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Processo n.º 505/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                     1. A. reclama, ao abrigo dos artigos 76.º, 
 n.º 4, e 77.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, 
 por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho 
 do Vice‑Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 16 de Março de 2007, 
 que não lhe admitiu recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
 
                                     1.1. A reclamante havia deduzido reclamação, 
 nos termos do artigo 688.º do Código de Processo Civil (CPC), contra despacho do 
 Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra que não lhe admitira 
 recurso interposto para o STJ, aduzindo nessa reclamação:
 
  
 
 “Nos autos de adopção que correram seus termos no Tribunal Judicial da Comarca 
 de Santa Comba Dão, a reclamante, mãe do menor, apresentou um requerimento 
 através do qual manifestou a sua vontade de revogar o consentimento 
 anteriormente prestado.
 O Tribunal de 1.ª instância indeferiu o requerido, o que originou a interposição 
 de recurso por parte da reclamante para o Tribunal da Relação competente.
 Admitido que foi o recurso, a reclamante apresentou, em tempo, as suas 
 alegações.
 Contudo, pelo Tribunal da Relação de Coimbra foi preferido douto acórdão, 
 através do qual se decidiu «não conhecer do objecto do recurso».
 Não se conformando com esta decisão, a recorrente, em tempo, interpôs recurso 
 para o Supremo Tribunal de Justiça.
 Acontece que,
 o Tribunal da Relação de Coimbra, considerando que o recurso interposto para 
 este douto Supremo Tribunal de Justiça seria de agravo, decidiu não admitir o 
 recurso interposto, o que fez, mediante douto despacho de fls. ..., com a 
 seguinte argumentação que se transcreve in totum:
 
  
 
 «Recurso de fls. 318. 
 Notificada do acórdão de fls. 311, que não conheceu do recurso de agravo 
 interposto da decisão de 1.ª instância que não admitiu a revogação do 
 consentimento para a adopção requerida pela mãe do menor, A., veio a mesma 
 pretender interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de tal decisão.
 O recurso que a mãe do menor interpôs seria de agravo. A este propósito estatui 
 o artigo 754.º do Código de Processo Civil: ‘1 – Cabe recurso de agravo para o 
 Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível 
 recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação. 2 – Não é admitido 
 recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1.ª instância, salvo se o acórdão 
 estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada 
 pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º‑A e 732.º‑B, jurisprudência com ele 
 conforme. 3 – O disposto na primeira parte do número anterior não é aplicável 
 aos agravos referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 678.º e na alínea a) do n 1 do 
 artigo 734.º.’
 Como pode ver‑se, a lei restringe desde logo a hipótese de recurso de agravo aos 
 casos em que haja oposição do acórdão com outro proferido sob o domínio da mesma 
 legislação pelo STJ e não houver sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça 
 jurisprudência uniforme. Neste caso, teria a agravante que comprovar a 
 verificação da aludida hipótese, o que não fez.
 No caso vertente, também não estamos face a qualquer caso a que se reporta o n.º 
 
 3 do mencionado preceito legal.
 Assim sendo, não se admite o recurso e condena‑se a agravante nas custas pelo 
 incidente a que deu causa.» – sic, sublinhado nosso.
 
  
 Com o respeito devido, o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de 
 Coimbra parte de pressupostos errados para não admitir o recurso interposto para 
 este douto Supremo Tribunal de Justiça, e é proferido mediante errónea aplicação 
 da lei, mormente do preceito do Código de Processo Civil invocado – artigo 
 
 754.º.
 Na verdade,
 a actual redacção do n.º 2 do artigo 754.º do CPC, introduzida pelo Decreto‑Lei 
 n.º 375‑A/79, de 20 de Setembro, eliminou, de um modo geral, a possibilidade de 
 se interpor recurso de agravo em 2.ª instância do acórdão proferido pela 
 Relação sobre decisão de 1.ª instância.
 Contudo,
 in casu, o acórdão proferido pela Relação não incidiu sobre a decisão da 1.ª 
 instância,
 uma vez que a Relação «não conheceu do recurso de agravo interposto da decisão 
 de 1.ª Instância»,
 tal como se afirma no douto despacho de fls. ..., do qual ora se reclama.
 Acresce que,
 a possibilidade desse recurso mantém-se na lei actualmente em vigor, mormente 
 quando estamos perante um acórdão da Relação que se abstenha de conhecer do 
 objecto do recurso interposto – artigo 756.º do CPC.
 Salvo melhor entendimento, é o que ocorre in casu.
 Logo,
 o que aqui se constata é que o Tribunal da Relação, ao não admitir o recurso, 
 fê‑lo também em notória violação da lei.
 Porquanto,
 como resulta da própria decisão de rejeição, a recorrente foi «notificada do 
 acórdão de fls. 311 que não conheceu do recurso de agravo interposto da decisão 
 de 1.ª Instância» – sublinhado nosso,
 e é desta decisão de não conhecimento do objecto do seu recurso que «veio a 
 mesma pretender interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ...».
 Ora,
 salvo melhor opinião, o entendimento plasmado na douta decisão de rejeição, 
 objecto da presente reclamação, não tem qualquer suporte de razoabilidade e 
 muito menos suporte legal.
 Vejamos:
 como já dissemos, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu «não conhecer do 
 objecto do recurso» interposto de decisão proferida em sede de 1.ª instância.
 Essa mesma decisão, que se traduz aqui num facto incontornável, voltou a ser 
 referida no 1.º parágrafo da decisão de que ora se reclama.
 Assim sendo, como de facto é, pergunta‑se:
 Como poderia a recorrente dar cumprimento à pretensão do Tribunal de Relação de 
 
 «comprovar» a existência de «oposição do acórdão com outro proferido sob o 
 domínio da mesma legislação pelo STJ»?
 
 É que o acórdão que foi proferido pelo Tribunal da Relação, o acórdão do qual se 
 pretende recorrer, apenas decidiu «não conhecer do objecto do recurso».
 Deste modo,
 
 é de todo impossível à recorrente demonstrar/comprovar o que quer que seja, uma 
 vez que um acórdão através do qual se decidiu «não conhecer do objecto do 
 recurso» traduz de uma forma inequívoca a inexistência de uma decisão sobre a 
 questão ou questões de fundo que se colocam para apreciação em 2.ª instância.
 Face a tal situação, surge‑nos a possibilidade conferida pelo artigo 756.º do 
 CPC,
 o qual permite a subida imediata dos agravos «interpostos dos acórdãos da 
 Relação que conheçam ou se abstenham de conhecer do objecto do recurso 
 interposto».
 Corroborando tal entendimento, trazemos aqui o pensamento do Sr. Juiz 
 Conselheiro Cardona Ferreira, in Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra 
 Editora, 2002, pág. 94, onde se diz o seguinte:
 
  
 
 «Tudo conjugado (artigo 9.º do Código Civil), concluímos que a 1.ª parte do n.º 
 
 2 do artigo 754.º só rejeita a admissibilidade de chamados agravos 
 interlocutórios, isto é, de decisões não potencialmente finais (e, mesmo assim, 
 com excepções, como se viu). Donde, a nosso ver, as decisões potencialmente 
 finais da 2.ª instância são recorríveis (sem prejuízo do artigo 678.º); nos 
 termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 754.º.»
 
  
 Também Castro Mendes, in Recursos, 1980, págs. 173/174, escreve o seguinte:
 
  
 
 «Os ‘agravos continuados’ são aqueles que resultam da continuação da discussão 
 no Supremo de uma decisão da 1.ª instância e que sobem imediatamente, nos 
 próprios autos ou em separado consoante tenham subido da 1.ª instância nos 
 próprios autos ou em separado, e mantendo o efeito na marcha do processo que já 
 tinha o recurso que continuem.»
 
  
 A tudo isto acresce ainda o facto de a garantia do recurso ter entre nós 
 consagração constitucional – artigo 20.º da CRP,
 pelo que,
 in casu, estamos perante uma violação de um direito fundamental, o direito de 
 recorrer,
 o que aqui se invoca para todos os eleitos legais.
 Pelo exposto,
 e com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs dúvidas não podem subsistir de que 
 despacho ora reclamado deverá ser reparado e consequentemente substituído por 
 outro que admita o recurso interposto.
 E isto porque, e em conclusão,
 só deste modo, para além da reposição da legalidade, se concretizam os preceitos 
 jurídicos supra invocados.”
 
