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Processo n.º 513/07
 Plenário
 Relator: Carlos Fernandes Cadilha 
 
  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
  
 
  
 
 1. O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio 
 requerer, ao abrigo do disposto no artigo 281º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, 
 alínea g), da Constituição da República Portuguesa (CRP), a declaração de 
 ilegalidade com força obrigatória geral das normas contidas nos artigos 2.º, 
 
 3.º, 7.º, n.º 5, 19.º, n.º 1, 35.º, 36.º, 37.º n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, 
 
 57.º, 62.º, n.º 1, e 66.º da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro, que 
 aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas. 
 
  
 O teor das normas questionadas é o seguinte:
 
  
 
  
 Artigo 2º
 
 Âmbito
 
  
 Para efeitos do disposto no artigo anterior, a presente lei abrange as matérias 
 relativas às receitas regionais, ao poder tributário próprio das Regiões 
 Autónomas, à adaptação do sistema fiscal nacional, às relações financeiras entre 
 as Regiões Autónomas e as autarquias locais sediadas nas Regiões Autónomas, bem 
 como ao património regional. 
 
  
 
  
 Artigo 3º
 Princípios
 
  
 A autonomia financeira das Regiões Autónomas desenvolve-se no respeito pelos 
 seguintes princípios: 
 a) Princípio da legalidade; 
 b) Princípio da estabilidade das relações financeiras; 
 c) Princípio da estabilidade orçamental; 
 d) Princípio da solidariedade nacional; 
 e) Princípio da coordenação; 
 f) Princípio da transparência; 
 g) Princípio do controlo. 
 
   
 
  
 Artigo 7º
 Princípio da solidariedade nacional
 
 1 – (...) 
 
 2 – (...) 
 
 3 – (...) 
 
 4 – (...) 
 
 5 – A solidariedade nacional para com as Regiões Autónomas traduz-se nas 
 transferências do Orçamento do Estado previstas nos artigos 37.º e 38.º
 
 6 – (...) 
 
   
 
  
 Artigo 19º
 Imposto sobre o valor acrescentado
 
  
 
 1 – Constitui receita de cada circunscrição o imposto sobre o valor acrescentado 
 cobrado pelas operações nela realizadas, de acordo com os critérios definidos 
 nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 347/85, 23 de Agosto. 
 
 2 – (...) 
 
  
 
 [Anote-se que, nos termos da alínea b), do artº 14º da Lei Orgânica nº 1/2007 é 
 considerada circunscrição o território do continente ou de uma região autónoma, 
 consoante o caso] 
 
   
 
  
 Artigo 35º
 Garantia do Estado
 
  
 Sem prejuízo das situações legalmente previstas, os empréstimos a emitir pelas 
 Regiões Autónomas não podem beneficiar de garantia pessoal do Estado. 
 
   
 
  
 Artigo 36º
 Proibição da assunção de compromissos das Regiões
 Autónomas pelo Estado
 
  
 Sem prejuízo das situações legalmente previstas, o Estado não pode assumir 
 responsabilidade pelas obrigações das Regiões Autónomas nem assumir os 
 compromissos que decorram dessas obrigações. 
 
  
 
  
 Artigo 37º
 Transferências orçamentais
 
  
 
 1 – (...) 
 
 2 – O montante anual das verbas a inscrever no Orçamento do Estado para o ano t 
 
 é igual às verbas inscritas no Orçamento do Estado para o ano t-1 actualizadas 
 de acordo com a taxa de actualização definida nos termos dos números seguintes. 
 
 3 – A taxa de actualização é igual à taxa de variação, no ano t-2, da despesa 
 corrente do Estado, excluindo a transferência do Estado para a segurança social 
 e a contribuição do Estado para a Caixa Geral de Aposentações, de acordo com a 
 Conta Geral do Estado. 
 
 4 – No caso de a taxa de variação definida no número anterior exceder a 
 estimativa do Instituto Nacional de Estatística da taxa de variação, no ano t-2, 
 do PIB a preços de mercado correntes, a taxa de actualização referida no n.º 2 
 será a estimativa do Instituto Nacional de Estatística da taxa de variação, no 
 ano t-2, do PIB a preços de mercado correntes. 
 
 5 – No ano de entrada em vigor da presente lei, o montante das verbas a 
 inscrever no Orçamento do Estado para o ano t é igual ao montante inscrito no 
 ano t-1 multiplicado pelo factor 1,5. 
 
 6 – A repartição deste montante pelas Regiões Autónomas, que tem em conta as 
 respectivas características estruturais e inclui um factor fixo relativo ao 
 impacto sobre a receita do imposto sobre o valor acrescentado decorrente da 
 aplicação do n.º 1 do artigo 19.º, é feita de acordo com a seguinte fórmula: 
 
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       +
 
       +
 
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       -
 
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       ,
 
       0
 
       05
 
       ,
 
       0
 
       15
 
       ,
 
       0
 
       14
 
       14
 
       05
 
       ,
 
       0
 
       65
 
       65
 
       05
 
       .
 
       0
 
       365
 
       .
 
       0
 
       ,
 
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       ,
 
       2
 
       ,
 
       2
 
       ,
 
       2
 
       .
 
       2
 
       ,
 
       2
 
       ,
 
       2
 
       ,
 
       ,
 
       ,
 sendo: 
 i = 0,27 e i = 0,73 ponderadores correspondentes, respectivamente, à Região 
 Autónoma da Madeira e à Região Autónoma dos Açores;
 TR,t = transferência orçamental para a Região Autónoma no ano t;
 TRA,t = transferência orçamental para as Regiões Autónomas no ano t, calculado 
 de acordo com o disposto no n.º 2 deste artigo;
 PR,t-2 = população da Região Autónoma no ano t-2 segundo os últimos dados 
 divulgados pelo INE à data do cálculo; 
 PRA,t-2 = soma da população das Regiões Autónomas no ano t-2; 
 P65R,t-2 = população da Região Autónoma no ano t-2 com 65 ou mais anos de idade 
 segundo os últimos dados divulgados pelo INE à data do cálculo; 
 P65RA,t-2 = soma da população das Região Autónomas com 65 ou mais anos de idade 
 no ano t-2; 
 P14R,t-2 = população da Região Autónoma no ano t-2 com 14 ou menos anos de 
 idade, segundo os últimos dados divulgados pelo INE à data do cálculo; 
 P14RA,t-2 = soma da população das Regiões Autónomas no ano t-2 com 14 ou menos 
 anos de idade; 
 IURA = soma dos índices de ultraperiferia;
 DLR = menor distância entre a Região Autónoma e o continente português;
 DLRA = soma das menores distâncias entre cada uma das Regiões Autónomas e o 
 continente português;
 n.º ilhas R = número de ilhas com população residente na Região Autónoma; 
 n.º ilhas RA = número total de ilhas com população residente nas Regiões 
 Autónomas; 
 EFR,t-4 = rácio entre receitas fiscais da Região Autónoma e Produto Interno 
 Bruto a preços de mercado, preços correntes, no ano t-4;
 EFRA,t-4 = soma dos indicadores de esforço fiscal;
 
 7 – As transferências do Orçamento do Estado processam-se em prestações 
 trimestrais, a efectuar nos cinco primeiros dias de cada trimestre. 
 
  
 
  
 Artigo 38.º
 Fundo de Coesão para as regiões ultraperiféricas
 
  
 
 1 – (...) 
 
 2 – O Fundo de Coesão dispõe em cada ano de verbas do Orçamento do Estado, a 
 transferir para os Orçamentos Regionais, para financiar os programas e projectos 
 de investimento, previamente identificados, que preencham os requisitos do 
 número anterior e é igual a uma percentagem das transferências orçamentais para 
 cada Região Autónoma definidas nos termos do artigo anterior. 
 
 3 – A percentagem a que se refere o número anterior é: 
 
  
 
  
 
  
 
                       PIBPCR t-4
 
 20% quando ───────  < 0,90
 
                       PIBPCN t-4
 
  
 
                                                        PIBPCR t-4
 
 12,5% quando 0,090 ≤ ─────── <0,95
 
                                          PIBPCR t-4
 
  
 
                                       PIBPCR t-4
 
 5% quando 0,95 ≤ ─────── < 1
 
                                PIBPCR t-4
 
  
 
                              PIBPCR t-4
 
 0% quando   ─────── ≥ 1
 
                      PIBPCR t-4
 sendo: 
 
  
 PIBPCR t-4 = produto Interno Bruto a preços de mercado correntes per capita na 
 Região Autónoma no ano t-4; 
 PIBPCNt-4 = produto Interno Bruto a preços de mercado correntes per capita em 
 Portugal no ano t-4. 
 
  
 
  
 Artigo 57.º
 Remissão
 
  
 As Regiões Autónomas dispõem de património próprio e autonomia patrimonial, nos 
 termos da Constituição, dos Estatutos Político‑Administrativos e da legislação 
 aplicável. 
 
  
 
  
 Artigo 62.º
 Transferência das atribuições e competências para as Regiões Autónomas
 
  
 
 1 – As atribuições e as competências necessárias ao exercício do poder 
 tributário conferido às Regiões Autónomas, nos casos em que estas considerem que 
 a descentralização permite corresponder melhor aos interesses das respectivas 
 populações e se efectue a regionalização de serviços do Estado e correspondentes 
 funções, são definidas por decreto‑lei. 
 
 2 – (…) 
 
 3 – (...) 
 
  
 Artigo 66º
 Entrada em vigor
 
  
 A presente lei entra em vigor em 1 de Janeiro de 2007. 
 
  
 O Requerente fundamenta o pedido no valor supra-legislativo dos Estatutos 
 Político-Administrativos da Regiões Autónomas e no carácter de subordinação da 
 Lei das Finanças das Regiões Autónomas a esses Estatutos, imputando às referidas 
 disposições, por via disso, diversas ilegalidades violadoras de direitos das 
 regiões autónomas neles consagrados.
 
  
 Alega, em síntese, o seguinte.
 
  
 Os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas são leis de valor 
 reforçado que estão subordinados à Constituição, mas prevalecem sobre todos os 
 outros tipos de leis e actos normativos.
 
  
 Embora a Assembleia da República disponha de exclusiva competência legislativa 
 para aprovar os Estatutos, a iniciativa legislativa pertence às Assembleias 
 Legislativas Regionais e a Assembleia da República só pode alterar ou rejeitar 
 definitivamente as propostas de Estatuto após parecer dos órgãos legislativos 
 regionais.
 
  
 A Constituição atribui superioridade aos Estatutos mesmo em face das restantes 
 leis de valor reforçado, como resulta do disposto nos artigos 280.º, n.º 2, 
 alínea c), e 281, n.º 1, alínea d), e esse princípio tem sido reconhecido pela 
 doutrina (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, p. 847), Jorge Miranda/Rui Medeiros, 
 Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, Lisboa, 2006, p. 270), e Paulo Otero, 
 O poder de substituição, vol. II, Lisboa 1995, p. 705), e, também, pelo Tribunal 
 Constitucional, nomeadamente no recente Acórdão n.º 11/2007.  
 Os Estatutos prevalecem, pois, sobre todas as leis de valor reforçado, incluindo 
 a Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e possuem valor supra-legislativo, 
 pelo que nenhum outro diploma pode contrariar as suas disposições específicas. 
 
  
 Por outro lado, as normas e princípios que definem a autonomia financeira 
 regional integram, por imperativo constitucional, matéria do respectivo 
 Estatuto, e fazem mesmo parte do seu núcleo fundamental, como decorre do 
 disposto no artigo 227.º, n.º 1, alíneas i) e j), da Constituição. 
 
  
 A norma do artigo 229.º, n.º 3, da Constituição, ao estatuir que as relações 
 financeiras entre a República e as regiões autónomas são reguladas através da 
 lei da Assembleia da República, tem de ser interpretada em conjugação com a do 
 artigo 227.º, n.º 1, alínea j), significando que o legislador deverá observar as 
 normas relativas à autonomia financeira das regiões autónomas.
 
  
 Em matéria de finanças das regiões autónomas, é assim necessário ter em conta a 
 aplicação coordenada de três instrumentos legislativos que se encontram situados 
 numa ordem hierárquica: a Constituição, o Estatuto Político-Administrativo e a 
 Lei das Finanças das Regiões Autónomas. 
 
  
 De onde resulta que esta lei está subordinada ao Estatuto 
 Político-Administrativo, que, por sua vez, está subordinado à Constituição.  
 
  
 E, assim, diversas normas da Lei de Finanças das Regiões Autónomas e, 
 especificadamente, as constantes dos artigos 3.º, 7.º, n.º 5, 35.º e 37.º n.°s 2 
 a 7, padecem de ilegalidade por violação dos estatutos regionais.
 
  
 O artigo 3.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, ao enunciar os 
 princípios definidores da autonomia financeira das regiões, não consagra o 
 princípio pelo qual devam ser garantidos aos órgãos de governo próprios da 
 Região «os meios necessários à prossecução das suas atribuições, bem como a 
 disponibilidade dos instrumentos adequados à promoção do desenvolvimento 
 económico e social e do bem estar e da qualidade de vida das populações», e, 
 nessa medida, está em contrariedade com o disposto nos artigos 97.º, n.º 2, do 
 Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA) e 105.º, 
 n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira 
 
 (EPARAM). 
 
  
 O artigo 7.º, n.º 5, da mesma Lei, ao concretizar o princípio da solidariedade, 
 remete para a fórmula de cálculo prevista nos n.os 2 a 7 do artigo 37.º, que, na 
 prática, implica uma diminuição das verbas a transferir por via do Orçamento de 
 Estado para as regiões autónomas, minimizando a obrigação do Estado em suportar 
 os custos das desigualdades derivadas da insularidade, e entrando em contradição 
 com o disposto nos artigos 99.º do EPARAA e 103.º, n.º 1, do EPARAM. 
 
  
 O artigo 37.º, n.ºs 2 a 7, da Lei, ao adoptar a referida fórmula de cálculo de 
 transferências orçamentais, contradiz, abertamente, o artigo 118.º, n.º 2, do 
 EPARAM, que contém uma cláusula de não retrocesso como forma de garantia da 
 autonomia financeira regional e de efectiva solidariedade para com as regiões 
 autónomas, proibindo que se verifique uma diminuição das receitas a transferir 
 através do Orçamento do Estado para a Região Autónoma, por referência ao ano 
 anterior. 
 
  
 Também o artigo 35.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, ao eliminar a 
 possibilidade de garantia pessoal do Estado relativamente aos empréstimos a 
 emitir pelas Regiões Autónomas, contraria o disposto no artigo 117.º do EPARAM, 
 que fazia depender a permissão de concessão da garantia pessoal do Estado do que 
 viesse a ser estipulado na lei.
 
  
 O Requerente suscita ainda, sem qualquer outra especificação concreta, mas com 
 base nos mesmos fundamentos, a ilegalidade das demais disposições mencionadas no 
 pedido, e, por isso, também, das normas dos artigos 2.º, 19.º, n.º 1, 36.º, 
 
 38.º, n.°s 2 e 3, 57.º, 62.º, n.º 1, e 66.º.  
 
 2. Notificado para se pronunciar sobre o pedido, nos termos e para os efeitos 
 dos artigos 54º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente 
 da Assembleia da República alegou, em suma, o seguinte.  
 
  
 A regulação das relações financeiras com as regiões autónomas constitui reserva 
 absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos 
 artigos 164.º, alínea t), e 229.º, n.º 3, da CRP, revestindo o respectivo 
 diploma legislativo a forma de lei orgânica, segundo o n.º 2 do artigo 166.º da 
 CRP. 
 
  
 Entender que a matéria das relações financeiras é matéria sujeita a reserva de 
 Estatuto teria o efeito de efectuar uma ablação jurídica da competência 
 parlamentar, visto que a Assembleia da República está impedida de tomar qualquer 
 iniciativa no sentido da sua alteração, iniciativa que é da exclusiva 
 competência das Assembleias Legislativas Regionais.
 
  
 O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 567/2004, teve oportunidade de se 
 pronunciar sobre alterações instituídas no regime das finanças regionais através 
 da Lei Orgânica n.º 2/2002, de 28 de Agosto -– que alterou a Lei n.º 91/2001 
 
 (Lei de Enquadramento do Orçamento) e aditou o artigo 48.º-A à Lei n.º 13/98, de 
 
 24 de Fevereiro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas —, concluindo que a 
 possibilidade, prevista na Lei de Enquadramento Orçamental, de as transferências 
 orçamentais anuais do Estado para as regiões autónomas serem fixadas pela Lei do 
 Orçamento num montante inferior ao que resultaria da Lei de Finanças das Regiões 
 Autónomas e, ainda, a possibilidade de eliminação ou redução dessas 
 transferências em caso de não cumprimento dos limites especiais de endividamento 
 da região, não violavam nem o dever de solidariedade nacional consagrado no 
 artigo 229.º, n.º 1, da Constituição, nem o Estatuto Político-Administrativo. 
 
  
 O órgão autor da norma conclui, assim, pela não ilegalidade das normas 
 impugnadas.
 
  
 
 3. Elaborado o memorando a que alude o artigo 63º, n.º 1, da Lei do Tribunal 
 Constitucional e fixada a orientação do Tribunal, cabe decidir. 
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 Delimitação do objecto do pedido e legitimidade do requerente
 
  
 
 4. Em momento anterior, foi já suscitada, perante o Tribunal Constitucional, em 
 sede de fiscalização preventiva, nos termos previstos no artigo 278º da 
 Constituição da República, a declaração de inconstitucionalidade e de 
 ilegalidade das normas dos artigos 2.º, 3.º, 7.º, n.º 5, 19.º, n.º 1, 35.º, 
 
 36.º, 37.º n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, 57.º, 62.º, n.º 1, e 66.º do Decreto da 
 Assembleia da República n.º 94/X, diploma que originou a actual Lei Orgânica n.º 
 
 1/2007, de 19 de Fevereiro, que aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas. 
 
 
 Através do Acórdão n.º 11/2007, publicado no Diário da República, 2ª série, de 6 
 de Fevereiro de 2007, decidiu então o Tribunal Constitucional não se pronunciar 
 pela inconstitucionalidade das normas vertidas nos referidos artigos do Decreto, 
 e não conhecer do pedido de declaração da ilegalidade por violação de reserva 
 estatutária, resultante da alegada incompatibilidade entre as normas do Decreto 
 e o Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira, com base no 
 entendimento de que o pedido de apreciação preventiva, a que se reporta a parte 
 final do nº 4 do artigo 278º da Constituição, está circunscrito a questões de 
 constitucionalidade.
 
 É a questão da ilegalidade das mencionadas normas, inseridas na Lei Orgânica n.º 
 
 1/2007, entretanto publicada, de que o Tribunal não poderia tomar conhecimento 
 em sede de fiscalização preventiva, que constitui agora objecto de pedido 
 fiscalização abstracta sucessiva.
 Invocando o valor supra-legislativo dos Estatutos Regionais e a subordinação da 
 Lei das Finanças das Regiões Autónomas a esses Estatutos, o Requerente 
 explicita, no seu pedido, as diversas formas de ilegalidade que afectam as 
 disposições dessa Lei, por contrariedade com outros preceitos dos Estatutos 
 Regionais, considerando que o artigo 3º viola as normas dos artigos 97.º, n.º 2, 
 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA) e 
 
 105.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira 
 
 (EPARAM); o artigo 7.º, n.º 5, viola as normas dos artigos 99º do EPARAA e 103º, 
 n.º 1, do EPARAM; o artigo 37º, n.ºs 2 a 7, viola a norma do artigo 118.º, n.º 
 
 2, do EPARAM; e o artigo 35.º viola a norma do artigo 117.º do EPARAM.
 Idêntica especificação não é efectuada em relação aos restantes preceitos da Lei 
 das Finanças das Regiões Autónomas que constituem objecto do pedido; 
 depreende-se, no entanto, de todo o contexto verbal em que vem formulada a 
 arguição que a ilegalidade dessas outras disposições assenta na violação dos 
 mesmos princípios estatutários já referenciados em relação às demais disposições 
 e, especialmente, na violação dos princípios da solidariedade nacional e da 
 autonomia financeira regional.
 Não subsiste, pois, obstáculo a que possa conhecer-se do pedido em toda a sua 
 amplitude. 
 Em todo o caso, cabe referir que o Requerente, em relação aos artigos 3º e 7º, 
 n.º 5, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas invoca, não apenas a violação 
 de disposições do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da 
 Madeira, mas também do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos 
 Açores, referenciando, designadamente, a existência de contrariedade com as 
 disposições dos artigos 97.º, n.º 2, e 99.º deste Estatuto. 
 
  
 Todavia, a Constituição da República Portuguesa só confere legitimidade aos 
 Presidentes das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas para pedirem a 
 declaração de ilegalidade de normas por contrariarem 'o respectivo estatuto', 
 tal como flui do estabelecido no seu artigo 281.º, n.º 2, alínea g), que 
 prescreve: 
 
  
 
 «Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade 
 ou de ilegalidade, com força obrigatória geral:
 
 […]
 g) Os Representantes da República, as Assembleias Legislativas das regiões 
 autónomas, os presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, os 
 presidentes dos Governos Regionais ou um décimo dos deputados à respectiva 
 Assembleia Legislativa, quando o pedido […] de declaração de ilegalidade se 
 fundar em violação do respectivo estatuto».  
 
  
 Assim sendo, o Requerente, na sua qualidade de Presidente da Assembleia 
 Legislativa da Região Autónoma da Madeira, não dispõe de legitimidade 
 constitucional para pedir a declaração de ilegalidade de normas por contrariarem 
 o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, pelo que o 
 Tribunal apenas poderá conhecer das questões de ilegalidade que se reportem ao 
 Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.    
 
  
 Quanto ao específico valor reforçado dos Estatutos  
 
  
 
 5. Para sustentar a ilegalidade das mencionadas disposições da Lei das Finanças 
 Regionais, o Requerente começa por afirmar um princípio de prevalência do 
 Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira relativamente a 
 qualquer outra lei de valor reforçado e, por isso, também, em relação a essa 
 referida Lei, que não poderia, como tal, contrariar as normas e princípios 
 jurídicos que dele constem.
 
 É, de resto, dessa supremacia estatutária que o Requerente faz decorrer a 
 ilegalidade das disposições da Lei das Finanças Regionais por violação das 
 regras específicas constantes do Estatuto.
 Deve começar por notar-se que os estatutos político-administrativos das regiões 
 autónomas são leis com valor reforçado. Isso é o que resulta do facto de serem 
 leis da competência reservada da Assembleia da República (ainda que sob a 
 iniciativa das assembleias legislativas regionais), sujeitas a um procedimento 
 legislativo agravado, e que dispõem de um carácter de vinculatividade genérica 
 relativamente a outros actos legislativos – artigos 112º, nº 3, 161º, alínea b), 
 
 168º, n.º 6, alínea f), 226º e 227º, n.º 1, da CRP (Jorge Miranda, Manual de 
 Direito Constitucional, tomo V, 3ª edição, págs. 366-368). O efeito de 
 supraordenação das normas estatutárias assenta, por sua vez, na circunstância de 
 se encontrar estabelecido constitucionalmente um controlo de legalidade de 
 normas constantes de actos legislativos que se não encontrem em conformidade com 
 os estatutos regionais, em tais termos que uma norma inserida em diploma 
 regional ou emanada de um órgão de soberania pode ser objecto de controlo de 
 fiscalização sucessiva perante o Tribunal Constitucional com fundamento em 
 violação do estatuto de uma região autónoma – artigos 280º, n.º 2, alíneas b) e 
 c), e 281º, n.º 1, alíneas c) e d), da CRP (Jorge Miranda/Rui Medeiros, 
 Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra, 2007, págs. 293-294).
 Não se ignora, por seu lado, que há matérias que devem ser exclusivamente 
 disciplinadas por lei estatutária, constituindo uma reserva de estatuto, e que 
 se entende ter a ver com as competências e atribuições das regiões autónomas, o 
 sistema de governo regional e a delimitação das regiões autónomas relativamente 
 a outras pessoas colectivas territoriais, aspectos que, em última análise, se 
 conexionam com os poderes das regiões tal como estão consignados nos artigos 
 
 228º e 229º da CRP (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, pág. 848; Jorge Miranda/Rui Medeiros, 
 ob. cit., págs. 292-293; Jorge Miranda, ob. cit., pág. 372).
 Para além disso, o âmbito material da reserva de estatuto não pode deixar de 
 encontrar-se delimitado negativamente pelo princípio de reserva absoluta de lei 
 parlamentar, tal como está definido no artigo 164º da CRP. A definição do elenco 
 de matérias que constituem a competência legislativa reservada da Assembleia da 
 República não releva apenas para efeitos de delimitação de competência 
 legislativa entre o Parlamento e o Governo, mas também para determinar a 
 exclusão da competência legislativa das regiões autónomas (Gomes Canotilho/Vital 
 Moreira, ob. cit., pág. 663).
 Esse princípio de preeminência legislativa da Assembleia da República decorre, 
 desde logo, das disposições conjugadas dos artigos 161º, alínea b), e 227º, n.º 
 
 1, alínea a), da CRP: é à Assembleia da República que compete aprovar os 
 estatutos político-administrativos das regiões autónomas, ao passo que às 
 regiões cabe «legislar no âmbito regional em matérias enunciadas no respectivo 
 estatuto político‑administrativo [que são definidas pela Assembleia da 
 República] e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania» (quanto ao 
 alcance do poder legislativo genericamente definido no artigo 227.º, n.º 1, 
 alínea a), da Constituição, ver o Acórdão n.º 258/2007, na linha de 
 jurisprudência anteriormente consolidada).
 Em qualquer caso, o valor paramétrico das leis estatutárias só deve ser 
 reconhecido em relação às normas materialmente estatutárias (Jorge Miranda/Rui 
 Medeiros, ob. cit., pág. 294). 
 
 É esse entendimento que tem sido também sufragado pela jurisprudência 
 constitucional e, designadamente, através do Acórdão n.º 162/1999 (cuja doutrina 
 foi entretanto reafirmada no Acórdão nº 567/2004 e, mais recentemente, no 
 Acórdão  nº 581/2007), onde se referiu: 
 
 «Não basta, pois, que uma determinada norma conste de um estatuto regional para 
 que a sua alteração por um decreto-lei importe violação da reserva de estatuto: 
 desde logo, porque a norma estatutária pode, ela própria, ser inconstitucional. 
 Essa violação só existirá, se essa norma constante do estatuto pertencer ao 
 
 âmbito material estatutário – ou seja: se ela regular questão materialmente 
 estatutária».
 Como consequência – conforme explicitam Jorge Miranda e Rui Medeiros (ob. cit, 
 pág. 295) – «as normas contidas num Estatuto Político‑Administrativo, mas que 
 não façam parte da reserva de Estatuto, devem ser consideradas disposições sem o 
 valor material reforçado correspondente. E, neste entendimento, não existe 
 qualquer usurpação de competência de iniciativa legislativa […], já que em 
 relação a matérias não incluídas na reserva de estatuto se continua a aplicar o 
 regime geral. Em conclusão, as normas de um estatuto que versem sobre matérias 
 não estatutárias valem como normas ordinárias comuns ou, quando as matérias 
 sobre que versa o estatuto devam ser objecto de lei reforçada pelo procedimento 
 
 – como a lei eleitoral para as Assembleias Legislativas ou a lei das finanças 
 regionais [artigos 164.º, alíneas j) e t), 166.º, n.º 2, e 168.º, n.º 5] –, os 
 preceitos estatutários em causa terão o mesmo valor das respectivas leis».
 No mesmo sentido, aponta Jorge Miranda, num outro local, quando refere (Manual 
 de Direito Constitucional, tomo V, 3ª edição, Lisboa, 2004, pág. 373):
 
 «Se um Estatuto contiver normas sobre outras matérias que não as atinentes às 
 atribuições e aos órgãos e aos titulares dos órgãos regionais, essas normas não 
 adquirirão a força específica das normas estatutárias. Por conseguinte, poderão 
 ser modificadas ou revogadas, observadas as pertinentes regras gerais da 
 Constituição; ou poderão, desde logo, ser inconstitucionais por invadirem 
 domínios próprios de outras leis».
 
  
 Como se impõe concluir, não só o âmbito material da reserva de estatuto se 
 encontra delimitado negativamente pelo princípio da reserva de lei da Assembleia 
 da República, como também só é possível reconhecer valor reforçado às normas 
 nele incluídas que revistam natureza materialmente estatutária.
 
  
 
  
 Quanto às relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas
 
  
 
  
 
 6. À luz de todas as precedentes considerações, cabe, pois, indagar se se pode 
 atribuir uma valor supra-legislativo às disposições estatutárias identificadas 
 pelo Requerente, no seu pedido, em termos de permitir afirmar que existe uma 
 relação de subordinação entre a Lei das Finanças Locais e o Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, de modo a justificar a 
 pretendida ilegalidade das normas constantes daquela Lei.
 
  
 A este propósito impõe-se referir que, em matéria de finanças regionais, o 
 artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da Constituição da República Portuguesa, na 
 redacção resultante da 4ª revisão constitucional, veio atribuir às Regiões 
 Autónomas, não apenas as receitas fiscais nelas cobradas, como se consignava 
 anteriormente, mas também o direito a uma participação nas receitas tributárias 
 do Estado, com o que se procurou fazer face a uma previsível insuficiência das 
 receitas próprias para a satisfação integral das respectivas despesas. 
 
  
 Para além disso, ao prever a participação nas receitas tributárias do Estado, o 
 preceito, na nova redacção, não deixou de efectuar uma referência explícita ao 
 Estatuto e à Lei de Finanças das Regiões Autónomas, passando, em suma, a 
 reconhecer às Regiões Autónomas o poder de:  
 
   
 
 «Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, 
 das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas 
 receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que 
 assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam 
 atribuídas e afectá-las às suas despesas.»
 Em correspondência com o estabelecido nesse preceito, ainda na 4ª revisão 
 constitucional, foram acrescentadas duas novas disposições que se destinaram a 
 definir a sede legal própria para regular as relações financeiras do Estado com 
 as Regiões Autónomas e o âmbito material de competência para intervir nesse 
 domínio. 
 O artigo 229.º, n.º 3, da Constituição, estabeleceu:  
 
 «As relações financeiras entre a República e as regiões autónomas são reguladas 
 através da lei prevista na alínea t) do artigo 164.º.»
 Por sua vez, o artigo 164º, alínea t), da Constituição da República Portuguesa 
 definiu uma reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da 
 República no que respeita ao regime de finanças das regiões autónomas, ao 
 estatuir: 
 
 «É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as 
 seguintes matérias:
 
 […]
 t) Regime de finanças das regiões autónomas.»
 A Constituição determinou, também, segundo o previsto no artigo 166.º, n.º 2, 
 que a Lei das Finanças das Regiões Autónomas revestisse a forma de Lei Orgânica. 
 
   
 Deste modo, pretendeu a Constituição da República Portuguesa subtrair 
 explicitamente a matéria das relações financeiras dos Estatutos 
 Político-Administrativos das Regiões Autónomas. E, nesses termos, o que, por 
 natureza, já não seria matéria estatutária − dado envolver matérias de âmbito 
 nacional e não apenas de âmbito regional − ficou, expressamente, reservado à 
 Assembleia da República pelo disposto nos artigos 164.º, alínea t), e 229.º, n.º 
 
 3.  
 Este entendimento já obteve, aliás, confirmação na jurisprudência anterior do 
 Tribunal Constitucional. 
 No Acórdão n.º 567/2004 (publicado no Diário da República, 2ª série, de 23 de 
 Novembro de 2004) o Tribunal, pronunciando-se sobre a questão da 
 inconstitucionalidade e da ilegalidade de algumas alterações à Lei de 
 Enquadramento Orçamental e à anterior Lei das Finanças das Regiões Autónomas, 
 que haviam sido introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2002, de 28 de Agosto, 
 concluiu que a matéria das relações financeiras entre a República e as Regiões 
 Autónomas estava fora da reserva estatutária, afirmando explicitamente:
 
 «Ora, fora da reserva de estatuto está necessariamente 'o regime de finanças das 
 regiões autónomas' – alínea t) do artigo 164º da Constituição –, e nomeadamente 
 a matéria das 'relações financeiras entre a República e as regiões autónomas' – 
 nº 3 do artigo 229º da Constituição –, que é matéria reservada à competência 
 legislativa da Assembleia da República e deve constar da Lei de Finanças das 
 Regiões Autónomas.»
 Na mesma linha de fundamentação se situou, recentemente, o Acórdão n.º 581/2007, 
 que analisou o problema específico da conformidade da norma contida no artigo 
 
 126.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 
 
 2007), referente às transferências orçamentais a efectuar para as Regiões 
 Autónomas, com o artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM, que prevê o chamado princípio 
 de não retrocesso de transferência de verbas do Estado. Nesse aresto, o Tribunal 
 começou por reconhecer que compete à Assembleia da Republica «definir, em cada 
 ano, na Lei do Orçamento do Estado, o montante a transferir para os Açores e 
 para a Madeira», para, depois, ponderar o seguinte: 
 
 «Não pode, pois, uma regra formalmente integrada nos Estatutos impor um limite 
 aos poderes parlamentares de fixação do montante das verbas a transferir, 
 restringindo a competência da Assembleia da República para efectuar os 
 ajustamentos anuais que entenda justificados.
 A tese contrária implicaria uma constrição da competência parlamentar na 
 regulação das relações financeiras entre o Estado central e as regiões autónomas 
 que não estaria constitucionalmente sufragada.
 Por isso mesmo, é seguro concluir que, seja qual for o significado a atribuir 
 aos termos literais da proibição peremptória de retrocesso, cominada no n.º 2 do 
 artigo 118.º do EPARAM, esta norma não pode prevalecer-se de um estatuto que não 
 possui – o de integrante da reserva material de estatuto – para suplantar o 
 regime instituído por uma Lei do Orçamento do Estado.
 Daí que o facto de o comando contido naquela norma não ter sido observado não 
 representa uma violação estatutária, inexistindo a ilegalidade que daí 
 decorreria.»
 Também a doutrina converge neste entendimento. 
 Jorge Miranda afirma, sem reservas, que «[s]e anteriormente a 1997 já podia e 
 devia considerar-se que as finanças regionais não se incluíam no âmbito 
 estatutário, por não se reportarem nem às atribuições nem ao sistema de órgão de 
 autonomia, a partir de agora nenhuma dúvida se torna admissível» (Estatuto das 
 Regiões Autónomas e Lei das Finanças Regionais, in «O Direito», ano 139, 2007, 
 I, pág. 227). Nesse sentido, é de concluir, como também sublinha Eduardo Paz 
 Ferreira, que «a Constituição não considera que a regulação das relações 
 financeiras entre a República e as Regiões Autónomas integre as matérias 
 estatutárias” (Constituição da República Portuguesa Anotada, org. por Jorge 
 Miranda e Rui Medeiros, tomo III, Coimbra, 2007, pág. 323 ).
 
  
 Parâmetros de validade jurídica da Lei de Finanças das Regiões Autónomas
 
  
 
 7. De tudo o que anteriormente se expôs decorre a necessária conclusão de que, 
 por força da repartição constitucional de competências, os parâmetros de 
 validade jurídica das normas relativas às relações financeiras entre o Estado e 
 as Regiões Autónomas se devem procurar na Constituição e não nos Estatutos 
 Político-Administrativos das Regiões Autónomas. 
 Assim, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira não é, 
 no que respeita às “relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas”, 
 o referente de validade da Lei das Finanças das Regiões Autónomas. Pois, nos 
 termos da Constituição, é a essa Lei, cuja aprovação e iniciativa competem em 
 exclusividade à Assembleia da República, que cumpre regular as referidas 
 relações financeiras. 
 
  
 
 À Assembleia da República cabe, pois, concretizar, na Lei de Finanças da Regiões 
 Autónomas, os termos exactos do princípio da autonomia financeira e do princípio 
 da solidariedade nacional em matéria financeira; pode também definir a forma de 
 cálculo das transferências orçamentais e, ainda, a possibilidade de prestação de 
 garantias aos empréstimos contraídos pelas regiões autónomas. 
 Pelo que deve, nesse plano, obediência à Constituição da República Portuguesa. 
 Terá, nomeadamente, de respeitar a exigência da forma de lei orgânica, prescrita 
 no artigo 166º, n.º 2, e as demais normas e princípios constitucionais, 
 incluindo o princípio da solidariedade nacional (decorrente do nº 2 do artigo 
 
 225º, da alínea j) do nº 1 do artigo 227º e do nº 1 do artigo 229º, n.º 1 da 
 Constituição), cujo alcance foi discutido, em sede de fiscalização preventiva da 
 constitucionalidade, no Acórdão n.º 11/2007.  
 
  
 Não está, contudo, a Assembleia da República impedida pelas normas do Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira de regular, da forma que 
 entender mais adequada, no quadro normativo dos preceitos e princípios 
 constitucionais, as matérias relativas às relações financeiras entre o Estado e 
 as Regiões Autónomas. 
 
  
 Nos termos da Constituição da República Portuguesa, essas relações financeiras 
 entre o Estado e as Regiões Autónomas devem ser reguladas por uma lei de valor 
 reforçado da Assembleia da República que possa ser modificada por iniciativa 
 parlamentar, ou seja, pela lei orgânica que define o regime das finanças das 
 regiões autónomas (artigos 229.º, n.º 3, 164.º, alínea t), e 166.º, n.º 2). 
 
  
 Ora, assentando o presente pedido de declaração de ilegalidade de normas da Lei 
 das Finanças Regionais no valor supra-legislativo dos Estatutos 
 Político-Administrativos da Regiões Autónomas e no carácter de subordinação da 
 Lei das Finanças das Regiões Autónomas a esses Estatutos, prejudicado fica, 
 desde logo, o conhecimento das concretas questões de ilegalidade que vêm 
 suscitadas.
 
  
 Essa apreciação apenas se justificaria se pudesse concluir-se pela superioridade 
 paramétrica dos Estatutos Regionais relativamente à Lei de Finanças das Regiões 
 Autónomas, caso em que se tornava ainda necessário verificar se existia uma 
 efectiva contrariedade, conforme vem alegado, entre as impugnadas normas desta 
 Lei e as disposições do Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da 
 Madeira.
 Não existindo, no entanto, essa alegada primazia normativa, o pedido terá 
 necessariamente de improceder. 
 
  
 
  
 III – Decisão 
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a 
 ilegalidade das normas contidas nos artigos 2.º, 3.º, 7.º, n.º 5, 19º, n.º 1, 
 
 35.º, 36.º, 37.º n.os 2 a 7, 38.º, n.os 2 e 3, 57.º, 62.º, n.º 1, e 66.º da Lei 
 Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro.
 
  
 
  
 Lisboa, 22 de Abril de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 João Cura Mariano
 José Borges Soeiro
 Ana Maria Guerra Martins
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Vítor Gomes (com declaração idêntica à que apresentei no Acórdão n.º 581/2007)
 Rui Manuel Moura Ramos