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Processo nº 941/07
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
 
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I. Relatório 
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Santo Tirso, em que é 
 recorrente o Ministério Público e recorrida A., foi interposto recurso, ao 
 abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele tribunal de 24 de 
 Setembro de 2007. 
 
  
 
 2. Em 13 de Novembro de 2007, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do 
 disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, com a fundamentação seguinte:
 
  
 
 «Resulta do relatório que antecede que, proferida a decisão que declarou extinto 
 o procedimento criminal, foi interposto o presente recurso de 
 constitucionalidade. 
 Pese embora a decisão recorrida tenha sido proferida contra jurisprudência 
 fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não foi interposto pelo Ministério 
 Público o recurso obrigatório previsto no nº 1 do artigo 446º do Código de 
 Processo Penal. Tal circunstância obsta ao conhecimento do objecto do recurso, 
 por força do disposto no nº 5 do artigo 70º da LTC, justificando a prolação da 
 presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
 
  
 
 3. Desta decisão vem agora o Ministério Público reclamar para a conferência, nos 
 termos do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «1º
 O presente recurso foi interposto pelo Ministério Público da decisão proferida 
 já após a vigência da actual versão do Código de Processo Penal.
 
 2º
 Face ao disposto no artigo 446º do Código de Processo Penal, na sua actual 
 redacção, o recurso obrigatório do Ministério Público, a interpor da decisão 
 proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, é 
 expressamente delineado como recurso extraordinário, já que tem de ser 
 interposto “no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão 
 recorrida” 
 
 3º
 Não cabendo, deste modo, no âmbito do disposto no artigo 70º, nº 5, da Lei do 
 Tribunal Constitucional, que apenas exclui a admissibilidade dos recursos de 
 fiscalização concreta relativamente a decisões sujeitas a “recurso ordinário 
 obrigatório”, nos termos da respectiva lei de processo. 
 
 4º
 Afigurando-se, deste modo, que – face à alteração introduzida expressamente pela 
 actual versão do Código de Processo Penal no artigo 446º do Código de Processo 
 Penal perspectivando tal recurso como “extraordinário” – terá de ser reponderada 
 a corrente jurisprudencial que outorgava efectivamente prioridade à interposição 
 do recurso destinada a fazer acatar a jurisprudência uniformizada pelo Supremo, 
 relativamente ao recurso para o Tribunal Constitucional que se fundasse na 
 alínea a) do nº1 do artigo 70º da Lei nº 28/82. 
 
 5º
 Devendo, em consequência, ser admitido tal recurso, interposto pelo Ministério 
 Público junto do Tribunal recorrido».
 
  
 
 4. Notificada desta reclamação, a recorrida não respondeu.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. A presente reclamação levanta a questão de saber se é de manter ou não a 
 corrente jurisprudencial que outorgava prioridade à interposição do recurso 
 destinado a fazer acatar a jurisprudência uniformizada pelo Supremo, 
 relativamente ao recurso para o Tribunal Constitucional que se fundasse na 
 alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, considerando o que agora dispõe 
 o artigo 446º do Código de Processo Penal:
 
  
 
 «1 – É admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer 
 decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 
 
 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo 
 correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.
 
 2 – O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes 
 civis e é obrigatório para o Ministério Público.
 
 3 – (…)».
 
  
 Numa primeira aproximação, a questão é pertinente, tendo em conta a regra da 
 aplicação imediata da lei processual penal que alterou o Código de Processo 
 Penal (artigo 5º, nº 1, deste Código), já que a Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, 
 entrada em vigor no dia 15 de Setembro do mesmo ano, modificou a redacção do 
 artigo 446º
 Na redacção anterior, o artigo 446º do Código de Processo Penal dispunha o 
 seguinte:
 
  
 
 «1 – O Ministério Público recorre obrigatoriamente de quaisquer decisões 
 proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo 
 o recurso sempre admissível. 
 
 2 – (…).
 
 3 – (…)».
 
  
 
 2. Face a esta redacção, o Tribunal Constitucional foi entendendo, de forma 
 reiterada, que não podia tomar conhecimento do objecto do recurso interposto de 
 decisão proferida contra jurisprudência fixada, se não tivesse sido previamente 
 interposto o recurso obrigatório previsto no artigo 446º do Código de Processo 
 Penal (cf., entre outros, Acórdãos nºs 281/2001, 470/2003, 31/2004, 57/2004, 
 
 506/2004 e 688/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 O entendimento de que o recurso previsto no artigo 446º do Código de Processo 
 Penal tinha precedência sobre o recurso de constitucionalidade fundava-se no 
 artigo 70º, nº 5, da LTC – não é admitido recurso para o Tribunal Constitucional 
 de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respectiva 
 lei processual –, independentemente da qualificação de tal impugnação 
 obrigatória como recurso ordinário ou recurso extraordinário. No primeiro caso, 
 aplicava-se directamente o disposto no nº 5 do artigo 70º, face à letra deste 
 preceito (neste sentido, cf. Acórdão nº 506/2004); no segundo, aplicava-se o 
 estabelecido no nº 5 do artigo 70º, por deverem valer também quanto ao recurso 
 extraordinário obrigatório, as razões que justificam a regra da precedência do 
 recurso ordinário obrigatório sobre o recurso de constitucionalidade interposto 
 ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC (neste sentido, cf. Acórdão 
 nº 281/2001).
 
  
 
 3. As dúvidas levantadas pela redacção anterior do artigo 446º do Código de 
 Processo Penal foram agora resolvidas no sentido de configurar a impugnação 
 obrigatória de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça como recurso extraordinário, já que o prazo para a 
 respectiva interposição é contado do trânsito em julgado da decisão recorrida 
 
 (sobre isto, cf. Leal Henriques/Simas Santos, Recursos em Processo Penal. De 
 acordo com o Código do Processo Penal revisto, Rei dos Livros, 2007, p. 195 e s. 
 Para uma análise da jurisprudência que se foi firmando no sentido de se tratar 
 de um recurso extraordinário, cf., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal 
 de Justiça de 18 de Maio de 2006 (Processo nº 1387/06), de 12 de Julho de 2007 
 
 (Processo nº 2573/07) e de 25 de Novembro de 2007 (Processo nº 3871/07), 
 disponíveis em www.dgsi.pt.). 
 Face ao teor literal do nº 5 do artigo 70º da LTC, subsiste, assim, a questão da 
 precedência (ou não) do recurso obrigatório previsto no artigo 446º sobre o 
 recurso de constitucionalidade interposto de decisão que recuse a aplicação de 
 norma com fundamento em inconstitucionalidade. Subsiste a questão, não havendo, 
 contudo, qualquer motivo para divergir do entendimento jurisprudencial, 
 entretanto firmado neste Tribunal, de que a razão justificativa do regime 
 previsto naquele nº 5 também ocorre nos casos em que há, por um lado, a 
 interposição do recurso ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC e, 
 por outro, a previsão de um recurso extraordinário obrigatório (no sentido da 
 manutenção da jurisprudência anterior, cf. Decisão Sumária nº 575/2007, 
 proferida por referência à redacção vigente do artigo 446º do Código de Processo 
 Penal). De resto, uma tal posição fundava-se já no carácter extraordinário do 
 recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, expressamente 
 assumido na redacção vigente do artigo 446º do Código de Processo Penal.
 No Acórdão nº 281/2001, cujo entendimento foi sucessivamente reiterado, lê-se o 
 seguinte:
 
  
 
 «É sabido que a Lei nº 28/82 apenas impõe a prévia exaustão das vias de recurso 
 no âmbito dos recursos interpostos ao abrigo do disposto nas als. B) e f) do nº 
 
 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, ou seja, interpostos de decisões que aplicaram 
 norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade foi suscitada durante o 
 processo; e que, diferentemente, abre recurso directo para o Tribunal 
 Constitucional de decisões não definitivas (ainda susceptíveis de recurso 
 ordinário) de recusa de aplicação de normas, pelos mesmos motivos, como é o caso 
 presente.
 Ora, quer num caso, quer no outro, a não ser interposto previamente o recurso 
 obrigatório dentro da ordem a que pertence o tribunal que julgou a causa, pode 
 vir a subsistir uma decisão sujeita a recurso obrigatório que versa exactamente 
 sobre a norma julgada pelo Tribunal Constitucional; e o problema põe-se da mesma 
 forma quando é o recurso previsto no artigo 446º do Código de Processo Penal que 
 está em causa, apesar de ser qualificado por lei como recurso extraordinário.
 Vejamos o caso, precisamente, do recurso imposto por este preceito.
 A ser julgado primeiro o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por 
 recusa de aplicação de uma norma, se o Tribunal Constitucional confirmar o juízo 
 de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, subsiste uma decisão contrária a 
 jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça – logo, ainda sujeita a 
 recurso obrigatório, que não pode deixar de ser interposto. 
 Interposto esse recurso – e vamos admitir que chegamos ao Supremo Tribunal de 
 Justiça –, este Tribunal, para respeitar o caso julgado formado no processo 
 sobre a questão de constitucionalidade, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 
 
 80º da Lei nº 28/82, tem de alterar a orientação jurisprudencial que definiu, 
 revendo o assento, sem ter tido a oportunidade de se pronunciar sobre a decisão 
 que recusou a respectiva aplicação por inconstitucionalidade. Do ponto de vista 
 das relações institucionais entre o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal 
 Constitucional, há-de concordar-se não ser esta a melhor solução.
 Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 9º do Código Civil, o intérprete há-de 
 presumir, ao fixar o sentido da lei, que o legislador consagrou a solução mais 
 acertada. E essa directriz leva-nos a não distinguir, para efeitos de aplicação 
 do disposto no nº 5 do artigo 70º da Lei nº 28/82, entre recursos ordinários e o 
 recurso previsto no artigo 446º do Código de Processo Penal».
 
  
 
 É este entendimento que agora se reitera.
 
  
 
 4. Justifica-se, por conseguinte, confirmar a decisão de não tomar conhecimento 
 do objecto do recurso, fundada no nº 5 do artigo 70º da LTC. 
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada.
 
  
 Lisboa, 20 de Dezembro de 2007
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão