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Proc. n.º 668/03 TC - 1ª Secção Rel.: Consº Artur Maurício 
 
 
 
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: 
 
 
 
 
 
 
 1 - Por acórdão de fls. 1545 e segs., o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso interposto por A. e outros do acórdão da Relação de Èvora de fls. 1464 e segs., com fundamento na irrecorribilidade deste aresto nos termos do artigo 400º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Penal. 
 
 A recorrente interpôs recurso do dito acórdão do STJ, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma ínsita naquele preceito do CPP. 
 
 O recurso não foi admitido, por despacho de fls. 1564, com fundamento no facto de se não mostrar preenchido um dos pressupostos do mesmo recurso - suscitação da questão de constitucionalidade da norma em causa durante o processo. 
 
 É deste despacho que vem deduzida, por A., com os sinais dos autos, a presente reclamação, ao abrigo do artigo 77º da LTC, onde, em síntese e com utilidade para a solução do caso, diz a reclamante que: 
 
 - a decisão de irrecorribilidade do acórdão da Relação de Évora, com fundamento no artigo 400º n.º 1 alínea e) do CPP, constitui uma decisão surpresa 
 
 - estava, assim, a reclamante dispensada de cumprir o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade perante o STJ 
 
 - o facto de o Ministério Público, junto do STJ, no parecer que emitiu - de que a reclamante foi notificada - ter defendido que o recurso não era admissível por força do artigo 400º n.º 1 alínea e) do CPP, não obrigava a reclamante a suscitar, em resposta àquele parecer, a questão da 
 (in)constitucionalidade da interpretação normativa ali sustentada 
 
 - o parecer do Ministério Público não é mais do que isso mesmo - um parecer - que não vincula o julgador, não significando o silêncio da recorrente uma adesão à tese então defendida e não retira ao acórdão do STJ a característica de decisão surpresa. 
 
 Na sua resposta, o Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal sustenta o indeferimento da reclamação. 
 
 Cumpre decidir. 
 
 2 - Resulta dos autos: 
 
 - Pelo citado acórdão da Relação de Évora, foi confirmado o acórdão que condenou a ora reclamante, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo n.º 1 do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93 e de um crime de receptação p. e p. pelo n.º 1 do artigo 231º do Código Penal, mas reduzidas as penas do primeiro para 4 anos e 9 meses e da pena unitária para 5 anos de prisão. 
 
 - A reclamante recorreu deste acórdão para o STJ onde o Ministério Público emitiu parecer sustentando a irrecorribilidade do aresto nos termos do artigo 400º n.º 1 alínea e) do CPP, citando a propósito jurisprudência do STJ em apoio da posição assumida. 
 
 - A reclamante foi notificada deste parecer para se pronunciar, querendo, mas nada disse. 
 
 - É então proferido o acórdão do STJ, a fls e segs. que decide rejeitar o recurso por ele ser inadmissível nos termos do artigo 400º n.º 1 alínea e) do CPP, citando em apoio o Acórdão do STJ de 4/12/02 (Pº 3404/2002) 
 20/3/2002 (Pº 137/02) e 6/3/2003 (Pº 164/03). 
 
 - Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, foi proferido o despacho reclamado onde, a propósito da exigência de suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo, se escreveu: 
 
 'Quanto ao 1º requisito - o que essencialmente aqui importa considerar 
 - exige-se que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada enquanto a causa esteve pendente, isto é, até à prolação da decisão pelo Tribunal recorrido, por forma a que o mesmo ainda possa dela decidir. 
 Só assim não será se o interessado não tiver tido oportunidade de suscitar tal questão, ou por não ter ocorrido possibilidade de intervir no processo, por a situação só ter ocorrido depois dessa intervenção ou por o recorrente ser confrontado com uma decisão/surpresa, isto é, imprevista ou inesperada, que o impediu de equacionar antes tal questão. 
 Ora, no caso presente, o recorrente foi notificado do Parecer do Mº Pº, nos termos do artº 417º n.º 2 do CPP, onde se colocava a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, com base numa interpretação do disposto no artº 
 400º, n.º 1, al. e) do mesmo Código que lhe seria desfavorável, o que o recorrente vem agora - e só agora - arguir de inconstitucional. 
 Como assim, a partir daí ficou o recorrente advertido de que essa interpretação sugerida pelo Mº Pº seria uma das soluções possíveis a sufragar na decisão final, pelo que lhe incumbia, na resposta, equacionar essa inconstitucionalidade, para a hipótese de vir a ser o caminho a seguir pelo Tribunal, o que não fez, quedando-se apenas pela análise de fora a matéria de vocação constitucional. 
 Nestes termos, e porque a questão ora posta não foi levantada durante o processo, nem se trata de uma decisão/surpresa, não admito o recurso interposto pelo requerimento de fls. 1559 e 1560. 
 Notifique' 
 
 3 - O thema decidendum da presente reclamação limita-se à questão de saber se a decisão de rejeição de recurso interposto para o STJ de acórdão da relação, com fundamento na interpretação da norma contida no artigo 400º n.º 1 alínea e) no sentido de que não são recorríveis para o STJ os acórdãos proferidos em recurso em que é aplicada pena inferior a 5 anos de prisão e o recurso é apenas interposto pelo arguido, se deve considerar uma decisão surpresa em termos de não ser exigível o ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, que resulta do disposto no artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, mesmo quando o recorrente é notificado de parecer do Mº Pº onde se propugna aquela solução legal. 
 A resposta a tal questão é - diga-se desde já - afoitamente negativa. 
 O despacho reclamado assenta num entendimento que este Tribunal integralmente aceita e reitera, no sentido de que não pode configurar-se como decisão surpresa, para efeitos de libertar o recorrente do ónus que decorre do artigo 
 70º n.º 1 alínea b) da LTC, aquela que acolhe a solução proposta por uma das 
 'partes' no processo, quando foi dada previamente oportunidade ao recorrente para se pronunciar sobre essa proposta. 
 Cita-se, entre outros, o Acórdão n.º 133/03, de 18/03/2003, onde se decidiu questão praticamente idêntica à que está agora em causa.. Aí se escreveu: 
 
 '(...) defendendo uma das partes a aplicação dessa norma, era plausível que o acórdão a pudesse igualmente aplicar, tendo tido o reclamante – como se disse – oportunidade de suscitação prévia da questão de constitucionalidade em termos processualmente adequados.' 
 
 Não tem qualquer sentido alegar - como faz o recorrente - que o parecer emitido pelo Ministério Público não vinculava o STJ a decidir no sentido proposto. 
 
 Com efeito, o STJ estava obrigado a decidir a questão suscitada naquele parecer, num ou noutro sentido, sendo, desde logo, plausível que o pudesse fazer na esteira do entendimento proposto pelo Ministério Público, tanto mais quanto ele se estribava em jurisprudência do STJ expressamente citada no mesmo parecer. 
 
 
 Nesta medida, não pode considerar-se como imprevista, em termos de a recorrente não poder antecipar como plausível, a interpretação normativa que a ora reclamante pretendia ver apreciada, sub specie constitutionis, pelo Tribunal Constitucional no recurso que não foi admitido - e bem - pelo despacho reclamado. 
 
 A reclamante dispôs de oportunidade para suscitar a questão de constitucionalidade quando foi notificada do parecer do Ministério Público nos termos do artigo 417º n.º 2 do CPP, notificação essa que precisamente visa permitir ao recorrente responder àquele parecer. E se, no caso, a reclamante o não fez, sibi imputat... 
 
 Não merece, pois, qualquer censura o despacho reclamado. 
 
 4 - Decisão: 
 
 Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação. 
 
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Uc’s. 
 Lisboa, 15 de Outubro de 2003 
 Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida