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Processo n.º 953/07
 
 3ª Secção
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu a seguinte 
 decisão sumária:
 
  
 
                         «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente A. e como recorrido 
 Ministério Público, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, o primeiro veio 
 interpor recurso de acórdão daquele, proferido em 12 de Julho de 2007 (fls. 49 a 
 
 52), que indeferiu reclamação do despacho do Ex.mo Juiz do 1º Juízo Criminal de 
 Viana de Castelo que não admitiu recurso de decisão que havia indeferido uma 
 arguição de irregularidade alegadamente ocorrida em processo 
 contra-ordenacional.
 
  
 Para bom julgamento da causa, importa referir que, subsidiariamente a esta 
 arguição de irregularidade, o ora recorrente havia interposto, em simultâneo, 
 recurso da decisão que o condenou ao pagamento de coima de 500,00 € e à sanção 
 acessória de inibição de condução, por contra-ordenação prevista e punida nos 
 n.ºs 1 e 2 do artigo 81º do Código da Estrada, tendo esse mesmo recurso sido 
 admitido.
 
  
 
 2. Na medida em que o recorrente não indicou os elementos exigidos pelos n.ºs 1 
 e 2 do artigo 75º-A da LTC, a Relatora proferiu despacho para convite do 
 recorrente ao aperfeiçoamento do mesmo (fls. 64). Na sequência de tal convite, o 
 recorrente viria a esclarecer que o recurso vem interposto “ao abrigo da alínea 
 b), do n.º 1 do artigo 70º, da LTC, considerando o normativo do art. 73º, do 
 D.L. nº 433/82, de 27 de Outubro, por não assegurar ao arguido toda a defesa, em 
 que se deverá considerar incluído o duplo grau de jurisdição, inconstitucional, 
 por violação do disposto nos art.s 20º, nº 1, e 32º da Constituição da República 
 Portuguesa, inconstitucionalidade invocada na reclamação apresentada” (fls. 66).
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 3. Conforme, aliás, demonstrado pela própria decisão recorrida – que cita 
 expressamente jurisprudência relevante proferida do Tribunal Constitucional –, a 
 questão de inconstitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada não é 
 nova, tendo já este Tribunal tido inúmeras oportunidades de se pronunciar sobre 
 os limites do direito ao recurso, seja em processo penal, seja em processo 
 contra-ordenacional. Como tal, justifica-se a prolação de decisão sumária, 
 atenta a simplicidade da questão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
 
  
 Apesar de convidado a aperfeiçoar o requerimento, o recorrente não precisa quais 
 são as normas exactas constantes do artigo 32º da Lei Fundamental que entende 
 serem colocadas em causa pela norma vertida no n.º 1 do artigo 73º do Regime 
 Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social [de ora em diante, RGIMOS, aprovado 
 pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro]. Contudo, atentas as referências 
 ao direito à defesa e ao acesso a um duplo grau de jurisdição, conclui-se que o 
 mesmo pretendeu invocar as normas resultantes dos n.º 1 e 10 do referido artigo 
 
 32º da CRP.
 
  
 
 4. Segundo jurisprudência firme e constante deste Tribunal, o n.º 10 do artigo 
 
 32º da CRP não determina uma equiparação integral aos processos 
 contra-ordenacionais de direitos aplicáveis em processo penal, designadamente, 
 do direito ao recurso.
 
  
 Veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 659/06, de 28 de Novembro de 2006 
 
 (disponível in «Diário da República», Série II, n.º 6, de 09 de Janeiro de 2007, 
 pp. 539 e seguintes):
 
 “Diga‑se, desde já, que o invocado n.º 10, na sua directa estatuição, é de todo 
 irrelevante para o presente caso. Com a introdução dessa norma constitucional 
 
 (efectuada, pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de 
 contra‑ordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos 
 sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os 
 direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão 
 originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos 
 arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (artigo 270.º, 
 n.º 3, correspondente ao actual artigo 269.º, n.º 3). Tal norma implica tão‑só 
 ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, 
 contra‑ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer 
 outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa 
 defender‑se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando 
 meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a 
 verdade (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo 
 I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do 
 artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 
 
 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, “nos 
 processos disciplinares e demais processos sancionatórios”, de “todas as 
 garantias do processo criminal” (artigo 32.º‑B do Projecto de Revisão 
 Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da 
 Assembleia da República, II Série‑RC, n.º 20, de 12 de Setembro de 1996, pp. 
 
 541‑544, e I Série, n.º 95, de 17 de Julho de 1997, pp. 3412 e 3466).
 
 É óbvio que não se limitam aos direitos de audição e defesa as garantias dos 
 arguidos em processos sancionatórios, mas é noutros preceitos constitucionais, 
 que não no n.º 10 do artigo 32.º, que eles encontram esteio. É o caso, desde 
 logo, do direito de impugnação perante os tribunais das decisões sancionatórias 
 em causa, direito que se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e, 
 especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da 
 CRP. E, entrados esses processos na “fase jurisdicional”, na sequência da 
 impugnação perante os tribunais dessas decisões, gozam os mesmos das genéricas 
 garantias constitucionais dos processos judiciais, quer directamente referidas 
 naquele artigo 20.º (direito a decisão em prazo razoável e garantia de processo 
 equitativo), quer dimanados do princípio do Estado de direito democrático 
 
 (artigo 2.º da CRP), sendo descabida a invocação, para esta fase, do disposto no 
 n.º 10 do artigo 32.º da CRP (Já no Acórdão n.º 77/2005 se expressaram reservas 
 quanto à atribuição ao n.º 10 do artigo 32.º da CRP de um alcance tão amplo que 
 abarcasse, no “direito de defesa” nele contemplado, quer o direito de impugnação 
 judicial das decisões de aplicação de coimas, quer ainda o direito de recorrer 
 das decisões desta impugnação judicial, isto é, a imposição da garantia de uma 
 
 2.ª instância judicial para apreciação da impugnação da decisão administrativa, 
 tendo‑se nesse aresto não julgado inconstitucional o artigo 74.º, n.º 1, do 
 RGCO, “interpretado no sentido de que, sendo notificado o mandatário do dia 
 designado para leitura da decisão de impugnação judicial em processo 
 contra‑ordenacional, o prazo para recorrer se conta a partir da data da leitura 
 da decisão em audiência, esteja ou não presente o arguido ou o seu mandatário”).
 
  
 
 2.3. Dentre os processos sancionatórios é o processo contra‑ordenacional um dos 
 que mais se aproxima, atenta a natureza do ilícito em causa, do processo penal, 
 embora a este não possa ser equiparado.
 Constitui afirmação recorrente na jurisprudência do Tribunal Constitucional a da 
 não aplicabilidade directa e global aos processos contra‑ordenacionais dos 
 princípios constitucionais próprios do processo criminal, desde logo o princípio 
 da judicialização da instrução consagrado no n.º 4 do artigo 32.º (neste 
 sentido: Acórdão n.º 158/92). A diferença de “princípios 
 jurídico‑constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a 
 legislação penal e a legislação das contra‑ordenações” reflecte‑se “no regime 
 processual próprio de cada um desses ilícitos”, não exigindo “um automático 
 paralelismo com os institutos e regimes próprios do processo penal, 
 inscrevendo‑se assim no âmbito da liberdade de conformação legislativa própria 
 do legislador”, por exemplo, a não atribuição ao assistente (admitindo que a lei 
 consente em processo contra‑ordenacional esta figura) de legitimidade para 
 recorrer, legitimidade que o artigo 73.º, n.º 2, do RGCO apenas reconhece ao 
 arguido e ao Ministério Público (Acórdão n.º 344/93).
 
                                    (…)
 
 2.4. Assente que, dada a diferente natureza dos ilícitos em causa e a menor 
 ressonância ética do ilícito de mera ordenação social, com reflexos nos regimes 
 processuais próprios de cada um deles, não é constitucionalmente imposto ao 
 legislador a equiparação das garantias em ambos esses regimes, é evidente que 
 não se pode considerar inconstitucional a não admissibilidade de recurso 
 jurisdicional de decisões proferidas em sede de impugnação judicial de decisões 
 administrativas aplicadoras de coimas quando nem sequer relativamente às 
 correspondentes decisões no âmbito do processo criminal idêntica garantia é 
 exigida.
 Como é sabido, constitui entendimento reiterado deste Tribunal (cf., por último, 
 o Acórdão n.º 2/2006 e demais jurisprudência aí citada) que a Constituição não 
 estabelece em nenhuma das suas normas a garantia da existência de um duplo grau 
 de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies. Perspectivando – 
 como cumpre – a problemática do direito ao recurso em termos substancialmente 
 diversos relativamente ao direito penal, por um lado, e aos outros ramos do 
 direito, por outro, por a consideração constitucional das garantias de defesa 
 implicar um tratamento específico desta matéria no processo penal (a 
 consagração, após a revisão de 1997, no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, do direito 
 ao recurso mostra que o legislador constitucional reconheceu como merecedor de 
 tutela constitucional expressa o princípio do duplo grau de jurisdição no 
 domínio do processo penal, sem dúvida, por se entender que o direito ao recurso 
 integra o núcleo essencial das garantias de defesa), mesmo aqui e face a este 
 específico fundamento da garantia do segundo grau de jurisdição no âmbito penal, 
 o Tribunal Constitucional entendeu que não decorre desse fundamento que os 
 sujeitos processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz 
 nas diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto às 
 decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões respeitantes à situação 
 do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros 
 direitos fundamentais. Fora destas espécies de decisões, consideraram‑se, assim, 
 conformes à Constituição normas processuais penais que deneguem a possibilidade 
 de o arguido recorrer de determinados despachos ou decisões proferidas na 
 pendência do processo.
 Por maioria de razão, em processo contra‑ordenacional não é constitucionalmente 
 imposta a consagração da possibilidade de recurso de todas as decisões judiciais 
 proferidas no decurso da impugnação judicial da decisão administrativa 
 sancionatória.
 De acordo com a interpretação acolhida na decisão ora recorrida – cuja 
 correcção, ao nível da interpretação do direito ordinário, não cumpre a este 
 Tribunal sindicar –, só são recorríveis para o Tribunal da Relação a sentença ou 
 o despacho que decidam o caso, verificadas as condições referidas nas alíneas a) 
 a e) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, não sendo recorrível o 
 despacho, posterior à decisão de rejeição da impugnação (decisão esta entendida 
 como constituindo a decisão que põe termo ao processo), que julgou improcedente 
 arguição de nulidade processual.
 Esta interpretação, que assegura a possibilidade de recurso das decisões 
 
 “centrais” da impugnação judicial (decisões que “põem termo” ao processo, embora 
 sem prejuízo da suscitação de incidentes pós‑decisórios), não se pode 
 considerar, pelas razões expostas, violadora das garantias de defesa do processo 
 criminal, referidas no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, na parte em que sejam 
 extensíveis ao processo contra‑ordenacional. A possibilidade de defesa do 
 arguido perante a alegada irregularidade da notificação podia ser exercitada ou 
 pela sua directa arguição (mecanismo que, por razões que lhe são imputáveis, se 
 entendeu não ter sido utilizado em tempo), ou pela alegação desse vício no 
 
 âmbito do recurso jurisdicional do despacho de rejeição da impugnação da decisão 
 administrativa, a entender‑se que se trataria das chamadas “nulidades 
 processuais cobertas por decisão judicial” (cf. Acórdão n.º 183/2004, com texto 
 integral disponível, tal como todos os acórdãos anteriormente citados, em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), via essa que o recorrente também não utilizou.” 
 
             
 Da fundamentação supra transcrita decorre não ser inconstitucional a limitação 
 ao direito de recurso prescrita no n.º 1 do artigo 73º do RGIMOS, na medida em 
 que a decisão ora recorrida não colocou termo ao processo contra-ordenacional, 
 tendo antes decidido sobre irregularidade suscitada pelo ora recorrente, por – 
 de acordo com o entendimento deste último – não terem sido adoptadas todas as 
 diligências instrutórias necessárias, conforme resulta da reclamação apresentada 
 
 (fls. 2). À semelhança do que sucedeu nos autos que deram lugar ao citado 
 Acórdão n.º 659/06, o presente recurso não vem interposto de decisão que colocou 
 termo ao processo, mas apenas – e parcialmente – de decisão que julgou 
 improcedente requerimento para arguição de irregularidade, conforme decorre da 
 decisão recorrida:
 
  
 
 “(…) foi proferida decisão que, julgando improcedente o recurso, em consequência 
 condenou o arguido A. na coima de € 500,00 e na sanção acessória de inibição de 
 condução pelo período de 120 dias (…).
 Notificado desta decisão veio o arguido ao processo invocar em seu proveito a 
 irregularidade que nele se constata e susceptível de influir no exame e decisão 
 da causa, e consubstanciada na circunstância de não ter sido notificado para se 
 pronunciar acerca dos documentos de fls. 66 a 69, desta forma concluindo que lhe 
 não foi assegurado o pleno direito de defesa consagrado no art. 32º, n.º 10 da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
 (…) e para a hipótese de tal não ser entendido, por mera cautela jurídica, não 
 se conformando com a, aliás, douta sentença proferida, dela pretende interpor 
 recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães (…).
 Apreciando e decidindo este requerimento, o Ex.mo Juiz, julgando inexistir a 
 ocorrência da alegada irregularidade praticada no processo, indeferiu o pedido 
 do arguido de dar sem efeito o processado, muito embora tenha também ordenado 
 que, para que não se gerem dúvidas sobre o teor dos ditos documentos, fosse 
 enviada a cópia deles ao arguido.
 Pronunciando-se sobre o requerimento de interposição do recurso, proferiu 
 despacho a admitir o recurso interposto (…).
 Face ao assim decidido, o arguido, não se conformando com o despacho que 
 indeferiu a irregularidade por si suscitada, dele interpôs recurso e apresentou 
 a respectiva motivação.” (fls. 49, com sublinhado nosso).
 
  
 Daqui decorre que o recurso vem interposto da decisão que indeferiu reclamação 
 relativa ao indeferimento do pedido de declaração de irregularidade, com 
 anulação do processado e não da decisão que condenou o ora recorrente ao 
 pagamento de coima e à inibição de condução por 120 dias. Como tal, não se 
 afigura que o direito ao recurso previsto no n.º 1 do artigo 32º da CRP, em sede 
 de processo penal, seja extensível às situações ocorridas em processo 
 contra-ordenacional em que não esteja em causa a interposição de recurso de 
 decisão que coloque termo ao processo, na esteira no já afirmado pelo Acórdão 
 n.º 659/06.
 
  
 
 5. Por outro lado, conforme já evidenciado pelo excerto do Acórdão que acabou de 
 ser referido, este Tribunal tem entendido, por jurisprudência constante que se 
 mantém, que não é possível extrair da Constituição, seja do n.º 1 do artigo 20º, 
 seja do n.º 1 do artigo 32º, qualquer direito absoluto e irrestringível ao 
 recurso. A mero título de exemplo, veja-se o Acórdão n.º 415/01, de 03 de 
 Outubro de 2001, (publicado in «Diário da República», II Série, de 30 de 
 Novembro de 2001, pp. 19992 e segs):
 
  
 
 “(...)
 O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos ‘o acesso ao direito e aos 
 tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não 
 podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos’. Tal 
 direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei 
 aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, 
 e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz 
 respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a 
 insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e 
 ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes 
 direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais 
 de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou 
 bastará um grau de jurisdição?
 A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso 
 para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; 
 e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei 
 Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a 
 menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, 
 aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual 
 a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida 
 
 (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das 
 garantias de defesa previstas naquele artigo 32º. Para além disso, algumas vozes 
 têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de 
 direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, 
 liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito 
 penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital 
 Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão nº 202/90, id., vol. 
 
 16, pág. 505).
 Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir 
 ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer”. Na verdade, este Tribunal 
 tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual 
 Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição 
 uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no 
 topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 
 
 210º), terá de admitir-se que ‘o legislador ordinário não poderá suprimir em 
 bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos’ (cfr., a este propósito, 
 Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 
 
 340/90, id., vol. 17, pág. 349).
 Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode 
 concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a 
 faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. 
 Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a 
 existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. os citados 
 Acórdãos nº 31/87, 65/88, e ainda 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol. 12, pág. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos nº 
 
 359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, pág. 605), nº 24/88, 
 
 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 525), e nº 450/89, (Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, vol. 13, pág. 1307)(…). (Sublinhado nosso)
 
             
 
  
 Em conclusão, afigura-se manifesto que a questão a decidir é simples, 
 designadamente por existir jurisprudência anterior sobre a mesma questão 
 normativa – que se acompanha e reitera –, pelo que se justifica a prolação de 
 decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
 
  
 
  
 III. DECISÃO
 
  
 
             Nestes termos, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, e pelos fundamentos constantes dos Acórdãos n.º 
 
 659/06, de 28 de Novembro de 2006, e n.º 415/01, de 03 de Outubro de 2001, para 
 os quais se remete, decide-se não julgar inconstitucional a norma constante do 
 n.º 1 do artigo 73.º do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, interpretada 
 no sentido de não permitir recurso para o Tribunal da Relação de despacho de 
 indeferimento de arguição de irregularidade processual, proferido posteriormente 
 a decisão condenatória adoptada em sede de procedimento jurisdicional de 
 impugnação de decisão administrativa que puniu facto descrito como 
 contra‑ordenação.
 
  
 
             Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 
 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de 
 Outubro.»
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência, 
 contra a não admissão do recurso, com os fundamentos que de ora em diante se 
 sintetizam: 
 
  
 
 «No presente caso, pretendeu o recorrente a anulação do processado por não ter 
 sido notificado de documentos, em face dos quais, poderia ter requerido 
 diligências que, no seu entender, seriam susceptíveis de poder afastar o valor 
 probatório de tais documentos, conforme fundamentos do recurso interposto, o que 
 fora desatendido pela decisão da 1ª Instância. Desta decisão, por considerar, 
 para si, prejudicial, interpôs recurso que não viria a ser admitido.
 
  
 Pela douta decisão ora reclamada é entendido não haver inconstitucionalidade na 
 não admissão do recurso de tal decisão, designadamente por a questão já ter sido 
 objecto de decisão anterior desse Alto Tribunal.
 
  
 E embora se aceite tratar-se de uma questão simples, contudo, de suma 
 importância, como neste caso concreto. 
 
  
 Trata-se de um processo de contra-ordenação, mas nem por isso se deixando de 
 referir que de um processo de contra-ordenação podem resultar consequências 
 nefastas para a vida das pessoas, quando, por exemplo, como no presente caso, 
 haja aplicação de sanções acessórias, que poderá levar o arguido a perder o 
 emprego, ou, em geral, se houver lugar a uma coima de valor muito elevado, com 
 graves reflexos na situação patrimonial do arguido.
 
  
 Pelo que, na nossa perspectiva, e salvo o devido respeito por outra opinião, em 
 processo de contra-ordenação deverão ser admitidos os mesmos recursos, 
 normalmente, admitidos em outros processos, como é o caso do processo penal, 
 perante um não reconhecimento de irregularidade processual invocada, com 
 repercussões, ao nível probatório, determinantes da decisão final, que redunde, 
 também como neste caso, numa condenação.
 
  
 Referindo, nomeadamente, o Ac. nº 415/2001, citado na douta decisão reclamada, 
 que “o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a 
 faculdade de recorrer”. 
 
  
 Isto é, salvo melhor entendimento, terá o legislador de enumerar os casos em que 
 o recurso não seja admissível — como o faz, v. g., pelo art. 400º, do C. P. 
 Penal.
 
  
 Não o incluindo no âmbito do RGIMOS, e atento o princípio da legalidade por que 
 este se rege, pela interpretação que fazemos, da decisão em causa é admissível 
 recurso, pelas regras gerais.
 
  
 Conforme idêntico entendimento da doutrina citada na reclamação para o Exmo. 
 Presidente do Tribunal “a quo”, e o mais dela constante que aqui se dá por 
 reproduzida. 
 
  
 Assim se entendendo, e sempre com o devido respeito, que é muito, dever ser 
 proferido douto acórdão no sentido da procedência do recurso, devendo este 
 seguir os normais termos.» (fls. 80 e 81)
 
  
 
 3. Notificado para se pronunciar sobre a referida reclamação, o recorrido veio 
 pronunciar-se no seguinte sentido:
 
  
 
  
 
 «1°
 
  
 A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente. 
 
  
 
 2°
 Na verdade a argumentação do reclamante nada contém de inovatório relativamente 
 aos fundamentos da decisão reclamada, assente na firme corrente jurisprudencial 
 acerca do âmbito constitucional do direito ao recurso.» (fls. 88)
 
  
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. O ora reclamante limita-se a reproduzir as considerações já anteriormente 
 tecidas, perante o Tribunal da Relação de Guimarães (fls. 42 a 44), a maior 
 parte delas relativas à interpretação do Direito infra-constitucional que aquele 
 reputa de mais idónea. Ora, tais questões não constituem objecto de decisão por 
 parte deste Tribunal, que apenas dispõe de poderes para sindicar a 
 constitucionalidade de normas jurídicas.
 
  
 Ao longo da sua reclamação, o reclamante persiste em invocar, de forma vaga e 
 sem qualquer conexão concreta ao caso em apreço nos presentes autos, 
 considerações genéricas sobre uma pretensa equiparação integral entre o regime 
 de recursos em processo penal e em processo contra-ordenacional sem que consiga 
 identificar, por uma vez que seja, qualquer fundamento constitucional para tal 
 entendimento.
 
  
 Conforme já ilustrado na decisão sumária, este Tribunal tem decidido que o 
 direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da 
 República Portuguesa não se traduz numa faculdade ilimitada de acesso a todos os 
 níveis de jurisdição abstractamente consagrados nas leis processuais 
 portuguesas. Ora, no caso dos autos, o reclamante viu o direito de acesso aos 
 tribunais duplamente salvaguardado, quer beneficiando da sindicância 
 jurisdicional, por um tribunal de primeira instância, da decisão administrativa 
 que o condenou, quer mediante a reapreciação de tal decisão pelo Tribunal da 
 Relação de Guimarães. 
 
  
 Todas as questões aludidas encontram-se suficientemente esclarecidas quer na 
 decisão ora reclamada, quer na jurisprudência por ela citada, pelo que não se 
 justifica qualquer reponderação do sentido da decisão reclamada.
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se:
 
  
 a)      Indeferir a presente reclamação;
 b)      Confirmar a decisão sumária reclamada. 
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 Lisboa, 14 de Fevereiro de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão