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Processo n.º 916/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
             I – Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do 6.º Juízo Criminal do Tribunal Criminal da 
 Comarca de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi 
 interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do 
 despacho daquele Tribunal, de 18.04.2008, que recusou a aplicação dos artigos 
 
 119.º, alínea f), e 391.º-D, do Código de Processo Penal, quando interpretados 
 no sentido de que a inviabilidade da realização do julgamento no prazo de 90 
 dias a contar da dedução da acusação constitui uma nulidade insanável, porquanto 
 tal conduz à alteração da forma de processo abreviado para a forma de processo 
 comum, e assim, de forma mediata, à alteração das regras prévias e expressas que 
 fixam a competência dos tribunais, neste caso, do Tribunal de Pequena Instância 
 Criminal e dos Juízos Criminais de Lisboa, por violação de diversas normas e 
 princípios constitucionais, designadamente, do “princípio do juiz natural”.
 
  
 
 2. O presente recurso emerge de processo especial abreviado que se encontrava 
 pendente no 2.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa (2.ª 
 Secção), no qual foi proferido despacho, em 04.01.2008, consignando que «a 
 audiência de julgamento não pôde ter o seu início em 90 (noventa) dias contados 
 sobre a dedução de acusação, pelo que não poderá o processo ser tramitado na 
 forma especial abreviada» e determinado que «se julgue nulo o processado, 
 salvaguardando os termos até à acusação, nos termos do disposto nos artigos 
 
 391.º-D e 119.º, alínea f), do Código de Processo Penal.»
 Subsequentemente, o processo foi distribuído no 6.º Juízo Criminal de Lisboa 
 
 (2.ª Secção), onde foi proferido despacho, em 18.04.2008, que recusou por 
 inconstitucionalidade a interpretação dada aos artigos 119.º, alínea f), e 
 
 391.º-D, do Código de Processo Penal, acima identificada.
 
 É deste despacho que vem interposto o presente recurso.
 
  
 
 3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal apresentou 
 alegações, pugnando pelo não conhecimento do objecto do recurso pelas razões 
 seguintes:
 
 «(…) III. Quid Juris?
 
 1. Como bem resulta dos Autos, o que ressalta sem dúvida alguma, é uma 
 divergência, entre dois juízes, sobre a interpretação a conferir a uma lei nova 
 e as consequências que daí podem advir dessas interpretações.
 
 2. Com efeito, enquanto que o Juiz a quo (Tribunal Criminal) entende que a lei 
 nova não afecta a forma de processo que se iniciou antes da entrada em vigor 
 desta, já o juiz do TPIC não o entendeu assim, considerando que a “nova fórmula” 
 quanto à possibilidade de uso da forma de processo abreviado se aplicava desde 
 logo, retroagindo o efeito dessa lei nova.
 
 3. O Juiz do TPIC, no fundo, considera que uma alteração legal superveniente 
 determina, ipso facto, “erro” na forma de processo! E o Juiz do Tribunal 
 Criminal entende que não!
 
 4. Assim sendo, o fundamento (essencial) para a decisão tomada pelo Juiz a quo, 
 e por este invocada expressamente, é o da violação de comandos legais relativos 
 quer à competência dos Tribunais (v.g. artigos 22.º, 23.º, 100.º e 102.º, n.º 1 
 da Lei 3/99 de 13/1) quer à “qualificação” de eventuais “irregularidades” ou 
 
 “ilegalidades” (v.g. artigo 119.º, al. e) do CPP).
 
 5. Decorre ainda que o que é logicamente anterior, no pressuposto interpretativo 
 que subjaz a ambos os Tribunais, é tão somente (mas crucial), a perspectiva 
 legal sobre a aplicação da lei no tempo quanto às novas normas relativas ao 
 Processo Abreviado.
 
 6. Ora, e se assim é, não estamos perante uma verdadeira questão de 
 
 “inconstitucionalidade normativa” mas sim de dirimição ordinária entre duas 
 decisões judiciais (como se aponta, aliás, no ponto nº 7, em I), quanto a um 
 verdadeiro conflito negativo de competências. (Registe-se, aliás, que caso 
 tivesse transitado em julgado o despacho a quo, e seria esse o mecanismo que 
 deveria usar-se para uma tal dirimição).
 
 7. Este Tribunal tem vindo a solidificar uma jurisprudência no sentido de que, 
 nesses casos, não estamos perante uma “questão de constitucionalidade 
 normativa”. Com efeito, e para além de outros (vide Acórdãos n.º 489/04, n.º 
 
 710/04 e n.º 128/05, todos deste Tribunal Constitucional), veja-se o que, no 
 Acórdão n.º 210/06, se exarou a esse propósito, a página 8: “Mas, ainda em 
 relação àquelas, é legítimo concluir que, ou não está sequer colocada uma 
 questão de constitucionalidade normativa ou, como já se explicitou supra, não o 
 está nos termos claros e perceptíveis que é exigível. Com efeito, a violação de 
 normas constitucionais referida nas conclusões LXIII a LXV visa apenas 
 corroborar a tese de que as escutas são nulas. Acresce que o recorrente, em tais 
 conclusões, insiste em afirmar que o próprio preceito de direito 
 infraconstitucional cuja constitucionalidade pretende ver apreciada – o artigo 
 
 188º, nº 1 do Código de Processo Penal -, terá sido ele mesmo violado. Ora, como 
 se afirmou, nomeadamente, nos Acórdãos n.ºs 489/2004 e 710/2004 e, mais 
 recentemente, no Acórdão n.º128/2005 (todos disponíveis na página Internet do 
 Tribunal, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), “se se utiliza 
 uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito 
 legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios 
 constitucionais, tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é 
 imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao 
 ordenamento jurídico infra-constitucional que se tem por violado com essa 
 decisão, pois que se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse 
 ordenamento e [que] este é desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se 
 um preceito da lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais 
 acatá-lo, pelo que esgrimir com a violação desse preceito, representa uma óptica 
 de acordo com a qual ele se mostra consonante com a Constituição. Isto é, se se 
 sustenta que determinada postura é, simultaneamente, violadora de preceitos do 
 ordenamento jurídico infra-constitucional e de normas constitucionais só se pode 
 concluir que se está a questionar a própria decisão judicial e não a 
 constitucionalidade dos preceitos ordinários.” Mas, nesse caso, é jurisprudência 
 pacífica e sucessivamente reiterada que, não estando em causa uma dimensão 
 normativa do preceito legal aplicado na decisão, mas sim a própria decisão em si 
 mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta do disposto no artigo 
 
 280.º da Constituição e no artigo 70.º da Lei n.º 28/82, e assim tem sido 
 afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Na verdade, ainda 
 que se entenda que, suscitada uma concreta questão de inconstitucionalidade da 
 decisão judicial recorrida, não poderão as instâncias deixar de se pronunciar 
 sobre tal matéria, o facto é que uma tal suscitação, por não se tratar da 
 suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, não abre via de 
 recurso para o Tribunal Constitucional
 Assim sendo, seja porque se entende que não foi colocada uma questão de 
 constitucionalidade normativa, seja porque se conclui que não foi suscitada de 
 modo processualmente adequado a exacta questão de constitucionalidade da 
 interpretação normativa em causa, não pode o Tribunal conhecer do recurso nesta 
 parte”.
 IV. Conclusões
 Tendo em conta que a fundamentação que subjaz ao despacho recorrido se abriga na 
 violação de normas legais ordinárias, relativas à aplicação da lei no tempo 
 quanto aos requisitos da forma especial de Processo, há que concluir, assim, não 
 se estar perante uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, pelo 
 que não deve tomar-se conhecimento do recurso.»
 
  
 
 4. O recorrido não contra-alegou.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II − Fundamentação
 
  
 
 5. As questões que se colocam no presente recurso foram recentemente objecto de 
 apreciação, por parte desta 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, no Acórdão 
 n.º 162/2009, secundado pelo Acórdão n.º 163/2009 (disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 A fundamentação destes arestos, que o presente relator subscreveu e com a qual 
 concorda integralmente, é inteiramente transponível para o caso em apreço.
 
  
 
 5.1. No que respeita à questão prévia suscitada pelo recorrente, adere-se aqui à 
 conclusão a que chegou o citado Acórdão n.º 162/2009 no sentido da respectiva 
 improcedência, pois, como aí se conclui, «assume claramente natureza normativa o 
 critério decisório cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida com 
 fundamento em inconstitucionalidade. Trata‑se de um critério dotado de 
 generalidade e abstracção, susceptível de ser invocado perante uma 
 multiplicidade de casos: em todos os processos em que hajam decorrido mais de 90 
 dias sobre a dedução da acusação em processo abreviado, devem os autos ser 
 remetidos para processo comum, sob pena de, com a realização da audiência de 
 julgamento após esse prazo, se cometer nulidade insuprível.»
 Tal como no caso decidido no Acórdão n.º 162/2009, também no presente recurso, o 
 despacho recorrido manifesta a sua discordância com a interpretação e aplicação 
 de normas de direito ordinário, mas essa discordância alicerça-se, de forma 
 determinante, no entendimento de que tal interpretação, além de errónea, é 
 violadora de normas e princípios constitucionais, designadamente do princípio do 
 juiz natural.
 
             Termos em que, pelos mesmos fundamentos explanados no Acórdão n.º 
 
 162/2009, se conclui que a interpretação questionada tem carácter normativo, 
 nada mais obstando ao conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
 5.2. Quanto ao mérito do recurso, dão-se igualmente por reproduzidos os 
 fundamentos do Acórdão n.º 162/2009, integralmente aplicáveis ao caso em apreço, 
 no sentido da não inconstitucionalidade da interpretação normativa em apreço.
 Tais fundamentos podem sumariar-se da forma seguinte:
 i) O critério normativo que a decisão recorrida reputou inconstitucional não 
 viola o princípio do juiz natural; a determinação da competência do Tribunal 
 Criminal, em vez da competência que em princípio caberia ao Tribunal de Pequena 
 Instância Criminal, não implicou a criação de um tribunal ad hoc, nem a 
 manipulação arbitrária das regras processuais ou de repartição de competência 
 entre tribunais; ela derivou − e derivará sempre que se verifique a mesma 
 situação objectiva − do entendimento de que, decorridos 90 dias sobre a dedução 
 da acusação, não é mais possível a realização de julgamento em processo 
 abreviado, devendo os autos ser remetidos para o processo comum, resultando a 
 determinação do tribunal competente para o julgamento da imposição desta 
 alteração da forma de processo.
 ii) Este critério, em si mesmo objectivo, não viola nenhum dos valores, 
 designadamente de independência dos tribunais e de garantias de defesa do 
 arguido, que a consagração do princípio do juiz natural visou assegurar; a 
 alteração do foro competente para o julgamento foi consequência da aplicação das 
 regras gerais e abstractas definidoras da competência funcional dos diversos 
 tribunais criminais que integram a organização judiciária portuguesa, e não de 
 uma qualquer determinação discricionária de um tribunal para julgar este 
 processo, pelo que não se mostra violada a proibição contida no artigo 32.º, n.º 
 
 9, da Constituição.
 Pelo exposto − aderindo aos fundamentos desenvolvidos nos Acórdãos n.ºs 162/2009 
 e 163/2009, que apreciaram casos em tudo idênticos ao presente − não se julga 
 inconstitucional o critério normativo recusado pela decisão recorrida.
 
  
 III − Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se:
 a)                              Não julgar inconstitucional o critério 
 normativo, extraído dos artigos 119.º, alínea f), e 391.º D do Código de 
 Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, segundo a qual 
 a inviabilidade da realização do julgamento em processo abreviado no prazo de 90 
 dias a contar da dedução da acusação constitui uma nulidade insanável, 
 conducente à alteração da forma de processo abreviado para a forma de processo 
 comum, com a consequente remessa dos autos, para julgamento, do Tribunal de 
 Pequena Instância Criminal para o Tribunal Criminal.
 b)                             Consequentemente, ordenar a reformulação do 
 despacho recorrido em conformidade com o presente juízo de não 
 inconstitucionalidade.
 Sem custas
 Lisboa, 28 de Abril de 2009
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 João Cura Mariano
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos