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Processo nº 240/06
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
   
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, 
 alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC).
 
  
 
 2. Em 29 de Março de 2006, foi proferida decisão sumária (artigo 78º-A, nº 1, da 
 LTC), pela qual se decidiu não conhecer do objecto do recurso, com os seguintes 
 fundamentos:
 
  
 
 «Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente, 
 o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, é que a decisão recorrida 
 aplique, como ratio decidendi, a norma cuja constitucionalidade é questionada 
 pelo recorrente.
 Nos presentes autos, vindo o recurso de constitucionalidade interposto do 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Fevereiro de 2006, há que 
 concluir que não se verifica o mencionado requisito do recurso que o recorrente 
 pretendeu interpor. Na verdade, o pleno das secções criminais deste Supremo 
 Tribunal ao acordar em indeferir a reclamação do ora recorrente não aplicou os 
 artigos 127º, 410º, nº 2 e suas alíneas, 433º e 434º do Código de Processo 
 Penal, interpretados no sentido de que o Supremo (no caso o Pleno das Secções 
 Criminais), não pode, em recurso, conhecer da matéria de facto, salvo se se 
 verificarem os vícios mencionados nas alíneas a), b) e c), do nº 2 do artigo 
 
 410º do Código de Processo Penal.
 Para além de não ter interpretado tais disposições legais no sentido apontado, o 
 que decorre claramente da passagem que, de seguida, se transcreve
 
  
 
 «Este Supremo Tribunal sabe, sem necessidade de isso lhe ser recordado que, em 
 casos como o dos presentes autos, no recurso para o Tribunal Pleno, pode ser 
 impugnada a matéria de facto, funcionando o duplo grau de jurisdição em matéria 
 de facto, ao qual também os magistrados têm direito, em pé de igualdade com os 
 demais arguidos»,
 
  
 a decisão recorrida não fez qualquer aplicação daqueles artigos do Código de 
 Processo Penal, uma vez que o pleno das secções criminais apenas se limitou a 
 indeferir reclamação do acórdão proferido por este pleno, em 11 de Outubro de 
 
 2005.
 Foi esta decisão que aplicou os artigos 127º, 410º, nº 2 e suas alíneas, 433º e 
 
 434º do Código de Processo Penal, sem, contudo, os ter interpretado no sentido 
 apontado pelo recorrente, o que resulta de forma inequívoca de todo o ponto 8. 
 do acórdão e, muito particularmente, das seguintes passagens:
 
  
 
 «E, com efeito, havendo-se, agora, analisado e ponderado todos os factos postos 
 em causa pelo recorrente e os testemunhos e declarações gravados, produzidos em 
 julgamento, não se detectou qualquer erro de julgamento.
 Por outro lado, lendo-se, atentamente, a douta decisão recorrida, nela não se 
 detecta qualquer dos vícios mencionados nas alíneas a), b) e c), do n.º 2 do 
 art.º 410° do Cód. Proc. Penal, sendo ainda certo que, nenhum desses vícios 
 resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da 
 experiência comum»;
 
 «(…) tanto no que respeita aos factos provados como os dados como não provados - 
 salvo no que concerne ao ponto 3. dos factos provados -, não vemos razão para 
 alterar a matéria de facto, uma vez que este Supremo, na decisão recorrida 
 julgou com base nas provas produzidas e no uso do princípio da livre apreciação 
 da prova estabelecido no art.º 127° do Cód. Proc. Penal»;
 
 «À luz do que vem de ser exposto, não merece qualquer censura a matéria de facto 
 dada como provada - salvo no que respeita ao já aludido ponto 3. - e como não 
 provada».
 
  
 Daqui decorrendo que, se o recorrente tivesse interposto recurso do acórdão de 
 
 11 de Outubro de 2005, também não se poderia dar como verificado o requisito da 
 aplicação pela decisão recorrida, como ratio decidendi, da norma questionada do 
 ponto de vista jurídico-constitucional».
 
  
 
 3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos 
 do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, concluindo que:
 
  
 
 «1.ª)         A inconstitucionalidade da norma (interpretativa), invocada só 
 podia ser verificada e verificável após a prolação do acórdão do STJ de 11 de 
 Outubro de 2005 que não foi chamado a conhecer de inconstitucionalidade 
 referida. Nesta medida, o recurso para o Tribunal Constitucional há-de ser do 
 acórdão de 01 de Fevereiro de 2006 que efectivamente conheceu da questão.
 
 2.ª)            O acórdão recorrido como que absorve o acórdão de 11 de Outubro 
 de 2005, reproduzindo o ponto 8. “Relativamente à matéria de facto e as 
 considerações ali feitas”, fazendo-as suas.
 
 3.ª)            E assim, do contexto do acórdão recorrido resulta que, do 
 complexo das normas que cita (art. 127.°, 410.º, n.° 2 e suas als. e arts. 433.° 
 e 434.° do CP Penal) o acórdão retirou, e aplicou na decisão, a norma 
 
 (interpretação normativa) segundo o qual o STJ, no caso o Pleno das Secções 
 Criminais funcionando como 2.ª instância, não pode, em recurso, conhecer da 
 matéria de facto, salvo se se verificarem os vícios mencionados nas als. a), b) 
 e c) do n.° 2 do art. 410.° do CP Penal.
 
 4.ª)            Esta norma (interpretativa) viola: os princípios da igualdade e 
 da não discriminação do art. 13.° da Constituição da República; o princípio da 
 confiança e da certeza ou determinabilidade da Lei, consagrados na Constituição 
 
 – art° 20.°, n.° 1 e art.° 13.°, n.° 1, al. 2); o princípio constitucional das 
 garantias da defesa consagrado no art. 32.°; o princípio constitucional do 
 acesso aos Tribunais, enquanto elimina o duplo grau de jurisdição quanto à 
 apreciação ampla e efectiva da matéria de facto; eis que o direito ao recurso 
 cabe nas “garantias de defesa” asseguradas pelo art. 32.º da Constituição, se 
 não mesmo o “acesso aos Tribunais” estabelecido no art. 20.° da Lei Fundamental.
 
 5.ª)            Contra isto não valerá argumentar com que o acórdão pondera que 
 na decisão recorrida o Tribunal da 1.ª instância julgou com base nas provas 
 produzidas e no princípio da livre apreciação da prova do art. 127.° do CP 
 Penal; e que o acórdão se refere aos “testemunhos e declarações gravados em 
 audiência”.
 
 6.ª)            Tais afirmações parecem confirmar e reforçar a interpretação 
 normativa (redutora) em causa. Pois:
 a)        quando o STJ diz que quem julgou em 1.ª instância julgou e bem, e não 
 vemos razão para alterar a matéria de facto, abstém-se de a conhecer;
 b)       e quando, ao mesmo tempo, fica na vaga e genérica afirmação de que 
 analisados e ponderados os testemunhos e declarações gravados, não se detecta 
 qualquer vício de julgamento, isto não obstante a exigência da indicação e exame 
 crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal e de que o 
 Tribunal de recurso não está dispensado (art. 425.°, n.° 2, do CP Penal), com 
 inobservância do n.° 1 do art. 205.° da Constituição que se mostra violado, 
 tornando inexistente a referência aos depoimentos e declarações gravados;
 c)        resta apenas aquela interpretação normativa de que o STJ em recurso, 
 só conhece dos vícios do n.° 2 do art. 410.° do CP Penal, que do contexto do 
 acórdão resulta.
 
 7.ª)            Ora, essa exigência do exame crítico das provas que valeram para 
 formar a convicção do tribunal de recurso é que garante o princípio fundamental 
 do duplo grau de jurisdição quanto à apreciação ampla e efectiva da matéria de 
 facto que se insere nas garantias de defesa do art. 32.° da Constituição, e o 
 princípio fundamental das garantias de defesa, no processo-crime, do mesmo art. 
 
 32.º; e o princípio fundamental do acesso aos Tribunais na medida em que se 
 entende que o direito ao recurso amplo e efectivo quanto à matéria de facto 
 constitui a garantia de defesa do art. 32.° citado.
 O n.° 1 do art. 205.° da Constituição visa assegurar a observância desses 
 princípios e foi violado. Também por aqui se justificando o presente recurso.
 
 8.ª)            Pelos expostos termos, a presente reclamação deve ser julgada 
 procedente, ordenando-se, em substituição da decisão sumária sob reclamação que 
 o recurso siga os seus normais termos neste Tribunal Constitucional».
 
  
 
 4. Notificados os recorridos, respondeu o Ministério Público nos termos 
 seguintes:
 
  
 
 «lº
 A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2°
 Na verdade, o acórdão proferido pelo Pleno das Secções Criminais do STJ, na 
 sequência do recurso interposto pelo ora reclamante, não fez aplicação do 
 critério normativo restritivo elencado pelo recorrente, valorando as provas e 
 concluindo pela inexistência dos invocados erros de julgamento da matéria de 
 facto.
 
  
 
 3°
 O que traduz realidade processual bem diversa da alegada interpretação 
 restritiva dos poderes cognitivos do Supremo, ao exercer o duplo grau de 
 jurisdição sobre a matéria de facto».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 A decisão reclamada concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso 
 interposto, com fundamento na não aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio 
 decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente: o 
 Supremo Tribunal (no caso o Pleno das Secções Criminais), não pode, em recurso, 
 conhecer da matéria de facto, salvo se se verificarem os vícios mencionados nas 
 als. a), b) e c) do nº 2 do artigo 410º do CP Penal.
 Trata-se de um dos requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na 
 alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição da República Portuguesa e na 
 alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, das quais decorre que cabe recurso para 
 o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo e não, como o 
 reclamante sustenta, de decisões que efectivamente conheçam da questão de 
 constitucionalidade.
 Com os fundamentos então mobilizados – retirados do texto dos acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2005 e de 1 de Fevereiro de 2006 
 
 – é de reafirmar que este Tribunal não interpretou e aplicou os artigos 127º, 
 
 410º, nº 2, 433º e 434º do Código de Processo Penal naquele sentido, 
 interpretando-os e aplicando-os, pelo contrário, no sentido de o Pleno das 
 Secções Criminais poder conhecer de facto e de direito, quando julgue recursos 
 de decisões proferidas em 1ª instância pelas secções. 
 Se qualquer dúvida houvesse, seria dissipada pelas declarações de voto apostas 
 
 àquelas decisões, das quais se retira que uma das divergências que justificam 
 tais declarações tem a ver com o entendimento, que aqueles acórdãos não 
 seguiram, de que ao Pleno das Secções Criminais cabe apenas reexaminar a matéria 
 de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nºs 2 e 3, do Código de 
 Processo Penal, quando julgue recursos de decisões proferidas em 1ª instância 
 pelas secções (cf. fls. 591 e ss. e 602 e s.).
 
  
 Como o reclamante não contrariou o sustentado na decisão sumária, demonstrando 
 que o Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou a norma enunciada no 
 requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, resta concluir pelo 
 indeferimento da presente reclamação.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ( vinte  ) unidades 
 de conta.
 Lisboa, 28 de Junho de 2006
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício