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Processo n.º 263/07
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão    
 
  
 Acordam, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura 
 como recorrente o Ministério Público e como recorrido A., foi proferida decisão, 
 em 29 de Novembro de 2006, que recusou aplicação, com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade, ao disposto nos artigos 67º e 69º do Decreto-Lei nº 
 
 557/99, de 17 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os funcionários com a 
 mesma antiguidade, na mesma categoria de origem, mas com maior antiguidade no 
 cargo de chefia tributária, auferem remuneração inferior àqueles que tem menor 
 antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos após a entrada em 
 vigor do mesmo diploma.
 
  
 
 2. É desta decisão que vem interposto pelo Representante do Ministério Público 
 junto daquele Tribunal, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70º da LTC, 
 o presente recurso, para apreciação da constitucionalidade dos artigos 67º e 69º 
 do Decreto-Lei nº 557/99, de 17 de Dezembro, na interpretação acima 
 identificada, a que a decisão recorrida recusou aplicação com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
 3. Já neste Tribunal foi o Ministério Público, ora recorrente, notificado para 
 alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
 
 “São inconstitucionais, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea a), da 
 Constituição, enquanto corolário do princípio da igualdade, consagrado no artigo 
 
 13º, as normas constantes dos artigos 67º e 69º do Decreto-Lei nº 557/99, de 17 
 de Dezembro – conjugados com o critério corrector consagrado no artigo 45º – na 
 interpretação segundo a qual os funcionários com a mesma antiguidade na 
 categoria de origem (perito tributário de 2ª classe), mas com maior antiguidade 
 no cargo de chefia tributária, auferem remuneração inferior àqueles que tem 
 menor antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos após a entrada 
 em vigor do mesmo diploma”.
 
  
 
 4. Notificado para, querendo, contra-alegar, o recorrido nada disse.
 
  
 II. Fundamentação.
 
  
 
 5. A questão de constitucionalidade que vem colocada não é nova na 
 jurisprudência do tribunal que, ainda recentemente, teve ocasião de sobre ela se 
 pronunciar nos Acórdãos nº 105/2006 e 167/2008 (já disponíveis na página 
 Internet do Tribunal em www.tribunalconstitucional.pt), tendo concluído pela 
 inconstitucionalidade dos referidos preceitos na interpretação normativa que 
 agora, mais uma vez, vem questionada. Neste último aresto pode ler-se, 
 designadamente, o seguinte:
 
 “No referido acórdão n.º 105/206 […] o Tribunal Constitucional julgou 
 inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da 
 Constituição, enquanto corolário do princípio da igualdade consagrado no seu 
 artigo 13º, as normas constantes dos artigos 69.º, 67.º e 45.º do Decreto-Lei 
 n.º 557/99, de 17 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os funcionários 
 com a mesma antiguidade na mesma categoria de origem – perito tributário de 2ª 
 classe –, mas com maior antiguidade no cargo de chefia tributária – adjunto de 
 chefe de repartição de finanças de nível I –, auferem remuneração inferior 
 
 àqueles que têm menor antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos 
 após a entrada em vigor do mesmo diploma. 
 Para tanto, ponderou-se o seguinte:
 
 “[...] À primeira vista, parece verificar-se, no caso em apreço, como, aliás, 
 ajuizou o acórdão recorrido, uma situação em que se afigura existir razão 
 material bastante para fundar uma discriminação dos adjuntos de chefe de 
 repartição de finanças resultante da sua integração em escalões diferentes desta 
 categoria, consoante tenham, nela, sido integrados por força do Decreto-Lei n.º 
 
 557/99, por mera conversão da nomeação para esse cargo de chefia, em comissão de 
 serviço, efectuada anteriormente à sua vigência, em nomeação para a categoria, 
 ou por virtude de nomeação efectuada segundo as regras de recrutamento 
 estabelecidas no seu art. 15º, n.º 1, alínea c).
 Na verdade, segundo este preceito, a nomeação para a categoria de adjunto do 
 chefe de finanças passou a ficar dependente, a mais de outros requisitos 
 anteriormente exigidos, da obtenção de uma habilitação própria – a aptidão no 
 curso de chefia tributária, regulado no art. 38º do mesmo diploma – a partir da 
 entrada em vigor do diploma.
 Tem-se por certo, tendo em conta o acima afirmado, que a exigência desta 
 habilitação específica, enquanto encarnando, da perspectiva do legislador, uma 
 maior aptidão para o exercício das funções jurídicas e materiais próprias da 
 categoria em causa, constitui fundamento bastante para sustentar a atribuição de 
 um escalão de vencimento superior por parte de quem tem de a satisfazer em 
 relação a quem não está sujeito a ela. 
 Nesta perspectiva, a interpretação do conjunto dos referidos preceitos, segundo 
 a qual a regra de integração nas escalas salariais dos cargos de chefia, 
 prevista no referido art. 45º, abrange apenas os funcionários que sejam nomeados 
 após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 557/99, apresenta-se, prima facie, 
 isenta de censura constitucional.
 Acontece, porém, que o legislador, no art. 58º, n.º 9, do Decreto-Lei n.º 
 
 557/99, deu por satisfeita tal condição de recrutamento para a categoria em 
 causa em relação aos “funcionários abrangidos por este artigo [chefes de 
 repartição de finanças e adjuntos de chefe de repartição de finanças], bem como 
 os actuais peritos tributários e peritos de fiscalização tributária”, 
 considerando-os “como possuindo o curso de chefia tributária”.
 Ora, o entendimento, segundo o qual a integração prevista no art. 45º do 
 Decreto-Lei nº 557/99 se aplica apenas aos funcionários que sejam nomeados para 
 o cargo depois da sua entrada em vigor, conjugado com o facto de o mesmo diploma 
 considerar, sem mais, como habilitados com o curso de chefia tributária os 
 funcionários a que alude o n.º 9 do art. 58º, conduz, já, todavia, a que peritos 
 tributários de 2ª classe, tidos, ao mesmo título (por mera atribuição legal) 
 como habilitados com o curso de chefia tributária, possam ser integrados, na 
 categoria de adjunto de chefe de repartição de finanças, em escalão inferior, 
 não obstante terem igual antiguidade na categoria de peritos tributários de 2ª 
 classe [que pelo diploma foi convertida na categoria de técnico de administração 
 tributária – art. 52º, n.º 1, alínea c)] e maior antiguidade na categoria de 
 adjunto de chefe de repartição de finanças, apenas porque foram nomeados para 
 este cargo antes da entrada em vigor e os outros depois da entrada em vigor do 
 mesmo diploma.
 A possibilidade de verificação de um tal efeito normativo, que se mostra 
 concretizado no caso dos autos, não é, já, constitucionalmente tolerável, 
 ofendendo o disposto no art. 59º, n.º 1, alínea a) da Constituição, enquanto 
 corolário do princípio da igualdade, consagrado no seu artigo 13º, entendido nos 
 termos acima expostos”.
 
 6. Acompanha-se este entendimento, que corresponde a jurisprudência consolidada 
 do Tribunal na apreciação de normas do regime da função pública que conduzam a 
 que funcionários mais antigos numa dada categoria passem a auferir remuneração 
 inferior à de outros com menor antiguidade e idênticas habilitações, por virtude 
 de reestruturações de carreiras ou de alterações do sistema retributivo em que 
 interfiram factores anómalos, de circunstância puramente temporal, estranhos à 
 equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a 
 natureza do trabalho ou com as qualificações, a experiência ou o desempenho dos 
 funcionários confrontados (cfr. acórdão n.º 323/2005, Diário da República, I 
 Série-A, de 14 de Outubro de 2005 e jurisprudência aí referida).
 Com efeito, os funcionários que em 31 de Dezembro de 1999 não exercessem funções 
 de chefia e detivessem, como o recorrente contencioso, a categoria de peritos de 
 fiscalização tributária de 2.ª classe e fossem remunerados pelo escalão 2 dessa 
 categoria, transitariam para a categoria de técnicos de administração tributária 
 de nível I, nos termos do artigo 52.º, n.º 1, alínea c), daquele diploma, sendo 
 integrados no escalão 2 desta categoria. Face ao preceituado no n.º 9 do artigo 
 
 58.º, que os dispensa do curso de habilitação exigido pelo artigo 15.º, passaram 
 a poder ser imediatamente nomeados para cargos de chefia idênticos ao do 
 recorrido e a ser remunerados pelo escalão 2 do cargo respectivo, por força do 
 disposto no n.º 1 do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 557/99. Ele, sujeito às 
 regras específicas da transição do pessoal em exercício de cargos de chefia à 
 data da entrada em vigor da nova estrutura remuneratória (artigos 67.º e 69.º), 
 continuaria a ser remunerado pelo escalão 1, até perfazer o módulo de tempo e as 
 mais condições necessárias para a progressão.
 E não estamos perante uma anomalia da concepção do regime de transição sem 
 efectiva concretização na situação remuneratória dos funcionários que 
 potencialmente se aplica. Segundo o acórdão de 16 de Maio de 2006, Proc. 20/06, 
 do Supremo Tribunal Administrativo (http://www.dgsi.pt/jsta), terão ocorrido 
 nomeações susceptíveis de produzir esta diferenciação remuneratória, 
 designadamente as constantes do Despacho publicado no Diário da República, II 
 Série, de 31 de Maio de 2001 (aviso 7514/2001). Trata-se, seguramente, de 
 funcionários a que não detinham o curso de chefia tributária, pois o respectivo 
 regulamento só veio a ser aprovado pelo Despacho do Secretário de Estado dos 
 Assuntos Fiscais n.º 26160/2005 (2.ª série), Diário da República, II Série, de 
 
 20‑12‑2005.
 
 7. Poderia objectar-se que o interessado sempre teria a possibilidade de evitar 
 a percepção de remuneração inferior à de outros funcionários com a mesma 
 categoria de origem e com menor antiguidade em cargo de chefia concorrendo, como 
 eles, a lugares postos a concurso ao abrigo do novo regime, com o consequente 
 posicionamento na escala remuneratória ao abrigo do n.º 1 do artigo 45.º do 
 Decreto-Lei n.º 557/99.
 Não parece, todavia, que esta possibilidade de eliminar a distorção afaste a 
 violação do princípio “a trabalho igual salário igual” que resulta do bloco 
 legal considerado, no seu funcionamento normal. Comporta um sacrifício 
 desproporcionado – basta pensar na álea do concurso ou, até, em não lhe 
 interessarem os novos lugares em que pudesse ser provido sem hiato temporal –, 
 exigir a um funcionário que renuncie ao cargo que ocupa e se candidate a novo 
 lugar de chefia como expediente para evitar ter remuneração inferior a outro, 
 sem melhores habilitações que venha a ser nomeado posteriormente para o 
 exercício de cargo idêntico.”
 
  
 
 6. É esta jurisprudência que, por manter inteira validade, agora se reitera.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.
 Sem custas, por a elas não haver lugar.
 
  
 Lisboa, 1 de Abril de 2008
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira – vencido quanto ao
 Conhecimento, conforme declaração.
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Começo por esclarecer que acompanho as objecções levantadas ao conhecimento do 
 objecto do recurso que ficaram expressas nos votos apostos ao Acórdão n.º 
 
 105/2006, por entender que o Tribunal recorrido não aplicara, como ratio 
 decidendi, a formulação normativa então impugnada, tal como desenvolvidamente se 
 explica no Acórdão n.º 710/2005 deste Tribunal, que trata de um caso semelhante. 
 Além disso, entendo que essa determinação jurídica não apresenta sequer natureza 
 normativa, sendo mesmo um trecho pretensamente retirado da decisão então 
 recorrida, mas que essa decisão, na verdade, não adoptou.
 
  
 Tais razões são também pertinentes no presente caso, em que – diversamente do 
 anterior – está em causa um recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 
 do artigo 70º da LTC.
 
  
 
  Na verdade, na essência do julgamento operado em contencioso administrativo por 
 via de recurso interposto de um acto de indeferimento tácito, o tribunal 
 limita-se a verificar se o acto administrativo recorrido enferma da invocada 
 violação de lei cuja ocorrência determinará a procedência do recurso e a 
 anulação desse acto.
 
  
 Ora, a interferência de um raciocínio de desconformidade constitucional de 
 determinadas normas só mediatamente constitui a ratio decidendi da decisão 
 anulatória; esta resulta, na verdade, directamente da circunstância de o acto 
 que constitui o objecto do recurso contencioso estar contaminado na sua origem 
 por uma errada interpretação e aplicação de normas jurídicas.
 
  
 Nestes termos, a adopção, na decisão aqui recorrida, de um raciocínio de 
 desconformidade constitucional de normas jurídicas constitui um argumento, mas 
 não o fundamento da decisão, situação que obrigatoriamente demandaria a adopção 
 de um processo de aplicação ao caso de normas repristinadas por efeito do vazio 
 normativo provocado pela desaplicação da norma inconstitucional, o que, 
 efectivamente, não ocorre.
 
  
 Entendo, por isso, que não se verificou a desaplicação de norma que constitui o 
 pressuposto do recurso previsto na citada alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da 
 LTC.
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira