 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 867/07
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. A., devidamente identificado nos autos, foi condenado pela 5.ª Vara Criminal 
 de Lisboa, pela prática de um crime de falsificação de documentos, previsto e 
 punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), e b), 3 e 4, por referência aos 
 artigos 255.º, e 386.º, todos do Código Penal, na pena de três anos de prisão; 
 pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 
 
 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea 
 b), todos do Código Penal, na pena de seis anos de prisão; e em cúmulo jurídico, 
 na pena única de sete anos e seis meses de prisão.
 Inconformado com o assim decidido veio interpor recurso para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa tendo, no que ora importa, invocado nas conclusões da sua 
 minuta de recurso que:
 
 “ […]
 
 21.ª O artigo 127º do CPP quando prevê que os meros critérios de experiência 
 comum sirvam para a condenação penal em circunstância em que o tribunal 
 expressamente afastou, porque não credível, toda a prova testemunhal e por 
 declarações obtida em audiência, enferma de inconstitucionalidade material, por 
 violação do in dubio pro reo que é uma decorrência do artigo 32º, nº 2 da CRP e 
 em nome do qual a dúvida probatória quanto aos elementos típicos do crime 
 implica a absolvição do arguido e do artigo 32º, nº 1 do mesmo diploma.”
 Sobre essa invocada questão a Relação de Lisboa decidiu pela seguinte forma:
 
 “ […] 
 Em suma, aquele Tribunal Colectivo formou a sua convicção sobre a matéria de 
 facto e explicitou-a correctamente, mormente exprimindo, quanto aos factos 
 provados, um eloquente juízo de certeza; e quanto aos não provados, funda-se na 
 não prova dos mesmos e aplica, justa e adequadamente, o já referido princípio in 
 dubio pro reo. 
 Pode-se, por vezes, não concordar inteiramente com a forma como se expressa, mas 
 isso não obsta nem significa que, no essencial, não se deixe de aceitar a 
 fundamentação da convicção do Colectivo em causa (a expressão síntese dos seus 
 três membros). 
 Por isso, ainda na linha de orientação acima referida (de Michele Taruffo), 
 acompanhamos Maria de Fátima Mata-Mouros (no Direito à Inocência, p. III, 
 Principia, 2007) quando realça: 
 
 ‘A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, uma conclusão livre, 
 porque subordinada à razão e à lógica, embora não limitada por prescrições 
 formais exteriores. Não é uma afirmação infundamentada ou uma afirmação de 
 arbítrio, como já sublinhava o Prof. Cavaleiro de Ferreira. Trata-se, pois, não 
 de uma liberdade arbitrária, mas sim de uma liberdade para a objectividade, como 
 sustentado pelo Prof. Castanheira Neves. Sendo pessoal, a convicção deverá, 
 todavia, ser também ‘objectivável e motivável’ (na expressão, agora, de 
 Figueiredo Dias), através do cumprimento escrupuloso do dever de fundamentação, 
 sob pena de nulidade.’ – citando, por sua vez, o Prof. Germano Marques da Silva 
 
 (no Curso de Processo Penal, págs. 128 e ss.). 
 
 É neste sentido que relevam as regras de experiência comum na formação da 
 convicção do tribunal, para afirmar o princípio da livre apreciação da prova, 
 consagrado no art° 127° do CPP. 
 Neste aspecto, aceitamos o veredicto (do latim vere dictum, significa dito 
 verdadeiramente, isto é, numa opinião autorizada pela verdade) daquele Tribunal 
 Colectivo porquanto, no caso vertente, a decisão que fixou a matéria de facto – 
 e que ora nos ocupa – está devidamente fundamentada e o raciocínio subjacente 
 mostra-se objectivado e logicamente motivado, em conformidade com as regras de 
 experiência comum que explicita.” 
 Ainda inconformado veio interpor recurso para este Tribunal pelo requerimento de 
 fls. 5795, que se transcreve:
 
 “1. Fundamento do recurso: artigo 70° n.° 1 alínea b) da Lei do TC 
 
 2. Normas cuja inconstitucionalidade pretende declarar: o artigo 127° do CPP 
 quando prevê que os meros critérios de experiência comum sirvam como prova para 
 a condenação penal em circunstância em que o Tribunal expressamente afastou, 
 porque não credível, toda a prova testemunhal e por declarações obtida em 
 audiência. 
 
 3. Artigos da Constituição violados: os artigos 32° n.° 1 e 2 da CRP 
 
 4. Acto processual no qual a norma em causa foi aplicada: a norma em apreço foi 
 aplicada no acórdão em primeira instância na concreta dimensão normativa 
 referida e, mantida na decisão recorrida ao ter confirmado a mesma. 
 
 5. Prevenção da questão: a questão foi prevenida na conclusão 21.ª das 
 motivações de recurso que deu origem à decisão recorrida 
 
 6. Regime de subida e efeito: imediato, nos autos e suspensivo (artigo 78° n.° 4 
 da Lei do TC)
 Nestes termos deve ser decretada a inconstitucionalidade material das normas em 
 causa com a consequente reforma da decisão recorrida o que implicará a anulação 
 da mesma.” 
 Convidado para produzir alegações, veio juntá-las aos autos, concluindo pela 
 seguinte forma:
 
 “1.ª O artigo 127° do CPP, quando prevê que os meros critérios de experiência 
 comum sirvam como prova para a condenação penal em circunstâncias em que o 
 tribunal expressamente afastou, porque não credível, toda a prova testemunhal e 
 por declarações obtida em audiência é materialmente inconstitucional, porque 
 viola o artigo 32°, números 1 e 2 da CRP, onde se enunciam as garantias de 
 defesa e a presunção de inocência. 
 
 2.ª Tendo a decisão recorrida aplicado norma materialmente inconstitucional, 
 deve ocorrer a reforma da mesma, para que seja expurgada de tal vício o que, no 
 caso em apreço, implica a revogação do acórdão condenatório proferido contra o 
 arguido, pois que se fundou em tal norma ao apreciar a prova que fundamentou tal 
 veredicto.” 
 Em contra-alegações, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto propugnou pela 
 improcedência do recurso.
 Notificado o Recorrente para se pronunciar sobre a eventualidade de o recurso 
 não ser objecto de conhecimento pelo facto de a dimensão interpretativa 
 impugnada não corresponder à “ratio decidendi” do acórdão recorrido, veio este 
 responder a fls. 5895 e 5896.
 Decidindo.
 II – Fundamentação
 Questão Prévia
 O Recorrente interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, do artigo 
 
 127.º, do Código de Processo Penal, quando prevê que os meros critérios de 
 experiência comum sirvam como prova para a condenação penal em circunstância em 
 que o Tribunal expressamente afastou, porque não credível, toda a prova 
 testemunhal e por declarações obtidas em audiência, por ofensa, na sua 
 perspectiva, ao artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República.
 No entanto, face à dimensão normativa que o Recorrente reputa de 
 inconstitucional, e que, por conseguinte, integra o objecto do presente recurso, 
 constata-se que a mesma não coincide com o sentido que lhe foi atribuído pelas 
 instâncias. Com efeito, nem a 5.ª Vara Criminal de Lisboa nem o Tribunal da 
 Relação de Lisboa afastaram, como sustenta o Recorrente, toda a prova 
 testemunhal e por declarações obtidas em audiência. E tal conclusão é facilmente 
 aferível pela leitura de alguns trechos extractados do aresto recorrido, como se 
 segue:
 A fls. 5757: “Assim, aquele Tribunal Colectivo explica muito bem por que 
 motivos, defrontando-se duas versões antagónicas e inconciliáveis, apenas 
 considera verdadeira, por consistente e coerente face à linearidade objectiva 
 dos documentos (…) a versão fáctica dada como assente (em suma, a do assistente 
 B.). Por outro lado, compreende-se que tenham sido descredibilizadas as versões 
 dadas pela arguida C. (…) e pelo arguido A. (…), mesmo na parte em que entroncam 
 uma na outra, mormente por serem incongruentes e coerentes e, especialmente, 
 serem incompatíveis com a que resulta de uma análise lógica e racional da prova 
 documental relevante (…).”
 A fls. 5759, em citação do acórdão do Colectivo: “a prova testemunhal que se 
 produziu é esmagadora no sentido de se ter provado que aquele foi, de facto, 
 emitido (…).”
 A fls. 5735, igualmente em citação do acórdão do Colectivo: “Face a esta frontal 
 oposição entre as duas versões das partes e com a certeza que uma delas não 
 corresponde à realidade, teve o Tribunal de aferir a verdade processual tendo em 
 conta os vários factores constantes do processo, nomeadamente documentais, na 
 medida em que a prova testemunhal, igualmente contraditória entre si, viu a sua 
 credibilidade afectada pela especial ligação das testemunhas a este ou àquele 
 interveniente processual, situação que se verificou, quer em relação aos 
 arguidos, quer no que respeita ao assistente.”
 O que sucedeu, então, perante a irredutível contradição entre as duas versões 
 dos factos carreadas ao processo pelo assistente e pelos arguidos, foi a 
 apreciação crítica da prova efectuada pelas instâncias a qual, globalmente 
 considerada e analisada numa perspectiva crítica “ou seja, tendo em conta os 
 termos do negócio celebrado entre as partes, a normalidade da vida, a 
 razoabilidade das coisas, numa palavra, as regras da experiência comum” levou o 
 Tribunal à conclusão final acerca da verdade processual dos factos. Não se 
 verificou, ao contrário do que sustenta o Recorrente qualquer afastamento de 
 toda a prova testemunhal e por declarações.
 Pelo exposto, atenta a não coincidência entre o sentido normativo que vem 
 impugnado pelo Recorrente e a interpretação dada pelas instâncias ao artigo 
 
 127.º do Código de Processo Penal, não pode o Tribunal Constitucional conhecer 
 do recurso interposto.
 III – Decisão
 Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
 Custas pelo Recorrente, fixando a taxa de justiça em 12 (doze) UCs.
 Lisboa, 17 de Abril de 2008
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos