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Processo n.º 15/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
                  Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 Relatório
 Em 11 de Setembro de 2008, a sociedade A., S.A., requereu junto do Centro 
 Distrital de Segurança Social de Vila Real que lhe fosse concedido o benefício 
 do apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça 
 e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de 
 patrono, para efeito de dedução de oposição a procedimento cautelar, então 
 pendente contra si no 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, 
 sob o n.º 1480/08.1 TBVRL, com o valor processual de € 36.052,31.
 
  
 Tal pedido foi objecto de decisão de indeferimento liminar e a requerente 
 deduziu impugnação judicial da mesma. 
 
  
 Em 13 de Novembro de 2008, no âmbito do procedimento que correu os seus termos 
 no aludido Tribunal e por apenso ao referido processo, sob o n.º 1480/08.1 
 TBVRL-A, foi proferida sentença que confirmou a decisão de indeferimento do 
 pedido de concessão do apoio judiciário 
 Para tanto, o Tribunal adoptou a seguinte fundamentação:
 
 “A., S.A.”, sociedade comercial, com sede em Vila Real, veio interpor recurso da 
 decisão proferida pelo Centro Distrital de Segurança Social de Vila Real, de 
 indeferimento liminar do seu pedido de apoio judiciário na modalidade de 
 nomeação e pagamento de honorários a patrono, alegando, em síntese, a 
 inconstitucionalidade do art. 7º nº 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na 
 redacção introduzida pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto. 
 Cumpre apreciar. 
 Nos termos do n.º 3 do art. 7º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção 
 introduzida pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, as pessoas colectivas com fins 
 lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não 
 têm direito a protecção jurídica. 
 No caso em análise, sendo a recorrente uma sociedade comercial, com fins 
 lucrativos, por força da supra citada disposição legal, não beneficia de 
 protecção jurídica. 
 Será esta norma violadora dos princípios constitucionais da igualdade e do 
 acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrados nos arts. 13º e 
 
 20º da Constituição, como defende a recorrente? 
 Entendemos que não. 
 Com efeito, dos artigos 20º, n.ºs 1 e 2, e 13º da Constituição não decorre que 
 as pessoas colectivas com fins lucrativos devam ser equiparadas às pessoas 
 singulares no que concerne ao direito ao patrocínio judiciário. 
 Se atentarmos na consagração do próprio princípio da universalidade constatamos, 
 desde logo, que o legislador constitucional introduz uma ressalva quanto às 
 pessoas colectivas em geral, determinando que estas gozam dos direitos e estão 
 sujeitas aos deveres “compatíveis com a sua natureza” - vd. art. 12º, n.º 2 da 
 CRP. 
 A diferenciação de tratamento não se revela desproporcionada ou excessiva, 
 justificando-se igualmente por razões de interesse público, nomeadamente, por 
 
 “critérios racionais de gestão do interesse colectivo e de repartição dos 
 encargos públicos, ao dar prioridade e especial protecção no acesso à Justiça às 
 pessoas e entidades sem fim lucrativo e ao exigir que as entidades com fim 
 lucrativo suportem - ou criem mecanismos para isso adequados - os custos da 
 actividade económica de que são beneficiários” - vd. Acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 97/99, de 10/02/1999. 
 Atento o expendido supra, julgo improcedente o presente recurso e, em 
 consequência, mantenho a decisão proferida pelo Centro Distrital de Segurança 
 Social de Vila Real.”
 
        
 A requerente interpôs então recurso desta última decisão, ao abrigo do disposto 
 na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (LTC), requerendo a fiscalização concreta da 
 constitucionalidade da norma constante do n.º 3, do artigo 7.º, da Lei n.º 
 
 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 
 de Agosto, com fundamento na alegada violação do disposto nos artigos 12.º, 13.º 
 e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 A recorrente apresentou as seguintes alegações:
 
 “A decisão sob recurso fundamentou-se no número 4, do artigo 7°, da mencionada 
 Lei número 34/2004, na redacção que a tal número 4 foi dada pela Lei número 
 
 47/2007, de 28 de Agosto, disposição legal essa, segundo a qual as pessoas 
 colectivas com fins lucrativos (entre as quais as sociedades comerciais, como a 
 recorrente é, se incluem), não têm direito a protecção jurídica.
 Só que tal nova redacção, dada ao mencionada número 4, do artigo 7°, da Lei 
 número 34/2004, impossibilitando, como impossibilita, as pessoas colectivas com 
 fins lucrativos, e, portanto, as sociedades comerciais, de obterem protecção 
 jurídica, nomeadamente apoio judiciário, designadamente nas modalidades da 
 dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e da nomeação e 
 pagamento da compensação de patrono, se tem que ter por inconstitucional, por 
 flagrante violação dos artigos 13° e 20°, ambos da Constituição da República 
 
 (C.R.P.)
 E isto, na medida em que tal redacção, se vigorasse na ordem jurídica 
 Portuguesa, não só estabeleceria uma marcada diferença, entre, por um lado, as 
 pessoas colectivas com fins lucrativos (incluindo as sociedades comerciais), e, 
 por outro lado, as pessoas colectivas sem fins lucrativos e as pessoas 
 singulares, contrariando assim o princípio da igualdade, insito no artigo 13°, 
 da C.R.P..
 Como também impossibilitaria às pessoas colectivas com fins lucrativos 
 
 (incluindo as sociedades comerciais), mas com insuficiência de meios 
 económicos, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado 
 no artigo 20º, da C.R.P., denegando assim a justiça a tais entidades.
 Sendo ainda certo que a palavra “todos”, várias vezes mencionada no citado 
 artigo 20°, da C.R.P., não pode ter outro significado que não seja naturalmente 
 o de todos aqueles que sejam susceptíveis de ser parte numa causa judicial, isto 
 
 é, todos aqueles que têm personalidade judiciária.
 Abrangendo, naturalmente por igual, pessoas singulares e pessoas colectivas, com 
 ou sem fins lucrativos (incluindo sociedades comerciais).
 Inconstitucionalidade essa que aqui e agora se invoca, e que terá 
 necessariamente que acarretar a repristinação da anterior redacção do 
 mencionado número 4, do artigo 7°, da Lei número 34/2004.
 Redacção anterior essa que permite, também às pessoas colectivas com fins 
 lucrativos (incluindo sociedades comerciais), beneficiar da protecção jurídica, 
 obtendo, nomeadamente, a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o 
 processo e a nomeação e pagamento da compensação de patrono, naturalmente caso 
 se verifiquem os restantes pressupostos, para isso, para todos (pessoas 
 singulares e pessoas colectivas, com e sem fins lucrativos) sem distinção, 
 fixados na Lei número 34/2004.
 O número 4, do artigo 7º, da Lei número 34/2004, na redacção que a tal número 4 
 foi dada pela Lei número 47/2007, padece do vício da inconstitucionalidade, por 
 violação dos artigos 13º e 20º, ambos da C.R.P.. 
 Devendo pois tal norma legal ser por V. Exas. julgada inconstitucional, 
 baixando os autos ao Tribunal a quo, para aí ser reformulada a sentença, a que 
 se alude no número 1 anterior, de harmonia com o juízo de inconstitucionalidade 
 atrás referido.”
 
  
 
  
 Não foram apresentadas contra-alegações.
 
  
 Fundamentação
 
 1. A delimitação do objecto do recurso 
 Antes do mais, impõe-se uma restrição do objecto do recurso de 
 constitucionalidade configurado pela recorrente.
 A recorrente pretende a fiscalização da constitucionalidade da norma constante 
 do n.º 3 do art. 7.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção 
 introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, o qual dispõe que “as 
 pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de 
 responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica”.     
 A decisão recorrida entendeu, mercê da referida disposição legal, que as 
 sociedades comerciais não têm direito a protecção jurídica e, consequentemente, 
 indeferiu o pedido de concessão do benefício de apoio judiciário deduzido pela 
 recorrente.
 Atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, importa 
 excluir do âmbito deste recurso de constitucionalidade a dimensão normativa do 
 n.º 3, do artigo 7.º, da Lei n.º 34/2004, respeitante aos estabelecimentos 
 individuais de responsabilidade limitada, enquanto entidades também não 
 beneficiárias de protecção jurídica, que não foram objecto de qualquer 
 apreciação pela decisão recorrida. 
 Assim sendo, apenas se cuidará de apreciar da constitucionalidade da norma 
 constante do n.º 3, do artigo 7.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a 
 redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, no segmento 
 respeitante às pessoas colectivas com fins lucrativos.
 
  
 
 2. O direito fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais e as pessoas 
 colectivas
 O n.º 1 do art. 20.º da Constituição, na redacção introduzida pela Revisão 
 Constitucional de 1997, dispõe que “a todos é assegurado o acesso ao Direito e 
 aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, 
 não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”, 
 acrescentando o n.º 2 que “todos têm direito, nos termos da lei, à informação e 
 consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por 
 advogado perante qualquer autoridade”.
 A garantia fundamental do acesso aos tribunais é uma concretização do princípio 
 do Estado de Direito que apresenta uma dimensão prestacional na parte em que 
 impõe ao Estado o dever de assegurar meios tendentes a evitar a denegação de 
 justiça por insuficiência de meios económicos.
 Em texto que mantém toda a actualidade, a Comissão Constitucional, com 
 referência à versão originária da Constituição, afirmou no Parecer n.º 8/78, de 
 
 23 de Fevereiro (in Pareceres da Comissão Constitucional, 5.º volume, p. 3), a 
 tal propósito:
 
 “Ao assegurar o «acesso aos tribunais, para defesa dos seus direitos», a 
 primeira parte do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição consagra a garantia 
 fundamental que se traduz em confiar a tutela dos direitos individuais àqueles 
 
 órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo (artigo 
 
 205.º). A defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos 
 cidadãos integra expressamente o conteúdo da função jurisdicional, tal como ela 
 se acha definida no artigo 206.º da lei fundamental.
 Do mesmo passo, ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos, o legislador constitucional reafirma o princípio geral da igualdade 
 consignado no n.º 1 do artigo 13.º
 Mas indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos 
 tribunais, o n.º 1 do artigo 20.º, na sua parte final, propõe-se afastar neste 
 domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos, 
 determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo de 
 denegação da justiça.
 Está assim o legislador constitucional a consagrar uma aplicação concreta do 
 princípio sancionado no n.º 2 do artigo 13.º, segundo o qual «ninguém pode ser 
 
 (…) privado de qualquer direito (…) em razão de (…) situação económica».
 Não se dirá, todavia, que do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição decorre o 
 imperativo de uma justiça gratuita.
 O sentido do preceito, na sua parte final, será antes o de garantir uma 
 igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação 
 económica dos interessados.  E tal igualdade pode assegurar-se por diferentes 
 vias, que variarão consoante o condicionalismo jurídico-económico definido para 
 o acesso aos tribunais. Entre os meios tradicionalmente dispostos em ordem a 
 atingir esse objectivo conta-se, como é sabido, o instituto de assistência 
 judiciária, mas, ao lado deste, outros institutos podem apontar-se ou vir a ser 
 reconhecidos por lei.
 Será assim de concluir que haverá violação da parte final do n.º 1 do artigo 
 
 20.º da Constituição se e na medida em que na ordem jurídica portuguesa, tendo 
 em vista o sistema jurídico-económico aí em vigor para o acesso aos tribunais, 
 puder o cidadão, por falta de medidas legislativas adequadas, ver frustrado o 
 seu direito à justiça, devido a insuficiência de meios económicos.”
 
  
 Para evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, a Lei 
 n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 
 
 28 de Agosto, consagrou um sistema de acesso ao direito e aos tribunais que 
 assenta essencialmente na concessão da protecção jurídica na modalidade de apoio 
 judiciário.
 Nos termos do referido diploma legal, o acesso ao direito e aos tribunais 
 compreende a informação jurídica e a protecção jurídica (artigo 2.º, n.º 2).
 Por seu turno, a protecção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica 
 e de apoio judiciário (artigo 6.º, n.º 1).
 A consulta jurídica consiste no esclarecimento técnico sobre o direito 
 aplicável a questões ou casos concretos nos quais avultam interesses pessoais 
 legítimos ou direitos próprios lesados ou ameaçados de lesão (artigo 14.º, n.º 
 
 1).
 O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades: a) dispensa de taxa de 
 justiça e demais encargos com o processo; b) nomeação e pagamento da compensação 
 de patrono; c) pagamento da compensação de defensor oficioso; d) pagamento 
 faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo; e) nomeação e 
 pagamento faseado da compensação de patrono; f) pagamento faseado da compensação 
 de defensor oficioso (artigo 16.º, n.º 1).
 Nos termos do n.º 1, do artigo 7.º, da Lei n.º 34/2004, “têm direito a 
 protecção jurídica (...) os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os 
 estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da 
 União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica.”
 O n.º 3, do artigo 7.º, da referida lei, nega, contudo, o direito à protecção 
 jurídica em qualquer das suas modalidades às pessoas colectivas com fins 
 lucrativos.
 Mas a mesma lei confere o direito à protecção jurídica na modalidade de apoio 
 judiciário às pessoas colectivas sem fins lucrativos (artigo 7.º, n.º 4).
 O regime jurídico infraconstitucional do sistema de acesso ao direito e aos 
 tribunais acabado de enunciar estabelece uma distinção relevante entre as 
 pessoas singulares e as pessoas colectivas e, dentro destas últimas, ainda 
 distingue aquelas que prosseguem fins lucrativos das demais pessoas colectivas 
 sem fins lucrativos.
 As pessoas singulares – pelo menos, os cidadãos nacionais e da União Europeia – 
 que demonstrem estar em situação de insuficiência económica gozam plenamente do 
 direito à protecção jurídica em qualquer das suas modalidades.
 As pessoas colectivas sem fins lucrativos que comprovem estar na mesma situação 
 têm direito a protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário.
 Mas as pessoas colectivas com fins lucrativos não têm direito a protecção 
 jurídica em qualquer das suas modalidades.
 Importa aferir em que medida esta discriminação negativa em matéria de 
 atribuição do direito a protecção jurídica às pessoas colectivas com fins 
 lucrativos viola algum parâmetro constitucional.
 O legislador constitucional português consagrou as pessoas colectivas de direito 
 privado como sujeitos titulares de direitos (e deveres) fundamentais.
 Efectivamente, o direito fundamental dos cidadãos constituírem associações e 
 sociedades seria desprovido de eficácia se as novas entidades jurídicas assim 
 criadas não fossem também constitucionalmente tuteladas no plano dos direitos 
 fundamentais.
 Por isso, nos termos do n.º 2, do artigo 12.º da Constituição, “as pessoas 
 colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua 
 natureza”.
 De acordo com esta norma constitucional, as pessoas colectivas não são 
 equiparadas às pessoas singulares.
 Na verdade, «as pessoas colectivas só têm os direitos compatíveis com a sua 
 natureza, ao passo que as pessoas singulares têm todos os direitos, salvo os 
 especificamente concedidos apenas a pessoas colectivas (v.g., o direito de 
 antena). E tem de reconhecer-se que, ainda quando certo direito fundamental seja 
 compatível com essa natureza e, portanto, susceptível de titularidade 
 
 “colectiva” (hoc sensu), daí não se segue que a sua aplicabilidade nesse domínio 
 vá operar exactamente nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que decorre 
 relativamente às pessoas singulares (Cfr. JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, 
 Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, pág. 113, da edição de 2005, da Coimbra 
 Editora).
 No que respeita à capacidade jurídica, as pessoas colectivas em geral são 
 titulares dos direitos conducentes à prossecução dos fins para que existam.
 A Constituição atribui às pessoas colectivas alguns dos direitos fundamentais 
 reconhecidos às pessoas físicas que sejam necessários ao exercício daqueles 
 direitos desde que compatíveis com a sua natureza.
 Entre esses direitos encontra-se a possibilidade de fazer valer os seus direitos 
 e interesses legítimos perante os tribunais em iguais condições e com os mesmos 
 meios de defesa que as pessoas físicas (vidé ÁNGEL GÓMEZ MONTORO, em “La 
 titularidad de derechos fundamentales por personas jurídica: un intento de 
 fundamentácion”, in Revista Espanola de Derecho Constitucional, Ano 22, n.º 65, 
 
 2002, pp. 100-101).
 Na verdade, como a susceptibilidade de demandar e ser demandado judicialmente 
 não exige um suporte puramente humano, impõe-se entender que o direito 
 fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais é perfeitamente compatível com 
 a natureza das pessoas colectivas.
 Numa sociedade caracterizada pela proibição de autodefesa e pela garantia de 
 acesso aos tribunais, as pessoas colectivas, tal como sucede com as pessoas 
 singulares, têm necessidade de demandar judicialmente outras entidades para 
 efectivação dos seus direitos (v.g., direitos de crédito), assim como têm 
 necessidade de deduzir a sua defesa nas acções em que sejam demandadas por 
 terceiros (v.g., acções de responsabilidade civil contratual ou extracontratual, 
 incluindo os pertinentes procedimentos cautelares).
 Seja qual for a posição processual ocupada na lide, as pessoas colectivas podem 
 encontrar-se numa situação de insuficiência económica que não lhes permita 
 suportar pontualmente os custos de um processo, incluindo o pagamento da 
 compensação devida ao patrono.
 Importa ter presente que, por exemplo, no âmbito do processo civil, o valor das 
 custas cíveis é, por regra, calculada proporcionalmente por referência ao valor 
 do pedido inicial (artigo 5.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais de 1997).
 Sucede que a falta de pagamento da taxa de justiça devida é acompanhada de 
 consequências processuais negativas como, por exemplo, a recusa da petição 
 inicial e o desentranhamento da contestação no âmbito do processo civil (artigos 
 
 474.º, alínea f), e 486.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, na redacção 
 introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro). 
 Acresce a isso, ainda no âmbito do processo civil, que a constituição de 
 advogado é legalmente obrigatória, sob pena de absolvição da instância ou de 
 ineficácia da contestação: a) nas causas de competência de tribunais com 
 alçada, em que seja admissível recurso ordinário; b) nas causas em que seja 
 sempre admissível recurso, independentemente do valor; c) e nos recursos e nas 
 causas propostas nos tribunais superiores (artigos 32.º, n.º 1, e 33.º, do 
 Código de Processo Civil).
 E mesmo os honorários dos advogados fixados no âmbito da protecção jurídica 
 podem ascender a 126 UR por referência à intervenção num processo civil sob a 
 forma de processo ordinário (Anexo da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de 
 Novembro). 
 Isto é, as pessoas colectivas em situação de insuficiência económica podem 
 efectivamente não conseguir defender os seus direitos e interesses legalmente 
 protegidos em virtude de não poderem beneficiar da concessão do direito a 
 protecção jurídica.
 Já se viu que este problema apenas se coloca relativamente às pessoas colectivas 
 com fins lucrativos, uma vez que a Lei n.º 34/20047 confere às pessoas 
 colectivas sem fins lucrativos o direito a protecção jurídica na modalidade de 
 apoio judiciário.
 Assim sendo, importa apenas apreciar a validade jurídico-constitucional do 
 actual sistema de protecção jurídica relativamente às pessoas colectivas com 
 fins lucrativos. 
 
  
 
 3. A evolução legal do sistema de protecção jurídica das pessoas colectivas com 
 fins lucrativos e a jurisprudência constitucional
 Como se verá, após o início da vigência da Constituição de 1976, o legislador 
 ordinário nunca foi tão restritivo, como na lei actualmente vigente, em matéria 
 de concessão do direito a protecção jurídica às pessoas colectivas com fins 
 lucrativos.
 Deixando agora de lado a análise do instituto da assistência judiciária vindo do 
 período do Estado Novo, importa recuar ao Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de 
 Dezembro, cujo artigo 7.º, n.º 4, na redacção originária, dispunha que as 
 pessoas colectivas e as sociedades em geral tinham direito a apoio judiciário, 
 nas modalidades de dispensa do pagamento de custas e de dispensa do pagamento 
 dos serviços do advogado, quando demonstrassem não dispor de meios económicos 
 bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses e para custear 
 os encargos normais de uma causa judicial (artigos 7.º, n.º 1, e 15.º, n.º 1).
 Cerca de uma década depois, a posição do legislador ordinário relativamente a 
 esta matéria registou uma inflexão que conduziria a médio prazo à situação 
 actualmente consagrada na Lei n.º 34/2004.
 Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 52/VII (publicada no Diário da 
 Assembleia da República, II Série-A, suplemento n.º 54, de 3 de Julho de 1996), 
 o Governo de então justificou assim as alterações pretendidas em matéria de 
 protecção jurídica respeitante às pessoas colectivas com fins lucrativos:
 
 “Nem a Constituição da República Portuguesa, nem qualquer dos instrumentos 
 internacionais a que Portugal está vinculado garante às sociedades civis e 
 comerciais a concessão de apoio judiciário.
 A esmagadora maioria das soluções de direito comparado, incluindo aquelas que 
 revelam maior afinidade com a portuguesa, também não consagra para as sociedades 
 o aludido benefício.
 O regime português de recuperação das empresas estabelece para as sociedades 
 referidas o pertinente e necessário benefício em matéria de custas.
 A natureza e o escopo finalístico das organizações económicas em causa não 
 justificam que lhes seja concedido apoio judiciário.
 Esse facto e a necessidade de equilíbrio entre os recursos financeiros 
 disponíveis e a garantia de acesso ao direito e aos tribunais dos cidadãos em 
 geral, justificam que às sociedades civis e comerciais não seja concedido o 
 benefício de apoio judiciário.
 Excepcionam-se, porém, deste princípio os casos em que as possibilidades 
 económicas das sociedades sejam consideravelmente inferiores ao valor dos 
 preparos e das custas – mas nunca, note-se, para efeitos de concessão de 
 patrocínio judiciário por se afigurar que, nestes casos residuais, não se torna 
 chocante a concessão daquele benefício.
 Em nome do princípio da igualdade, porém, tal regime deve ser estendido aos 
 comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e 
 aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada.”
 
  
 Em conformidade com esta proposta de lei, a Lei n.º 46/96, de 3 de Setembro, 
 introduziu alterações no artigo 7.º, do DL n.º 387-B/87, que se saldaram 
 essencialmente no seguinte 
 
 - por um lado, as sociedades e demais entidades que exercem o comércio mantinham 
 o direito à dispensa de pagamento de preparos e de custas mas deixavam de 
 beneficiar do direito à dispensa de pagamento dos honorários dos profissionais 
 do foro;
 
 - por outro lado, as referidas sociedades e demais entidades que exercem o 
 comércio passaram a estar sujeitas a pressupostos específicos mais exigentes em 
 matéria de avaliação da alegada insuficiência económica para efeito de concessão 
 do benefício do direito à dispensa de pagamento de preparos e de custas.
 Esta eliminação do direito ao patrocínio judiciário gratuito por referência às 
 pessoas colectivas com fins lucrativos foi objecto de várias decisões tomadas 
 por diferentes secções do Tribunal Constitucional.
 Numa primeira fase, com a prolação do acórdão n.º 97/99 (publicado em “Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 42.º vol., pág. 421), obteve vencimento, por 
 maioria, a tese que julgou não inconstitucional a referida restrição em matéria 
 de protecção jurídica introduzida pela Lei n.º 46/96 – tendo esta jurisprudência 
 sido posteriormente sustentada nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 
 
 98/99, 167/99, 368/99, 428/99 e 90/2000 (todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 A referida jurisprudência, parcialmente inspirada nas alegações então produzidas 
 pelo Ministério Público junto do Tribunal Constitucional (vide a reprodução 
 destas alegações na Revista do Ministério Público, Ano 19.º, n.º 73, pp. 135 e 
 ss.), assenta essencialmente nos seguintes fundamentos:
 
 1.º) Não decorre da Constituição que as entidades com fins lucrativos sejam 
 equiparáveis às pessoas singulares e às pessoas colectivas com fins não 
 lucrativos para efeito de promoção pelo Estado do acesso à justiça através da 
 concessão generalizada do patrocínio judiciário gratuito em casos de 
 insuficiência económica.
 A existência de litígios decorrentes da própria vida comercial normal das 
 empresas é inelutável. 
 O escopo lucrativo das empresas postula que os custos com os profissionais do 
 foro sejam ab initio integrados na planificação da actividade normal da empresa 
 e ulteriormente repercutidos no consumidor final dos bens e serviços.
 A impossibilidade de suportar esses custos sinaliza a inviabilidade económica 
 da empresa e, no limite, determinará a respectiva falência em prol dos credores 
 e do desenvolvimento saudável da economia de mercado. 
 
 2.º) A restrição do direito ao patrocínio judiciário gratuito não esvazia o 
 direito de acesso ao Direito e aos tribunais da sua substância na medida em que 
 as pessoas colectivas com fins lucrativos continuam a beneficiar da concessão de 
 apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas em caso de 
 insuficiência económica.  
 
 3.º) A restrição em questão é justificada pela diversidade de condições 
 existentes e, sobretudo, pela necessidade do Estado promover prioritariamente o 
 acesso à justiça das pessoas singulares e entidades sem fins lucrativos em claro 
 detrimento da opção de financiamento público dos custos inerentes à actividade 
 normal e lucrativa das empresas. 
 Esta fundamentação jurídica já tinha sido adoptada, no essencial, pelo Tribunal 
 Constitucional espanhol na Sentencia n.º 117/1998, de 2 de Junho (publicada no 
 BOE, Suplemento n.º 158, de 3 de Julho) a respeito da legislação que regulava a 
 assistência jurídica gratuita (Ley n.º 1/1996).
 A jurisprudência constitucional espanhola mostrou-se sensível ao argumento 
 adicional das sociedades comerciais de capitais desenvolverem uma actividade com 
 riscos previamente calculados em que os sócios não respondem pelas obrigações da 
 sociedade.
 O regime de acesso ao direito e aos tribunais conheceu novos desenvolvimentos 
 com a entrada em vigor da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, havendo a 
 registar a inovadora atribuição da apreciação dos pedidos de concessão de apoio 
 judiciário aos serviços da segurança social.
 Para o efeito que ora interessa, a lei nova não introduziu alterações 
 relevantes à lei antiga em matéria de protecção jurídica conferida às pessoas 
 colectivas com fins lucrativos, limitando-se, nesta matéria, a adaptar o texto 
 legal à nova nomenclatura entretanto adoptada em sede de legislação de custas 
 judiciais (v.g., taxa de justiça em substituição de preparos).
 Contudo, alguns anos mais tarde, a jurisprudência constitucional registaria uma 
 inflexão em matéria de protecção jurídica conferida às pessoas colectivas com 
 fins lucrativos.
 Efectivamente, com a prolação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 106/2004 
 
 (publicado no DR, II Série, de 24 de Março de 2004), obteve vencimento, por 
 maioria, a tese que julga inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, 
 parte final, e n.º 2, da Constituição, a norma ínsita no n.º 5, do artigo 7.º, 
 do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, na redacção introduzida pela Lei 
 n.º 46/96, de 3 de Setembro, na interpretação segundo a qual veda a concessão de 
 patrocínio judiciário gratuito às sociedades, ainda que provem que os seus 
 custos são consideravelmente superiores às suas possibilidades económicas e que 
 se trata de acções alheias à sua actividade económica normal.
 A nova posição jurisprudencial assentou essencialmente nos seguintes 
 fundamentos, retomando um voto de vencido aposto em acórdão anterior:
 
  “Contemplando o sistema de acesso ao direito e aos tribunais, distinguem‑se 
 duas vertentes, de informação jurídica e protecção jurídica, das quais a segunda 
 reveste duas modalidades – consulta jurídica e apoio judiciário (artigo 6º do 
 referido Decreto-Lei n.º 387‑B/87). Existem, por sua vez, duas formas de apoio 
 judiciário: dispensa de despesas judiciais e pagamento dos serviços do advogado 
 ou solicitador (artigo 15º, n.º 1, do citado diploma). Os beneficiários do 
 direito à protecção jurídica estão enumerados no referido artigo 7º do 
 Decreto-Lei n.º 387-B/87, resultando, na interpretação do n.º 5, em questão, que 
 as sociedades – civis ou comerciais –, bem como os comerciantes em nome 
 individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os estabelecimentos 
 individuais de responsabilidade limitada, não têm direito a patrocínio 
 judiciário gratuito, mas apenas ‘à dispensa, total ou parcial, de preparos e do 
 pagamento de custas ou ao seu diferimento’, e se demonstrarem que o respectivo 
 montante é ‘consideravelmente superior às [suas] possibilidades económicas’, 
 
 ‘aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou 
 do património e do número de trabalhadores ao seu serviço’.
 Como se vê, esta limitação não só não inclui todas as pessoas colectivas como 
 não é sequer específica de pessoas colectivas. Aplica-se, igualmente, a pessoas 
 singulares, e, mesmo, a entes não personalizados, como são os estabelecimentos 
 individuais de responsabilidade limitada. Assim, a questão de 
 constitucionalidade não se põe no confronto com o artigo 12º, n.º 2, da 
 Constituição. A norma em questão funda-se, antes, na circunstância, comum aos 
 seus destinatários, de estes exercerem uma actividade económica com intuitos 
 lucrativos, sendo (conforme salienta o Ministério Público nas suas alegações, já 
 publicadas, aliás, na Revista do Ministério Público, 1998, n.º 73, págs. 135 e 
 segs.) os titulares de empresas que são (pelo menos, de forma tendencial) 
 visados pela norma.
 Ora, não podem negar-se certas especificidades destas entidades. Os custos de 
 litigância serão normalmente inerentes ao próprio exercício da sua actividade, 
 justificando-se, nas acções que resultem do ‘giro comercial’ da empresa, a 
 exclusão da dispensa ou redução de custas ou preparos – o que se traduz no 
 citado artigo 7º, n.º 5, embora sempre admitindo a demonstração de que o 
 montante das custas é consideravelmente superior às possibilidades económicas 
 da empresa, aferidas em função dos factores descritos. Todavia, estas 
 especificidades não bastam para fundamentar a privação, para essas entidades, 
 em qualquer caso e sem admissão desta demonstração, do direito a patrocínio 
 judiciário gratuito – que é o que está em causa no presente recurso.
 
 2. Na verdade, a Constituição da República Portuguesa garantiu no seu artigo 
 
 20º, o acesso ao direito e aos tribunais, com proibição da denegação de justiça 
 por insuficiência de meios económicos, sendo o direito ao patrocínio judiciário 
 verdadeiro elemento essencial daquela garantia. Na expressão do Acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 962/96 (Diário da República, I série-A, de 15 de 
 Outubro de 1996), os mandados desse artigo 20º ‘constituem mesmo a estrutura 
 central da ordem constitucional democrática’, assegurando a todos o acesso ao 
 direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente 
 protegidos. Como se salientou no Acórdão n.º 316/95 (publicado no Diário da 
 República, II série, de 31 de Outubro de 1995), ‘torna-se claro que o 
 assinalado asseguramento de acesso aos tribunais, a par da proibição de 
 denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, sabido que é que, em 
 muitos casos, para naqueles se pleitear se torna necessária a constituição de 
 advogado, há-de implicar, nas hipóteses daquela insuficiência, que se confira o 
 direito ao «patrocínio judiciário». Significa isto, em consequência, que, muito 
 embora o exercício e as formas do «direito ao patrocínio judiciário» seja, pelo 
 n.º 2 do artigo 20º da Constituição, relegado para a lei, o que é certo é que, 
 dada a implicação a que acima se fez referência, a lei ordinária não poderá 
 estabelecer condicionantes ou requisitos tais que dificultem ou tornem por 
 demais difícil o exercício daquele direito ou, ainda acentuadamente, restrinjam 
 o respectivo conteúdo, sob pena de aqueloutro direito de acesso aos tribunais 
 
 «não passar de um ‘direito fundamental formal’» (nas palavras de Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed., 
 Coimbra, pág. 163)’. (ver, ainda, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 415/94, 317/95, 
 
 339/95 e 340/95, estes últimos publicados no Diário da República, II série, 
 respectivamente de 1 de Agosto e de 2 de Novembro de 1995).
 E, além desta essencialidade, salientou-se a universalidade do reconhecimento 
 do direito ao patrocínio judiciário no citado Acórdão n.º 339/95, segundo o qual 
 
 ‘o direito de acesso aos tribunais, de que é componente essencial o patrocínio 
 judiciário, é assegurado pela Constituição «a todos» (artigo 20º), o que logo 
 inculca a universalidade do respectivo reconhecimento (...).
 
 3. Nestes termos, penso que a garantia de acesso aos tribunais, resultante do 
 artigo 20º da Constituição, resulta violada por uma norma que exclui 
 genericamente o direito ao patrocínio judiciário gratuito para as entidades que 
 exploram empresas com intuitos lucrativos, ainda que estas provem a sua 
 insuficiência económica para suportar os respectivos custos, que estes são 
 consideravelmente superiores às suas possibilidades, ou, mesmo, que o pleito é 
 totalmente alheio à sua actividade económica normal. Não se trata, aqui, tão-só 
 de uma restrição ao direito a patrocínio judiciário gratuito, ou de o sujeitar, 
 nos termos da lei, a determinadas condições, mas de uma sua exclusão geral e em 
 abstracto, que tem como resultado que, quanto às entidades em causa, a justiça 
 possa ser ‘denegada por insuficiência de meios económicos’.
 Tal exclusão de plano do direito ao patrocínio judiciário gratuito não se 
 justifica, aliás, como referi, com a especificidade das entidades com intuitos 
 lucrativos, pois não é permitida a prova de que a acção, naquele caso concreto, 
 
 é alheia à actividade económica da empresa (podendo perfeitamente tratar-se, por 
 exemplo, de uma vultuosa acção de indemnização, em que aquela é lesada) – ou, 
 pelo menos (como se faz no próprio artigo 7º, n.º 5, para as custas e preparos), 
 a demonstração de que os custos da acção excedem consideravelmente as 
 possibilidades económicas da pessoa em questão, avaliadas em função de factores 
 objectivos.
 Não se pode sequer afirmar, em abstracto, que as sociedades, civis ou 
 comerciais, os comerciantes em nome individual ou os titulares de 
 estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada sempre terão meios 
 para suportar as despesas de patrocínio judiciário disponível no ‘mercado’ da 
 prestação de serviços jurídicos. Assim, desde logo, sabe-se, por exemplo, que, 
 apesar da proibição da quota litis, o valor da causa não é despiciendo para a 
 fixação dos honorários dos profissionais do foro, até por se reflectir sobre a 
 importância do serviço prestado e sobre os resultados obtidos (artigo 65º, n.º 
 
 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 
 
 16 de Março). Nem me posso dar por satisfeito com a remissão de tais entidades 
 para ‘mecanismos de seguro e prevenção’ dos custos judiciários. Essa remissão 
 
 (a qual, aliás, não provaria apenas para as entidades em questão), bem como a 
 exigência de, na impossibilidade de pagamento aos profissionais do foro, 
 recorrer, ou aos próprios sócios para suprimento da insuficiência financeira, 
 ou a um processo de recuperação de empresa ou de falência, por manifesta 
 inviabilidade da empresa (e suposto que se verificariam sempre os pressupostos 
 destes processos, existindo, designadamente, uma situação de insolvência), 
 representa, a meu ver, a própria admissão da possibilidade de denegação de 
 justiça por falta de meios para custear o patrocínio judiciário. Exigir a 
 submissão a um processo de falência ou de recuperação da empresa (com eventual 
 consequência da extinção), ou o recurso aos sócios para custear despesas 
 judiciárias, significa que a pessoa colectiva (obviamente, enquanto entidade 
 distinta dos sócios) não poderá recorrer aos tribunais por falta de meios 
 económicos, retirando, sob este prisma, consistência ao seu direito de acesso 
 aos tribunais.
 Não é, pois, de excluir que a acção em questão seja inteiramente alheia à 
 actividade económica da sociedade, estando, todavia, sempre excluída a 
 possibilidade de as entidades referidas no artigo 7º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 
 
 387-B/87 obterem patrocínio judiciário gratuito. A meu ver, este resultado 
 ofende, pois, a garantia de que a ninguém pode ser denegada justiça por 
 insuficiência de meios económicos (artigo 20º, n.º 1, 2ª parte, da 
 Constituição). E creio que se viola do mesmo passo o princípio da igualdade, na 
 medida em que – embora sem negar as especificidades das entidades em questão – 
 resulta justamente desse artigo 20º, n.º 1, 2ª parte, que a insuficiência de 
 meios económicos não é nunca de considerar, à luz daquele princípio, fundamento 
 razoável para a discriminação no acesso aos tribunais, como a que resultaria, 
 neste caso, da privação da possibilidade de obter patrocínio judiciário 
 gratuito”.
 Entende-se que esta fundamentação, na medida em que se reporta ao artigo 20º, 
 n.º 1, 2ª parte, da Constituição da República, é procedente, não sendo, por 
 outro lado, infirmada pelos argumentos invocados nos arestos citados, que se 
 debruçaram sobre a questão de constitucionalidade em causa no presente recurso.
 Designadamente, não resulta da transcrita fundamentação qualquer dever de 
 equiparação dos termos em que é concedido apoio judiciário a pessoas singulares 
 e a pessoas colectivas, ou a entidades com e sem fim lucrativo – entendendo-se, 
 antes, que ela é compatível com as diferenciações que a boa gestão dos recursos 
 imponham –, mas apenas a impossibilidade de uma exclusão geral e em abstracto, 
 sem possibilidade de prova de que os custos em causa são consideravelmente 
 superiores às possibilidades económicas do concreto sujeito em questão e de que 
 se trata de acções alheias à sua actividade económica normal.    
 Esta última delimitação contraria, também, o argumento de que poderão estar em 
 causa custos da actividade económica normal, e de que a própria preservação das 
 condições de concorrência impediria a concessão de tal patrocínio judiciário 
 
 (argumento, este, que, aliás, e como é evidente, provaria demasiado, por também 
 ser aplicável a outras formas de apoio judiciário).
 Tal exclusão de plano do direito ao patrocínio judiciário gratuito, para uma 
 categoria de sujeitos definida em abstracto, e sem lhes possibilitar a referida 
 prova de que os custos são consideravelmente superiores às possibilidades 
 económicas e de que a acção é alheia à sua actividade económica normal, não pode 
 deixar de ter como resultado que, quanto às entidades em causa, a justiça possa 
 vir a ser “denegada por insuficiência de meios económicos” (como, aliás, não 
 deixa de admitir-se quando se afirma que a alternativa ao pleito poderá ser a 
 insolvência).
 No presente caso, é isto mesmo que está em causa, pois a recorrente impugna a 
 norma na dimensão segundo a qual as sociedades não têm direito a patrocínio 
 judiciário gratuito ainda “que demonstrem que não têm meios económicos para 
 suportar os encargos de uma causa judicial ou que o pleito é alheio à sua 
 actividade económica normal”.
 Entende-se, assim, que esta norma é inconstitucional, concedendo-se provimento 
 ao recurso […]»
 
  
 A propósito da mesma dimensão normativa, ainda que por referência ao n.º 5, do 
 artigo 7.º, da aludida Lei n.º 30-E/2000 – que, ressalvada a adaptação à nova 
 nomenclatura introduzida pelo Código das Custas Judiciais de 1996, apresentava a 
 mesma redacção que o n.º 5, do artigo 7.º, do revogado Decreto-Lei n.º 387-B/87, 
 na redacção dada pela Lei n.º 46/96 – os acórdãos n.º 399/2004 e 191/2005 
 
 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), mantiveram a posição assumida no 
 referido acórdão n.º 97/99, enquanto o acórdão n.º 560/2004 (publicado em 
 
 “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 60.º vol., pág. 391), adoptou a posição 
 fixada pelo referido acórdão n.º 106/2004.
 Esta divergência jurisprudencial deixou de ter razão para existir a partir da 
 entrada em vigor do novo regime de acesso ao direito e aos tribunais aprovado 
 pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, uma vez que o legislador ordinário 
 regressou à solução normativa constante da versão originária do Decreto-Lei n.º 
 
 387-B/87, isto é, as pessoas colectivas em geral, sem qualquer distinção em 
 virtude do escopo lucrativo, que demonstrassem estar em situação de 
 insuficiência económica passaram a ter direito à protecção jurídica na 
 modalidade de apoio judiciário, incluindo a dispensa de taxa de justiça e demais 
 encargos com o processo e a nomeação e pagamento de honorários de patrono.
 A nova legislação foi severamente criticada nesta parte por alguns autores que 
 alegadamente não vislumbravam no Direito Comparado de âmbito europeu um regime 
 de protecção jurídica tão favorável às pessoas colectivas com fins lucrativos 
 como aquele que fora aprovado pela Lei n.º 34/2004 (vide SALVADOR DA COSTA, em 
 
 “Apoio judiciário”, pág. 52-53, da 5.ª ed. da Almedina).
 No início de Setembro de 2006, o Conselho de Ministros do XVII Governo 
 Constitucional aprovou a Resolução n.º 122/2006, dando conta da pretensão de 
 apresentação de “um vasto conjunto de propostas que contribuam para aprofundar a 
 eficiência do sistema judiciário e os direitos fundamentais dos cidadãos e das 
 empresas, em áreas como as (...) do regime do acesso ao direito (...) mediante o 
 reforço efectivo deste direito fundamental, que se considera estar 
 excessivamente restringido (...)” ( DR, 1.ª Série, de 25 de Setembro).
 No ano seguinte, o Governo e também o Bloco de Esquerda (BE) apresentaram 
 iniciativas legislativas na Assembleia da República para efeito de alteração do 
 regime de acesso ao direito e aos tribunais, correspondentes, respectivamente, à 
 Proposta de Lei n.º 121/X e ao Projecto de Lei n.º 287/X (disponíveis em 
 
 www.parlamento.pt).
 A iniciativa legislativa governativa pugnava pela eliminação da concessão do 
 apoio judiciário a pessoas colectivas com fins lucrativos sem que fosse avançada 
 qualquer explicação a esse respeito na respectiva exposição de motivos.
 A iniciativa legislativa do BE pretendia a exclusão das pessoas colectivas da 
 concessão do apoio judiciário gratuito, sob a argumentação de que não se 
 justificava a atribuição daquele benefício a entidades que dispõem de uma 
 estrutura organizada e que o requerem em quantidade pouco expressiva.
 A ulterior discussão na generalidade permitiu apenas saber que o Partido 
 Socialista encarava a referida iniciativa legislativa governativa, na parte 
 respeitante às pessoas colectivas com fins lucrativos, “numa lógica de 
 moralização do actual sistema” (DAR, Série I, de 4 de Maio de 2007, p. 68).
 Este procedimento legislativo culminaria na aprovação da Lei n.º 47/2007, de 28 
 de Agosto, a qual se traduziu, inter alia, numa nova redacção dos nos 3 e 4, do 
 artigo 7.º, da Lei n.º 34/2004, nos termos já acima enunciados, isto é, 
 traduziu-se na recusa de qualquer protecção jurídica às pessoas colectivas com 
 fins lucrativos.  
 
  
 
 4. A inconstitucionalidade material do novo regime de protecção jurídica das 
 pessoas colectivas com fins lucrativos
 Num contexto em que a justiça não é gratuita, a solução legal de negação 
 absoluta do direito a protecção jurídica às pessoas colectivas com fins 
 lucrativos em situação de comprovada insuficiência económica consubstancia uma 
 grave restrição ao direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais na 
 medida em que permite a efectiva denegação de justiça por insuficiência de 
 meios económicos sem cobertura em nenhum argumento jurídico-constitucional 
 relevante.
 Quando se agitam os argumentos do escopo social lucrativo e da possibilidade de 
 previsão e repercussão dos custos dos serviços de justiça no consumidor final de 
 bens e serviços, para assim negar à partida, por desnecessidade, qualquer 
 protecção jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos, está-se a 
 obnubilar e a desvalorizar a situação financeira concreta da empresa que pode 
 ser de verdadeira insuficiência económica no momento em que requer o benefício 
 da protecção jurídica.
 Acresce que estes argumentos não apresentam nenhuma originalidade relativamente 
 
 à situação do empresário em nome individual e, acima de tudo, não explicam a 
 diferença de tratamento jurídico que lhes foi concedido pela Lei n.º 47/2007.
 Mais, o escopo lucrativo das sociedades comerciais revela-se totalmente inócuo 
 para efeito de negação de qualquer modalidade de protecção jurídica quando os 
 litígios que aquelas têm de enfrentar são imprevisíveis ou não se relacionam 
 directamente com a actividade social normalmente desenvolvida (v.g. acções 
 fundadas em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito).   
 O argumento da possibilidade alternativa de enquadramento falimentar das 
 sociedades comerciais sem meios económicos suficientes para suportar os 
 encargos de uma lide, incluindo os honorários do patrono, também não assume a 
 relevância pretendida pelos seus partidários.
 Na verdade, todas as pessoas singulares, quer sejam ou não titulares de 
 empresas, estão sob a incidência do regime da insolvência e não se mostram, por 
 isso, genericamente excluídas da protecção jurídica prevista na Lei n.º 34/2004 
 
 (artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 240.º do Código da Insolvência e da 
 Recuperação de Empresas).  
 Por outro lado, no limite, uma sociedade comercial, sobretudo em tempos de crise 
 económica, pode estar em situação económica difícil, sem apresentar 
 propriamente um passivo muito relevante ou mesmo sequer algum passivo 
 conducente à declaração de insolvência, mas, contudo, necessitar da concessão de 
 apoio judiciário para efectivar e executar os seus créditos sobre os seus 
 devedores. 
 
  A ideia de que a norma jurídica sob apreciação consubstancia uma restrição 
 constitucionalmente admissível de um direito fundamental, na medida em que não 
 deixaria de assegurar a preservação da substância do direito fundamental de 
 acesso ao direito e aos tribunais, não pode ser minimamente sustentada neste 
 caso porque o legislador ordinário não confere qualquer espécie de protecção 
 jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos.   
 Resta o argumento da limitação dos recursos financeiros públicos e da 
 necessidade de estabelecer prioridades. 
 
 É um argumento de natureza eminentemente política – e nem por isso totalmente 
 despiciendo – com óbvia incidência no direito fundamental prestacional que 
 obriga o Estado a garantir a acesso de todos ao Direito e aos tribunais 
 independentemente da sua situação económica.
 A resposta do legislador ordinário a estes constrangimentos de ordem financeira 
 não pode ser, sob pena de inconstitucionalidade por acção, a exclusão absoluta 
 das pessoas colectivas com fins lucrativos do benefício da protecção jurídica 
 anteriormente atribuído em qualquer das suas modalidades.
 Para prevenir e combater os abusos na concessão da protecção jurídica, o 
 legislador ordinário deve antes criar condições para que o benefício da 
 protecção jurídica seja apenas concedido às pessoas colectivas com fins 
 lucrativos que se encontram em situação de efectiva insuficiência económica 
 conforme tão-só exige a Constituição – sendo certo que o legislador ordinário 
 não deixa de gozar de uma margem de liberdade de conformação na definição do 
 conceito de insuficiência económica adequado à realidade societária em presença 
 e no estabelecimento dos procedimentos probatórios adequados à respectiva 
 avaliação.
 Aliás, por causa da escassez de recursos financeiros públicos e da necessidade 
 de existência de rigor na atribuição da protecção jurídica a qualquer 
 beneficiário, o legislador ordinário já assegurou a criminalização da fraude na 
 obtenção da protecção jurídica e a possibilidade de cobrança das importâncias 
 despendidas pelo Estado em caso de aquisição superveniente de meios económicos 
 suficientes pelo beneficiário da protecção jurídica (art. 13.º da Lei n.º 
 
 34/2004).
 Nestes termos pode dizer-se que a Lei n.º 47/2007 ao negar radicalmente qualquer 
 tipo de apoio às pessoas colectivas com fim lucrativa deixou inclusive de ter a 
 cobertura da argumentação da tese que anteriormente fez vencimento nos acórdãos 
 acima referidos n.º 97/99, 339/2004 e 191/2005 deste Tribunal.
 Aqui chegados, é possível concluir que a norma constante do n.º 3, do artigo 
 
 7.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 
 
 47/2007, de 28 de Agosto, na parte respeitante às pessoas colectivas com fins 
 lucrativos, se encontra ferida de inconstitucionalidade material por violação 
 do disposto na parte final do n.º 1, do artigo, 20.º da Constituição, pelo que o 
 recurso deve ser julgado procedente.
 
  
 
                                                     *
 Decisão
 Pelo exposto:
 a) julga-se inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1, 
 parte final, da Constituição, a norma constante do n.º 3, do artigo 7.º, da Lei 
 n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 
 
 28 de Agosto, no segmento em que nega protecção jurídica às pessoas colectivas 
 com fins lucrativos;
 b) e, consequentemente, concede-se provimento ao recurso, determinando a 
 reformulação da sentença recorrida em conformidade com o presente juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                                                     *
 Sem custas.
 
                                                     
 Lisboa, 27 de Maio de 2009
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Joaquim de Sousa Ribeiro (com declaração)
 Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com
 declaração anexa)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
                                                        
 
    
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Votei favoravelmente o acórdão, por concordar com a tese central da sua 
 fundamentação: a de que o direito a apoio judiciário é um direito compatível com 
 a natureza das pessoas colectivas com fim lucrativo, pelo que lhes deve ser 
 extensível.
 
  
 Mas, como a doutrina e a jurisprudência constitucionais têm sublinhado, esta 
 aplicabilidade, de princípio, de um direito fundamental a uma pessoa colectiva, 
 não significa que, neste âmbito, não possa ser tida em conta a particular 
 natureza do sujeito, para justificar um menor grau ou extensão da tutela.
 
  
 No caso, comportando o apoio judiciário várias componentes, o que merece censura 
 constitucional é a denegação de todos elas às sociedades comerciais, a absoluta 
 postergação do direito à protecção jurídica, de plano, em todas as suas 
 modalidades e seja qual for o circunstancialismo, atinente, designadamente, ao 
 objecto do processo.
 
 É nessa medida, e apenas nessa medida, que considero inadmissível 
 constitucionalmente o regime impugnado. 
 
     Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
             1. Votei vencido, por não poder acompanhar a decisão e a 
 fundamentação em que a mesma se abona.
 
  
 
             2. Continuo a entender que a boa solução é aquela que foi seguida 
 pela jurisprudência constitucional, largamente maioritária, dos Acórdãos n.ºs 
 
 98/99, 167/99, 368/99, 428/99 e 90/99, 399/04, 191/05. Em sentido contrário 
 existem apenas os Acórdãos 106/04 e 560/04.
 
  
 
             3. Não vou reescrever o que já foi dito nos Acórdãos a que me 
 arrimo.          Deixarei, por isso, registadas, apenas, algumas notas 
 distintivas. Em primeiro lugar, há que anotar que, em rectas contas, a tese que 
 aqui fez vencimento se apoia, essencialmente, numa concepção tributária do 
 princípio da igualdade no direito fundamental de acesso aos tribunais, 
 inferindo-o, desde logo do texto do artigo 20.º da Constituição, quando usa o 
 termo “todos” (cf. os seus n.ºs 1, 2 e 4).
 
             Todavia, pode, desde logo, objectar-se que ao referir-se a “todos” a 
 Constituição está a referir-se às pessoas, aos cidadãos, pois, como bem diz 
 Maria Lúcia Amaral (in O Cidadão, O provedor de Justiça e as Entidades 
 Administrativas Independentes, pp. 65 e segs.),'A imagem de homem que a 
 Constituição consagra é a do ser concreto, imerso nas necessidades, urgências e 
 contingências da sua condição existencial, e não a do cidadão (abstracto) 
 totalmente identificado com os deveres da virtude republicana. É à pessoa 
 concreta que o estado deve assistência e cuidado [art.º 9.º, d) e h)]; é à 
 pessoa concreta que se confere o direito à segurança social (art. 63.º), o 
 direito à habitação art.º 65.º) ou o direito à cultura (art.º 73.º), como ainda 
 por causa dela que se determina a inviolabilidade da liberdade de consciência 
 
 (art.º 41.º)”. 
 
             O radical dos direitos fundamentais é o homem com a sua dignidade 
 humana (cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na 
 Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª edição, págs. 96 e segs.).
 
             A inserção, naqueles “todos” constante do artigo 20.º da 
 Constituição, das pessoas colectivas, apenas, pode ser efectuada a coberto da 
 norma do artigo 12.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental ou seja, quando reclamada 
 pela “sua natureza”.
 
             Ora, o direito fundamental de acesso aos tribunais, que o regime de 
 apoio judiciário intenta efectivar, encontra, no tocante às pessoas ou aos 
 cidadãos, o seu fundamento axiológico-político no princípio da dignidade da 
 pessoa humana, assumido como princípio estruturante da República Portuguesa 
 
 (artigo 1.º da Constituição). 
 
             Nesta expressão, o direito de acesso aos tribunais tem a dimensão de 
 um direito universal reconhecido no artigo 10.º da Declaração Universal dos 
 Direitos do Homem e igualmente acolhido no artigo 6.º da Convenção Europeia para 
 a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, apenas para as 
 pessoas humanas.
 
             Não sendo pessoas humanas, mas apenas organizações criadas pelo 
 Direito para prosseguir ou realizar os interesses das pessoas ou da comunidade 
 
 (mais ou menos alargada), as pessoas colectivas não comungam do eixo 
 antropológico reclamante da dignidade da pessoa humana e dos consequentes 
 postulados jurídicos. 
 
             Nestes termos, a convocação de qualquer refracção do princípio da 
 igualdade para aferir os direitos e deveres das pessoas colectivas por 
 referência aos das pessoas singulares “sabe” a um mero argumento formal.
 
             Deste modo, a questão devolve-se em saber se o direito de acesso aos 
 tribunais, na dimensão do direito à concessão de apoio judiciário, é reclamado 
 pela “natureza” da pessoa colectiva e, no caso, mais especificamente se ele é 
 exigido pela natureza das pessoas colectivas com fins lucrativos (art.º 12.º, 
 n.º 2, da Constituição). 
 
             É que, na verdade, não poderá equacionar-se a questão nos mesmos 
 termos para as pessoas colectivas com fins lucrativos e para as pessoas sem fins 
 lucrativos, pois quanto a estas poderá ver-se aí uma muito próxima conexão com o 
 princípio da dignidade humanas, pelos fins imediatos que prosseguem de 
 satisfação das necessidades humanas consideradas essenciais.
 
             Ao invés, as pessoas colectivas com fins lucrativos são configuradas 
 pela ordem jurídica precisamente para obterem lucros nas actividades económicas 
 que prosseguem. 
 
             Nesta perspectiva, a sua existência só tem sentido e utilidade para 
 a comunidade quando dão lucro à sociedade e não quando absorvem proveitos 
 gerados pela comunidade. 
 
             Os termos em que são modeladas juridicamente e está sujeita a sua 
 actividade económica são totalmente diferentes dos que são reclamados pela 
 dignidade humana das pessoas. 
 
             Desde logo, porque, estando todo o regime dessas pessoas colectivas 
 enformado fiscalmente de modo a que possam exercer a sua actividade com lucro, 
 não faz qualquer sentido prestar-lhe apoio jurídico ou judiciário, que não seja 
 segundo uma mera óptica de concessão de apoio à sua actividade económica. 
 
             Porém, a problemática do apoio judiciário que é colocada pelo artigo 
 
 20.º da Constituição não tem nada a ver com a concessão de incentivos ou 
 auxílios económicos ou fiscais à actividade económica. 
 
             Na mesma linha não pode deixar de notar-se que a definição do que 
 deve ter-se como proveitos ou como despesas releváveis está sujeita a regras 
 próprias, completamente diferentes das pessoas singulares. 
 
             Basta ver o regime do imposto sobre o rendimento das pessoas 
 singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas para concluir 
 pela abissal diferença em que a questão da carência económica se coloca. 
 
             É que relativamente às pessoas singulares a perspectiva tributária 
 não pode ignorar a satisfação das necessidades próprias da pessoa humana: a 
 garantia do mínimo para a existência humana, as despesas de saúde, de educação, 
 etc. 
 
             Ao invés, no que concerne à pessoa colectiva com fins lucrativos, o 
 que releva é permitir-se-lhe a continuidade da sua actividade económica com 
 lucro, segundo o interesse social e enquanto o mesmo existir, sendo tributada 
 pelo saldo da diferença entre os proveitos e custos económicos e financeiros.
 
             Atente-se, a título de mero exemplo, nas especificidades de a pessoa 
 colectiva poder constituir provisões para a cobertura dos riscos do exercício da 
 sua actividade (cf. artigos 34.º e segs. do CIRC) e de as mesmas serem 
 dedutíveis ao rendimento, pagando imposto apenas pelo lucro, enquanto as pessoas 
 singulares o não podem fazer e pagam imposto por um rendimento apurado em termos 
 absolutamente diferentes.
 
  
 Benjamim Rodrigues