  
 
                                     1.2. Essa reclamação foi indeferida por 
 despacho do Vice‑Presidente do STJ, de 28 de Fevereiro de 2007, com a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
 “I. A requerente A. recorreu para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal 
 da Relação de Coimbra que não conheceu do objecto do recurso interposto da 
 decisão da 1.ª instância que não admitira a revogação do consentimento para a 
 adopção por ela (mãe do menor) requerida.
 Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido, por 
 entender que o caso dos autos não se integra na previsão do artigo 754.º, n.ºs 2 
 e 3, do CPC.
 Daí a presente reclamação, em que a recorrente sustenta que o recurso deve ser 
 admitido, uma vez que houve uma errónea aplicação do artigo 754.º do CPC, 
 porquanto o acórdão da Relação, ao não conhecer do objecto do recurso, não 
 incidiu sobre decisão da 1.ª instância. Invoca ainda o disposto no artigo 756.º 
 do CPC, sem deixar de acrescentar que a garantia do recurso está consagrada 
 constitucionalmente (artigo 20.º da CRP).
 O Ministério Público e os requeridos pugnam pelo improvimento da reclamação.
 II. Cumpre apreciar e decidir.
 O acórdão que agora se questiona não conheceu do objecto do recurso interposto 
 pela ora reclamante.
 E desta decisão da Relação não cabe recurso de agravo, porquanto, para que este 
 fosse admissível, teriam que se verificar os requisitos exigidos pelo artigo 
 
 754.º, n.ºs 2 e 3, do CPC.
 Ora, nem se alega que o acórdão de que se pretende recorrer está em oposição com 
 outro, nem tão‑pouco se fundamenta o recurso em violação de regras de 
 competência absoluta ou na ofensa do caso julgado.
 Ainda não se ataca a decisão por discordância com o valor da causa; finalmente a 
 decisão impugnada não pôs termo ao processo. Com efeito, nos presentes autos, a 
 decisão que lhe pôs termo foi a sentença final que decretou a adopção.
 A invocação do artigo 756.º CPC é descabida em sede de reclamação, uma vez que 
 esta norma respeita ao regime de subida dos agravos continuados, e não à sua 
 admissibilidade, que se rege pelo disposto no artigo 754.º do CPC.
 Por último, cabe dizer que o princípio da tutela jurisdicional efectiva a que 
 alude o artigo 20.º, n.º 1, da CRP se concretiza, em regra, através da 
 instância única, só se impondo o direito ao recurso em processo criminal, nos 
 termos do n.º 1 do artigo 32.º da CRP. 
 
                   III. Pelo exposto, indefere‑se a presente reclamação.”
 
  
 
                                     1.3. Desse despacho intentou a reclamante 
 recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, através de requerimento do seguinte teor:
 
  
 
 “Na sua reclamação para o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Presidente do 
 Supremo Tribunal de Justiça, datada de 2 de Fevereiro de 2007, ao abrigo do 
 disposto no artigo 688.º do CPC, a ora recorrente, concretamente na parte final 
 da sua reclamação, arguiu a violação do princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva consagrado no artigo 20.º da Lei Fundamental, na concreta interpretação 
 que daquele preceito fora feita nos autos, mais propriamente no despacho de 
 rejeição/não admissão do recurso proferido pelo Meritíssimo Juiz Desembargador 
 Relator do Tribunal da Relação de Coimbra a fls. … dos autos.
 Para essa não admissão escudou‑se o Meritíssimo Juiz Desembargador Relator do 
 Tribunal da Relação de Coimbra numa interpretação e subsequente aplicação 
 errónea do artigo 754.º do CPC.
 Na verdade, o acórdão do qual a recorrente pretendeu interpor recurso apenas 
 decidiu «não conhecer do objecto do recurso»,
 e, assim sendo, é evidente que perante tal decisão (de não conhecimento) a 
 mesma se traduz de forma inequívoca numa inexistência de pronúncia sobre a 
 questão ou questões de fundo que se colocaram para apreciação em 2.ª instância.
 Assim sendo, obstar‑se à admissão do recurso que se interpôs para o STJ com a 
 justificação de que o mesmo não se integra na previsão do artigo 754.º, n.ºs 2 e 
 
 3, do CPC é cercear um direito fundamental que assiste à recorrente, 
 violando‑se assim um direito fundamental da mesma, com base na aplicação de um 
 artigo (754.º do CPC) que, desde logo, não pode ser aplicado ao caso em apreço,
 o que se traduz em concreta inconstitucionalidade.
 
 É que um acórdão, in casu, do TRC, no qual se decidiu «não conhecer do objecto 
 do recurso», nunca poderá estar em oposição com outro, atendendo a que a matéria 
 a apreciar em 2.ª Instância não foi apreciada,
 daí a forçosa inexistência de oposição de acórdãos.
 In casu,
 tal como se alegou em sede de reclamação para o Meritíssimo Juiz Conselheiro 
 Presidente do Supremo Tribunal, estamos perante um «agravo continuado», 
 E,
 como ensina Castro Mendes, in Recursos, 1980, págs. 173/174, os «‘agravos 
 continuados’ (epígrafe do artigo 756.º) são aqueles que resultam da continuação 
 da discussão no Supremo de uma decisão da 1.ª instância e que sobem 
 imediatamente, nos próprios autos ou em separado consoante tenham subido da 1.ª 
 instância nos próprios autos ou em separado, e mantendo o efeito na marcha do 
 processo que já tinha o recurso que continuam».
 Por sua vez,
 José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código do Processo Civil 
 Anotado, Coimbra Editora, 2003, vol. 3.º, pág. 186, dizem que «não importa que o 
 recurso de agravo interposto em 1.ª instância haja subido nos próprios autos ou 
 em separado. Desde que se continue a discutir a questão através da interposição 
 de um agravo para o STJ, os autos vindos da 1.ª instância sobem imediatamente 
 ao Supremo, quer a decisão da Relação tenha conhecido do objecto do recurso, 
 quer não tenha conhecido do mesmo objecto. Mantêm, por isso, o efeito na marcha 
 do processo que já tinham.» 
 Ora,
 não obstante a invocação pela aqui recorrente da acima mencionada violação que 
 se traduz numa inconstitucionalidade e do facto de estarmos, a nosso ver, 
 perante um «agravo continuado», o despacho do Meritíssimo Juiz Conselheiro 
 Presidente do Supremo Tribunal de Justiça aderiu e confirmou o Despacho do Ex.mo 
 Senhor Desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, acrescentando ainda o 
 despacho do qual ora se recorre que a recorrente não «fundamenta o recurso em 
 violação das regras de competência absoluta ou na ofensa de caso julgado» e que 
 a reclamante, ora recorrente, também não «ataca a decisão por discordância com o 
 valor da causa».
 Se quanto às regras de competência absoluta ou à ofensa ao caso julgado nada se 
 oferece dizer, tendo em conta que, salvo melhor opinião, no caso concreto destes 
 autos tais fundamentos seriam despropositados,
 já quanto ao facto de se invocar no douto Despacho do Meritíssimo Juiz 
 Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que a recorrente não 
 
 «ataca a decisão por discordância com o valor da causa», sempre se dirá, com o 
 respeito devido por opinião contrária, que tal argumento não necessitaria de ser 
 invocado pela recorrente,
 uma vez que, por força do artigo 312.º do CPC, «as acções sobre o estado das 
 pessoas ou sobre interesses imateriais consideram‑se sempre de valor equivalente 
 
 à alçada da Relação e mais € 0,01».
 
                   Assim sendo,
 no tocante ao valor da causa, estamos, sem dúvida, perante a possível 
 admissibilidade de recurso, in casu, até ao STJ, sem necessidade, a nosso ver, 
 de invocar tal requisito por o mesmo ser, em último termo, de conhecimento 
 oficioso.
 Logo,
 a regra da instância única que se alega no douto despacho do Meritíssimo Juiz 
 Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não tem aqui aplicação.
 Face ao que se vem de dizer,
 estarmos perante a violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva a que 
 alude o artigo 20.º, n.º 1, da CRP,
 justificando‑se por isso o presente recurso, uma vez que estão já esgotados 
 todos o recursos ordinários, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 70.º da 
 LTC,
 estando, em nossa modesta opinião, o Tribunal Constitucional em condições de 
 conhecer do presente recurso, interposto tempestivamente – artigo 75.º, n.º 1, 
 da LTC –, visando, o mesmo, obter declaração de inconstitucionalidade material 
 do artigo 754.º do CPC, na concreta interpretação que daquele preceito fez o 
 douto despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ao confirmar, in 
 casu, a exigência da oposição de acórdãos, por violação do princípio 
 constitucional da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da 
 nossa Lei Fundamental 
 Tenha‑se ainda em conta que o facto de não se admitir a subida do recurso é, a 
 nosso ver, uma limitação que atinge o núcleo essencial dos direitos e garantias 
 da recorrente,
 
 à qual, até face ao valor da causa, assiste o direito a ver o seu caso 
 examinado em via de recurso por uma instância superior, o que até agora não 
 aconteceu, fruto de o acórdão do TRC («acorda‑se em não conhecer do objecto do 
 recurso»).
 Daí a convicção da recorrente de estarmos perante a violação do princípio do 
 acesso ao direito e à tutela judicial efectiva, constante do artigo 20.º, e, em 
 
 último termo, do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, ambos da 
 CRP.
 De facto, o artigo 20.º estabelece que «a todos é assegurado o acesso ao direito 
 e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente 
 protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios 
 económicos»,
 e ainda que «todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto 
 de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».
 O recurso interposto da 2.ª Instância para o STJ e rejeitado com base no artigo 
 
 754.º do CPC, tendo em conta as especificidades próprias do caso concreto da 
 recorrente (inexistência de pronúncia sobre a questão ou questões de fundo que 
 se colocaram para apreciação em 2.ª instância), não pode deixar de ser admitido,
 Porquanto,
 tal disposição é material e organicamente inconstitucional por privar a ora 
 recorrente do acesso ao direito e aos tribunais de modo efectivo para obter uma 
 decisão de mérito, violando o disposto no artigo 20.º da CRP,
 pelo que deve ser admitido o recurso oportunamente interposto, com as legais 
 consequências.
 Doutro modo,
 estaremos perante inequívoca «denegação de justiça», que se reconduz a clara 
 violação da nossa Lei Fundamental, a que acresce notória prevalência do direito 
 processual em detrimento do direito material, pondo‑se assim em causa direitos 
 fundamentais ou análogos da recorrente.
 Face ao exposto,
 com o presente recurso, a ora recorrente, tempestivamente e depois de esgotados 
 todos os recursos ordinários que in casu cabiam – artigos 75.º, n.º 1, e 70.º, 
 n.º 2, da LTC,
 vem, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 
 
 28/82, na sua actual redacção,
 interpor o correspectivo recurso para o Tribunal Constitucional,
 visando obter declaração de inconstitucionalidade material do artigo 754.º do 
 CPC, na concreta interpretação que daquele preceito fez a decisão recorrida 
 
 (interpretação inicialmente plasmada no douto despacho do Ex.mo Senhor 
 Desembargador da Relação de Coimbra, e, subsequentemente, absorvida pela 
 interpretação definitiva do Meritíssimo Juiz Conselheiro Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça, a fls. 31 e 32, que rejeita a subida de. um recurso de 
 agravo continuado), por violação do direito ao recurso, do princípio da tutela 
 jurisdicional efectiva, e, em, último termo, do princípio da igualdade, a que se 
 referem os artigos 20.º e 13.º, ambos da CRP.”
 
  
 
                                     1.4. O recurso não foi admitido pelo 
 despacho do Vice‑Presidente do STJ, de 16 de Março de 2007, ora reclamado, com a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
 “A.veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional para que seja apreciada 
 a inconstitucionalidade do artigo 754.º do CPC, por violação dos artigos 20.º e 
 
 13.º da CRP.
 Face ao disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, o recurso previsto nas alíneas 
 b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC só pode ser interposto pela parte que 
 haja suscitado a questão da inconstitucionalidade «de modo processualmente 
 adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este 
 estar obrigado a dela conhecer».
 A recorrente diz no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional que invocou essa questão na reclamação que nos foi dirigida.
 Vejamos.
 Na parte final da reclamação apenas se diz que «a tudo isto, acresce ainda o 
 facto de a garantia do recurso ter entre nós consagração constitucional – 
 artigo 20.º da CRP».
 No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2001 – Diário da República, II 
 Série, de 14 de Novembro de 2001, entendeu‑se: «... que uma questão de 
 constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo 
 processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma que considera 
 inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera 
 violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da 
 inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de 
 constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em 
 abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma 
 que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão 
 ou a um acto administrativo». 
 Segundo estes ensinamentos, não se considera suscitada qualquer questão de 
 inconstitucionalidade.
 Pelo exposto, não se admite o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional.” 
 
  
 
                                     1.5. É contra este despacho que vem deduzida 
 a presente reclamação, argumentando a reclamante que:
 
  
 
 “O douto despacho de que se reclama não admitiu o recurso interposto para o 
 Tribunal Constitucional, considerando não ter sido suscitada qualquer questão de 
 inconstitucionalidade.
 Falece, porém, razão, à decisão assim tomada.
 Na verdade,
 a interpretação dada ao artigo 754.º do CPC pelos Tribunais a quo que se têm 
 vindo a pronunciar sobre o caso de adopção, com o respeito devido por opinião 
 contrária, era de todo impensável para a reclamante e surge apenas a final de 
 modo imprevisível, com o indeferimento por parte do Venerando Presidente do 
 Supremo Tribunal de Justiça,
 A quem se dirigiu reclamação, salvo melhor opinião, devidamente fundamentada e 
 estribada em breves excertos de doutrina, apresentada por um Ilustre Professor – 
 Castro Mendes, e, um brilhante Juiz Conselheiro – Cardona Ferreira,
 reclamação que merecia «acolhimento» e por isso se impunha o seu deferimento.
 In casu, 
 não era pois previsível, por parte da reclamante, tal interpretação do artigo 
 
 754.º do CPC e muito menos a sua aplicação.
 Assim sendo,
 estamos pois perante uma interpretação que, para além de insólita, é inesperada,
 o que fez com que a reclamante não tivesse podido ter por possível a aplicação 
 da dita norma com tal interpretação.
 Daí que,
 
 é seu entendimento que, in casu, não se mostrava adequado exigir‑lhe um juízo de 
 prognose relativo a essa aplicação, suscitando desde logo a questão da 
 inconstitucionalidade, antecipando‑se assim ao proferir da decisão.
 Na verdade,
 a reclamante só perante a decisão proferida se viu na possibilidade, concreta e 
 definitiva, de arguir a inconstitucionalidade em causa,
 tendo‑o assim feito no primeiro momento que se lhe impunha fazê‑lo, isto é, no 
 seu requerimento de interposição de recurso para este Venerando Tribunal.
 Nesse sentido, e no tocante à oportunidade, vai também a jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional em vários acórdãos, de entre os quais destacamos o 
 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 153/93 (in Diário da República, II Série, 
 de 16 de Março de 1993), o qual sedimentou jurisprudência admitindo que se 
 excepciona a regra – em sentido funcional, que não formal – da suscitação da 
 constitucionalidade em situações anómalas «em que o interessado não disponha de 
 oportunidade processual para levantar a questão antes de proferida a decisão» e 
 ainda o Acórdão do Tribunal Constitucional, de 19 de Junho de 1991 – in Boletim 
 do Ministério da Justiça, n.º 408, p. 616.
 Pelo exposto,
 deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser admitido o 
 recurso interposto.”
 
  
 
                                     1.6. Neste Tribunal, o representante do 
 Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
                   “A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
 
                   Na verdade, a reclamante não suscitou, durante o processo e em 
 termos processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa, idónea para servir de base ao recurso de fiscalização concreta 
 interposto. E teve, para tal, plena oportunidade, já que não pode seguramente 
 configurar‑se como «decisão‑surpresa» a que, em processo de reclamação, se 
 limita a confirmar o despacho reclamado, proferido pelo relator, e que não 
 havia admitido o recurso.”
 
  
 
                                     Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                     2. No sistema português de fiscalização de 
 constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional 
 cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões 
 de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a 
 interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com 
 clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa 
 inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas 
 directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou a condutas ou 
 omissões processuais. A distinção entre os casos em que a 
 inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é 
 imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é 
 discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual 
 depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, 
 por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda 
 hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por 
 relevantes às particularidades do caso concreto.
 
                                     Por outro lado, tratando‑se de recurso 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre 
 no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos 
 requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada “durante 
 o processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela 
 conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito 
 aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de 
 inconstitucionais pelo recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da 
 questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de 
 proferida a decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações 
 especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder 
 jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas 
 situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de 
 oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes 
 de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe 
 era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade, 
 designadamente por ser de rotular como inesperada, anómala ou insólita a 
 interpretação normativa aplicada na decisão recorrida.
 
                                     
 
                                     3. No presente caso, a reclamante admite não 
 ter suscitado, perante o autor da decisão recorrida e antes da prolação desta, 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, mas sustenta que se deve 
 considerar dispensada desse ónus, atenta a natureza inesperada da interpretação 
 dada ao artigo 754.º do CPC.
 
                                     É manifesta a improcedência deste argumento, 
 pois nunca se poderia considerar inesperada uma interpretação normativa que – 
 como a própria reclamante expressamente referiu no seu requerimento de 
 interposição de recurso de constitucionalidade – aderiu e confirmou a adoptada 
 no despacho de não admissão de recurso para o STJ, então reclamado.
 
                                     Não tendo a reclamante, na reclamação 
 endereçada ao Presidente do STJ, suscitado qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, limitando‑se tão‑só a imputar a violação do 
 artigo 20.º da CRP à própria decisão judicial de não admissão do recurso, em si 
 mesmo considerada, é patente a inadmissibilidade do recurso interposto para o 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
                                     4. Em face do exposto, acorda‑se em 
 indeferir a presente reclamação.
 
                                     Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 16 de Maio de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos