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Processo nº 949/08
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Vila do Conde, em que é 
 recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da 
 decisão daquele Tribunal de 28 de Outubro de 2008.
 
  
 
 2. O Tribunal da Comarca de Vila do Conde admitiu o recurso de revisão 
 interposto pelo recorrido da sentença proferida em 21 de Setembro de 2000, pela 
 qual se declarou que a menor B. era sua filha, recusando a aplicação do nº 2 do 
 artigo 772º do Código de Processo Civil.
 A decisão recorrida tem o seguinte teor:
 
  
 
 «Pelos presentes autos vem A. instaurar recurso de revisão da sentença proferida 
 a 21 de Setembro de 2000 nos autos a que estes estão apensos, na qual se 
 declarou que a menor B. era sua filha.
 Para tal vem arguir a nulidade de sua citação, invocando o disposto no art. 
 
 771º, al. e) do Código de Processo Civil, alegando que foi sua mãe quem recebeu 
 a carta de citação remetida, mas que nunca lha entregou, nem poderia fazer, já 
 que desconhecia seu paradeiro.
 Mais alegou que só em 4/7/2008 tomou conhecimento da existência da presente 
 acção e do teor da sentença nela proferida.
 No âmbito da tempestividade da instauração do presente recurso de revisão, 
 invoca o recorrente a inconstitucionalidade da aplicação, no presente caso, do 
 prazo máximo de 5 anos para a instauração do recurso de revisão, contados do 
 trânsito da sentença, previsto no n.º 2 do artº 772º do Código de Processo 
 Civil, com fundamento na violação da “proibição da indefesa”.
 Invoca a seu favor uma decisão proferida nesse sentido pelo Tribunal 
 Constitucional - acórdão n.º 209/2004, de 12 de Maio de 2004. 
 Do teor de tal acórdão (publicado no sitio do referido Tribunal: 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), resulta que a questão de constitucionalidade que 
 aí foi apreciada formulava-se nos seguintes termos: “é a norma contida no n.-° 2 
 do artigo 772º do Códigos de Processo Civil inconstitucional, na parte em que 
 prevê um prazo absolutamente peremptório de cinco anos para a interposição do 
 recurso de revisão, contados desde o trânsito em julgado da sentença a rever, 
 quando interpretada no sentido de ser aplicável aos casos em que a acção na qual 
 foi proferida a decisão cuja revisão é requerida foi uma acção oficiosa de 
 investigação de paternidade, que correu à revelia e seja alegado, para 
 fundamentar o pedido de revisão, a falta ou a nulidade da citação para aquela 
 acção? 
 Ora, os contornos balizadores da questão apreciada no referido aresto têm total 
 identidade com a questão suscitada pelo recorrente nestes autos: foi excedido o 
 prazo de 5 anos para a instauração do presente recurso, a acção na qual foi 
 proferida a decisão cuja revisão se pretende é uma acção oficiosa de 
 investigação da paternidade e o fundamento do presente pedido é a nulidade da 
 citação para essa acção.
 Nesse acórdão entendeu-se que a aplicação desse prazo peremptório de 5 anos para 
 a instauração de recurso de revisão, nos casos em que o fundamento é a falta ou 
 nulidade da citação na acção onde foi proferida a decisão recorrida, viola o 
 princípio do contraditório, onde se integra a referida proibição da indefesa, 
 constitucionalmente protegido, já que “semelhante interpretação normativa retira 
 por completo ao interessado a possibilidade de invocar sequer perante o tribunal 
 a invalidade do acto (citação edital) que, segundo ele, o impediu de apresentar 
 qualquer tipo de defesa, conduzindo a que seja inapelavelmente confrontado com 
 uma decisão judicial cujos fundamentos de facto e de direito não teve - nem tem 
 
 -, por razão que alega não lhe ser imputável e fica impossibilitado de provar, 
 qualquer oportunidade de contraditar”
 Nessa superior decisão é também ponderado o instituto do caso julgado. No 
 entanto, conclui que “tendo em atenção os valores em presença, que uma tal 
 solução normativa é absolutamente inaceitável, consubstanciando uma cedência 
 manifestamente desproporcionada às exigências de certeza e segurança jurídica 
 que estão na base da solução subjacente ao disposto no artigo 772º, n.° 2, do 
 CPC, se for aplicável a casos em que está em causa, como acontece nos presentes 
 autos, a revisão de uma decisão proferida em acção oficiosa de investigação da 
 paternidade”.
 O referido Tribunal Constitucional pronunciou-se, noutro aresto, no acórdão nº 
 
 310/05, publicado no mesmo sítio, pela constitucionalidade do limite temporal em 
 causa para a instauração de um recurso de revisão, quando o fundamento era a 
 falta ou nulidade de citação, mas numa situação em que a decisão recorrida era 
 uma sentença homologatória de partilha para separação de meações. Como resulta 
 claramente de seu teor, os valores aí em causa seriam substancialmente 
 diferentes dos apreciados no citado acórdão n.º 209/2004, já que estavam apenas 
 em causa valores patrimoniais, tendo sido, então, conc1uído que o 
 estabelecimento de um prazo máximo de 5 anos para a instauração de recurso de 
 revisão constituía “uma solução de equilíbrio entre interesses contraditórios, 
 todos eles relevantes de um ponto de vista constitucional”.
 Perante todo o exposto, aderindo aos fundamentos expressos no citado acórdão n.º 
 
 209/2004, declara este tribunal inconstitucional a aplicação nos presentes autos 
 do prazo de caducidade de 5 anos previsto no n.º 2 do art. 772º do Código de 
 Processo Civil.
 Pelo exposto, reunidos os legais pressupostos, admito o presente recurso de 
 revisão.
 
  
 
  
 
 3. Convidado a precisar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o 
 Tribunal aprecie, o Ministério Público respondeu o seguinte:
 
  
 
 «O presente recurso, fundado na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, 
 tem como objecto a norma contida no nº 2 do artigo 772º do Código de Processo 
 Civil, na parte em que prevê um prazo absolutamente peremptório de 5 anos para a 
 interposição do recurso de revisão, contados desde o trânsito em julgado da 
 sentença a rever, quando interpretada no sentido de ser aplicável aos casos em 
 que a acção na qual foi proferida a decisão cuja revisão é requerida for uma 
 acção oficiosa de investigação de paternidade, intentada pelo Ministério 
 Público, que correu à revelia, e seja alegado, como fundamento do pedido de 
 revisão, a falta ou a nulidade da citação para tal causa».
 
  
 
 4. Notificado para alegar, o Ministério Público concluiu que:
 
  
 
 «1º
 
 É inconstitucional, por violação do princípio do contraditório, a norma contida 
 no nº 2 do artigo 772º do Código do Processo Civil, na parte em que prevê um 
 prazo absolutamente peremptório de 5 anos para a interposição do recurso de 
 revisão, contados desde o trânsito em julgado da sentença a rever, quando 
 interpretada no sentido de ser aplicável aos casos em que a acção na qual foi 
 proferida a decisão a rever, foi uma acção oficiosa da investigação de 
 paternidade, que correu à revelia, e seja alegado, para fundamentar o pedido de 
 revisão, a falta ou nulidade da citação para aquela acção.
 
 2º
 Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida».
 
  
 
 5. Notificado das alegações do recorrente, o recorrido não respondeu.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. A norma que é objecto do presente recurso é a contida no nº 2 do artigo 772º 
 do Código de Processo Civil, na parte em que prevê um prazo absolutamente 
 peremptório de cinco anos para a interposição do recurso de revisão, contados 
 desde o trânsito em julgado da sentença a rever, quando interpretada no sentido 
 de ser aplicável aos casos em que a acção na qual foi proferida a decisão cuja 
 revisão é requerida foi uma acção oficiosa de investigação de paternidade, que 
 correu à revelia e seja alegado, para fundamentar o pedido de revisão, a falta 
 ou a nulidade da citação para aquela acção.
 O artigo 772º, nº 2, do Código de Processo Civil tem a seguinte redacção: 
 
  
 
 «O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre 
 o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias 
 contados, contados:
 a) (…);
 b) (…)».
 
  
 O Tribunal da Comarca de Vila do Conde recusou a aplicação daquela norma, com 
 fundamento na violação do princípio do contraditório, em que se integra a 
 proibição da indefesa, aderindo expressamente à fundamentação do Acórdão do 
 Tribunal Constitucional nº 209/2004 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 
  
 
 2. Com efeito, este Tribunal já apreciou a norma que é objecto do presente 
 recurso, julgando-a inconstitucional, por violação do princípio do 
 contraditório, em que se integra a proibição da indefesa, ínsito nos artigos 2º 
 e 20º da Constituição, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
 «O Tribunal Constitucional já afirmou, por inúmeras vezes, a consagração 
 constitucional do princípio do contraditório no âmbito do Processo Civil, 
 princípio que o Tribunal considera derivar do princípio do Estado de Direito e 
 da garantia de acesso à justiça e aos tribunais, consagrados, respectivamente, 
 nos artigos 2º e 20º da Constituição (cfr., a título meramente exemplificativo, 
 os Acórdãos nºs 249/97, 259/00, publicados no Diário da República, II Série, de 
 
 17 de Maio de 1997, de 7 de Novembro de 2000, respectivamente, ou, mais 
 recentemente, o Acórdão n.º 131/02, de 4 de Maio de 2002).
 Sobre o sentido e alcance do princípio do contraditório no âmbito do Processo 
 Civil ponderou o Tribunal, no já citado Acórdão n.º 259/00, que cita o essencial 
 da anterior jurisprudência sobre a matéria:
 
 “(...) 4.2. O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma 
 solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com 
 observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, 
 designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos 
 de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer 
 as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o 
 resultado de umas e outras [cf. o acórdão n.º 86/88 (publicado nos Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, volume 11º, páginas 741 e seguintes)].
 
 É que – sublinhou-se no acórdão n.º 358/98 (publicado no Diário da República, II 
 série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no acórdão n.º 
 
 249/97 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Maio de 1997) – o 
 processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem de ser um 
 processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder 
 expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este 
 tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em 
 condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do 
 contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no 
 artigo 20º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que 'a todos é assegurado o 
 acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente 
 protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios 
 económicos'.
 A ideia de que, no Estado de Direito, a resolução judicial dos litígios tem que 
 fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o 
 Tribunal a tinha posto em relevo no acórdão n.º 404/87 (publicado nos Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, volume 10º, páginas 391 e seguintes). E, no acórdão 
 n.º 62/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 18º, 
 páginas 153 e seguintes) - depois de se sublinhar que o princípio da igualdade 
 das partes e o princípio do contraditório 'possuem dignidade constitucional, por 
 derivarem, em última instância, do princípio do Estado de Direito' - 
 acrescentou-se que, por outro lado, esses princípios constituem 'directas 
 emanações do princípio da igualdade'.
 
 [...]
 Tal como se sublinhou no citado acórdão n.º 1193/96, a ideia de processo 
 equitativo e leal (due process of law) exige, não apenas um juiz independente e 
 imparcial – um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio, 
 e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos 
 ditames da sua consciência – como também que as partes sejam colocadas em 
 perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas 
 possibilidades de obter justiça. Criando-se uma situação de 'indefensão', a 
 sentença só por acaso será justa. [...]”
 
  
 Também Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3ª Ed., pp. 163 e 164), assinalam, em sentido fundamentalmente 
 coincidente, que, no âmbito normativo do artigo 20º da Constituição, deve 
 integrar-se ainda “a proibição da indefesa, que consiste na privação ou 
 limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto 
 dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à 
 tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista de limitação do direito de 
 defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais 
 ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular 
 exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus 
 interesses”.
 Ora, definido assim o conteúdo essencial do princípio do contraditório, em que 
 se integra obviamente a proibição da indefesa (cfr., sobre o tema, o Acórdão n.º 
 
 440/94, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Setembro de 1994), 
 tem necessariamente de concluir-se que a solução normativa consagrada no artigo 
 
 772º, n.º2, 1ª parte, do CPC, quando aplicável aos casos em que, tendo corrido à 
 revelia a acção em que foi proferida a decisão cuja revisão é requerida, seja 
 alegado, como fundamento da revisão, precisamente, a falta ou nulidade da 
 citação para aquela acção, é efectivamente inconstitucional, por ofensa daquele 
 princípio.
 Com efeito, semelhante interpretação normativa retira por completo ao 
 interessado a possibilidade de invocar sequer perante o tribunal a invalidade do 
 acto (citação edital) que, segundo ele, o impediu de apresentar qualquer tipo de 
 defesa, conduzindo a que seja inapelavelmente confrontado com uma decisão 
 judicial cujos fundamentos de facto e de direito não teve - nem tem -, por razão 
 que alega não lhe ser imputável e fica impossibilitado de provar, qualquer 
 oportunidade de contraditar.
 
 É certo, e não se ignora, que o instituto do caso julgado e o estabelecimento de 
 um prazo para a possibilidade de interposição do recurso extraordinário de 
 revisão visam garantir um mínimo de certeza, segurança e estabilidade nas 
 relações jurídicas, valores também eles constitucionalmente tutelados. A 
 verdade, porém, é que a prossecução desses interesses não pode conseguir-se, 
 como aconteceria se prevalecesse a solução normativa que vem questionada, à 
 custa do cerceamento absoluto de qualquer possibilidade de questionar (ainda que 
 num momento posterior, como aconteceria se fosse admitido o recurso de revisão) 
 sequer a validade do acto (citação edital) que visava, precisamente, 
 permitir-lhe contraditar os fundamentos de facto e de direito de uma acção que, 
 afectando direitos fundamentais, viria a ter uma decisão que lhe foi 
 desfavorável.
 Repare-se que, no limite, a solução normativa que vem questionada, a prevalecer, 
 poderia conduzir a que qualquer pessoa pudesse ser definitiva e 
 irremediavelmente afectada num seu direito fundamental por decisão judicial 
 proferida em acção para a qual não foi sequer citada.
 
 9. Aqui chegados, ainda que alguma dúvida subsistisse sobre a 
 inconstitucionalidade da interpretação normativa em causa por força deste 
 fundamento geral, sempre seria de considerar, tendo em atenção os valores em 
 presença, que uma tal solução normativa é absolutamente inaceitável, 
 consubstanciando uma cedência manifestamente desproporcionada às exigências de 
 certeza e segurança jurídica que estão na base da solução subjacente ao disposto 
 no artigo 772º, n.º 2, do CPC, se for aplicável a casos em que está em causa, 
 como acontece nos presentes autos, a revisão de uma decisão proferida em acção 
 oficiosa de investigação da paternidade».
 
  
 Reiterando este entendimento, há que concluir que norma contida no nº 2 do 
 artigo 772º do Código de Processo Civil, na parte em que prevê um prazo 
 absolutamente peremptório de cinco anos para a interposição do recurso de 
 revisão, contados desde o trânsito em julgado da sentença a rever, quando 
 interpretada no sentido de ser aplicável aos casos em que a acção na qual foi 
 proferida a decisão cuja revisão é requerida foi uma acção oficiosa de 
 investigação de paternidade, que correu à revelia e seja alegado, para 
 fundamentar o pedido de revisão, a falta ou a nulidade da citação para aquela 
 acção, é inconstitucional por violação do princípio do contraditório, em que se 
 integra a proibição da indefesa, ínsito nos artigos 2º e 20º da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
  
 III. Decisão
 Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida no que diz respeito ao juízo de inconstitucionalidade.
 Sem custas.
 
  
 Lisboa, 29 de Abril de 2009
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Rui Manuel Moura Ramos