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Processo nº 949/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Em 29 de Novembro de 2007 foi proferida decisão sumária em que se decidiu 
 não tomar conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por A..
 A decisão de não conhecimento do objecto do recurso assentou nos seguintes 
 fundamentos: 
 
  
 
 3.  Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que 
 admitiu o recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, entende-se não se poder conhecer do objecto do recurso, sendo 
 caso de proferir decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da mesma 
 Lei.
 Com efeito, é requisito específico do recurso de constitucionalidade interposto 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, além da suscitação, de forma clara e perceptível, da 
 inconstitucionalidade da norma durante o processo e do esgotamento dos recursos 
 ordinários que no caso cabiam, que a norma (ou dimensão normativa) impugnada 
 tenha efectivamente sido aplicada pelo tribunal a quo, na decisão recorrida, 
 como verdadeira ratio decidendi. Assim, se o sentido normativo impugnado não 
 corresponder ao sentido com que as normas questionadas foram aplicadas na 
 decisão recorrida, não existe interesse processual que justifique o conhecimento 
 da questão pelo Tribunal Constitucional. Neste caso, qualquer que fosse o 
 sentido da decisão que recaísse sobre a questão de (in)constitucionalidade, 
 manter-se-ia inalterado o decidido pelo tribunal recorrido (cfr. os Acórdãos 
 deste Tribunal n.ºs 454/91, 337/94, 608/95, 577/95, 1015/96, 196/97 e 508/98, 
 publicados os três primeiros no Diário da República, II série, respectivamente 
 de 24 de Abril de 1992, 4 de Novembro de 1994 e 19 de Março de 1996).
 Relembre-se, ainda, que, no nosso sistema de fiscalização concentrada e 
 incidental da constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional nem 
 controlar o modo como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, 
 nem sequer controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, 
 apurar se as normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No 
 recurso de constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da 
 República e pela Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de 
 fiscalização da constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa 
 interpretação enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada 
 na decisão recorrida. 
 Não pode, pois, ser apreciada a questão de (in)constitucionalidade da decisão – 
 do acto de aplicação do direito –, mas, apenas, da(s) norma(s) que nela haja(m) 
 sido aplicada(s). Como se pode ler no Acórdão n.º 604/93, publicado no Diário da 
 República, II série, de 29 de Abril de 1994:
 
  
 
 (...) Importa referir que o legislador constituinte referencia como elemento 
 definidor do objecto típico da actividade do Tribunal em matéria de fiscalização 
 de constitucionalidade – designadamente, de fiscalização concreta – o conceito 
 de ‘norma jurídica’. Assim, apenas as normas podem ser objecto de controlo 
 constitucional e não as decisões judiciais enquanto tais. 
 A este respeito, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Fundamentos da 
 Constituição, 1991, p. 258): “pode-se atacar uma decisão judicial – recorrendo 
 dela para o TC – se ela aplicou uma norma arguida de inconstitucionalidade ou se 
 deixou de aplicar uma norma por motivo de inconstitucionalidade. Mas não se pode 
 impugnar junto do TC uma decisão judicial, por ela mesma ofender por qualquer 
 motivo a Constituição.” (Cfr. também, e mais recentemente, os Acórdãos n.ºs 
 
 595/97, 338/98, 520/99 e 232/2002, todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 
 4.  Ora, o tribunal a quo não se baseou, como ratio decidendi, expressa ou 
 implicitamente, na interpretação dos artigos 483.º e 484.º do Código Civil e do 
 artigo 10.º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças que o recorrente 
 impugna perante o Tribunal Constitucional: a interpretação dos “art.ºs 483.º e 
 
 484.º, do Código Civil e art.º 10.º, da Lei Uniforme de Letra e da Livrança no 
 sentido de que apesar de um banco haver preenchido uma livrança que lhe havia 
 sido entregue em branco e que utilizou para pagamento de um crédito não 
 constante do respectivo pacto de preenchimento, dando-a posteriormente à 
 execução na qual logrou penhorar e publicitar a venda de bens, e por via disso 
 ofendeu o direito ao bom nome, honra e consideração que era devida ao subscritor 
 desse título, tais factos não geram obrigação de indemnizar os danos emergentes 
 porquanto sempre caberia ao autor o ónus da prova de que a violação ilícita do 
 pacto de preenchimento ocorreu com culpa do banco.” É o que decorre, como o 
 Supremo Tribunal de Justiça deixou claro, do que se pode ler a fl. 426 dos 
 autos, no aresto sob recurso: 
 
  
 
 (…) 
 Os danos aqui reclamados pelo recorrente não emergem directamente da violação do 
 pacto de preenchimento do título de crédito em questão, mas da posterior 
 utilização feita desse mesmo título. Foi a prossecução da execução movida contra 
 si, ou antes, a publicidade que a rodeou que afectou o seu bom nome, a perda de 
 confiança bancária, a frustração de negócios e a ruptura da estabilidade 
 familiar.
 
  
 E mais à frente, a fl. 427:
 
  
 
 (…) o banco dispunha-se a cobrar um crédito que tinha sobre a sociedade B., 
 Lda., e que o recorrente havia garantido. Ao accionar um título em vista da 
 cobrança de um crédito por que o executado era responsável e prosseguir na 
 execução apenas contra o recorrente e mulher com esse objectivo, não o torna 
 automaticamente passível de um juízo de reprovação ético‑jurídico, desde logo 
 quando apenas não logrou provar que a livrança se destinava a garantir todas e 
 quaisquer obrigações ou responsabilidades contraídas por aquele. 
 E sendo a culpa do lesante elemento constitutivo do direito à indemnização, ao 
 lesado incumbe fazer a sua prova, de acordo com a repartição do respectivo ónus 
 estabelecido no n° 1 do art. 342° C.Civil. 
 
  
 Conclui-se, pois, que a norma em questão, na dimensão tentada impugnar pelo 
 recorrente – que considera que “(…) tais factos não geram obrigação de 
 indemnizar os danos emergentes porquanto sempre caberia ao autor o ónus da prova 
 de que a violação ilícita do pacto de preenchimento ocorreu com culpa do banco” 
 
 (itálico aditado) –, não foi aplicada, expressa ou implicitamente, pelo tribunal 
 a quo. Este considerou antes – afirmando-o claramente – que 
 
  
 O recorrente alegou, a este respeito, que o banco recorrido, ao manter a 
 execução e as penhoras contra si, pretendeu beneficiar os demais co-obrigados em 
 seu prejuízo, só que não logrou demonstrar esta factualidade, já que o ponto 
 controvertido em que tal se questionava mereceu a resposta de não provado.
 Não provou o recorrente a culpa do recorrido, ónus que sobre si recaía.
 
  
 Não se encontram, pois, preenchidos os pressupostos para se poder tomar 
 conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.
 
  
 
 5. Verdadeiramente, do transcrito no Relatório supra, particularmente a forma 
 como, nas conclusões das alegações de recurso que apresentou perante o Supremo 
 Tribunal de Justiça, o recorrente coloca a questão de (in)constitucionalidade, 
 bem como a afirmação que consta do requerimento de recurso de 
 constitucionalidade segundo a qual “considera-se correcta a interpretação de que 
 os direitos de personalidade do recorrente foram afectados com a tramitação 
 pública de uma acção executiva julgada ilegal por via do abusivo preenchimento 
 da livrança em que se sustentava, o que gerou graves danos morais e 
 patrimoniais, todos eles tutelados pelo direito e cuja defesa compete, em 
 primeira linha, aos tribunais em sujeição à lei 
 e à constituição, e como tal geradores da obrigação de indemnizar 
 independentemente da prova da culpa que por natureza emerge da prática do acto 
 ilícito” (itálico aditado), resulta que o que o recorrente pretende questionar 
 perante este Tribunal Constitucional é, não uma norma, mas antes a decisão do 
 Supremo Tribunal de Justiça de, neste caso concreto, considerar que “(F)faltando 
 este pressuposto da responsabilidade extracontratual, tem de improceder a 
 pretensão indemnizatória reclamada.” 
 O que determina o não conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
  
 
 2.  Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, dizendo o 
 seguinte: 
 
  
 A decisão reclamada sustenta que do teor do texto recursivo apresentado pelo 
 recorrente só se logra alcançar que este imputa ao tribunal recorrido erro 
 interpretativo numa dimensão restrita à decisão em si mesma sem tanger com a 
 norma ou a dimensão normativa que foi aplicada ao exigir a prova da culpa na 
 actuação alegadamente lesante do banco recorrido, logo escapando à alçada deste 
 tribunal superior gerando impossibilidade formal para que se conheça o mérito da 
 vexata quaestio. 
 A verdade é que, salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura‑se ao 
 recorrente que expôs de forma clara essa matéria submetida à douta apreciação de 
 V. Ex.cias pois que do texto transcrito na decisão sumária reclamada se alcança 
 que a errada interpretação das normas dos art° 483.°. n.° 1, e 484.° do Código 
 Civil, devidamente conjugadas com a do art° 10° da Lei Uniforme relativa à Letra 
 e à Livrança, consiste no entendimento que serviu de fundamentação às decisões 
 judiciais antecedentes, e em especial à do tribunal a quo, no sentido de que se 
 impunha que o recorrente houvesse feito prova da culpa do banco, o qual 
 reconhecidamente preencheu abusivamente e usou como título executivo uma 
 livrança firmada em branco, para poder ser tutelado pelo dever de indemnizar. 
 Aqui reside e foi exposta adequadamente a diversa interpretação de tais normas 
 porquanto como base para a decisão tinham as instâncias considerados assentes 
 todos os elementos objectivos do dever de indemnizar, quais sejam o facto, a 
 ilicitude, a imputação do facto ao agente, o dano, e o nexo de causalidade entre 
 o facto e o dano, sendo que a culpa é um elemento subjectivo que emerge in 
 natura da própria essência da ilicitude do acto abusivo. 
 Dito de outro modo, o abusivo preenchimento e uso como título de uma cartular 
 previamente firmada em branco à revelia do pacto celebrado entre os seus 
 subscritores e portador é, necessariamente, culposa pela própria natureza das 
 coisas, designadamente dos ditames da boa fé contratual, mesmo durante a sua 
 formação (art° 227°. n° 1, CC). 
 Assim sendo veio o recorrente arguir errada interpretação dessas conjugadas 
 normas substantivas por a decisão recorrida sustentar a exigência de culpa para 
 formar o dever de indemnizar e, em consequência, se ter deixado de tutelar os 
 direitos de personalidade do afectados com a posterior tramitação de acção 
 executiva e publicidade de uma dívida inexistente. 
 A verdade é que para além da arguição de inconstitucionalidade correctamente 
 expressa, referida às normas legais em abstracto, não se deixou, no entanto, de 
 ilustrar essa abstracção com o exemplo do caso sub judice, desde logo para 
 exemplificar a perversidade do entendimento arguido de inconstitucionalidade 
 interpretativa, mas também, principalmente, para demonstrar a utilidade efectiva 
 do recurso, matéria que jurisprudência fixada por este tribunal tem exigido por 
 a julgar necessária, indispensável mesmo. 
 Em suma, a derradeira transcrição em averbado itálico feita na decisão sumária 
 reclamada revela, apenas e só, com a necessária clareza, que é tida pelo 
 recorrente como inconstitucional a interpretação feita pelo tribunal a quo que o 
 pretendeu obrigar a provar a culpa do banco recorrido quando lhe parece correcto 
 que, abstractamente, a culpa emerge da natureza do acto ilícito, logo dispensada 
 daquele ónus probatório. 
 Tudo o mais, mormente a decisão judicial, são consequências desse erro 
 interpretativo das normas arguidas de inconstitucionalidade, carreadas para 
 iluminar a utilidade do recurso e exemplificar a espécie do erro de 
 entendimento, matéria marginal e acessória que é ofuscada pelo que de essencial 
 e pragmático constitui o corpo do recurso. 
 Razões que, na óptica do recorrente, bastam para que, em conferência, seja 
 apreciado o recurso apresentado a V. Ex.cias em conformidade com o melhor 
 Direito e em perseguição da indispensável 
 JUSTIÇA!
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
 3.  Adiante-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento, por 
 não abalar os fundamentos em que se baseou a decisão reclamada.
 Como foi já dito na decisão reclamada, para se poder conhecer de um recurso 
 intentado ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do 
 Tribunal Constitucional, torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos 
 ordinários, que a inconstitucionalidade das normas impugnadas – as normas dos 
 artigos 483.º e 484.º do Código Civil e artigo 10.º da Lei Uniforme relativa às 
 Letras e Livranças, interpretadas “no sentido de que apesar de um banco haver 
 preenchido uma livrança que lhe havia sido entregue em branco e que utilizou 
 para pagamento de um crédito não constante do respectivo pacto de preenchimento, 
 dando-a posteriormente à execução na qual logrou penhorar e publicitar a venda 
 de bens, e por via disso ofendeu o direito ao bom nome, honra e consideração que 
 era devida ao subscritor desse título, tais factos não geram obrigação de 
 indemnizar os danos emergentes porquanto sempre caberia ao autor o ónus da prova 
 de que a violação ilícita do pacto de preenchimento ocorreu com culpa do banco” 
 
 – tenha sido suscitada durante o processo e que estas normas, no sentido 
 interpretativo impugnado, tenham sido aplicadas como ratio decidendi pelo 
 tribunal recorrido.
 Ora, este último requisito não se verifica, no presente caso, como se afirmou na 
 decisão reclamada e se reitera.
 
  
 
  
 
 4.  O reclamante insurge-se contra a decisão reclamada afirmando que “a errada 
 interpretação das normas dos dos art.ºs 483.º e 484.º, do Código Civil, 
 devidamente conjugadas com a do art.º 10.º, da Lei Uniforme relativa à Letra e à 
 Livrança, consiste no entendimento que serviu de fundamentação às decisões 
 judiciais antecedentes, e em especial à do tribunal a quo, no sentido de que se 
 impunha que o recorrente houvesse feito prova da culpa do banco, o qual 
 reconhecidamente preencheu abusivamente e usou como título executivo uma 
 livrança firmada em branco, para poder ser tutelado pelo dever de indemnizar.” 
 Diz, mesmo, que “a culpa é um elemento subjectivo que emerge in natura da 
 própria essência da ilicitude do acto abusivo.” “Dito de outro modo”, defende, 
 
 “o abusivo preenchimento e uso como título de uma cartular previamente firmada 
 em branco à revelia do pacto celebrado entre os seus subscritores e portador é, 
 necessariamente, culposa pela própria natureza das coisas, designadamente dos 
 ditames da boa fé contratual, mesmo durante a sua formação (art.º 227.º, n.º 1, 
 CC). “Em suma”, termina, “é tida pelo recorrente como inconstitucional a 
 interpretação feita pelo tribunal a quo que o pretendeu obrigar a provar a culpa 
 do banco recorrido quando lhe parece correcto que, abstractamente, a culpa 
 emerge da natureza do acto ilícito, logo dispensada daquele ónus probatório.”
 
  
 Admite-se que o reclamante discorde da recondução da ratio decidendi, no acórdão 
 recorrido, à prova do requisito da culpa exigido pela lei. Mas tal discordância, 
 ou censura em relação à correcção na aplicação do Direito pelo tribunal 
 recorrido, já não é algo que compita ao Tribunal Constitucional apreciar. Como 
 se tem salientado em abundante jurisprudência, ao Tribunal Constitucional a 
 norma que foi, bem ou mal, aplicada pelo tribunal recorrido como ratio decidendi 
 chega já como um dado, cuja escolha e interpretação, independentemente de 
 questões de constitucionalidade normativa não compete a este Tribunal controlar. 
 Ora, na decisão recorrida afirma-se que
 
  
 Na situação vertente, o banco recorrido preencheu a livrança avalizada pelo 
 recorrente face ao incumprimento das obrigações emergentes do crédito no valor 
 de 50.000.000$00 concedido à B., Lda., livrança entregue em branco ao recorrido 
 precisamente para caucionar esse crédito. 
 Para além disso, havia outras responsabilidades contraídas pela mesma sociedade 
 perante o banco recorrido, responsabilidades que o recorrente, juntamente com o 
 outro sócio, também garantiu, responsabilidades que a sociedade igualmente 
 incumpriu. 
 E o banco, segundo factos apurados nos embargos à execução, aplicou parte da 
 quantia titulada pela livrança no pagamento dessas outras responsabilidades 
 assumidas pela sociedade B., Lda, apesar de, segundo aí se consignou, não ter 
 logrado provar que a livrança e as cauções prestadas pelos 
 embargantes/executados se destinavam a garantir todas e quaisquer obrigações ou 
 responsabilidades contraídas pela 1ª executada perante si. 
 Desta factualidade decorre, objectivamente, que o banco preencheu a livrança 
 para pagamentos de créditos que não constavam do pacto de preenchimento, dando-a 
 posteriormente à execução. 
 Porém, já não emerge que esta sua actuação seja culposa. Na verdade, o banco 
 dispunha-se a cobrar um crédito que tinha sobre a sociedade B., Lda, e que o 
 recorrente havia garantido. Ao accionar um título em vista da cobrança de um 
 crédito por que o executado era responsável e prosseguir na execução apenas 
 contra o recorrente e mulher com esse objectivo, não o torna automaticamente 
 passível de um juízo de reprovação ético-jurídico, desde logo quando apenas não 
 logrou provar que a livrança se destinava a garantir todas e quaisquer 
 obrigações ou responsabilidades contraídas por aquele. 
 E sendo a culpa do lesante elemento constitutivo do direito à indemnização, ao 
 lesado incumbe fazer a sua prova, de acordo com a repartição do respectivo ónus 
 estabelecido no n° 1 do art. 342° C.Civil.
 
  
 Independentemente da correcção da decisão recorrida nesta parte (que considera a 
 culpa do lesante elemento constitutivo do direito à indemnização) – que, 
 repete-se, não cumpre ao Tribunal Constitucional controlar –, o que é certo é 
 que, portanto, a decisão recorrida não fez aplicação, expressa ou implícita, das 
 normas dos artigos 483.º e 484.º, do Código Civil, conjugadas com a do artigo 
 
 10.º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, na interpretação impugnada 
 no requerimento de recurso, intervenção processual que fixa o inerente objecto.
 E por aqui se vê, como também já ficou dito, que qualquer que fosse a decisão 
 sobre a constitucionalidade das normas impugnadas, ela em nada poderia alterar o 
 sentido da decisão recorrida.
 
  
 
  
 
 5.  Com efeito, o que, claramente, se pretendeu trazer à apreciação deste 
 Tribunal não foi a conformidade constitucional de uma norma, ou de um conjunto 
 de normas ou dimensões normativas, mas antes uma alegada violação da 
 Constituição por uma actuação judicial concreta.
 Na verdade, o reclamante reporta-se várias vezes ao “entendimento que lhe parece 
 correcto”, mas apenas em parte enuncia, agora, a dimensão normativa que, ao que 
 parece, estaria em causa (aparentemente, a “decisão recorrida sustentar a 
 exigência da culpa para formar o dever de indemnizar”). E, evidentemente, mesmo 
 que tal enunciado pudesse ser considerado claro e perceptível, já não seria 
 agora, na presente reclamação para a conferência, tempestivo.
 O recurso não foi, pois, admitido por não se verificar um seu pressuposto 
 indispensável: a aplicação, pela decisão recorrida, da norma com o sentido 
 impugnado pelo recorrente, sendo certo que este, em rigor, mais do que um 
 sentido normativo, acaba por impugnar a decisão judicial recorrida em si mesma 
 considerada. E a presente reclamação tem, pois, de ser desatendida, 
 confirmando-se a decisão sumária reclamada.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a 
 presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
 
  
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em  20  (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão