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Processo n.º 312/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
 
 
  
 
             Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I - Relatório
 
  
 
             1. A. Ldª deduziu, em 23 de Janeiro de 2001, oposição à execução 
 fiscal que a Fazenda Pública lhe moveu, correspondente a quatro liquidações 
 adicionais de IVA, cujo prazo de pagamento voluntário ocorrera em 30 de Junho de 
 
 2006.
 
             Tendo sido oficiosamente anuladas três dessas liquidações, a 
 instância foi julgada extinta nessa parte. Quanto à liquidação n.º 0005820, no 
 montante de €55.843,84 a oposição foi julgada improcedente por sentença do 
 Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (2.º Juízo), do seguinte teor:
 
  
 
 “(…)
 Refere a oponente que foi no pressuposto de, nuns casos, ter feito prova do 
 pagamento de IVA no país do comprador final e de ali ter sido liquidado IVA que 
 procedeu à anulação da operação em conformidade com o artº 71º do CIVA e, de 
 noutros, ter sido pago IVA sobre bens que nunca saíram de Portugal que 
 administração tributária cancelou as garantias prestadas e revogou os actos de 
 liquidação oficiosa que praticara. 
 Os fundamentos de oposição estão vertidos nas diversas alíneas do artº 204º do 
 CPPT e são meios de defesa residuais ou sobrantes que, excepto a inexistência de 
 outro meio de defesa, não podem envolver o conhecimento daquela legalidade (cfr. 
 Ac. do STA, de 17/9199, procº 24081 e de 20/10/99, procº 23663). 
 A discussão sobre a legalidade em concreto da dívida exequenda só é permitida e 
 possível quando a lei não preveja ou possibilite recurso contencioso ou outro 
 meio judicial de impugnação do acto de liquidação subjacente, nos termos da al. 
 h) do nº 1 do artº 204º do CPPT. 
 
 É que qualquer ilegalidade do acto tributário, integrada por vício que afecta a 
 sua validade e que determina, consoante a gravidade, a sua inexistência 
 jurídica, nulidade ou anulabilidade, é fundamento de impugnação judicial e não 
 de oposição à execução. Nesta relevam as circunstâncias que rodeiam o processo 
 de cobrança da dívida, pressupondo‑se, aqui, já resolvidas todas as questões 
 atinentes à validade do acto. 
 No fundo, vale aqui o princípio de que os vícios próprios do acto exequendo 
 devem ser apreciados nas impugnações judiciais e dentro dos prazos previstos 
 para o efeito, sendo que só as ilegalidades referentes ao acto executório devem 
 ser conhecidos nos meios previstos na lei de oposição à execução. 
 
 É patente que o oponente pretende discutir a legalidade em concreto das 
 liquidações de IVA, defendendo não ser devido IVA nas operações matérias 
 subjacentes à liquidação. 
 Portanto, no presente caso, o processo próprio para apreciar e decidir da 
 questão suscitada era o processo de impugnação judicial, a apresentar nos prazos 
 previstos no artº 102º do CPPT. 
 Como se alcança da factualidade provada, o prazo de cobrança voluntária ocorreu 
 em 30/6/2000 e a oposição foi apresentada em 23/2/2001, mostrando-se, deste 
 modo, ultrapassado o prazo para deduzir impugnação, previsto no artº 102º nº 1 
 al. a) do CPPT, pelo que não é possível convolar a presente oposição em 
 impugnação judicial (cfr. Ac. do STA, de 23/2/2000, procº 24357). 
 Invoca a oponente o fundamento da alínea e) do nº 1 do artº 204º do CPPT 
 
 – “Falta de notificação da liquidação do tributo dentro do prazo de caducidade”. 
 Contudo, não invoca qualquer factualidade inerente a este fundamento. 
 Conclui-se, pois, não ter sido invocado qualquer fundamento válido de oposição 
 pelo que não é este o meio próprio para conhecer da factualidade invocada.” 
 
  
 
  
 
             A executada interpôs recurso desta decisão, a que o Tribunal Central 
 Administrativo Sul (TCA) negou provimento, por acórdão de 28 de Novembro de 
 
 2006. Para tanto, o TCA indeferiu a arguição de nulidade que a recorrente 
 imputava à sentença, por não se ter pronunciado sobre os factos alegados na 
 oposição para demonstrar que a conduta enganosa da Administração Fiscal a levara 
 a não ter deduzido oportunamente impugnação da liquidação, e remeteu para os 
 fundamentos da sentença, ao abrigo do n.º 5 do artigo 713.º do Código de 
 Processo Civil, acrescentando o seguinte:
 
  
 
 “(…)
 Esta decisão é conforme à jurisprudência constante deste TCA de que: 
 
 1. A oposição á execução visa, em regra, a extinção total ou parcial da execução 
 e só pode ter como fundamentos os previstos n.º 1 do art. 286º do CPT, hoje art. 
 
 204º do CPPT. 
 
 2. A ilegalidade em concreto da liquidação só pode constituir fundamento de 
 oposição se a lei não assegurar meio judicial de impugnação ou recurso contra o 
 acto de liquidação. 
 
 3(...) 
 
 4. Assegurando a lei meio judicial de impugnação contra acto de liquidação em 
 causa, não constitui a ilegalidade em concreto da liquidação da dívida exequenda 
 invocada pelo oponente fundamento de oposição à execução em causa, pelo que não 
 pode esta invocação ser conhecida na oposição à execução (Ac. nº 461/05 de 
 
 16/03/2005). 
 Podem, além deste, consultar-se outros elucidativos nesta matéria, no site da 
 DGSI de que são exemplo os Acs. proferidos nos recursos 5992/02 de 19/02/2002 e 
 no rec. 2635/99 de 19/12/2000. 
 Temos pois, como regra, que a impugnação serve para atacar a liquidação e, uma 
 vez assente esta, a certidão de dívida tem o valor de sentença, como se disse só 
 podendo ser atacada, à semelhança dos embargos de executado em processo civil, 
 pelos fundamentos tipificados, constantes do artº 204 do CPPT. 
 Pelo exposto, é patente a manifesta improcedência da oposição por não ter sido 
 alegado nenhum dos fundamentos admitidos no nº 1 do artº 204º do CPPT, preceito 
 que se afigura não colidir com o texto constitucional, se atentarmos no valor da 
 certidão de dívida acabado de referir, pelo que foi bem determinada a manutenção 
 da execução quanto à liquidação nº 005820.” 
 
  
 
  
 
 2. A recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro (LTC), com vista a fazer apreciar a constitucionalidade da norma da 
 alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo 
 Tributário (CPPT), quando interpretado no sentido de não permitir a oposição à 
 execução fiscal com fundamento na ilegalidade da dívida exequenda, mesmo nas 
 situações em que a conduta culposa e errónea da Administração tenha obstado ao 
 uso oportuno do meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de 
 liquidação.
 
  
 
             Alegou, argumentando que, na interpretação adoptada pelo acórdão 
 recorrido, não levando em consideração que a falta de impugnação do acto 
 tributário de que emerge a certidão executiva resulta da conduta errónea e 
 enganosa da Administração, a referida norma viola a garantia de protecção 
 jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados, 
 consagrada no n.º 4 do artigo 268.º em refracção do artigo 20.º da Constituição, 
 e concluindo nos termos seguintes:
 
  
 
 “(…)
 
 • O CPPT consagra no artº 204, nº 1, h) um instrumento residual de acesso aos 
 meios contenciosos, a que pode aceder o contribuinte que, contra a sua vontade, 
 foi impedido de anteriormente discutir a legalidade da dívida exequenda. 
 
 • Se aquela norma foi interpretada em conformidade com o entendimento do TCAS, o 
 CPPT sofre de uma inconstitucionalidade material. 
 
 • Não basta a lei prever em abstracto a tutela do direito do contribuinte à 
 discussão da legalidade de um acto da Administração Fiscal que o lese nos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos. 
 
 • É necessário que a mesma Administração não tenha culposamente inviabilizado, 
 em concreto, o exercício da tutela jurisdicional desse direito (tal como resulta 
 claro dos autos do processo que neste caso ocorreu), mais concretamente, 
 impedido que tempestivamente se impugnasse judicialmente o acto de liquidação. 
 
 • O CPPT não dispõe de norma alternativa ao artº 204º, nº 1, h) para fazer face 
 a situações em que em concreto o contribuinte foi impedido de usar meios 
 contenciosos. 
 
 • Ao se aplicar de forma abstracta o artº 204º, nº 1, h) CPPT está-se a pôr em 
 causa esse direito de tutela jurisdicional efectiva, deixando de fora da 
 previsão da norma situações que objectivamente carecem de tutela. 
 
 • Donde resultaria que, segundo a interpretação do TCAS, havia situações em que 
 o contribuinte não gozaria da protecção jurisdicional de direitos e interesses 
 legítimos dos administrados sem lacunas, decorrente do princípio da plenitude da 
 garantia jurisdicional administrativa.” 
 
  
 
  
 
             A Fazenda Pública, por seu turno, sustenta que o recurso de 
 constitucionalidade deve improceder, com fundamento em que a não admissão da 
 discussão da legalidade da dívida na oposição é compatível com a garantia de 
 tutela jurisdicional efectiva dado estar previsto no artigo 99.º do CPPT um meio 
 próprio para discussão judicial da legalidade da liquidação, sendo à omissão da 
 recorrente, e não a acção ou omissão da Administração tributária, que se deve a 
 perda do prazo correspondente. 
 
  
 
  
 
 3.      O relator proferiu o seguinte despacho (fls. 214):
 
  
 
 “Pretende a recorrente que o Tribunal aprecie a constitucionalidade da norma da 
 alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, quando interpretada no sentido de 
 não permitir a discussão da legalidade da dívida exequenda na oposição à 
 execução fiscal, mesmo nos casos em que a conduta da Administração Fiscal tenha 
 induzido o interessado a não impugnar tempestivamente o acto de liquidação. 
 Sustenta que a conduta enganosa e contraditória dos serviços da Administração 
 Fiscal (SIVA) a convenceu da desnecessidade de usar oportunamente a via 
 processual normalmente adequada para impugnação do acto tributário, pelo que 
 vedar-lhe agora a discussão da legalidade da dívida equivale a negar-lhe o 
 direito de tutela judicial efectiva contra actos administrativos lesivos.
 
 É sabido que, em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, a 
 competência do Tribunal Constitucional se restringe à questão de 
 constitucionalidade normativa, isto é, à verificação da alegada violação de 
 regras ou princípios constitucionais pela norma que tenha sido aplicada (ou a 
 que tenha sido recusada aplicação com fundamento em inconstitucionalidade) pela 
 decisão judicial recorrida. 
 Objecto possível de confronto com normas e princípios constitucionais no recurso 
 de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a norma efectivamente aplicada como ratio 
 decidendi, ainda que em determinada interpretação mediatizada pela decisão 
 recorrida e não esta, em si mesma considerada.
 Designadamente, num caso como o presente, não cabe ao Tribunal averiguar, 
 qualificar ou ponderar valorativamente os factos em que se traduz a conduta 
 alegadamente contraditória ou enganosa da Administração, em ordem a saber se 
 essa conduta gerou a falsa expectativa da desnecessidade ou inconveniência da 
 impugnação do acto de liquidação, assim induzindo a recorrente a não recorrer ao 
 meio previsto no artigo 99.º e segs. do CPPT,  em tempo oportuno.  Não lhe 
 compete censurar a apreciação que de tais factos a decisão recorrida tenha 
 feito, no plano do direito ordinário, nem eventuais nulidades em que, a 
 propósito dessa questão, nos termos em que a tratou ou deixou e tratar, tenha 
 incorrido. Essa é matéria da competência exclusiva dos tribunais da causa. 
 Isto posto e tendo presente o teor do acórdão recorrido, na sua necessária 
 conjugação com a sentença de 1ª instância cujos fundamentos assumiu ao abrigo do 
 n.º 5 do artigo 713.º do CPC, pode razoavelmente sustentar-se que a norma da 
 alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT não foi aplicada com o sentido que a 
 recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional. 
 Com efeito, elemento essencial da dimensão normativa questionada é que o meio de 
 oposição à execução seja vedado mesmo naqueles casos em que o não uso do meio 
 processual normalmente adequado seja imputável a conduta da Administração 
 Fiscal. Ora, em nenhum ponto do acórdão recorrido se afirma explicitamente esta 
 interpretação. E como também em nenhum ponto se reconhece a alegada conduta 
 enganosa da Administração Fiscal não parece que possa ter-se por implicitamente 
 aplicada a norma com o referido sentido. Tal silêncio pode materializar um erro 
 de julgamento ou uma nulidade por omissão de pronúncia, mas não parece permitir 
 a afirmação de que a norma foi efectivamente aplicada com o sentido que a 
 recorrente submete a apreciação do Tribunal Constitucional.
 Consequentemente, sendo plausível que o Tribunal não possa conhecer do objecto 
 do recurso, notifiquem-se as partes para dizerem o que tiverem por conveniente 
 sobre esta questão.”
 
  
 
 4. A recorrente respondeu que deve conhecer-se do objecto do recurso porque, ao 
 contrário da leitura para que aponta o despacho do relator, perante o silêncio 
 do acórdão do Tribunal Central Administrativo sobre a conduta da Administração 
 Fiscal que a recorrente invocara como justificativa do não uso dos meios de 
 impugnação do acto tributário, só pode concluir-se que aquele tribunal rejeitou 
 a oposição à execução fundada na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT por 
 considerar que, assegurando a lei, em abstracto, um meio judicial de impugnação 
 para questionar o acto de liquidação, tanto basta para não ser admissível a 
 oposição fundada nessa mesma ilegalidade.
 
  
 
  
 II - Fundamentos
 
  
 
             5.  Importa começar pela questão obstativa ao conhecimento do 
 objecto do recurso, oficiosamente suscitada, ou seja, saber se, na decisão 
 recorrida, de que se transcreveram as passagens para o efeito relevantes, houve 
 ou não efectiva aplicação da norma com o sentido que o recorrente quer ver 
 apreciado.
 
  
 
             É questão a que se tem de responder negativamente por se perfilharem 
 as razões enunciadas no despacho do relator, para que se remete.
 
  
 
             É certo que a conclusão de que determinada norma foi efectivamente 
 aplicada na solução de uma concreta questão que aos tribunais cumpra resolver 
 não tem necessariamente de ser obtida (sempre e apenas) por referência explícita 
 contida no texto da decisão. Apesar da ausência de menção expressa a uma certa 
 norma, ainda haverá aplicação dela (aplicação implícita) quando o contexto da 
 decisão ou os seus antecedentes processuais imponham a inferência de que a 
 solução da questão foi necessariamente extraída do critério normativo nela 
 estabelecido.  
 Mas o mero silêncio sobre certos factos ou aspectos da questão que interessariam 
 
 à aplicação da norma em determinado sentido não basta para que se conclua pela 
 sua aplicação com o sentido inverso. Concretamente, não pode extrair-se da 
 circunstância de o acórdão recorrido ser omisso quanto à alegação da recorrente 
 de que a conduta enganosa da Administração Fiscal a impediu de usar 
 oportunamente os meios impugnatórios do acto tributário de que emerge o título 
 executivo a implicação de que se adoptou o entendimento de que é suficiente que, 
 em abstracto, a lei assegure um meio idóneo para a discussão da legalidade 
 concreta da dívida para vedar a oposição à execução fiscal ao abrigo da alínea 
 h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT. Esse silêncio é processualmente compatível 
 com outros significados, designadamente com o erro de julgamento ou com a 
 nulidade da decisão. 
 Só seria lícito extrair a conclusão de que a solução alcançada implica que se 
 tenha aplicado a norma com o sentido que a recorrente pretende se o acórdão 
 recorrido (ou a sentença para que remete) tivesse dado a alegada conduta 
 enganosa da Administração Fiscal como irrelevante ou, considerando-a verificada, 
 apesar disso entendesse que ela não é susceptível de interferir, seja no prazo 
 de impugnação do acto de liquidação (cfr. n.º 4 do artigo 58.º do Código de 
 Processo nos Tribunais Administrativos), seja na admissibilidade da oposição à 
 execução para discutir a legalidade da dívida. Mas, não tendo o acórdão 
 recorrido considerado tais factos irrelevantes para a decisão dessas questões – 
 antes guardando sobre elas e sobre a sua relevância total silêncio –, nem os 
 tendo dado como verificados, não é possível afirmar que tenha perfilhado o 
 sentido normativo cuja apreciação se pretende. Ignorando-se as razões pelas 
 quais esses factos não foram objecto de ponderação na decisão recorrida (para 
 afirmar ou rejeitar a sua relevância), a apreciação de constitucionalidade a que 
 agora se procedesse não iria recair sobre a aplicação efectiva do sentido 
 normativo indicado pelo recorrente, mas sobre uma sua aplicação hipotética.
 
  
 
             Assim, concluiu-se que não houve efectiva aplicação da alínea h) do 
 n.º 1 do artigo 204.º do CPPT com o sentido indicado pela recorrente, pelo que 
 não pode conhecer-se do objecto do recurso.
 
  
 
  
 
             6. Decisão
 
  
 
             Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar 
 a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 12 UCs.
 Lisboa, 20 de Fevereiro de 2008
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão