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Processo nº 234/08
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
 
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 reclamante A. e reclamado o Ministério Público, vem o primeiro reclamar, ao 
 abrigo do disposto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (LTC), de despacho proferido naquele 
 Tribunal, em 7 de Fevereiro de 2008, pelo qual foi “indeferido o requerimento 
 para interposição do recurso para o Tribunal Constitucional”.
 
  
 
 2. Por acórdão de 20 de Dezembro de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça julgou 
 improcedente recurso interposto pelo ora reclamante, mantendo a condenação em 
 pena única de quatro anos de prisão, aplicando a versão vigente do artigo 50º do 
 Código Penal. Notificado desta decisão, o reclamante interpôs recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC:
 
  
 
 «Dúvidas não existem de que o Acórdão recorrido é nulo e inconstitucional, visto 
 que viola do disposto nos artigos 12°, 13°, 16°, 18°, 27°, 29°, 32°, por não ter 
 atendido a pretensão do arguido
 
 (…)
 
 13º
 O Acórdão recorrido viola de facto, as normas constitucionais acima indicadas. 
 
 (…)
 
 20º
 Assim sendo, e tendo em conta o que foi decidido nos Acórdãos n° 40/84, 55/8, e 
 
 17/86 e 193/97, deste Tribunal, deverá julgar-se inconstitucional – por violação 
 do disposto nos artigos 12°, 13°, 16°, 18°, 27°, 29° e 32º, da Constituição — o 
 Acórdão recorrido, pelos fundamentos acima aduzidos».
 
  
 
  
 Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 75º-A, nº 5, da 
 LTC, face à não indicação da norma cuja inconstitucionalidade pretendia que o 
 Tribunal apreciasse, o recorrente respondeu que:
 
  
 
 «(…) Foram violados, o artigo 50° do CP, com a nova redacção, os artigos 12°, 
 
 13°, 16°, 18°, 27°, 29°, 32°, da Constituição da República Portuguesa. 
 Foram violados os princípios da igualdade, da liberdade, das garantias do 
 processo criminal e proporcionalidade. 
 O artigo 50° do Código Penal, com a redacção anterior, em que apenas permitia a 
 suspensão da pena de prisão ao arguido, desde que a medida da pena não fosse 
 superior a 3 anos, era Inconstitucional, face ao disposto nos artigos 13°, 29°, 
 n°4. 
 Caso na data em que foi proferida a sentença em primeira instância já tivesse 
 ocorrido a alteração do artigo 50°, do CP, teria ao arguido sido suspensa a pena 
 de prisão.
 Como assim não sucedia, o arguido terá de cumprir prisão.
 A Lei criminal é de aplicação retroactiva, quando é mais favorável ao arguido – 
 artigo 29º, nº 4 da CRP.
 Neste caso em concreto, ao arguido não foi aplicada a Lei Ordinária e a Lei 
 Constitucional de forma correcta».
 
  
 
 3. Foi então proferido o despacho agora reclamado, onde se lê:
 
  
 
 «A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de fls. 1075 
 seg.
 Não tendo indicado a(s) norma(s) da Constituição que entende violadas, foi 
 convidado a fazê-lo, conforme dispõe o art. 75°-A n° 5 da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 Considera o recorrente terem sido violados o art. 50° do Código Penal e os arts. 
 
 12°, 13°, 16°. 18°. 27° e 32° da Constituição e os princípios da igualdade, da 
 liberdade, das garantias do processo criminal e da proporcionalidade. Afirma 
 ainda que se, na data em que foi preferida a sentença de lª instância, tivesse 
 ocorrido a alteração ao art. 50° do Código Penal, teria sido suspensa ao arguido 
 a pena de prisão, por ser a lei penal de aplicação retroactiva, quando é 
 favorável ao arguido.
 Com o recurso para o Tribunal Constitucional intenta o arguido modificar a 
 decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de forma a que seja suspensa a execução 
 da pena de prisão em que foi condenado.
 Diz o recorrente que foi violado o disposto no art. 50° do Código Penal. Só que 
 o Tribunal Constitucional não cuida de apurar tal violação se não estiver em 
 causa o respeito por preceitos ou princípios constitucionais.
 Tendo sido alterado o art. 50° do Código Penal e sendo a nova versão mais 
 favorável ao arguido, na medida em que permite suspender a execução da pena de 
 prisão não superior a 5 anos, o acórdão deste Supremo Tribunal, depois de ter 
 fixado a pena única em 4 anos de prisão, ponderou, face à existência dos 
 elementos de facto provados, a possibilidade de formular um juízo de prognose 
 favorável ao arguido, que servisse de fundamento à aludida suspensão da pena. 
 Todavia por ter concluído pela impossibilidade de um tal juízo de prognose 
 favorável e ainda por considerar que “o sentimento de reprovação social do crime 
 
 é elevado, não sendo suficiente uma pena de prisão suspensa na sua execução para 
 se atingir a finalidade da pena que consiste na prevenção geral de integração”, 
 o Supremo acabou por não decretar tal suspensão.
 A interpretação e aplicação das normais penais que foi levada a efeito no 
 acórdão de que o arguido pretende recorrer são integralmente respeitadoras dos 
 diversos preceitos que o recorrente enumerou, bem como dos princípios 
 constitucionais que indicou. Destacaremos daqueles preceitos o art. 27° n° 2 
 para esclarecer que os factos praticados pelo arguido integram o crime de 
 homicídio, o que legitima a aplicação duma pena de prisão decretada por sentença 
 condenatória, reafirmando que, ao ponderar a aplicabilidade da suspensão da 
 execução da pena, abstractamente possível face à nova redacção do art. 50° do 
 Código Penal, o Supremo Tribunal de Justiça respeitou integralmente o art. 29° 
 n° 4 (parte final), e bem assim o princípio da proporcionalidade que foi 
 rigorosamente observado da decisão em causa.
 Não se vê quais os aspectos que servem para o recorrente sustentar a violação 
 dos princípios da igualdade e da liberdade, nem o das garantias do processo 
 criminal, visto que foram cuidadosamente observados todos os preceitos 
 processuais.
 Por tudo isto se conclui que se mostra manifestamente infundado o seu pedido de 
 recurso para o Tribunal Constitucional.
 Em consequência, vai indeferido o requerimento para interposição do recurso para 
 o Tribunal Constitucional, conforme permite o art. 76° n°s 1 e 2 da Lei n° 
 
 28/82, de 15 de Novembro (Organização. funcionamento e processo do Tribunal 
 Constitucional)».
 
  
 
 4. Deste despacho reclama agora o recorrente nestes termos:
 
  
 
 «(…) Refere o artigo 70° n° 1 alínea b): “... Cabe recurso para o Tribunal 
 Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: Que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo...”. 
 Ora, no caso concreto, o Reclamante durante a violação das normas 
 constitucionais foram invocadas durante todo o processo. 
 Daí não se entender a razão do indeferimento da interposição de recurso. 
 A interposição de recurso tem fundamento no artigo 76° n° 4 da Lei n° 28/82 de 
 
 15/11, (LTC), e como tal deveria ter sido deferida. 
 A apreciação da questão de admissão ou não do recurso cabe ao Tribunal 
 Constitucional e não ao Relator do Supremo Tribunal de Justiça (Tribunal 
 Reclamado). 
 O Reclamante sempre, e desde inicio de todo o processo, suscitou a questão da 
 desarmonia constitucional.
 E como tal , deveria o requerimento de interposição de recurso ser deferido. 
 Pois, dúvidas não existem de que o Acórdão recorrido é nulo e inconstitucional, 
 visto que viola do disposto nos artigos 12°, 13°, 16°, 18°, 27°, 29°, 32°, por 
 não ter atendido a pretensão do arguido 
 Tendo entrado em vigor uma Lei mais favorável ao arguido, deveria ter aplicação 
 de imediato. 
 Não se pode de forma alguma dizer como se deliberou no Acórdão recorrido: 
 
 “Dir-se-á, finalmente, que não há que providenciar pela aplicação do disposto no 
 artigo 371 °-A do Código do Processo Penal, visto que tal norma tem como 
 pressuposto que a condenação tenha transitado em julgado, o que não se verifica 
 ainda no caso dos autos”. 
 Ora, dispõe o artigo 371°-A, do CPP: “Se, após o trânsito em julgado da 
 condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor a lei 
 penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para 
 que lhe seja aplicado o novo regime”. 
 Na verdade, esta norma legal tanto tem aplicação aos casos já transitados em 
 julgado, mas que ainda não foi cumprida a pena na sua totalidade, como aos 
 processo pendentes, como é óbvio e por maioria de razão. 
 Assim sendo, deveria ter o processo sido enviado à 1ª instância e aí se 
 apreciada a questão da alteração e entrada da Lei mais favorável ao arguido. 
 O ter-se decidido como se decidiu, implica a prisão do arguido, e depois a 
 
 “peregrinação” de requerimentos dirigidos à primeira instância para abertura da 
 audiência, etc., etc. 
 A lei criminal é de aplicação imediata, caso seja mais favorável ao arguido, 
 sendo certo que esta nova Lei criminal, vem mais completa, pois contempla a 
 possibilidade de arguidos a cumprirem pena, requererem a abertura da audiência 
 para poderem beneficiar da Nova Lei.
 O Acórdão recorrido viola de facto, as normas constitucionais acima indicadas.
 E, o Acórdão recorrido viola também o disposto na nova Lei criminal – Código 
 Processo Penal e Código Penal. 
 
 É assim urgente a intervenção deste Tribunal, dado que com o Acórdão recorrido, 
 o arguido terá forçosamente de ser preso, e depois é que terá a possibilidade de 
 requerer, o que de facto deveria ter sido decidido oficiosamente, por a Lei 
 Constitucional, assim impor, nomeadamente o artigo 29° da CRP. 
 Na verdade, dispõe o artigo 32°, n° 1 da CRP: “O processo criminal assegura 
 todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”. 
 Neste caso em concreto esta norma legal foi violada, no Acórdão recorrido. 
 Aliás, como se decidiu no Acórdão do TC n° 193/97, processo n° 28/95, estamos 
 perante um problema de inconstitucionalidade material (...)
 Assim sendo, e tendo em conta o que foi decidido nos Acórdãos n° 40/84, 55/8, e 
 
 17/86 e 193/97, deste Tribunal, deverá julgar-se inconstitucional – por violação 
 do disposto nos artigos 12°, 13°, 16°, 18°, 27°, 29° e 32°, da Constituição – o 
 Acórdão recorrido, pelos fundamentos acima aduzidos. 
 Assim, deverá ser revogado o Despacho reclamado, com todas as consequências 
 legais daí resultantes. 
 Por outro lado, é assim nulo o Despacho reclamado e o Acórdão recorrido, por 
 violação do disposto no artigo 379°, n.° 1, al. c), do C.P.P. 
 Nulidade que aqui se invoca com todos os efeitos legais. 
 Todavia, ainda que se tivesse como correcto o raciocínio exposto no Despacho 
 reclamado quanto à imputabilidade ao arguido dos factos sobre os quais foi 
 condenado, nunca se poderia aceitar a medida da pena aplicada ao arguido. 
 Pois, no nosso modesto entender, no caso da pena aplicada ao arguido verifica-se 
 que esta é ultrapassa não só a sua medida da sua culpa nos factos, pelo que é 
 uma medida bastante gravosa para o caso do arguido. 
 Por outro lado, o Despacho reclamado é nulo nos termos do artigo 379° do Código 
 do Processo Penal (…)
 Não existem dúvidas que o Despacho reclamado e o Acórdão recorrido, violam o 
 disposto no artigo 410° do C.P.P., e que esse Venerando Tribunal pode apreciar 
 as questões postas em crise, nos termos do n.° 2 desta disposição 
 processual/legal. 
 Na verdade, no Despacho reclamado, existe contradição entre a fundamentação e a 
 decisão. 
 Pelo que, tem tal Despacho de ser Revogado. 
 Deixando o Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de se pronunciar sobre estas 
 questões que devesse apreciar, nomeadamente as já alegadas nesta peça 
 processual, ou apreciando-as superficialmente, e com bastantes lacunas, como 
 acima já se disse (…)
 Acresce que, o Despacho reclamado viola o disposto nos artigos 374° e 375° do 
 C.P.P., por tudo o que acima se disse, interpretando e aplicando deficientemente 
 as normas legais. 
 O Despacho reclamado é nulo, por interpretação e aplicação deficiente das norma 
 legais citadas, conforme já acima se disse e provou. 
 Pelo que, deverá ser REVOGADO o Despacho reclamado bem como o Acórdão recorrido 
 
 (...)».
 
  
 
 5. Neste Tribunal os autos foram com vista ao Ministério Público, que se 
 pronunciou pela forma seguinte:
 
  
 
 «A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que não se verificam os 
 pressupostos de admissibilidade do recurso endereçado a este Tribunal.
 Desde logo, não suscitou o ora reclamante, durante o processo e em termos 
 processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, 
 susceptível de integrar objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta, 
 alicerçado na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 28/82 – persistindo, 
 aliás, mesmo no âmbito da reclamação, em apontar as pretensas 
 
 “inconstitucionalidades” e “nulidades” ao acórdão proferido nos autos pelo STJ.
 Em segundo lugar, é evidente que o STJ não realizou a aplicação normativa que – 
 embora de modo assaz confuso e deficiente – o recorrente tentou delinear a 
 propósito do art.º 50.º do C. Penal: na verdade, a não aplicação da pretendida 
 suspensão de execução da pena de prisão não assentou na interpretação do 
 princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido, mas 
 numa ponderação das circunstâncias concretas do caso (que, naturalmente implicou 
 a aplicabilidade da lei nova, mais favorável ao arguido!) – obviamente 
 insindicável por este Tribunal Constitucional».
 
  
 
 6. Notificado desta resposta, o reclamante disse e requereu o seguinte: 
 
  
 
 «1º
 Não assiste razão ao Ministério Público.
 
 2°
 O processo terá de ser julgado nos termos requeridos, visto que o Arguido, aqui 
 Reclamante, não pode ser prejudicado, sujeitando-se a cumprir prisão efectiva, 
 quando a lei permite a sua suspensão.
 
 3°
 Só este Tribunal poderá fazer a costumada Justiça.
 Assim, requer-se que seja apreciado a Reclamação apresentada, revogando-se o 
 Despacho reclamado, fazendo-se assim a tão costumada Justiça».
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 O requerimento de interposição de recurso do acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça para este Tribunal foi indeferido por se mostrar manifestamente 
 infundado, cabendo agora apreciar e decidir a reclamação apresentada pelo 
 recorrente.
 Nos termos previstos nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição da 
 República Portuguesa e 70º, nº 1, alínea b), da LTC, cabe recurso para o 
 Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, “identificando-se 
 assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do 
 recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões 
 judiciais podem constituir objecto de tal recurso” (cf. Acórdão nº 361/98, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 Resulta claramente dos presentes autos, designadamente do requerimento de 
 interposição de recurso ainda não aperfeiçoado e da presente reclamação que o 
 que o reclamante questiona é a constitucionalidade do acórdão recorrido e não de 
 uma qualquer norma. Esta decisão é repetidamente acusada de 
 inconstitucionalidade e de violar normas constitucionais, pedindo-se, 
 inclusivamente, que o Tribunal Constitucional julgue inconstitucional o acórdão 
 recorrido. 
 Por outro lado, convidado a indicar a norma cuja apreciação pretendia, o então 
 recorrente não satisfez o requisito da parte final do nº 1 do artigo 75º da LTC, 
 o que abona no sentido de o recurso interposto não ter carácter normativo, ao 
 mesmo tempo que, por si só, é causa de não admissão do recurso (artigo 76º, nº 
 
 2, da LTC). Quando respondeu ao convite a única norma que acusou de 
 inconstitucionalidade foi extraída do artigo 50º do CP, na versão anterior à 
 agora vigente, a qual, manifestamente, não foi aplicada pela decisão recorrida.
 Justifica-se, pois, confirmar a decisão de indeferimento do requerimento de 
 interposição de recurso.
 
  
 III. Decisão
 Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 17 de Abril de 2008
 
  
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão