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Processo n.º 556/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
              Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 Relatório
 No âmbito do processo criminal n.º 569/99.0 TAOER, pendente no 2.º Juízo de 
 Competência Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, a arguida A. foi condenada 
 pela autoria material de um crime de desobediência simples, p. e p. pelo artigo 
 
 88.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal (C.P.P.), e pelo artigo 348.º, n.º 
 
 1, a), do Código Penal (C.P.), na pena de 40 dias de multa à taxa diária de € 
 
 10,00.
 
                                                       
 A arguida interpôs recurso desta decisão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa 
 julgado o recurso improcedente, mantendo, assim, a decisão recorrida.
 
  
 A arguida interpôs então recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do 
 artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), suscitando a apreciação das seguintes questões:
 a) “a inconstitucionalidade material da norma vertida no artigo 88.º, do Código 
 de Processo Penal, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade 
 ou necessidade de incriminação, presente, nomeadamente, no n.º 2 do artigo 18.º 
 da Constituição da República Portuguesa e, ainda, do princípio constitucional da 
 legalidade e da máxima determinação penal, plasmado, nomeadamente, no artigo 
 
 29.º, n.º 1 da CRP”; 
 b) e “a inconstitucionalidade resultante da aplicação ao caso concreto da norma 
 constante do artigo 88.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal, por violação 
 dos princípios constitucionais da liberdade de expressão e de informação e 
 liberdade de imprensa, consagrados nos artigos 37.º e 38.º da Constituição da 
 República Portuguesa e, ainda, do princípio internacional geral da liberdade de 
 expressão, plasmado no artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.”
 
  
 A recorrente concluiu do seguinte modo, as suas alegações de recurso
 
  “A) Nos termos conjugados dos artigos 88.º, n.º 2 a), do Código de Processo 
 Penal, e 348.º, n.º 1 a), do Código Penal, comete o crime de desobediência, quem 
 publique peça processual não abrangida pelo segredo de justiça, desde que não 
 seja obtida certidão prévia da peça ou autorização do magistrado competente;
 B) Da articulação do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 88.º do CPP, com a 
 regra “em branco” presente no nº. 1 a) do artigo 348.º do Código Penal, não 
 resulta que o crime cometido por alguém que publica uma peça processual 
 abrangida pelo segredo de justiça, seja o crime de desobediência;
 C) O exercício dos direitos decorrentes da publicidade do processo (narração e 
 reprodução dos termos processuais), previstos no artigo 86.º do CPP, é alvo de 
 regulamentação e concretização no artigo 88.º do CPP, não se prevendo neste 
 dispositivo o regime do segredo de justiça, que já vem consagrado e 
 regulamentado, em termos de previsão de delimitação temporal, destinatários, 
 efeitos e excepções, nos n.ºs 1 e 4 a 9 do artigo 86.º do CPP;
 D) A conduta ilícita prevista no artigo 88.º, n.º 2 a) do CPP (e punida pelo 
 artigo 348.º, n.º 1 a) do CP) é objectivamente preenchida com a mera publicação, 
 fora dos casos autorizados, em meio de comunicação social, de peça processual 
 ou de documento incorporado em processo público, não se encontrando previsto 
 como elemento objectivo do tipo, a situação de divulgação de peças ou documentos 
 incorporados em processos sujeitos a segredo de justiça;
 E) A interpretação da lei penal conforme à CRP não permite que se extraia da 
 conjugação dos artigos 88.º, n.º 2 a), do CPP, e 348.º n.º 1 a) do CP, como 
 elemento objectivo do tipo, a reprodução de peças processuais ou de documentos, 
 desde o momento em que o processo se inicia e até à sentença de 1.ª instância, 
 porquanto as situações de divulgação dos termos dos actos processuais em 
 processos cobertos pelo segredo de justiça já se encontram expressamente 
 reguladas pelo disposto nos n.ºs 4 a 9 do artigo 86.º do CPP e artigo 371.º do 
 CP, encontrando-se o “caso” expressamente considerado pela letra da lei e pelo 
 seu pensamento, tendo o legislador, portanto, expressado com máxima perfeição a 
 sua regulação;
 assim,
 F) É inconstitucional, por violação dos artigos 29.º, n.ºs 1 e 3, 37.º e 38.º da 
 Constituição da República, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 
 
 348, n.º 1 a), do Código Penal, e do artigo 88.º, n.º 2 a), do Código de 
 Processo Penal, na interpretação segundo a qual a proibição de reprodução de 
 peças processuais ou de documentos incorporados em processo crime, aplica-se em 
 todas as fases do processo, desde o momento em que este se inicia e até à 
 sentença de 1.ª instância, abrangendo, portanto, tal proibição, a fase secreta 
 do processo;
 ainda,
 G) A norma do artigo 88.º, n.º 2 a) do CPP viola o princípio da 
 proporcionalidade nas suas três decorrências (princípios da adequação, 
 exigibilidade e da justa medida), sendo excessiva, e pretende incriminar 
 condutas com ressonância ética e apesar dela, não levando em conta a 
 circunstância concreta em que os comportamentos são desencadeados, violando, 
 também, o princípio da culpa;
 H) A conduta dos órgãos de comunicação social/jornalistas que divulgam peça 
 processual ou documento contido em processo criminal não abrangido pelo segredo 
 de justiça, é uma conduta positiva, beneficiadora da justiça e socialmente 
 adequada, justificada por previsões constitucionais que lhe dão cobertura, 
 tendo em conta que: a existência do processo e do seu conteúdo essencial são já 
 do conhecimento público, porque tratados e falados na imprensa; a divulgação 
 dessa peça ou documento dá uma maior credibilização dos factos noticiados e 
 contribui para um maior esclarecimento público; permite que se acabem com 
 especulações à volta do processo, do seu objecto e dos seus protagonistas, sem 
 prejuízo para a recolha das provas;
 I) A norma do artigo 88.º, n.º 2 a) do CPP caiu, na prática, em completo desuso, 
 dado o cada vez mais aberto carácter dos tribunais e a cada vez maior 
 possibilidade de serem conhecidos publicamente os trâmites processuais, bem como 
 a necessidade crescente, manifestada pelos cidadãos, de acompanharem os 
 processos que revestem interesse público, por, finalmente, ocorrer uma 
 consciência, cada vez mais acentuada, de que a vigilância dos cidadãos potencia 
 um desfecho preventivo mais eficaz.
 assim,
 J) O artigo 88.º, n.º 2 a) do CPP encontra-se ferido de inconstitucionalidade 
 material, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e 
 necessidade de incriminação (art. 18.º da CRP), culpa (art. 1.º e 25.º da CRP), 
 e, ainda, liberdade de expressão e informação e liberdade de imprensa e dos 
 meios de comunicação social, previstos, respectivamente, nos artigos 37.º e 38.º 
 da CRP e 10.º da CEDH (...)”.
 
  
 O Ministério Público pronunciou-se pelo não conhecimento da segunda questão de 
 constitucionalidade, acima enunciada sob a alínea b) e da invocação do princípio 
 da legalidade. Relativamente à questão enunciada na alínea a), defendeu que a 
 norma constante do artigo 88.º, n.º 2, alínea a), do C.P.P., interpretada como 
 contendo a tipificação penal, no quadro do crime de desobediência, da 
 reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo, num 
 caso em que este ainda se encontre submetido ao segredo de justiça, não viola os 
 princípios da proporcionalidade ou da necessidade, atento, desde logo, o valor 
 constitucionalmente conferido àquele sigilo, pelo que o recurso deveria 
 improceder.
 
  
 A requerente foi ouvida sobre a eventualidade de não conhecimento de todas as 
 questões colocadas no recurso.
 
  
 
                                                                                  
 
  *
 Fundamentação
 
 1. Da delimitação do objecto do recurso
 A recorrente, no seu requerimento de interposição de recurso, declarou pretender 
 submeter à apreciação do Tribunal Constitucional as seguintes questões:
 
     a) “a inconstitucionalidade material da norma vertida no artigo 88.º do 
 Código de Processo Penal, por violação do princípio constitucional da 
 proporcionalidade ou necessidade de incriminação, presente, nomeadamente no n.º 
 
 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa e, ainda, do princípio 
 constitucional da legalidade e da máxima determinação penal, plasmado, 
 nomeadamente, no artigo 29.º, n.º 1, da CRP”.
 b) “a inconstitucionalidade resultante da aplicação ao caso concreto da norma 
 constante do artigo 88.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, por 
 violação dos princípios constitucionais da liberdade de expressão e de 
 informação e liberdade de imprensa, consagrados nos artigos 37.º e 38.º da 
 Constituição da República Portuguesa e, ainda, do princípio internacional geral 
 da liberdade de expressão, plasmado no artigo 10.º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem”.
 Nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da C.R.P., e no artigo 
 
 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das 
 decisões dos tribunais que 'apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido 
 suscitada durante o processo', isto é, em conformidade com a economia do 
 presente recurso de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional apenas pode 
 conhecer da constitucionalidade das normas (ou interpretações normativas) 
 aplicadas pelos tribunais, estando vedado o conhecimento da constitucionalidade 
 das próprias decisões judiciais em si mesmas concretamente consideradas ou dos 
 juízos de subsunção constantes das mesmas.
 Sucede que a Recorrente limita-se, na questão acima enunciada sob a alínea b), a 
 imputar inconstitucionalidades à concreta decisão impugnada, e fá-lo na óptica 
 do resultado do juízo subsuntivo ali efectuado, por referência exclusiva aos 
 factos dados como provados no caso concreto, situação que, naturalmente, 
 transcende o âmbito do controlo normativo cometido ao Tribunal Constitucional.
 Efectivamente, não se pode deixar de registar que, precisamente desde o recurso 
 ordinário interposto da sentença proferida na primeira instância, a Recorrente 
 vem reputando de inconstitucional a aplicação ao caso concreto da norma contida 
 no artigo 88.º, n.º 2, alínea a), do C.P.P., sem que essa alegação tivesse sido 
 concomitantemente acompanhada da identificação e enunciação atempadas de 
 qualquer interpretação normativa que tivesse sido adoptada pelo tribunal a quo e 
 que seja susceptível de ser autonomizada relativamente àquela que precisamente 
 já subjaz à primeira questão de constitucionalidade que integra o objecto do 
 presente recurso de constitucionalidade.
 Não se mostrando satisfeito o aludido requisito, o Tribunal Constitucional não 
 pode apreciar especificamente esta questão de constitucionalidade, devendo ser 
 proferida decisão de não conhecimento quanto a ela.
 O objecto do recurso restringir-se-á, assim, à aludida questão da 
 constitucionalidade da interpretação seguida pelo acórdão recorrido da norma 
 contida no art. 88.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal de 1987.
 Além do mais, a recorrente pretende que se confronte esta interpretação com o 
 sentido de que a punição penal estabelecida no art.º 88.º, n.º 1, a), do C.P.P. 
 abrange a publicação de peças processuais em fase coberta pelo segredo de 
 justiça, com o princípio da legalidade em matéria penal, por entender que a 
 mesma cria um novo tipo legal de crime que não tem previsão legal.
 Cumpre salientar que, embora não se desconhecendo a existência de decisões 
 contrárias, perfilha-se o entendimento defendido em anteriores arestos deste 
 Tribunal que, neste tipo de situações, se mostra delineada uma questão de 
 inconstitucionalidade normativa, cognoscível em recurso de constitucionalidade, 
 já que o processo interpretativo criador de um novo tipo legal de crime, obtido 
 por raciocínio extensivo ou de cariz analógico, alegadamente seguido pela 
 decisão recorrida, decorre, não de uma pura operação subsuntiva no tipo, mas da 
 adopção de um critério normativo, dotado de elevada abstracção e susceptível de 
 ser invocado e aplicado a propósito de uma pluralidade de situações concretas 
 
 (vide os acórdãos n.º 205/99, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 43.º 
 vol., pág. 225, n.º 285/99, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 43.º vol., 
 pág. 477, n.º 122/00, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 46.º vol., pág. 
 
 449, e 412/2003, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 57.º vol., pág. 217).
 Nesta perspectiva, conhecer-se-á, das razões deste argumento de 
 inconstitucionalidade aduzido pela recorrente. 
 Antes de se entrar no conhecimento do mérito do recurso, convém referir que, 
 sendo o controlo de constitucionalidade efectuado por este Tribunal, nos termos 
 da b), do nº 1, do artº 70º, da LTC, um controlo concreto ou incidental, 
 relativamente ao processo onde ele foi suscitado, tem sido afirmado que o 
 recurso de constitucionalidade tem uma função meramente instrumental aferida 
 pela susceptibilidade de repercussão útil no processo concreto de que emerge, 
 não servindo, assim, para dirimir questões meramente teóricas ou académicas.
 Ora, tendo neste processo sido aplicada a norma contida no artigo 88.º, nº 2, do 
 C.P.P., a um caso de reprodução de peças de processo crime em fase anterior à 
 decisão de sujeição da arguida a julgamento (a acção típica dada como provada – 
 a exibição e leitura pela televisão do auto de notícia e da acusação pública - 
 foi situada temporalmente antes de se mostrar esgotado o prazo para a eventual 
 apresentação do requerimento de abertura da instrução), é apenas nesse segmento 
 que a constitucionalidade daquela norma deve ser verificada, pois só esse tem 
 relevância no sentido da decisão recorrida.
 Aliás, foi também esse o objecto das conclusões das alegações de recurso, que 
 assim restringiram a enunciação genérica primitivamente enunciada no 
 requerimento de interposição de recurso.
 
  
 
 2. Da questão da constitucionalidade do artigo 88.º, n.º 2, alínea a), do Código 
 de Processo Penal de 1987, na interpretação segundo a qual a tipificação 
 criminal aí contida abrange os actos praticados na fase anterior à decisão de 
 sujeição do arguido a julgamento
 O presente recurso de constitucionalidade versa essencialmente a matéria 
 delicada da legitimação material do Direito Penal, tendo como pano de fundo os 
 limites do direito de crónica judiciária no âmbito do processo penal.
 A propósito da intervenção dos meios de comunicação social no processo penal, o 
 n.º 1, do artigo 88.º, do C.P.P., dispõe que “é permitida aos órgãos de 
 comunicação social, dentro dos limites da lei, a narração circunstanciada do 
 teor de actos processuais que não se encontrem cobertos por segredo de justiça 
 ou a cujo decurso for permitida a assistência do público em geral”, 
 acrescentando e tipificando no plano criminal a al. a), do n.º 2, do mesmo 
 normativo, que “não é, porém, autorizada, sob pena de desobediência simples, a 
 reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo, até à 
 sentença em 1.ª instância, salvo se tiverem sido obtidos mediante certidão 
 solicitada com menção do fim a que se destina, ou se para tal tiver havido 
 autorização expressa da autoridade judiciária que presidir à fase do processo no 
 momento da publicação”.
 O tribunal a quo interpretou a referida norma no sentido de que a incriminação 
 da reprodução das peças processuais ou documentos incorporados no processo vale 
 para todas as fases do procedimento criminal até à sentença em primeira 
 instância, incluindo a fase processual anterior à tomada de decisão de sujeição 
 do arguido a julgamento, a qual era, em regra, secreta, segundo a redacção 
 originária do artigo 86.º do C.P.P. de 1987, aplicável ao caso sub iudice.
 Entendeu ainda o tribunal a quo que, ocorrendo a conduta típica de reprodução de 
 peças processuais numa fase processual coberta pelo segredo de justiça, haveria 
 então lugar ao concurso de normas entre aquele tipo de crime com o crime de 
 violação de segredo de justiça previsto no artigo 371.º, n.º 1, do Código Penal, 
 sendo o agente apenas punido a título de crime previsto no artigo 88.º, n.º 2, 
 al. a), do C.P.P., mercê do “princípio da especialidade” (sustenta a doutrina 
 que o princípio convocável neste caso de concurso é antes o da subsidiariedade – 
 v.g. MEDINA DE SEIÇA, em “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo III, 
 pág. 653, da ed. de 2001, da Coimbra Editora), expressamente ressalvado na parte 
 final do n.º 1, do artigo 371.º, do C.P. (“salvo se outra pena for cominada para 
 o caso pela lei de processo”).
 Não competindo ao Tribunal Constitucional ajuizar da correcção desta solução de 
 direito infra-constitucional, deve apenas ser verificada a constitucionalidade 
 da interpretação que considera incluída na previsão do artigo 88º, n.º 2, a), do 
 C.P.P., a reprodução pela comunicação social de peças processuais durante a fase 
 anterior à decisão de sujeição do arguido a julgamento.
 
  
 
 2.1. O princípio da legalidade
 A Recorrente entende que a norma incriminadora constante da al. a), do n.º 2, do 
 artigo 88.º, do C.P.P., viola o princípio constitucional da legalidade penal, 
 mais concretamente a exigência de determinabilidade do conteúdo da lei criminal.
 Assim sendo, o primeiro parâmetro constitucional à luz do qual há-de avaliar-se 
 a constitucionalidade da norma questionada é o artigo 29.º, n.º 1, da C.R.P., 
 com a redacção vigente, cujo teor é o seguinte: 
 
 “Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que 
 declare punível a acção ou omissão, nem sofrer medida de segurança cujos 
 pressupostos não estejam fixados em lei anterior”.
 A explanação do conteúdo do princípio da legalidade é enunciada com brevidade em 
 várias fórmulas latinas, entre as quais avulta nullum crimen sine lege certa e 
 nullum crimen sine lege stricta.
 
 “A norma legal incriminadora tem de ser «certa», isto é, tem de determinar com 
 suficiente precisão o facto criminoso” (cfr. CAVALEIRO DE FERREIRA, em “Lições 
 de Direito Penal”, págs. 54-56, da ed. de 1992, da Editorial Verbo).
 Mal se compreende, no caso concreto, a invocação da violação deste princípio 
 constitucional nos termos genéricos inicialmente avançados pela Recorrente.
 Na verdade, a acção típica em questão encontra-se descrita de forma 
 suficientemente precisa e inteligível no transcrito artigo 88.º, n.º 2, alínea 
 a), do C.P.P., sendo essa previsão acompanhada da punição a título de 
 desobediência simples, o que se traduz simplesmente na aplicação da moldura 
 penal prevista no n.º 1, do artigo 348.º, do C.P..
 No plano da técnica legislativa, a incriminação em causa passa pela subsunção da 
 conduta típica a uma norma que concretamente a qualifica como crime de 
 desobediência simples, cominando a punição prevista para o crime de 
 desobediência, não havendo, assim, a pretensa subsunção directa ao n.º 1, do 
 artigo 348.º, do C.P., com todas as limitações associadas às normas penais em 
 branco (vide sobre a lei penal em branco e o carácter subsidiário do tipo 
 incriminador da desobediência, LOPES DA MOTA, em “Crimes contra a autoridade 
 pública”, em “Jornadas de direito criminal – Revisão do Código Penal – 
 Alterações ao sistema sancionatório e Parte Especial”,  vol. II, pág. 433-451, 
 da ed. de 1998, do Centro de Estudos Judiciários).
 Igualmente não se percebe a alusão ao n.º 3, do artigo 29.º, da C.R.P., 
 respeitante à proibição da retroactividade da lei penal desfavorável, uma vez 
 que o caso concreto não revelou qualquer situação de sucessão de leis penais no 
 tempo até ao momento em que foi proferida a decisão recorrida.
 Nas suas alegações a Recorrente explicou que a aplicação da punição em questão 
 viola o princípio constitucional da legalidade penal, em especial as regras da 
 interpretação da lei penal, na parte em que aquela alegadamente extravasa a 
 letra e o espírito da lei penal ao atribuir indevidamente relevância típica 
 positiva ao segredo de justiça para efeito de responsabilização pela prática do 
 tipo de crime previsto na alínea a), do n.º 2, do artigo 88.º, do C.P.P., já 
 que, no seu entender, todas as violações do segredo de justiça com relevância 
 penal seriam subsumíveis e punidas autonomamente pelo tipo de crime de violação 
 de segredo de justiça previsto no artigo 371.º, n.º 1, do C.P..
 O acórdão recorrido entendeu que, tendo ocorrido a conduta típica de reprodução 
 de peças processuais numa fase processual coberta pelo segredo de justiça, 
 estávamos perante um concurso de normas entre aquele tipo de crime com o crime 
 de violação de segredo de justiça previsto no artigo 371.º, n.º 1, do C.P., 
 sendo o agente apenas punido a título de crime previsto no artigo 88.º, n.º 2, 
 al. a), do C.P.P., mercê “do princípio da especialidade” expressamente 
 ressalvado na parte final do n.º 1, do artigo 371.º do Código Penal.
 Resulta, pois, que a divergência não se reporta a uma condenação pela prática de 
 um crime não tipificado na lei, mas sim à solução perfilhada pela decisão 
 recorrida perante um caso de concurso de normas tipificadoras.
 Ora, a questão da eventual existência e sentido da solução de um concurso de 
 normas entre as incriminações constantes do artigo 88.º, n.º 2, alínea a), do 
 C.P.P., e do artigo 371.º, n.º 1, do C.P., constitui mera questão de direito 
 infra-constitucional, cuja correcção não compete ao Tribunal Constitucional 
 ajuizar, sendo certo que a sentença recorrida não assumiu o recurso a qualquer 
 interpretação extensiva ou integração analógica, violadora do princípio da 
 legalidade penal, para efectuar tal subsunção.
 Não se verifica, pois, que a interpretação do artigo 88.º, n.º 2, a), do C.P.P., 
 no sentido do mesmo abranger a fase processual coberta pela regra do segredo de 
 justiça, viole o princípio da legalidade penal.
 
  
 
 2.2. O princípio da necessidade da tutela penal
 A Recorrente entende ainda que a norma penal contida no artigo 88.º, n.º 2, al. 
 a), do C.P.P., viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e da 
 necessidade de incriminação.
 E assim se entra no conhecimento da questão nuclear do presente recurso de 
 constitucionalidade, interessando, pois, saber que limites concretos a 
 Constituição impõe ao conteúdo dos crimes.  
 De acordo com a nossa lei criminal, constitui crime todo o facto descrito e 
 declarado passível de pena por lei (artigo 1.º, n.º 1, do C.P.). 
 A Constituição prevê expressamente que o legislador ordinário tem o direito de 
 criar crimes ameaçados com a aplicação de penas criminais (artigo 165.º, n.º 1, 
 al. c), da C.R.P.).
 Todavia, traduzindo-se as penas criminais na restrição de direitos e liberdades 
 consagrados na Constituição, tal restrição só é legítima, de acordo com o 
 disposto no artigo 18.º, n.º 2 , da C.R.P., quando tiver por objectivo a 
 protecção de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, isto 
 
 é, quando a situação tipificada tiver dignidade penal. 
 Além disso, ainda de acordo com o referido preceito constitucional, é também 
 necessário que a protecção de tais bens não possa realizar-se senão através da 
 aplicação de penas ou medidas de segurança, o que faz do direito penal a ultima 
 ratio da política social do Estado, exigindo-se uma situação de necessidade de 
 tutela penal (vide COSTA ANDRADE, em “Constituição e Direito Penal”, em “A 
 justiça nos dois lados do Atlântico – Teoria e prática do processo criminal em 
 Portugal e nos Estados Unidos da América”, pág. 200-205, da ed. de 1997, da 
 Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, FIGUEIREDO DIAS, em “O 
 comportamento criminal e a sua definição: o conceito material de crime”, em 
 
 “Temas básicos da doutrina penal”, pág. 33 e seg., da ed. de 2001, da Coimbra 
 Editora, e JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, em “Constituição Portuguesa anotada”, 
 tomo I, pág. 326-327, da ed. de 2005, da Coimbra Editora). 
 O princípio da necessidade de pena implica sempre uma ponderação pelo legislador 
 ordinário para decidir em definitivo da criminalização ou não da conduta. 
 Na verdade, “o juízo sobre a necessidade de recurso aos meios penais, cabe, em 
 primeira linha, ao legislador, ao qual se há-de reconhecer, também nesta 
 matéria, um largo âmbito de discricionariedade, só podendo a liberdade de 
 conformação legislativa ser limitada em casos em que a punição criminal se 
 apresente como manifestamente excessiva (vide os Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional n.º 634/93, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 26.º vol., 
 pág. 205, n.º 274/98, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 39.º vol., pág. 
 
 585, e n.º 295/2003, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 56.º vol., pág. 
 
 433).
 A necessidade da pena constitui, assim, “um conceito multifacetado com uma base 
 valorativa e outra empírica. Na sua base valorativa, só é necessário o Direito 
 Penal justificado pela realização das condições essenciais do Estado de direito 
 democrático. Na sua base empírica, a necessidade exige que a verificação de tais 
 condições assente num juízo casuístico. Assim, há uma constatação que enfraquece 
 o juízo de obrigatoriedade das incriminações, nos casos em que possa vigorar uma 
 solução alternativa ao Direito Penal” (FERNANDA PALMA, em “Direito 
 Constitucional Penal”, pág. 54-55, da ed. de 2006, da Almedina).
 
  No artigo 88.º, n.º 2, a), do C.P.P., tipifica-se como crime de desobediência, 
 punido nos termos do artigo 348.º, do C.P., a reprodução pelos órgãos de 
 comunicação social de peças processuais ou de documentos incorporados em 
 processos pendentes, salvo se tiverem sido obtidos mediante certidão solicitada 
 com menção do fim a que se destina, ou se para tal tiver havido autorização 
 expressa da autoridade judiciária que presidir à fase em que se encontra o 
 processo no momento da publicação.
 Conferindo-se ao tribunal o poder de seleccionar quais as peças e documentos do 
 processo cujo teor pode ser divulgado pelos órgãos de comunicação social, sem 
 que haja perigo de perturbação da serenidade que deve presidir ao processo 
 decisório do tribunal, ou que seja justificado pela preponderância de outros 
 interesses relevantes, o legislador entendeu criminalizar a conduta que ignore 
 esse poder ou que contrarie o seu exercício, traduzida na publicação não 
 autorizada das referidas peças e documentos.
 Esta incriminação não visa apenas proteger o exercício da administração da 
 justiça, de forma a evitar especulações, conjecturas extra-processuais e 
 movimentos de pressão da opinião pública sobre os casos em apreciação pelos 
 tribunais, que possam perturbar a serenidade, a isenção e a independência que 
 deve presidir à tomada das decisões judiciais. Não deixando de ter presente a 
 fase processual em que neste processo se verificou a conduta tipificada, podemos 
 dizer que a sua criminalização é plurisignificativa no plano axiológico, sendo 
 múltiplos os bens jurídicos tutelados: além do referido interesse público na 
 realização de uma justiça isenta e independente, poupada a intromissões de 
 terceiros, a especulações sensacionalistas ou a influências que perturbem a 
 serenidade dos julgadores; o interesse do arguido em não ver publicamente 
 revelados factos que podem vir a não ser considerados provados sem que com isso 
 se evitem graves prejuízos para a sua reputação e dignidade; e o interesse de 
 outras partes ou intervenientes no processo, designadamente os presumíveis 
 ofendidos, na não revelação de certos factos prejudiciais à sua reputação e 
 consideração social, ou que invadam a esfera da sua vida intima.
 O bem jurídico tutelado pelo tipo legal de crime em causa integra, pois, um 
 leque de interesses públicos e privados, de tal importância, que é perfeitamente 
 justificável, a criminalização da conduta violadora da restrição de publicidade 
 contida no art.º 88.º, nº 2, a), do C.P.P., abrangendo, como considerou a 
 decisão recorrida, a fase anterior à decisão de sujeição do arguido a 
 julgamento, mostrando-se indiscutivelmente observados os princípios 
 constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade, a que devem 
 obedecer as leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias, nos termos 
 dos artº 18.º, n.º 2 e 3, da C.R.P..
 Não se vislumbra que o legislador pudesse prescindir da reacção criminal para 
 garantir a protecção eficaz daqueles bens jurídicos, face ao poder de facto de 
 que gozam efectivamente os órgãos de comunicação social e à extensão potencial 
 da considerável danosidade inerente à violação do referido bem jurídico complexo 
 pelos mesmos (vide, sobre as consequências da cobertura mediática dos processos 
 criminais, MARTINE MADOUX, em “Criminalidade, processo penal e meios de 
 comunicação”, na “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 9, Fasc. 2.º, 
 Abril-Junho 1999, págs. 225-226).
 E a circunstância de estar em causa uma incriminação de perigo abstracto não 
 conduz à negação da tutela penal, na medida em que se justifica plenamente uma 
 antecipação dessa tutela, pela já referida aptidão de elevada e devastadora 
 danosidade, resultante da reprodução de peças processuais pelos media. 
 A mera sanção pecuniária associada à infracção contra-ordenacional não assumiria 
 um efeito dissuasor suficiente, perante os eventuais benefícios económicos 
 advindos da conduta violadora, o que nos leva a concluir, com segurança, pela 
 adequação e necessidade da tutela penal.
 Nestes termos, à luz do princípio constitucional da necessidade de pena, não se 
 pode censurar a opção de criminalização da reprodução das peças e documentos 
 contidos em processo penal sem autorização do tribunal, na fase anterior à 
 decisão de sujeição do arguido a julgamento.
 
  
 
 2.3. A liberdade de imprensa
 Dispõe o artigo 37.º, nº 1 e 3, da C.R.P.
 
 “1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela 
 palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, 
 de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
 
 …
 
 3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos 
 princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, 
 sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou 
 de entidade administrativa independente, nos termos da lei”.
 E, relativamente à forma de veiculação qualificada da liberdade de expressão, 
 que é a liberdade de imprensa, dispôs o artigo 38.º, n.º 1 e 2, a), da C.R.P.:
 
 “1. É garantida a liberdade de imprensa.
 
 2. A liberdade de imprensa implica:
 a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como 
 a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de 
 comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional…”.
 O direito de informar e, por extensão, a liberdade de imprensa não são direitos 
 ilimitados e absolutos, sendo certo que é a própria Constituição que admite que 
 o seu exercício pode implicar a prática de infracções sujeitas ao Direito 
 Criminal (artigo 37.º, n.º 3), designadamente quando colide com outros direitos 
 ou institutos constitucionalmente protegidos (vide GOMES CANOTILHO e VITAL 
 MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, pág. 575, da  4ª 
 ed., da Coimbra Editora, NUNO E SOUSA, em “A liberdade de imprensa”, pág. 
 
 260-268, COSTA PINTO, em “Segredo de justiça e acesso ao processo”, em “Jornadas 
 de Direito Processual Penal e direitos fundamentais”, págs. 84-85, da ed. de 
 
 2004, da Almedina, e JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, ob. cit., pág. 430).
 Alguns dos bens jurídicos acima referidos como tutelados pelo tipo criminal em 
 análise, encontram-se constitucionalmente garantidos (a independência dos 
 tribunais, no artigo 203º, da C.R.P., a presunção de inocência do arguido, no 
 artigo 32.º, n.º 2, da C.R.P., o direito ao bom nome e reputação, no artigo 
 
 26.º, nº 1, da C.R.P., e o direito à reserva da intimidade da vida privada, no 
 artigo 26.º, n.º 1, da C.R.P.), pelo que o seu conteúdo constitui um limite 
 inevitável à liberdade de imprensa (vide, COSTA PINTO, na ob. cit., págs. 84-85, 
 MENEZES LEITÃO, em “O segredo de justiça em processo penal”, em “Estudos 
 comemorativos do 150º Aniversário do Tribunal da Boa-Hora”, pág. 232-233, da ed. 
 de 1995, do Ministério da Justiça, ASSUNÇÃO ESTEVES, em “Estudos de direito 
 constitucional”, pág. 153-154, da ed. de 2001, da Coimbra Editora, MÁRIO 
 FERREIRA MONTE, em “O segredo de justiça na revisão do Código de Processo Penal: 
 principais repercussões na comunicação social”, na “Scientia iuridica”, tomo 
 XLVIII, pág. 419-420, e ARTUR RODRIGUES DA COSTA, em “Publicidade do julgamento 
 penal e direito de comunicar”, na “Revista do Ministério Público”, Ano 15º, nº 
 
 57, pág. 57-69).
 Pelas razões acima aduzidas aquando da ponderação do respeito do princípio da 
 necessidade da tutela penal, reafirma-se que a criminalização da reprodução não 
 autorizada na comunicação social de peças e documentos processuais na fase 
 anterior à decisão de sujeição do arguido a julgamento se encontra perfeitamente 
 justificada, mostrando-se indiscutivelmente observados os princípios 
 constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade, a que devem 
 obedecer as leis restritivas dos direitos, e liberdades, incluindo a liberdade 
 de imprensa.
 Enquadrando-se, pois, a limitação aqui em causa na restrição directamente 
 constitucional prevista no n.º 3, do artigo 37.º, da C.R.P., não há qualquer 
 violação do conteúdo constitucional da liberdade de imprensa.
 Tudo o que antes se escreveu não é minimamente abalado pela invocada Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que o respectivo art. 10.º, após 
 dispor no n.º 1 que “qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão” e que 
 o mesmo “compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de 
 transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer 
 autoridades públicas”, também admite expressamente, no n.º 2, o estabelecimento 
 de “restrições previstas na lei que constituam providências necessárias, numa 
 sociedade democrática para a segurança nacional, a integridade territorial ou a 
 segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da 
 saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir 
 a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a 
 imparcialidade do poder judicial”, o que abrange a possibilidade dos referidos 
 bens jurídicos tutelados pela tipificação penal em análise constituirem um 
 limite à liberdade de imprensa.
 
  
 
 2.4. O princípio da culpa
 Por último, a Recorrente invoca a violação do princípio penal constitucional da 
 culpa.
 O princípio da culpa está consagrado, conjugadamente, nos artigos 1.º e 25.º, da 
 C.R.P..
 A respeito deste princípio constitucional penal, FERNANDA PALMA escreveu, de 
 forma impressiva, que “a culpa, como censurabilidade do acto proibido realizado 
 perante alternativas disponíveis de condutas proibidas, é uma decorrência do 
 pressuposto constitucional de que as pessoas não são seres automatizados e 
 predeterminados, mas antes seres capazes de decidir desde que lhes sejam 
 asseguradas as devidas condições de conhecimento e liberdade. A culpa é, por 
 isso, uma exigência da dignidade da pessoa humana e do direito à liberdade” (em 
 
 “Criminalidade”, em, “Casos e Materiais de Direito Penal”, de FERNANDA PALMA, 
 CARLOTA ALMEIDA, JOSÉ VILALONGA pág. 26-27, da 2ª ed., da Almedina).
 A dignidade penal dos interesses garantidos pela existência do instituto do 
 segredo de justiça – já acima demonstrada – afasta, logicamente, qualquer 
 entendimento de que a incriminação em questão é destituída de qualquer 
 ressonância ética.
 Por outro lado, resulta à saciedade que o legislador ordinário não pretende 
 responsabilizar os jornalistas independentemente da culpa, na medida em que a 
 responsabilidade criminal associada ao tipo de crime em questão não prescinde da 
 comissão dolosa, e, aliás, conforme resulta da decisão recorrida, a Recorrente 
 foi precisamente condenada a título de dolo eventual.
 
  
 
 2.5. Conclusão
 Não enfermando a interpretação normativa seguida pela decisão recorrida de 
 qualquer uma das inconstitucionalidades apontadas pela Recorrente, deve o 
 recurso ser julgado improcedente.
 
  
 
                                                       *
 Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a) julgar improcedente o recurso interposto por A. para o Tribunal 
 Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Março de 
 
 2007, quanto à questão da constitucionalidade da interpretação normativa do art. 
 
 88.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal de 1987, contida no acórdão 
 recorrido; 
 b) não conhecer da segunda questão de inconstitucionalidade enunciada pela 
 recorrente no seu requerimento de interposição de recurso.
 
  
 
                                                       *
 Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, 
 ponderando os critérios indicados no artigo 9.º, do D.L. nº 303/98, de 7 de 
 Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).  
 
                                
 
 *
 Lisboa, 11 de Dezembro de 2007
 João Cura Mariano
 Joaquim Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues (com a declaração de que não conheço do fundamento alegado da 
 violação do princípio constitucional da legalidade penal pelas razões aduzidas, 
 entre outros, nos Acs. 197/03 e 196/03 e que correspondiam à maioria das 
 posições do Tribunal e não vem igualmente questionada a validade constitucional 
 de quaisquer normas relativas ao processo de determinação do direito).
 Rui Manuel Moura Ramos