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Processo nº 722/06
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é 
 recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, 
 alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 15 de Março de 2006, 
 
 “complementado pelo Acórdão de 21 de Junho de 2006 – que indeferiu arguição de 
 nulidades”.
 
  
 
 2. Em 24 de Outubro de 2006, foi proferida decisão sumária (artigo 78-A, nº 1, 
 da LTC), no sentido de que não podia conhecer-se do objecto do recurso em causa, 
 com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 “Em resposta ao convite formulado, nos termos do disposto no nº 6 do artigo 
 
 75º-A da LTC, a recorrente continua a não identificar, com precisão, a decisão 
 da qual interpõe recurso para o Tribunal Constitucional. De todo o modo, 
 independentemente dessa questão, importa concluir que nenhum dos acórdãos 
 aplicou as “normas” cuja apreciação é requerida, não se podendo dar como 
 verificado um dos requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na 
 alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC e, consequentemente, conhecer do objecto 
 do recurso interposto.
 
  
 
 1. A recorrente requer a apreciação da norma do artigo 425° do Código de 
 Processo Penal conjugada com o disposto no artigo 713° do Código de Processo 
 Civil, quando interpretada no sentido de admitir como decidida e fundamentada 
 uma questão de constitucionalidade normativa sem que o tribunal tenha, de facto 
 e de direito, efectuado qualquer julgamento de constitucionalidade relativamente 
 
 à norma arguida de inconstitucional, confrontando-a, designadamente com os 
 parâmetros constitucionais tidos como violados; bem como a do artigo 425° do 
 Código de Processo Penal, conjugada com o disposto no artigo 374°, nº 2, do 
 mesmo diploma, quando interpretada no sentido de admitir como decidida e 
 fundamentada uma questão de constitucionalidade normativa sem que o tribunal 
 tenha, de facto e de direito, efectuado qualquer julgamento de 
 constitucionalidade relativamente à norma arguida de inconstitucional, 
 confrontando-a, designadamente com os parâmetros constitucionais tidos como 
 violados.
 Tem vindo este Tribunal a entender que pode ser requerida a apreciação da 
 inconstitucionalidade de uma norma na sua totalidade, em determinado segmento ou 
 segundo certa interpretação, desde que mediatizada pela decisão recorrida, (cf., 
 entre muitos outros, o Acórdão nº 232/02, Diário da República, II Série, de 18 
 de Julho de 2002). Porém, só pode «apresentar-se como sendo interpretação de uma 
 determinada norma jurídica, mesmo quando ela seja lida conjugadamente com outra 
 ou outras normas jurídicas, um sentido que seja referível ao seu teor verbal: é 
 que, o intérprete não pode considerar ‘o pensamento legislativo que não tenha na 
 letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente 
 expresso’ e deve presumir ‘que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento 
 em termos adequados’» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 106/99, não 
 publicado).
 No caso em apreço, aquela formulação não pode apresentar-se como sendo 
 interpretação de norma do artigo 425º do Código de Processo Penal conjugada com 
 o disposto no artigo 713º do Código de Processo Civil, nem tão-pouco 
 interpretação de norma do primeiro artigo, conjugada com o disposto no artigo 
 
 374º, nº 2, do Código de Processo Penal. Não pode apresentar-se como 
 interpretação, atento o teor destes artigos, que se reportam a regras sobre a 
 elaboração do acórdão – e notificação do mesmo (nº 6 do artigo 425º) – e aos 
 requisitos da sentença em matéria de fundamentação de facto.
 Aquela formulação é significativa, isso sim, sob a capa formal da invocação da 
 inconstitucionalidade daqueles preceitos, da discordância da recorrente 
 relativamente ao decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de [em] 21 de 
 Junho de 2006, quando acordou que a questão de inconstitucionalidade reportada 
 aos artigos 307º e 308º do Código de Processo Penal foi apreciada e decidida no 
 Acórdão de 15 de Março do mesmo ano.
 
  
 
 2. A recorrente requer também a apreciação da norma do artigo 668°, nº 1, alínea 
 d), do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de admitir que 
 se indefira a arguição de nulidade de omissão de pronúncia relativa a uma 
 questão de constitucionalidade e simultaneamente se decida, na mesma reclamação 
 que se indefere, em termos inovadores, essa mesma questão. Ora, resulta 
 claramente do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Junho de 2006 – 
 e só este poderia aplicar norma do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de 
 Processo Civil – que este artigo não foi interpretado e aplicado daquela forma. 
 Tal decorre especificamente da passagem que, de seguida, se transcreve:
 
  
 
 «(…) certo sendo que se omitiu por completo, o vocábulo inconstitucionalidade, 
 não menos é que, tal arrogada inconstitucionalidade, foi apreciada e decidida, 
 como ressalta daquele aresto, mormente de fls 19 (primeiras vinte linhas) e fls. 
 
 20».
 
  
 Remetendo para o decidido no acórdão cuja nulidade foi arguida, o Tribunal da 
 Relação de Coimbra não aplicou aquele artigo 668º, nº 1, alínea d), naquela 
 interpretação, desde logo porque não terá então decidido a questão de 
 inconstitucionalidade “em termos inovadores”.
 
  
 
 3. A recorrente requer, ainda, a apreciação da norma dos artigos 307° e 308° do 
 Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de admitir que o juízo 
 de não pronúncia não cuide directa e exclusivamente da avaliação objectiva da 
 suficiência de indícios. 
 Também quanto a esta norma dos artigos 307º e 308º do Código de Processo Penal, 
 quando interpretados daquele modo, é de concluir que o Tribunal da Relação de 
 Coimbra, em 15 de Março de 2006, não a aplicou, como ratio decidendi. A decisão 
 no sentido de negar provimento ao recurso interposto da decisão instrutória de 
 não pronúncia assentou numa interpretação distinta da alegada, bastando para tal 
 concluir atentar no teor da passagem da decisão daquele Tribunal, transcrita no 
 ponto 2. do Relatório que antecede.
 Considerando a peça processual indicada pela recorrente em cumprimento da parte 
 final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC (especialmente, fls. 346 e s. e 358) e o 
 requerimento de arguição de nulidade do acórdão de 15 de Março de 2006, aquela 
 formulação é significativa de uma interpretação no sentido de admitir que o 
 juízo de não pronúncia seja determinado por uma conclusiva e subjectiva 
 avaliação precária da prova, projectada num juízo de valor que não é dirigido à 
 maior ou menor suficiência dos indícios, projectada, por outras palavras, no 
 concreto julgamento da causa realizado com prova precária e sem contraditório 
 adequado. Ora, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra daquela data é por 
 demais explícito no sentido de distinguir o juízo que cabe ao juiz de instrução, 
 enquanto avalia a suficiência dos indícios, do que cabe ao juiz de julgamento, 
 enquanto decide sobre a prova dos factos. Pode ler-se aí, nomeadamente, o 
 seguinte:
 
  
 
 «Podemos adiantar, como seguro, que indícios suficientes serão os elementos 
 bastantes para estabelecerem no julgador a convicção maior ou menor da 
 existência do facto delituoso e da participação nele do arguido em termos de se 
 presumir a sua condenação.
 E só constituem indícios suficientes “aqueles elementos que logicamente 
 relacionados e conjugados formam um conjunto persuasivo, na pessoa que os 
 examina, sobre a existência do facto punível, de quem foi o seu autor e da sua 
 punibilidade”.
 Nesta fase processual a lei basta-se pela existência de indícios de 
 probabilidade da existência do facto considerado como crime, contrariamente à 
 fase do julgamento em que a lei exige uma certeza do facto e da participação 
 nele pelo arguido.
 A diferença nestas duas fases processuais é constituída pela distância que vai 
 da probabilidade à certeza.
 Nas fases preliminares do processo (inquérito e instrução) não se visa alcançar 
 a demonstração da realidade dos factos, antes tão só indícios, sinais de que um 
 crime foi cometido por determinado arguido, constituindo as provas reunidas 
 nessas fases, pressuposto, não da decisão de mérito, mas da decisão processual 
 de prossecução dos autos para julgamento onde o julgador deverá ser mais 
 exigente. Em julgamento exige-se certeza cimentada através de uma sã apreciação 
 crítica da prova, enquanto que para o acto provisório da acusação ou da 
 pronúncia, se exige somente aquela convicção».
 
  
 No fundo, e mais uma vez, sob a capa formal da invocação da 
 inconstitucionalidade de normas, a recorrente demonstra a sua discordância 
 relativamente à decisão de não pronúncia proferida pelas instâncias”.
 
  
 
 3. Notificada desta decisão, a recorrente apresenta agora o seguinte 
 requerimento:
 
  
 
 «1. Ao abrigo do disposto no artigo 669.°, n.º 1, alínea a), do Código de 
 Processo Civil, aplicável ex vi o disposto no artigo 69.° da Lei n.º 28/82, 
 
 [vem] solicitar esclarecimento de ambiguidade contida na decisão sumária, como 
 condição sine qua non de possibilidade de exercer, em termos válidos, o direito 
 de reclamação para a conferência, com base nos seguintes fundamentos:
 A ora reclamante suscitou nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de 
 Coimbra a inconstitucionalidade da norma do artigo 307.° e 308.° do Código de 
 Processo Penal quando interpretados no sentido de admitir que o juízo de não 
 pronúncia não cuide directa e exclusivamente da avaliação objectiva da 
 suficiência de indícios.
 De acordo com a decisão sumária ora notificada, concluiu esse Tribunal que o 
 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Março de 2006, não aplicou 
 essa norma como ratio decidendi e, simultaneamente, que “sob a capa formal da 
 inconstitucionalidade de normas, a recorrente demonstra a sua discordância 
 relativamente à decisão de não pronúncia proferida pelas instâncias”.
 Ora, salvo o devido respeito, tais fundamentos não são compatíveis entre si.
 De facto, ou se entende que a recorrente contesta a decisão judicial traduzida 
 no acto de aplicação subsuntiva realizado pelo tribunal a quo, caso em que não 
 se estará perante uma questão de constitucionalidade normativa, ou, em oposição, 
 se entende que o tribunal não aplicou a norma como ratio decidendi.
 A diferença não é irrelevante.
 No primeiro caso, implica que se aprecie, independentemente do confronto com a 
 decisão recorrida, a suscitação da constitucionalidade da “norma”, em termos de 
 saber se aí se abstrai das particularidades do caso e se define, em termos 
 normativos, um critério susceptível de ser apreendido e aplicado, em face da sua 
 generalidade e abstracção, pelos operadores jurídicos.
 No segundo caso, ter-se-á de confrontar a norma arguida de inconstitucional com 
 a decisão recorrida de modo a sindicar se o tribunal aplicou, ou não, essa norma 
 como ratio decidendi.
 Como é óbvio, a recorrente não concorda com a decisão do Tribunal da Relação, 
 MAS, essa discordância funda-se no facto do Tribunal da Relação ter decidido com 
 base num critério normativo que se julga inconstitucional, e é esta discordância 
 que está na origem do seu recurso para o Tribunal Constitucional.
 Na verdade, considerado o critério normativo cuja constitucionalidade foi 
 suscitada, bem se vê que a recorrente não controverte o juízo aplicativo em si, 
 projectado na subsunção da factualidade relevada pelo tribunal, mas, 
 diferentemente, o critério normativo que esteve pressuposto a tal aplicação.
 
  
 
 2. Ao abrigo do disposto no artigo 70.°, n.º 1, alínea b), da LOFTC, a 
 recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, dando-se cumprimento 
 
 à ulterior tramitação processual relevante, a constitucionalidade da norma do 
 artigo 78.°-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, quando interpretada no sentido do Juiz 
 Relator poder proferir decisão sumária de não conhecimento do objecto do 
 recurso, sem audição prévia do recorrente, por violação do disposto no artigo 
 
 20.°, da Constituição, na parte em que daí se extrai o direito a um processo 
 justo e equitativo com respeito pelas garantias de defesa e pelo princípio do 
 contraditório, como, ademais, se ponderou, com outro circunstancialismo, no 
 Acórdão N°. 358/98 deste Tribunal.
 
  
 
 3. Subsidiariamente, caso se entenda indeferir o pedido constante dos pontos 
 anteriores, ao abrigo do disposto no artigo 78.°-A, n.º 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, reclama-se para a conferência nos seguintes termos:
 
 3.1. Questão Prévia
 A reclamante requereu aclaração da douta decisão sumária como forma de 
 esclarecer uma ambiguidade aí existente quanto aos fundamentos do não 
 conhecimento do objecto do recurso.
 A não ser clarificada e decidida essa ambiguidade, o direito de reclamação da 
 decisão sumária fica seriamente comprometido na medida em que a reclamante não 
 sabe quais os fundamentos que há-de rebater, quando exista, como existe, uma 
 contradição quanto aos fundamentos do não conhecimento do objecto do recurso.
 Deste modo deverá considerar-se inconstitucional a norma do artigo 669.°, n.º 1, 
 alínea a), do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de ser 
 inaplicável ao esclarecimento de decisão sumária de não conhecimento de objecto 
 do recurso proferida nos termos do artigo 78.°-A, n.º 1, da Lei da Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, por violação do direito de 
 acesso aos tribunais.
 
 3.2. Sem conceder,
 Salvo o devido respeito, não pode considerar-se que a norma do artigo 307.° e 
 
 308.° do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de admitir 
 que o juízo de não pronúncia não cuide directa e exclusivamente da avaliação 
 objectiva da suficiência de indícios, não foi aplicada como ratio decidendi pelo 
 Tribunal da Relação.
 De facto, basta considerar o que o próprio Tribunal da Relação deixou consignado 
 quanto a tal norma:
 
 “O Acórdão versa primacialmente sobre o cerne da questão além aportada, qual 
 seja a da verificação/inverificação de indícios para submeter a julgamento, o 
 arguido (...).
 E dele decorre que, neste critério se não possa violar quer o artigo 20.° 
 
 (acesso ao direito) quer o artigo 211.°, n.º 2 (competência dos tribunais), 
 designadamente pela violação do juiz natural.
 A mera e exclusiva “avaliação objectiva da suficiência de indícios” não passa de 
 uma miragem, quando tal avaliação é “ainda” feita por um ser humano”.
 
 É o próprio Tribunal da Relação que dá por assente uma interpretação normativa 
 do artigo 307.° e 308.° do Código de Processo Penal no sentido de admitir que o 
 juízo de não pronúncia não cuide directa e exclusivamente da avaliação objectiva 
 da suficiência de indícios, tendo decidido com base em tal critério normativo.
 
 3.3. Também a norma do artigo 668.°, n.º 1, alínea d), do Código de Processo 
 Civil, foi aplicada como ratio decidendi, como se constata pelo facto de o 
 Tribunal da Relação, na peça onde diz ter resolvido a questão de 
 constitucionalidade, nada dizer sobre esta questão.
 A “fls 19 (primeiras vinte linhas) e fls 20”... não se vê que o Tribunal da 
 Relação tenha dirimido, contrariamente ao que indicou, qualquer questão de 
 constitucionalidade.
 Caberá ao Tribunal Constitucional, em todo o caso, aferir se o critério 
 normativo que o Tribunal diz ter seguido foi, ou não, na realidade, aquele que 
 foi aplicado! Só assim se alcançará a verdadeira – não fictícia – ratio 
 decidendi do decidido.
 Por outras palavras, a recorrente entende que o Tribunal Constitucional não está 
 vinculado ao que o Tribunal da Relação diz ter decidido, mas sim ao que de facto 
 decidiu, não esquecendo, quanto a este ponto, que o critério normativo aí 
 acolhido foi o de considerar que (um)a questão de constitucionalidade não 
 integrava o objecto do recurso.
 Essa não vinculação tem, ademais, sido assumida pelo Tribunal Constitucional 
 quando está em causa o cumprimento das suas decisões, pelo que, também aqui, 
 terá de ser esse o critério a prevalecer, sendo que, bem vistas as coisas, não 
 há nada – mas mesmo nada – no excerto indicado pelo próprio Tribunal da Relação 
 que possa ser visto ou interpretado, no mínimo que seja, como resposta à arguida 
 questão de constitucionalidade.
 Ou seja, parece-nos que o Tribunal da Relação decidiu a inconstitucionalidade 
 
 “em termos inovadores”, ao contrário do que se refere na decisão reclamada, sem 
 qualquer referência ou análise do texto onde o Tribunal da Relação (NÃO) decidiu 
 a questão.
 
 3.4. Por último, a recorrente pretendia ver fiscalizada a constitucionalidade do 
 critério normativo segundo o qual se admitisse como tendo sido decidida e 
 fundamentada uma questão de constitucionalidade sem que o tribunal tivesse, de 
 facto e de direito, efectuado qualquer julgamento de constitucionalidade 
 relativamente à norma arguida de inconstitucional, confrontando-a, 
 designadamente, com os parâmetros constitucionais.
 E, no seu entendimento, essa norma resulta inferida do disposto no artigo 374.°, 
 n.º 2 do Código de Processo Penal, conjugada com o artigo 425.° do mesmo Código.
 Diz-se na decisão sumária que “só pode apresentar-se como sendo interpretação de 
 uma norma um sentido que seja referivel ao seu teor verbal”.
 Permitimo-nos realçar o seguinte:
 No artigo 374.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, a propósito dos requisitos 
 da sentença, diz-se que o tribunal deve fundamentar de facto e de direito, os 
 motivos que fundamentam a decisão, não podendo, como é óbvio, deixar de decidir 
 as questões que constituam objecto da intervenção do tribunal.
 No artigo 425.°, trata-se da elaboração do Acórdão, sendo-lhe aplicável, como 
 não pode deixar de ser, as exigências postas no artigo 374.º, n.º 2, ao nível da 
 exposição dos critérios de cognoscibilidade e fundamentação decisória que esse 
 artigo define.
 Há, pois, uma clara referência verbal da interpretação questionada às sobreditas 
 normas.
 O Tribunal considerou, com todo o respeito, erradamente, que a norma do artigo 
 
 374.°, n.º 2 cuida apenas dos requisitos da sentença em matéria de fundamentação 
 de facto.
 E, ainda, errou novamente ao considerar restritiva e revogatoriamente os 
 critérios quanto à elaboração do acórdão à norma sobre a sua notificação não 
 tomando em conta as exigências da elaboração do acórdão ao nível do 
 estabelecimento de critérios quanto à fundamentação de facto e de direito das 
 questões que são resolvidas.
 Além de que, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, importa 
 reter que tal norma é implicitamente acolhida pelo Tribunal da Relação, pelo que 
 a recorrente apenas assume, tal como o tribunal podia assumir, que a 
 interpretação questionada se extrai desses preceitos.
 Mas, para além desse invocado fundamento para não conhecer da questão, também 
 aqui, o Tribunal entende que se está a discordar da decisão, não havendo 
 qualquer critério normativo abstraído do circunstancialismo do caso concreto.
 Reiterando aqui o que se deixou dito atrás, acrescenta-se apenas que também esse 
 argumento é, salvo melhor opinião, equívoco. Poderia por acaso a recorrente ter 
 definido outro critério interpretativo-normativo quando o Tribunal da Relação 
 efectivamente interpretou a norma no sentido de admitir como decidida e 
 fundamentada uma questão de constitucionalidade sem que o tribunal tenha 
 efectuado um julgamento da sua constitucionalidade, confrontando-a com os 
 parâmetros constitucionais?!!
 Foi esta a ratio decidendi do acórdão! Foi este o critério normativo 
 implicitamente acolhido e projectado na decisão do Tribunal da Relação e 
 trata-se, efectivamente, de uma norma susceptível de ser abstractamente 
 exportada e desvinculada do caso e passível de um julgamento autêntico de 
 constitucionalidade».
 
  
 
 4. Notificados os recorridos, o representante do Ministério Público junto deste 
 Tribunal respondeu nos termos seguintes:
 
  
 
 «1 – O pedido de aclaração deduzido carece manifestamente de fundamento.
 
 2 – Na verdade, a decisão reclamada é perfeitamente clara e insusceptível de 
 dúvida objectiva sobre o nela decidido acerca da inverificação dos pressupostos 
 do recurso de fiscalização concreta interposto.
 
 3 – Por outro lado, a reclamação, deduzida subsidiariamente, é manifestamente 
 improcedente, já que a argumentação da reclamante em nada abala os fundamentos 
 da decisão reclamada – e que radica na confusão evidente entre os planos da 
 constitucionalidade normativa, conexionada necessariamente com um critério 
 normativo decisório, de cariz generalizante, e da discordância quanto à concreta 
 e específica decisão tomada pelo Tribunal “a quo”».
 
  
 B. respondeu, sustentando que deve “ser julgada improcedente a reclamação para a 
 conferência, ficando a subsistir a decisão sumária proferida”.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. A ora reclamante solicita esclarecimento de ambiguidade contida na decisão 
 sumária de 24 de Outubro de 2006.
 Conforme decorre do disposto nos artigos 669º, nº 1, alínea a), e 716º do Código 
 de Processo Civil, aplicáveis por força do consagrado no artigo 69º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, proferida 
 decisão, pode o recorrente pedir o esclarecimento de alguma obscuridade ou 
 ambiguidade que a mesma contenha: “a decisão judicial é obscura quando, em algum 
 passo, o seu sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se 
 preste a interpretações distintas” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 
 
 533/04, não publicado).
 Sustenta a ora reclamante que a decisão sumária proferida é ambígua por, numa 
 parte, assentar em “fundamentos não compatíveis entre si (…): ou se entende que 
 a recorrente contesta a decisão judicial traduzida no acto de aplicação 
 subsuntiva realizada pelo tribunal a quo, caso em que não se estará perante uma 
 questão de constitucionalidade normativa, ou, em oposição, se entende que o 
 tribunal não aplicou a norma como ratio decidendi”.
 Confrontada a parte da decisão que é objecto de aclaração é de concluir, porém, 
 que a mesma não é ambígua, uma vez que se presta apenas a uma interpretação: a 
 recorrente – apesar de ter enunciado uma “norma” – pretendeu questionar a 
 decisão de não pronúncia proferida.
 
  
 
 2. A ora reclamante requer também que o Tribunal Constitucional “aprecie (…) a 
 constitucionalidade da norma do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, quando 
 interpretada no sentido do Juiz Relator poder proferir decisão sumária de não 
 conhecimento do objecto do recurso, sem audição prévia do recorrente, por 
 violação do disposto no artigo 20.°, da Constituição, na parte em que daí se 
 extrai o direito a um processo justo e equitativo com respeito pelas garantias 
 de defesa e pelo princípio do contraditório”.
 Apesar de este pedido de apreciação não se inserir num requerimento de 
 interposição de recurso, a peça processual através da qual se requer a este 
 Tribunal a apreciação da inconstitucionalidade de normas (artigo 75º-A, nº 1, da 
 LTC), diga-se que aquela questão já foi objecto de decisão, nomeadamente através 
 do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 80/99 (não publicado). 
 Por um lado, escreveu-se que no nº 3 do artigo 78º da LTC «é assegurado o 
 princípio do contraditório, facultando-se ao recorrente a oportunidade de 
 reclamar para a conferência (…). A conferência decide definitivamente as 
 reclamações, desde que haja unanimidade dos juízes intervenientes; não existindo 
 unanimidade, a decisão cabe ao pleno da secção (cfr. nº4 do mesmo preceito)». Ou 
 seja, «perante o cada vez maior número de processos no Tribunal Constitucional, 
 o legislador ordinário, sem descurar a necessidade de assegurar uma tutela plena 
 dos direitos dos recorrentes, criou a figura da decisão sumária, para acelerar o 
 processo decisório de determinadas questões».
 Por outro lado, atendendo ao disposto no artigo 700º do Código de Processo 
 Civil, considerou-se que «a figura da decisão sumária prevista no artigo 78º-A 
 da Lei do Tribunal Constitucional corresponde a uma solução geral do direito 
 processual português. Traduz aliás uma concretização da remissão genérica 
 contida no artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos do qual ‘à 
 tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente 
 aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao 
 recurso de apelação’».  
 
  
 
 3. A ora reclamante requer, ainda, que o Tribunal defira a presente reclamação 
 no que toca à decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto.
 
 3.1. Relativamente aos artigos 307º e 308º do Código de Processo Penal, sustenta 
 a ora reclamante que o Tribunal da Relação os aplicou, como ratio decidendi, 
 interpretados no sentido de “admitir que o juízo de não pronúncia não cuide 
 directa e exclusivamente da avaliação objectiva da suficiência de indícios”.
 Para além de a presente reclamação não questionar o fundamento da parte 
 correspondente da decisão sumária – a recorrente pretendia, afinal, a apreciação 
 da decisão de não pronúncia proferida e não de uma qualquer norma –, socorre-se 
 do texto de uma decisão que, seguramente, não fez qualquer aplicação daqueles 
 artigos do Código de Processo Penal – o acórdão do Tribunal da Relação de 
 Coimbra, de 21 de Junho de 2006, que indeferiu a nulidade do acórdão de 15 de 
 Março do mesmo ano, a decisão que aplicou os artigos 307º e 308º daquele Código.
 
 3.2. Também quanto ao artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, 
 
 é sustentado pela reclamante que o Tribunal da Relação o aplicou como ratio 
 decidendi, interpretado no sentido de admitir que se indefira a arguição de 
 nulidade de omissão de pronúncia relativa a uma questão de constitucionalidade e 
 simultaneamente se decida, na mesma reclamação que se indefere, em termos 
 inovadores, essa mesma questão. 
 Porém, toda a argumentação utilizada vai no sentido de mostrar a divergência da 
 ora reclamante quanto à decisão de indeferir a arguida nulidade por omissão de 
 pronúncia quanto à questão de constitucionalidade suscitada. Chega mesmo a dizer 
 que “caberá ao Tribunal Constitucional, em todo o caso, aferir se o critério 
 normativo que o Tribunal diz ter seguido foi, ou não, na realidade, aquele que 
 foi aplicado!”.
 
 3.3. Por último, no que se refere à norma do artigo 425° do Código de Processo 
 Penal, conjugada com o disposto no artigo 374°, nº 2, do mesmo diploma, quando 
 interpretada no sentido de admitir como decidida e fundamentada uma questão de 
 constitucionalidade normativa sem que o tribunal tenha, de facto e de direito, 
 efectuado qualquer julgamento de constitucionalidade relativamente à norma 
 arguida de inconstitucional, confrontando-a, designadamente com os parâmetros 
 constitucionais tidos como violados, a reclamante nada alega no sentido de 
 contrariar o fundamento correspondente da decisão sumária proferida – a 
 recorrente pretendia, afinal, a apreciação da decisão de indeferimento da 
 arguida nulidade por omissão de pronúncia e não de uma qualquer norma. 
 Para além de tentar demonstrar que a “norma” formulada tem na letra da lei um 
 mínimo de correspondência verbal, reitera apenas que o Tribunal da Relação 
 
 “efectivamente interpretou a norma” naquele sentido. Para tal concluir 
 suporta-se no acórdão de 21 de Junho de 2006, mediante o qual foi indeferida a 
 nulidade então arguida, à luz do estabelecido no artigo 668º, nº 1, alínea d), 
 do Código de Processo Civil, o que por si é demonstrativo de que só a 
 interpretação e aplicação desta disposição legal poderia estar em causa. 
 
  
 Resta, assim, concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir:
 a) O esclarecimento requerido; e 
 b) A reclamação, confirmando, consequentemente, a decisão no sentido do não 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20  (vinte)   unidades  
 de conta.
 Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
 
  
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício