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Processo nº 807/08
 Plenário
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. O Procurador-Geral da República, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), 
 e n.º 2, al. e), da Constituição da República Portuguesa (CRP), do artigo 51.º, 
 n.º 1, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional – LTC (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro) e do artigo 12.º, n.º 1, 
 al. c), do Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto) 
 requereu a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da 
 norma constante do artigo 27.º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 
 
 9 de Julho.
 
  
 
 2. A norma em causa, cuja epígrafe é “Responsabilidade criminal”, dispõe o 
 seguinte:
 
  
 
  
 Artigo 27.º
 Responsabilidade criminal
 
  
 
 “1 – Em matéria de responsabilidade criminal, aplica-se à Região, com as 
 necessárias adaptações, o disposto nos artigos 28.º a 33.º da Lei n.º 173/99, de 
 
 21 de Setembro, que aprova a Lei de Bases Gerais da Caça.
 
  
 
 2 – Às condutas violadoras da preservação da fauna e das espécies cinegéticas 
 previstas no n.º 1 do artigo 6.º e à utilização de auxiliares com fins 
 diferentes dos estabelecidos no artigo 24.º, ambos da Lei n.º 173/99, de 21 de 
 Setembro, aplica-se, com as necessárias adaptações, respectivamente o disposto 
 nos n.os 1 do artigo 30.º e 1 do artigo 31.º do citado diploma”.
 
  
 
  
 O teor dos dispositivos mencionados no n.º 1 do preceito acabado de referir é o 
 seguinte:
 
  
 Artigo 28.º
 Exercício perigoso da caça
 
  
 
 “1 — Quem, no exercício da caça, não estando em condições de o fazer com 
 segurança por se encontrar em estado de embriaguez ou sob a influência de 
 
 álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito 
 análogo ou por deficiência física ou psíquica, criar deste modo perigo para a 
 vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de 
 valor elevado é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 
 
 360 dias.
 
  
 
 2 — Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente 
 
 é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
 
  
 
 3 — Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é 
 punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.
 
  
 
  
 Artigo 29.º
 Exercício da caça sob influência de álcool
 
  
 
 “Quem, no exercício da caça, apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou 
 superior a 1,2 g/l é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa 
 até 120 dias, se pena mais grave não for aplicável”.
 
  
 
  
 Artigo 30.º
 Crimes contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas
 
  
 
 “1 — A infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º do presente diploma é punida 
 com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 100 dias.
 
  
 
 2 — Na mesma pena incorre quem exercer a caça em terrenos não cinegéticos, nos 
 terrenos de caça condicionada sem consentimento de quem de direito, nas áreas de 
 não caça e nas zonas de caça às quais não se tenha legalmente acesso”.
 
  
 Artigo 31.º
 Violação de meios e processos permitidos
 
                         
 
 “1 — A utilização dos auxiliares referidos no n.º 2 do artigo 24.º do presente 
 diploma, fora das condições nele previstas, é punida com a pena de prisão até 6 
 meses ou com pena de multa até 100 dias.
 
  
 
 2 — Na mesma pena incorre quem detiver, transportar e usar furão fora dos casos 
 previstos no n.º 2 do artigo 26.º deste diploma”.
 
  
 Artigo 32.º
 Falta de habilitação para o exercício da caça
 
  
 
 “Quem exercer a caça sem estar habilitado com a carta de caçador, quando 
 exigida, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 90 
 dias”.
 
  
 
  
 Artigo 33.º
 Desobediência
 
  
 
 1 — A recusa do caçador em descarregar a arma, colocá-la no chão e afastar-se 10 
 m do local onde a mesma fica colocada, quando tal lhe seja ordenado pelos 
 agentes fiscalizadores, nos termos a regular e quando do acto da fiscalização, é 
 punida com a pena correspondente ao crime de desobediência simples.
 
  
 
 2 — A violação da interdição do direito de caçar é punível com a pena 
 correspondente ao crime de desobediência qualificada”.
 
  
 
  
 
 3. Para fundamentar o seu pedido, o Procurador-Geral da República alegou o 
 seguinte:
 
  
 
 - O Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A veio, por via da remissão contida 
 no n.º 1 do seu artigo 27.º, estender à Região Autónoma dos Açores (RAA), com as 
 devidas adaptações, a Lei de Bases Gerais da Caça (aprovada pela Lei n.º 173/99, 
 de 21 de Setembro), mais concretamente, o regime de responsabilidade criminal 
 relativo às situações previstas do artigo 28.º ao 33.º.
 
  
 
 - Tal lei é aplicável no território do Continente e, por força do preceituado no 
 seu artigo 47.º (Regiões Autónomas), também à Região Autónoma da Madeira (RAM). 
 Efectivamente, tal preceito dispõe do seguinte modo:
 
  
 
 “A presente lei aplica-se à Região Autónoma da Madeira, com as necessárias 
 adaptações a introduzir por decreto legislativo regional”.
 
  
 
 - Deste modo, a opção legislativa que agora se aprecia “– consubstanciada em 
 fazer aplicar à Região Autónoma dos Açores as disposições legais relativas à 
 criminalização de determinadas condutas, previstas na Lei n.º 173/99 – 
 configura-se como inovatória, levando ao sancionamento penal de ilícitos que, 
 quando praticados no território daquela Região Autónoma, eram até então 
 desprovidos de relevância penal”.
 
  
 
 - Efectivamente, até ser editado o Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, o 
 regime que vigorava na RAA (nos termos do Decreto Legislativo Regional n.º 
 
 11/92/A, de 15 de Abril) “não comportava qualquer criminalização de condutas 
 praticadas no exercício da caça, consubstanciando o respectivo regime 
 sancionatório apenas a previsão de contra-ordenações”.
 
  
 
 - Ao aproveitar os tipos penais definidos na Lei de Bases Gerais da Caça (LBGC) 
 
 – a qual, como salientado, apenas se aplica ao território do Continente e ao da 
 RAM – o legislador regional determinou “um inquestionável alargamento do 
 respectivo âmbito territorial – e, consequentemente, do âmbito subjectivo 
 daquele conjunto de disposições legais incriminadoras”.
 
  
 
 - Assim sendo, assiste-se a uma clara violação da reserva relativa da 
 competência legislativa da Assembleia da República (AR), mais concretamente da 
 disposição contida na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP. Efectivamente, 
 aí se dispõe que está incluída na dita reserva a definição de crimes, penas e 
 respectivos pressupostos, pelo que apenas a Assembleia da República ou o 
 Governo, mediante autorização daquela, poderão legislar sobre a matéria em 
 questão. O preceito em apreço consubstancia um “parâmetro negativo e 
 inderrogável da competência legislativa regional, face ao preceituado no artigo 
 
 227.º, n.º 1, alínea b), conjugado com o n.º 1 da alínea c) do artigo 165.º da 
 Constituição da República Portuguesa”.
 
  
 
 - A opção legislativa do legislador regional acarreta, pois, “a 
 inconstitucionalidade orgânico-formal da norma contida no artigo 27.º do Decreto 
 Legislativo Regional n.º 17/2007/A, por violação do preceituado no artigo 227.º, 
 n.º 1, alínea b), conjugado com o n.º 1 da alínea c) do artigo 165.º da 
 Constituição da República Portuguesa”.
 
  
 
 4. Notificado do pedido, nos termos dos artigos 54º e 55º, n.º 3, da Lei do 
 Tribunal Constitucional (LTC), veio o Presidente da Assembleia Legislativa da 
 Região Autónoma dos Açores responder, invocando os seguintes argumentos:
 
  
 
 - As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais competentes para, nos 
 termos da al. a), do n.º 1 do artigo 227.º CRP, “«legislar no âmbito regional em 
 matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo e que não 
 estejam reservadas aos órgãos de soberania»”. De igual modo, e segundo a al. c) 
 do mesmo n.º 1 do artigo 227.º, para “«desenvolver para o âmbito regional os 
 princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei que a eles 
 se circunscrevem»”.
 
  
 
 - A Região Autónoma dos Açores (RAA) possui um património cinegético próprio, 
 sendo da sua competência a respectiva gestão. Mais ainda, “a existência de 
 interesse específico regional em matéria de caça nos Açores nunca foi posta em 
 causa, considerando não só a exclusão prevista no artigo 47.º da Lei n. 173/99, 
 de 2 de Setembro, bem como a existência de legislação regional anterior, 
 entretanto revogada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de 
 Julho”.
 
  
 
 - Com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º CRP e na alínea c) do n.º 1 do 
 artigo 31.º da Lei n.º 61/98, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos 
 Açores (ALRAA) aprovou, “no exercício do direito de legislar sobre matéria de 
 interesse específico regional, o regime jurídico da gestão sustentável dos seus 
 recursos cinegéticos, no qual se incluem a sua conservação e fomento, bem como 
 os princípios reguladores da actividade cinegética e de administração da caça na 
 região autónoma dos Açores, no âmbito de competências próprias” – as que 
 decorrem dos dispositivos acima assinalados.
 
  
 
 - “O Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de Julho, não fere a 
 reserva relativa de competência legislativa consignada na alínea c) do n.º 1 do 
 artigo 165.º da CRP, porquanto não cria nenhum quadro penal novo. Limita-se a 
 trazer para o edifício jurídico regional a aplicação do regime estabelecido pelo 
 legislador nacional, sem qualquer alteração”.
 
  
 
 - Em termos mais específicos, “a definição dos tipos penais de «exercício 
 perigoso da caça», «exercício de caça sob a influência do álcool», «crimes 
 contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas», «violação de meios e 
 processos permitidos», «falta de habilitação para o exercício da caça» e 
 
 «desobediência» não foram criados pela ALRAA, mas sim pela Assembleia da 
 República, nos termos dos artigos 28.º a 33.º da Lei n.º 173/99, de 21 de 
 Setembro”.
 
  
 
 - Mais ainda se afirma que “a Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro – Lei de Bases 
 Gerais da Caça – emanou da Assembleia da República, «para valer como lei geral 
 da República»”.
 
  
 
 - Dispunha o artigo 112.º, n.º 5 da CRP, no texto aprovado pela revisão de 1997, 
 vigente à data a criação da LBGC, que “«são leis gerais da República as leis e 
 os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território 
 nacional e assim o decretem». Deste modo, tratando-se a lei em apreço de uma lei 
 geral da República, ela “aplica-se a todo o território nacional, incluindo as 
 Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira”.
 
  
 
 - A referência, no artigo 47.º da LBGC apenas à RAM, “não está necessariamente a 
 excluir a Região Autónoma dos Açores, pois, como Lei Geral da República, 
 aplica-se a todo o território nacional”. Por este motivo, “o artigo 47.º da Lei 
 n.º 173/99, de 21 de Setembro é apenas uma redundância legislativa da Assembleia 
 da República”.
 
  
 
 - Por último, “o Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de Julho, é 
 apenas a confirmação pelo legislador dos Açores da aplicação de um regime 
 sancionatório (artigos 28.º a 33.º da Lei 173/99) que já existia desde 21 de 
 Setembro de 2000 (data da entrada em vigor da Lei de Bases Gerais da Caça)”.
 
  
 
 5. Discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal 
 Constitucional, nos termos do artigo 63º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação 
 do Tribunal, cumpre agora decidir de harmonia com o que então se estabeleceu.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 6. O primeiro fundamento de inconstitucionalidade invocado pelo requerente é a 
 falta de competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores 
 para legislar sobre a matéria constante do artigo 27º do Decreto Legislativo 
 Regional n.º 17/2007/A, de 9 de Julho, dado que ela se incluiria na reserva de 
 competência legislativa da Assembleia da República.
 
  
 Vejamos se assim é.
 
  
 Para aferir da conformidade ou desconformidade constitucional do preceito em 
 apreciação, há que convocar as normas constitucionais em vigor relativas ao 
 exercício do poder legislativo por parte das regiões autónomas.
 
  
 Como se disse, por último, no Acórdão 26/09, de 20 de Janeiro, citando o acórdão 
 
 423/08 de 4 de Agosto, “O direito constitucional regional sofreu profundas 
 alterações na revisão constitucional de 2004, que não têm sido ignoradas pela 
 jurisprudência deste Tribunal.
 
  
 Com efeito, nos Acórdãos nºs 246/2005, de 10 de Maio, 258/2006, de 18 de Abril, 
 e 258/2007, de 17 de Abril, o Tribunal teve oportunidade de salientar que, entre 
 as alterações introduzidas na revisão constitucional de 2004, se devem contar a 
 simplificação dos parâmetros em que o poder legislativo regional se pode 
 exercer, o que tem como consequência o alargamento dos poderes legislativos das 
 regiões autónomas. Mais ainda, o Tribunal verificou o desaparecimento da 
 categoria de leis gerais da República, bem como da submissão dos diplomas 
 regionais aos seus princípios fundamentais (antigo n.º 5 do artigo 112.º da 
 Constituição), e ainda a eliminação da necessidade de existência de interesse 
 específico regional na matéria regulada pelas regiões, enquanto pressuposto ou 
 requisito do exercício da competência legislativa destas últimas (veja-se o n.º 
 
 4 do artigo 112.º da CRP, na sua actual redacção). 
 
  
 Além disso, desta jurisprudência do Tribunal decorre ainda que o exercício do 
 poder legislativo das regiões autónomas se continua a enquadrar pelos 
 fundamentos da autonomia das regiões consagrados no artigo 225.º da CRP e que 
 deve, em face do disposto no n.º 4 do artigo 112º, na alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 227º e no artigo 228º, nº 1, da Constituição, respeitar cumulativamente 
 três requisitos: i) restringir-se ao âmbito regional; ii) estarem em causa as 
 matérias enunciadas no respectivo estatuto político‑administrativo; iii) as 
 matérias não estarem reservadas à competência dos órgãos de soberania.”
 
  
 Alegando o requerente que a matéria em causa se enquadra na reserva de 
 competência legislativa da Assembleia da República, comecemos então por este 
 
 último requisito.
 
  
 Como vimos, o artigo 27º do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de 
 Julho determina a aplicação àquela Região Autónoma, com as necessárias 
 adaptações, do disposto nos artigos 28º a 33º da Lei de Bases Gerais da Caça (a 
 Lei nº 173/99, de 21 de Setembro), sendo que estes preceitos tipificam diversas 
 infracções criminais relativas ao exercício perigoso da caça (artigo 28º), ao 
 exercício da caça sob a influência do álcool (artigo 29º), ao crime contra a 
 preservação da fauna e das espécies cinegéticas (artigo 30º), à violação de 
 meios e processos permitidos (artigo 31º), à falta de habilitação para o 
 exercício da caça (artigo 32º) e à desobediência (artigo 33º).
 
  
 Cumpre pois averiguar se esta matéria está reservada à competência dos órgãos de 
 soberania. 
 
  
 Com efeito, o artigo 165º, nº 1, al. c), da CRP estabelece que é da exclusiva 
 competência da Assembleia da República legislar sobre a “definição dos crimes, 
 penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo 
 criminal”. 
 
  
 Ou seja, a matéria da definição de ilícitos de natureza criminal está, sem 
 qualquer margem para dúvidas, prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 165º da 
 Constituição, pelo que a legislação que a ela respeite insere-se na reserva 
 relativa de competência legislativa da Assembleia da República, estando excluída 
 da competência legislativa das regiões autónomas. 
 
  
 
 É verdade que a alínea b) do nº 1 do artigo 227º da Constituição, permite à 
 Assembleia da República, em algumas matérias da sua competência de reserva 
 relativa, autorizar as regiões autónomas a legislar sobre elas. Porém, as 
 matérias referidas no artigo 165º, nº 1, alínea c), da Constituição encontram-se 
 excluídas dessa possibilidade, pelo que nem sequer seriam susceptíveis de 
 autorização legislativa às regiões autónomas.
 
  
 Assim sendo, não restam dúvidas de que a norma constante do artigo 27º do 
 Decreto Legislativo Regional n.º 17/2007/A, de 9 de Julho está ferida de 
 inconstitucionalidade, uma vez que a intervenção legislativa da Assembleia 
 Legislativa da Região Autónoma dos Açores se encontra desprovida de fundamento 
 constitucional.
 
  
 E nem se invoque o eventual carácter não inovatório da norma contra este juízo 
 de inconstitucionalidade. 
 
  
 Subjacente a esta invocação parece estar a tentativa de transposição da 
 jurisprudência deste Tribunal relativa às relações entre a Assembleia da 
 República e o Governo para o caso sub judice, o que, diga-se, desde já, não faz 
 qualquer sentido. 
 
  
 
 É verdade que o Tribunal Constitucional já disse inúmeras vezes que a falta de 
 lei de autorização legislativa, em matéria de reserva relativa de competência 
 legislativa da Assembleia da República, não obsta a que o Governo possa 
 legislar, desde que a normação adoptada não se revista de conteúdo inovatório 
 face à anteriormente vigente. O que importa é que se demonstre que as normas em 
 causa não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa 
 nova normação vigorava, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o 
 que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania 
 competente (ver os acórdãos n.ºs 502/97, 589/99, 377/02, 414/02, 450/02, 416/03, 
 
 340/05 e 114/08, de 20 de Fevereiro de 2008, estes tirados em Secção e 
 publicados no Diário da República, II Série, de 4 de Novembro de 1998, de 20 de 
 Março de 2000, de 14 de Fevereiro de 2002, de 17 de Dezembro de 2002, de 12 de 
 Dezembro de 2002, de 6 de Abril de 2004, de 29 de Julho de 2005 e de 10 de Abril 
 de 2008, bem como o acórdão n.º 123/04 (Plenário) publicado no Diário da 
 República, I Série-A, de 30 de Março de 2004).
 
  
 Mas esta jurisprudência aplica-se nas relações entre a Assembleia da República e 
 o Governo – que são ambos órgãos de soberania – não fazendo sentido deslocá-la 
 para as relações em que, de um lado, está a República e, do outro, as regiões 
 autónomas (as quais apenas detém autonomia político-administrativa e não 
 soberania). 
 
  
 Ao contrário do que sucede entre a lei e o decreto-lei, que têm igual valor 
 
 (artigo 112º, nº 2, CRP), os decretos legislativos regionais situam-se num outro 
 plano, pelo que a apropriação da lei da República pela legislação regional 
 conduziria à sua desnaturação.
 
  
 Além disso, o artigo 228º, nº 2, CRP, ao estabelecer que, “na falta de 
 legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência dos órgãos 
 de soberania, aplicam-se nas regiões autónomas as normas legais em vigor”, 
 consagra o princípio da prioridade da legislação regional, com a consequente 
 subsidiariedade da legislação nacional. Ora, se se admitisse a apropriação da 
 legislação nacional pela legislação regional, isso poria em causa estes 
 princípios.     
 
  
 Embora num contexto diferente (não transponível para a actualidade), este 
 Tribunal respondeu negativamente à questão de saber se deve ser consentida ao 
 legislador regional a possibilidade de confirmar a aplicação numa região 
 autónoma de preceitos constantes de leis da República, limitando-se a reproduzir 
 os seus comandos em actos regionais, como que transformando a legislação 
 nacional (aí já vigente) em legislação regional. O Tribunal salientou, no 
 Acórdão nº 246/90, na esteira do já afirmado pelo Acórdão nº 333/86, que “quando 
 um diploma regional se limita a reproduzir (…) as normas constantes de uma lei 
 geral da república, tal diploma é inconstitucional. E é-o porque ele não 
 representa o exercício do poder normativo regional (…) Tal diploma mais não faz, 
 na verdade, do que “apropriar” a legislação nacional e, “transformá-la” em 
 legislação regional.
 
  
 Apesar das modificações que o texto constitucional, entretanto, sofreu, esta 
 jurisprudência continua a ter sentido. Carecendo o legislador regional de 
 poderes de criação de ilícitos penais, o artigo 27º do Decreto Legislativo 
 Regional nº 17/2007/A é inconstitucional por dispor sobre matéria 
 constitucionalmente reservada à Assembleia da República, constituindo assim um 
 limite à intervenção do poder normativo regional (cfr. artigo 227º, nº 1, alínea 
 a) da Constituição).
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional declara, com força 
 obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 27º do 
 Decreto Legislativo Regional nº 17/2007/A, de 9 de Julho, por violação dos 
 artigos 165º, nº 1, alínea c) e 227º, nº 1, alínea a) da CRP.
 Lisboa, 21 de Abril de 2009
 Ana Maria Guerra Martins
 Mário José de Araújo Torres
 Gil Galvão
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Maria Lúcia Amaral
 José Borges Soeiro
 João Cura Mariano
 Vítor Gomes
 Maria João Antunes
 Benjamim Rodrigues
 Carlos Fernandes Cadilha
 Rui Manuel Moura Ramos