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Processo n.º 734/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 I. Relatório
 
 1.Por decisão de 9 de Março de 2005 do Tribunal de Execução de Penas do Porto, 
 foi negada a concessão de liberdade condicional ao recluso A., com fundamento em 
 este ter aproveitado uma saída precária em 1993 para não mais regressar à prisão 
 
 – o que só ocorreu por ter sido capturado em 2003. Apresentado recurso para o 
 Tribunal da Relação do Porto, o recorrente suscitou previamente as questões de 
 inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, e, mais 
 especificamente, do artigo 127.º deste diploma, que vedava o dito recurso.
 Com tal fundamento legal, o recurso não foi admitido, por despacho do mesmo 
 Tribunal de 22 de Março de 2005, o que levou o recorrente a apresentar 
 reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, reiterando as 
 mesmas questões de inconstitucionalidade.
 Por decisão de 21 de Julho de 2005, tal reclamação foi indeferida, 
 designadamente por se considerar que o Tribunal de Execução de Penas “actua 
 integrado em todo um serviço administrativo sob a jurisdição de um organismo do 
 Estado – a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais”, razão pela qual se está 
 
 “perante um órgão de natureza Administrativa”, pelo que “não se lhe aplica a 
 regra invocada que constitui o princípio geral dos recurso ordinários”, 
 desconsiderando-se as imputações de inconstitucionalidade.
 
 2.Inconformado, o recorrente apresentou recurso para o Tribunal Constitucional 
 logo juntando, a mais de um “Instrumento de Recurso”, também as respectivas 
 
 “Motivações” e “Conclusões”.
 Uma vez que as alegações dos recursos de constitucionalidade são produzidas 
 neste Tribunal (artigo 79.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional), após 
 despacho do Relator nesse sentido, foi a junção das ditas “Motivações” e 
 
 “Conclusões” considerada prematura – embora não inútil, porquanto o dito 
 
 “Instrumento de Recurso” não preenchia os requisitos do artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 
 
 2, da Lei do Tribunal Constitucional, mas estes resultavam das restantes peças 
 processuais, que foram consideradas nessa estrita medida, como tem sido prática 
 deste Tribunal.
 Resulta, assim, que o recurso pretendido interpor o foi ao abrigo do disposto 
 nas alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (conclusão Sexta) e que as 
 normas a que foi imputada inconstitucionalidade foram as dos artigos 482.º, 
 
 483.º, 484.º e 485.º do Código de Processo Penal (Conclusão PRIMEIRA), do artigo 
 
 399.º do mesmo Código (Conclusão TERCEIRA) e do artigo 127.º do Decreto-Lei n.º 
 
 783/76, de 29 de Outubro (Conclusão QUARTA).
 Embora não haja identificação da peça processual em que o recorrente suscitou a 
 questão da constitucionalidade ou ilegalidade, não foi proferido despacho de 
 aperfeiçoamento do requerimento de recurso com esse fundamento (artigo 75.º-A, 
 n.ºs 5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional), por logo uma cursória avaliação 
 demonstrar que tal não seria possível em relação a todas as normas trazidas à 
 apreciação deste Tribunal, com excepção da do artigo 127.º do Decreto-Lei n.º 
 
 783/76 (norma impugnada, quer perante o Tribunal de Execução de Penas do Porto, 
 quer perante o Presidente do Tribunal da Relação do Porto).
 
 3.Assim, porque não se podia conhecer do recurso interposto ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional em relação a todas 
 as restantes normas – por, em relação a elas, não ter sido suscitada a questão 
 de constitucionalidade durante o processo –, e porque não podia no caso caber 
 recurso em relação a todas e cada uma das normas impugnadas ao abrigo das 
 alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, só se 
 determinou a produção de alegações no recurso interposto ao abrigo da alínea b) 
 do n.º 1 do mesmo artigo 70.º e quanto à constitucionalidade da norma do artigo 
 
 127.º do Decreto-Lei n.º 783/76.
 O recorrente rematou assim as suas alegações: 
 
 “Concluímos pois sem reservas que após a revisão constitucional operada pela Lei 
 n.º 1/97 (4.ª Revisão Constitucional) as alterações introduzidas aos artigos 
 
 32.º, n.º 1, e art.º 205.º, conjugadas com as alterações ao Código de Processo 
 Penal e à exposição de motivos plasmados na Lei de Autorização Legislativa, o 
 art.º 127.º do DL n.º 783/76, de 29 de Outubro, se mostra derrogado por força 
 das referidas alterações e não conforme com a actual Constituição da República 
 Portuguesa, devendo ser declarada a sua inconstitucionalidade com força 
 obrigatória geral, atenta a ilegalidade da aludida norma.” 
 Por sua vez, o Ministério Público encerrou assim as suas contra-alegações 
 dizendo que
 
 “É inconstitucional a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de 
 Outubro, no segmento em que decreta a não admissão de recurso das decisões que 
 neguem a liberdade condicional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição.”
 Cumpre decidir.
 II. Fundamentos 
 
 4.Comecemos pelos recursos de que se não pode tomar conhecimento: os intentados 
 ao abrigo das alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 No caso do recurso fundado na alínea c), a referida conclusão é manifesta: não 
 houve no caso – nem nunca foi invocado que houvesse – recusa de aplicação de 
 norma constante de acto legislativo, muito menos com fundamento em ilegalidade, 
 e ainda menos com fundamento em ilegalidade por violação de lei de valor 
 reforçado.
 Quanto ao recurso fundado na alínea f), idêntica conclusão era igualmente óbvia: 
 não foi suscitada durante o processo ilegalidade de norma alguma, com fundamento 
 em violação de lei com valor reforçado, estatuto de região autónoma ou lei geral 
 da República (caso em que teria de se tratar de norma constante de diploma 
 regional, o que manifestamente não era o caso), ou estatuto de região autónoma 
 
 (caso em que teria de se tratar de norma emanada de órgão de soberania).
 Não se tomará, pois, conhecimento destes recursos.
 
 5.Resta, pois, o recurso de constitucionalidade fundado na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e tendo por objecto, apenas, a 
 norma do artigo 127.º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, por ser a 
 
 única em relação à qual foi suscitada a questão de constitucionalidade durante o 
 processo, isto é, perante a entidade recorrida. É a seguinte a redacção da norma 
 impugnada:
 
 “Não é admitido recurso das decisões que concedam ou neguem a liberdade 
 condicional, a saída precária prolongada e a sua revogação, bem como dos 
 recursos referidos no n.º 3 do artigo 23.º.”
 Uma vez que os presentes autos versam apenas sobre a inadmissibilidade de 
 recurso da decisão de negação de liberdade condicional, e um dos requisitos do 
 tipo de recurso de constitucionalidade subsistente – o da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional – é o de que a norma a apreciar 
 tenha sido aplicada na decisão recorrida, só a esse mais restrito segmento da 
 norma transcrita se reportam as considerações que seguem, também a ele se 
 confinando, necessariamente, a decisão a proferir.
 O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de 
 constitucionalidade em apreço, no Acórdão n.º 321/93 (publicado em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 25.º vol., pp. 367-373, e no Diário da República, II 
 Série, de 22 de Outubro de 1993), fazendo-o no sentido da inexistência de 
 desconformidade com o texto constitucional então vigente.
 Sobreveio, entretanto, a revisão constitucional de 1997, que deu nova redacção 
 ao n.º 1 do artigo 32.º, com expressa referência ao direito ao recurso. Por 
 outro lado, no presente caso, o recorrente suscitou também – embora apenas 
 perante o Tribunal de Execução de Penas e o Tribunal da Relação do Porto – a 
 questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 783/76.
 Quanto a esta última, pode notar-se, porém, que este diploma, no seu todo, não 
 está em apreciação em si mesmo. A única norma de tal diploma usada como ratio 
 decidendi – e isto independentemente de se apurar se tal norma está em vigor ou 
 foi revogada pelo Código de Processo Penal (cf. os obiter dicta nos Acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 2002 e 3 de Julho de 2003, in 
 
 www.dgsi.pt) – foi a do dito artigo 127.º, e tal norma manteve inalterado o 
 regime anterior, vindo do n.º 1 da Base III da Lei n.º 2000, de 16 de Maio de 
 
 1944, e do artigo 65.º do Decreto n.º 34 553, de 30 de Abril de 1945, em que as 
 decisões referentes à liberdade constitucional não eram também sujeitas a 
 recurso, excepto na medida em que a revogassem. Mantendo o regime de 
 irrecorribilidade das decisões de concessão da liberdade constitucional, o 
 Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, não alterou, nesta parte, o regime 
 pré‑existente e, em consequência, pode entender-se que o legislador 
 governamental não carecia, nesse aspecto, de autorização parlamentar, qualquer 
 que fosse o entendimento quanto à sujeição (ou não) de tal matéria ao regime dos 
 direitos, liberdades e garantias.
 O aprofundamento de tal questão só se tornará necessário, porém, se se entender 
 que a norma em questão não está ferida de inconstitucionalidade material.
 
 6.Tendo sobrevindo, quer à aprovação da norma em apreço, quer ao citado Acórdão 
 n.º 321/93, uma alteração no texto da Lei Fundamental, pela Lei Constitucional 
 n.º 1/97, de 30 de Setembro, que se traduziu, no que ora releva, no aditamento 
 de uma referência expressa ao direito recurso entre as garantias de defesa do 
 processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), ficou claro que “o 
 direito a pelo menos um grau de recurso (…) é agora constitucionalmente 
 garantido” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 
 Coimbra, 2005, p. 355). 
 Poderá, eventualmente, discutir-se se o processo para concessão da liberdade 
 condicional deve ser considerado processo penal para efeitos do artigo 32.º, n.º 
 
 1, da Constituição, onde se estabelece que “o processo criminal assegurará todas 
 as garantias de defesa”.
 
 É certo que o Código de Processo Penal contém normas (artigos 484.º a 486.º) que 
 regulamentam o procedimento de apreciação dos pressupostos de que depende a 
 concessão da liberdade condicional, incluindo o início do processo, a decisão a 
 proferir e a respectiva notificação ao interessado, o que significa que a 
 decisão em causa é uma decisão proferida também nos termos do Código de Processo 
 Penal. Tal inculca que, juntamente com aquelas, as normas de natureza adjectiva 
 constantes do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, e reguladoras das 
 providências da competência do Tribunal de Execução de Penas, fazem parte 
 integrante do direito processual penal (Jorge Figueiredo Dias, Direito 
 Processual Penal, I, Coimbra, 1974, pp. 37 e 38, e Direito Processual Penal, 
 Coimbra, 1988-9, pp. 23 e 24).
 A resposta positiva a tal qualificação levaria a considerar tais processos 
 abrangidos pela garantia constitucional do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição. 
 Isto é, as garantias de defesa, na medida em que tal se justifique, estenderiam 
 a sua eficácia em geral aos processos de competência dos Tribunais de Execução 
 de Penas (Alberto Esteves Remédio, «Irrecorribilidade da decisão que nega a 
 liberdade condicional - violação das garantias de defesa. Comentário ao Acórdão 
 n.º 321/93 do Tribunal Constitucional», Revista do Ministério Público, Ano 14.º, 
 Julho/Setembro 1993, n.º 55, p. 152).
 A criação dos tribunais de execução de penas constituiu (como refere Anabela 
 Miranda Rodrigues, Novo Olhar sobre a Questão Penitenciária. Estatuto jurídico 
 do recluso e socialização. Jurisdicionalização, Consensualismo e prisão, 
 Coimbra, 2000, pp. 128-139) o “primeiro passo no sentido da jurisdicionalização 
 da execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade”. Por sua 
 vez, o instituto da liberdade condicional, como medida de segurança, reganhou a 
 configuração de incidente de execução da pena privativa de liberdade (que já 
 assumira em 1893). Dessa evolução resulta a menor adequação de um sistema em que 
 cabem ao tribunal de execução de penas as decisões sobre liberdade condicional 
 abrindo “um itinerário em que se torna natural a extensão do controle 
 jurisdicional a qualquer questão relativa à modelação da execução que possa 
 contender com os direitos do recluso.” (A. e ob. cit., p. 137).
 Por outro lado, o novo olhar sobre a questão penitenciária dirige exigências a 
 montante e a jusante da legislação criminal, escrevendo-se na Exposição de 
 Motivos da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, que alterou o Código Penal:
 
 “Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de 
 recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do 
 código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a 
 prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente 
 recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da 
 reclusão.”
 Já anteriormente, aliás, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – 
 Parte Geral II. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, pp. 538 e 
 
 539, defendera que no juízo de prognose para efeito de liberdade condicional 
 
 “decisivo deveria ser, na verdade, não o «bom» comportamento prisional «em si» ─ 
 no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais 
 
 ─, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de 
 
 (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade”.
 Desta evolução, no sentido de a liberdade condicional dever ser tendencialmente 
 entendida nos quadros da prevenção especial, decorre uma razão adicional para a 
 recondução das decisões sobre a liberdade condicional ao figurino normal das 
 decisões judiciais em matéria penal – ao invés do que foi entendido na decisão 
 recorrida. Se o próprio legislador assinala a transformação de uma decisão de 
 oportunidade em decisão de legalidade (em que o julgador age, como titular de um 
 
 órgão de justiça, com independência e imparcialidade), os factores de 
 singularização dessa decisão, eventualmente óbices a uma reapreciação por um 
 tribunal superior não especializado, esbatem-se perante o programa normativo, 
 que pode – e, contendendo com a liberdade dos cidadãos, deve – ser reaferido por 
 uma segunda instância.
 Encontrando-se jurisdicionalizada a execução das penas e abrangendo as garantias 
 de defesa todo o processo criminal, a negação do direito ao reexame, em via de 
 recurso, da decisão denegatória da liberdade condicional traduzir‑se-á, com esta 
 fundamentação, na imposição de um encurtamento inadmissível das garantias de 
 defesa do recorrente, sendo inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, 
 da Constituição.
 
 7.Aliás – e seja como for quanto à exacta qualificação dos processos de execução 
 das penas, para o efeito da sua subsunção na noção de “processo criminal” 
 utilizada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição –, cumpre notar que, já antes 
 da revisão constitucional de 1997, se veio a consolidar uma jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional no sentido da tutela constitucional do direito de 
 recorrer das decisões que afectem direitos, liberdades e garantias como o 
 direito à liberdade. A Constituição exige em tais casos a possibilidade efectiva 
 de uma reapreciação em recurso – o que, no caso dos autos, poderia consistir no 
 recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
 Esse mesmo entendimento foi o que este Tribunal ocasião de afirmar no Acórdão 
 n.º 249/94 (publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Agosto de 
 
 1994):
 
 «Nesta questão da garantia do duplo grau de jurisdição, o Tribunal 
 Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme, que remonta a 1985, e que 
 fora antecedida já por uma orientação idêntica da Comissão Constitucional. 
 Assim, no domínio do processo criminal, essa jurisprudência reconhece que, por 
 força dos arts. 27.º, 28.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, se acha 
 constitucionalmente assegurado o duplo grau de jurisdição quanto às decisões 
 condenatórias e às decisões respeitantes à situação do arguido face à privação 
 ou restrição de liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais (vejam-se, 
 por todos, os acórdãos n.ºs 31/87, 178/88, 340/90 e 401/91, o primeiro publicado 
 nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol., págs 463 e segs. e os outros 
 no Diário da República, II Série, n.º 277, de 30 de Novembro de 1988, nº 65, de 
 
 19 de Março de 1991, e I Série-A, n.º 6, de 8 de Janeiro de 1992, 
 respectivamente). […]
 
 […]
 Em declaração de voto subscrita pelo Conselheiro Vital Moreira relativa ao 
 Acórdão n.º 65/88, Diário da República, II Série, n.º 192, de 20 de Agosto de 
 
 1988, foi sustentado que havia de considerar-se “constitucionalmente garantido – 
 ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático – o direito à 
 reapreciação judicial das decisões judiciais que afectem direitos fundamentais, 
 o que abrange não apenas as decisões condenatórias em matéria penal – como se 
 reconhece no acórdão – mas também todas as decisões judiciais que afectem 
 direitos fundamentais constitucionais, pelo menos os que integram a categoria 
 constitucional dos ‘direitos, liberdades e garantias’ (arts. 25.º e segs. da 
 CRP)” E no Acórdão n.º 202/90, Diário da República, II Série, n.º 17, de 21 de 
 Janeiro de 1991, o Cons. António Vitorino, em declaração de voto nele aposta, 
 aderiu à posição do Cons. Vital Moreira, sustentando que, “se do seu texto [da 
 Constituição de 1976] não ressalta, expressamente, um preceito que funde 
 directamente um genérico princípio de duplo grau de jurisdição, tal não obsta a 
 que o intérprete da lei fundamental e o próprio julgador de constitucionalidade 
 dos actos normativos, maxime em sede de fiscalização concreta, formulem um 
 entendimento (deduzido quer do princípio de Estado de direito democrático, quer 
 da forma ampla com que o artigo 20.º da Constituição da República consagra o 
 direito de acesso ao direito e aos tribunais) que assegure plenamente tal tutela 
 judicial efectiva para garantia dos direitos, liberdades e garantias dos 
 cidadãos.”»
 Sobre o sentido da alteração verificada na revisão constitucional de 1997, 
 escreveu‑se, por sua vez, no Acórdão n.º 686/2004 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt):
 
 «A autonomização do direito ao recurso no âmbito de garantias de defesa (artigo 
 
 2.º da Constituição), operada pela Revisão Constitucional de 1997, significou a 
 atribuição de autonomia de tal garantia no contexto geral das garantias de 
 defesa, isto é, um valor garantístico próprio e não “dissolúvel” em outras 
 garantias de defesa.
 Tal explicitação constitucional tem por efeito a garantia (constitucional) da 
 possibilidade da interposição de recurso de decisões que respeitem a direitos, 
 liberdades e garantias, maxime que restrinjam tais direitos.»
 Dessa consagração autónoma fez decorrer o citado acórdão a impossibilidade de 
 uma “dupla apreciação”, pelo mesmo órgão, ser suficiente para dar cumprimento a 
 essa garantia, daí retirando a inconstitucionalidade de uma norma processual 
 penal vedando o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação que declarasse a 
 
 “especial complexidade do processo”. 
 
 “Trata-se, antes, de uma expressa garantia de reponderação por órgão distinto e 
 superior no sentido de assegurar plena imparcialidade e objectividade na decisão 
 de uma questão que afecte os direitos fundamentais.”
 Ora, se no caso decidido pelo referido Acórdão n.º 686/2004 estava em causa 
 
 “indiscutivelmente a liberdade do arguido”, por um dos efeitos dessa declaração 
 ser o “aumento do prazo de duração da prisão preventiva”, é evidente que também 
 no caso dos autos está em causa a mesma liberdade, por a possibilidade de 
 reapreciação da decisão de recusa de liberdade condicional poder significar o 
 fim (sujeito a condição resolutiva) da pena de prisão, não sendo relevante, na 
 perspectiva da afectação do direito à liberdade do recorrente, relevante para o 
 duplo grau de jurisdição, o facto de num caso ele se encontrar em prisão 
 preventiva e no outro estar em cumprimento de uma pena privativa da liberdade.
 Com efeito, a decisão que nega a liberdade condicional, por ter como efeito a 
 manutenção da privação da liberdade, tem uma indiscutível conexão com a 
 restrição de direitos, liberdades e garantias, afectando um bem jurídico 
 essencial que é o direito à liberdade, protegido no n.º 1 do artigo 27.º da 
 Constituição.
 Pode, assim, concluir-se que a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei n.º 783/76, 
 de 29 de Outubro, na parte em que veda o recurso das decisões que neguem a 
 liberdade condicional, é materialmente inconstitucional por violação do 
 princípio do Estado de Direito, do direito à liberdade e do direito de acesso 
 direito aos tribunais.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)     Julgar inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito 
 consagrado no artigo 2.º, dos artigos 20.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, e do artigo 
 
 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei n.º 783/76, 
 de 29 de Outubro, na parte em que não admite o recurso das decisões que neguem a 
 liberdade condicional;
 b)     Determinar que a decisão recorrida seja reformulada de acordo com o 
 presente juízo de inconstitucionalidade.
 Lisboa, 21 de Novembro de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos