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Processo n.º 191/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
             Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
             1. A.  reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro (LTC), do despacho de 13 de Janeiro de 2009, do Relator no 
 Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu recurso que interpôs para o 
 Tribunal Constitucional, dos acórdãos de 30 de Setembro de 2008 e de 2 de 
 Dezembro de 2008 daquele Supremo Tribunal [por lapso, o recorrente refere-se ao 
 
 último acórdão como “despacho”]. 
 
             O despacho reclamado considerou que o recurso não é admissível 
 porque o recorrente não suscitou, no recurso de revista, a inconstitucionalidade 
 de qualquer norma que tenha sido aplicada.
 
             As razões do recorrente para pedir a admissão do recurso de 
 constitucionalidade são, na petição da reclamação, assim condensadas:
 
  
 
 “(…)
 
 25º - Ou seja, Senhores Juízes do Tribunal Constitucional, o acórdão do STJ, que 
 pelo exposto é nulo, muito carece de fundamentação, aclaração, suprimento de 
 omissões, rectificação, entre outros vícios a rectificar e aclarar, o que foi 
 requerido 
 
 26º - Nos termos dos supracitados normativos 158º, 201º 666º, 667º, 668º nº 1 b) 
 e c), 669º, 716º, 749º, 824º, todos do CPC, bem como de todos os preceitos 
 legais violados, identificados em sede de recurso 
 
 27º - Indeferido tal, e interposto recurso para esse tribunal, tal recurso, mais 
 uma vez e como todas as restantes pretensões do reclamante, foi indeferido, nos 
 termos do despacho ora reclamado, carecendo tal despacho de fundamentação legal 
 e de facto 
 
 28º - É que, como já dito, a questão da constitucionalidade das normas legais 
 supra citadas e da sua interpretação bem como das constantes violações aos 
 princípios constitucionais, nomeadamente da igualdade e legalidade (13º e 20º 
 CRP), já haviam sido suscitadas ao longo de todos os autos, e nomeadamente nos 
 recursos interpostos, identificados no requerimento de recurso 
 
 29º - Pelo que, perante esse tribunal, se vem formular a presente reclamação, a 
 apreciar nos termos legais, mediante ponderação de todos os articulados, na 
 forma e no conteúdo, mencionados no recurso, bem como em todos os autos e 
 requerimentos pelo reclamante suscitados ao longo de todo o processo, onde tais 
 questões foram suscitadas.” 
 
  
 
  
 
             2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes 
 termos:
 
  
 
 “Como se intuía do requerimento de interposição do recurso e é amplamente 
 confirmado pela presente reclamação, o recurso interposto não tem como objecto 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou de ilegalidade 
 
 “qualificada”enquadrável nas competências de controlo normativo, atribuídas a 
 este Tribunal Constitucional, o que naturalmente dita a improcedência manifesta 
 da reclamação deduzida.”
 
  
 
  
 
             Ouvido, o reclamante reitera a reclamação, entendendo que o parecer 
 
 é nulo por não estar fundamentado.
 
  
 
             3. Para apreciação e decisão da reclamação relevam as ocorrências 
 processuais seguintes:
 
             a) Por sentença da 4.ª Vara Cível da Comarca do Porto, confirmada 
 por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, foi julgada extemporânea a 
 reclamação de créditos que o recorrente apresentara numa execução aí pendente, 
 invocando direito de retenção sobre uma das fracções penhoradas decorrente de um 
 contrato-promessa em que figura como promitente comprador.
 
             b) Por acórdão de 30 de Setembro de 2008, o Supremo Tribunal de 
 Justiça negou provimento a recurso interposto pelo ora reclamante do acórdão da 
 Relação, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
  
 
 “Vejamos: 
 Estabelece o art. 865º nº 1 do C.P.Civil (diploma de que serão as disposições a 
 referir sem menção de origem) que “só o credor que goze de garantia real sobre 
 bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos 
 créditos”. Acrescenta o nº 2 da disposição que ‘a reclamação terá por base um 
 título exequível e será deduzida no prazo de 15 dias a contar da citação do 
 reclamante..”. 
 Assenta o nº 1 desta disposição no pressuposto de o credor possuir garantia real 
 sobre os bens penhorados, o que não sucede no caso vertente, pois o próprio 
 reclamante aceita que não possui (ainda) esse título. 
 Por reconhecer não possuir garantia real sobre o bem penhorado, na reclamação o 
 ora recorrente, nos termos do art. 869º nº 1, requereu que a graduação de 
 créditos, referente ao imóvel em causa, aguardasse a obtenção do pertinente 
 título exequível. 
 Estabelece esta disposição que “o credor que não esteja munido de título 
 exequível pode requerer, dentro do prazo facultado para a reclamação de 
 créditos, que a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela 
 sua garantia, aguarde que o requerente obtenha na acção própria sentença 
 exequível’. 
 Como se vê este dispositivo faz depender a possibilidade de o credor requerer 
 que a graduação aguarde a possibilidade de obter, em acção própria, sentença 
 exequível, que o credor faça o requerimento nesse sentido, no prazo facultado 
 para a reclamação de créditos. 
 E qual é esse prazo? 
 A resposta à questão é-nos dada pelos arts. 864º nº 1 e 865º nº 2. 
 Nos termos do art. 864º nº1, “feita a penhora e junta a certidões dos direitos, 
 
 ónus ou encargos inscritos, quando for necessária, são citados para a execução. 
 
 “b) os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados 
 d) os credores desconhecidos”. 
 Acrescenta o nº 2 da disposição que “... os credores desconhecidos... são 
 citados por éditos de 20 dias”. 
 Por sua vez o nº 2 do art. 865° estabelece, como já vimos que “a reclamação.., e 
 será deduzida no prazo de 15 dias a contar da citação do reclamante...”. 
 Dado que o reclamante, como vimos, não tinha qualquer título que permitisse ser 
 inserido na rubrica dos «credores com garantia real» (daí não ter sido citado), 
 o mesmo teria de se considerar como incluído na indicação de «credores 
 desconhecidos». Consequentemente deveria requerer que a graduação aguardasse a 
 possibilidade de obter, em acção própria, sentença exequível, no prazo de 15 
 dias (art. 865º nº 2) a contar da citação edital (com éditos de 20 dias)
 Ora demonstrando-se que a reclamação só foi efectuado cerca de dois anos depois 
 da citação edital, é evidente que a mesma foi intempestiva. 
 
  
 
             c) O reclamante pediu a aclaração e rectificação desse acórdão, o 
 que foi indeferido pelo acórdão de 2 de Dezembro de 2008.
 
             d) O reclamante interpôs recurso desse acórdão, mediante 
 requerimento do seguinte teor:
 
  
 
  
 
 “(…)
 O recurso tem por fundamento o disposto no artº 70º nº 1 b) e f), 72º nº 1 b) e 
 nº 2, 75º-A nº 1, 2, 3, da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
 Tem por base a inconstitucionalidade das normas e da interpretação por elas 
 feitas pelos tribunais de primeira instância do Porto (varas Cíveis), da relação 
 do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça nomeadamente quanto aos artigos 201º, 
 
 865º, 869º do CPC, 755º e 759º, 824º, 888º do CC normas e interpretação delas em 
 oposição à jurisprudência do Tribunal Constitucional, bem como do princípio da 
 igualdade e da legalidade.
 Tais questões foram já suscitadas nas alegações no Tribunal da Relação, Supremo 
 Tribunal de Justiça e Pedido de aclaração rectificação do mesmo acórdão, todos 
 de fls., cuja apreciação aí foi omitida.”
 
  
 e) O recurso não foi admitido, por despacho de 13 de Janeiro de 2009, do 
 seguinte teor [despacho reclamado]:
 
  
 
 “Não se vê que o recorrente tenha levantado no processo, e especialmente no 
 recurso de revista para este Supremo Tribunal, a inconstitucionalidade de 
 qualquer norma aplicada.
 Por isso, nos termos do artº 70.º n.º 1 al. b) da Lei nº 28/82, de 16/11, não se 
 admite o recurso para o Tribunal Constitucional.
 T. de justiça pelo incidente: mínima.”
 
  
 
  
 
             4. O recurso de constitucionalidade foi interposto com invocação das 
 alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Não foi admitido por não ter 
 sido suscitada durante o processo qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa. Cumpre, agora, decidir definitivamente se o recurso de 
 constitucionalidade é ou não admissível (n.º 4 do artigo 77.º da LTC). E é só 
 isso que compete agora apreciar, sendo matéria exorbitante da competência do 
 Tribunal e não pertinente ao objecto possível da reclamação tudo quanto o 
 reclamante refere sobre os vícios do acórdão que decidiu a revista.
 
  
 
             4.1. Desde logo, é manifesto que o recurso não poderia ser admitido 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, porquanto nunca no processo, e 
 designadamente no recurso de revista, se colocou a questão de ilegalidade de 
 qualquer norma por violação de lei com valor reforçado ou do estatuto de uma 
 região autónoma, nem se fez aplicação de norma constante de diploma regional. A 
 motivação da reclamação é inteiramente omissa quanto às razões do reclamante 
 para invocar tal fundamento do recurso, que é absolutamente carecido de 
 adequação ou pertinência relativamente às questões discutidas no processo, pelo 
 que nada mais se justifica dizer a este propósito.
 
  
 
             4.2. Só pode recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a parte que haja suscitado a questão de 
 constitucionalidade que quer ver apreciada, perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do 
 artigo 72.º da LTC). 
 
             Ora, é inteiramente exacto o que a este respeito se diz no despacho 
 reclamado: o recorrente não invocou no recurso de revista a 
 inconstitucionalidade de qualquer norma. Limitou-se a sustentar que a sentença 
 de 1.ª instância e o acórdão da Relação violara, “entre outros, os artigos 
 
 201.º, 865.º, 869.º do CPC, 755.º e 759.º do CC”, sem qualquer imputação de 
 desconformidade destas normas com regras ou preceitos constitucionais (vid. 
 alegações de fls. 566 e segs.).
 
             
 
             É certo que, no requerimento em que pede a aclaração e rectificação 
 do acórdão que julgou a revista, o recorrente refere que esse acórdão decidiu 
 
 “[e]m oposição aos normativos legais invocados, seu [sem?] fundamento e em 
 violação, inclusive dos direitos liberdades e garantias deste, 
 constitucionalmente garantidos”, “[p]elo que, do mesmo modo, ainda assim, a 
 interpretação dada aos preceitos legais e a aplicação que eles se faz é ilegal e 
 inconstitucional” (vid. fls 666 e segs.).
 
             Porém, é manifesto que estas afirmações não são idóneas, em razão do 
 tempo ou fase processual e em razão do modo, para que se considere cumprido o 
 referido ónus de suscitação da questão de constitucionalidade. 
 Efectivamente, como é jurisprudência constante, salvo situações excepcionais ou 
 anómalas em que o interessado não tenha disposto de oportunidade de suscitar a 
 questão em momento anterior, os incidentes post-decisórios não são já momento 
 processual idóneo para colocar a questão de constitucionalidade relativamente a 
 matéria relativamente à qual o poder jurisdicional se esgotou com a decisão 
 
 (cf., entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário da República II 
 Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33.º vol., 
 p. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República II Série, de 13 de Julho de 
 
 2000, BMJ 499.º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47.º vol., p.713; 
 n.º 674/99, publicado no Diário da República II Série, de 25 de Fevereiro de 
 
 2000, BMJ 492.º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45.º vol., p. 
 
 559; n.º 155/00, publicado no Diário da República II Série, de 9 de Outubro de 
 
 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46.º vol., p. 821).
 E nunca seriam modo adequado de colocar uma questão de constitucionalidade 
 normativa, em termos de obrigar o tribunal a dela conhecer, imputações de 
 
 “inconstitucionalidade” e “violação de direitos, liberdades e garantias”, sem um 
 mínimo de argumentação destinada a convencer da desconformidade de uma norma 
 determinada com um parâmetro constitucional identificado.
 
  
 
             Tanto basta, sem necessidade de examinar outros fundamentos 
 concorrentes para a não admissão do recurso, designadamente a falta de indicação 
 de objecto idóneo, para confirmar o despacho reclamado e indeferir a reclamação.
 
  
 
  
 
 5. Decisão
 
             
 Termos em que se decide indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas 
 custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs, sem prejuízo do benefício 
 de apoio judiciário.
 
 
 Lisboa, 22/4/2009
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão