a 
 imagem dos atletas mais famosos e de maior nível, como alvos quase permanentes 
 da “cobiça” dos outros clubes…  
 
    
 
 14. Pelo que acabou de ser dito, torna-se claro que o artigo 27.º, n.º 1, da Lei 
 n.º 28/98, na dimensão aqui em apreciação, não passa o teste do princípio da 
 igualdade. 
 Ainda que se entenda que o modo de cálculo da indemnização devida pela rescisão 
 não se inclui na matéria dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores 
 e que, por isso, o legislador ordinário dispõe aqui de liberdade de conformação 
 
 (cfr. Acórdão n.º 242/2001), sempre se terá de concluir que, nas regras de 
 cálculo, o legislador está obrigado a assegurar, ao praticante desportivo, o 
 mesmo grau de protecção que dispensa ao trabalhador comum, ou, pelo menos, uma 
 protecção que não configure um tratamento desigual em medida significativamente 
 excedente da medida da diferença. 
 Como afirma REIS NOVAIS, “a fundamentação exigida a qualquer diferenciação tem, 
 no mínimo, de passar o teste da proibição do excesso” (Os princípios 
 constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, 114). Ora 
 sem dúvida que uma tão cavada diferenciação de regimes de indemnização não 
 encontra o mínimo de correspondência, por um critério razoável e objectivo, em 
 diferentes situações e condições de prestação laboral que a justifique.
 
  Em suma, conclui-se que o artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, por confronto 
 com o que se estabelece no artigo 443.º, n.º 3, do Código do Trabalho – norma, 
 aliás mantida no artigo 396.º, n.º 4, do Código revisto pela Lei n.º 7/2009, de 
 
 12 de Fevereiro -, viola o princípio da igualdade, na medida em que prevê um 
 limite máximo para a indemnização a arbitrar ao praticante desportivo que cesse 
 o contrato antes do termo, com justa causa, limite esse que, no regime geral, 
 corresponde ao mínimo indemnizatório a atribuir ao trabalhador do regime comum 
 que cesse o contrato nas mesmas circunstâncias. 
 Atento o fundamento de inconstitucionalidade encontrado, torna-se desnecessário 
 confrontar a norma desaplicada com o artigo 59.º da Constituição, invocado no 
 acórdão recorrido.
 
  
 III − Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
 a)                            Julgar inconstitucional, por violação do princípio 
 da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, a norma do artigo 27,º, 
 n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, na dimensão em que prevê que a 
 indemnização devida, em caso de rescisão com justa causa por iniciativa do 
 praticante desportivo, “não pode exceder o valor das retribuições que ao 
 praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu 
 termo”; e, consequentemente,
 
  
 b) Negar provimento ao recurso.
 Sem custas.
 Lisboa, 28 de Abril de 2009
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 João Cura Mariano
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos