 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 653/06
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.A., melhor identificado nos autos, veio reclamar para este Tribunal 
 Constitucional do despacho, de 18 de Maio de 2006, que não lhe admitiu o recurso 
 do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2006, interposto ao 
 abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro – LTC), 
 com base em que o recurso interposto “não se enquadra na alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei 28/82 (decisões dos tribunais que recusem a aplicação de 
 qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade) nem em qualquer outra 
 das alíneas do n.º 1 da citada norma (artigo 76.º da referida lei).”
 A reclamação vem sustentada nos fundamentos seguintes:
 
 “1. Tem o reclamante insistentemente pugnado de que é incorrecta a interpretação 
 do artigo 686.°-1, do CPC no sentido de que é possível à parte que não requereu 
 a rectificação, aclaração ou reforma da decisão, tendo-a deixado transitar, dela 
 interpor recurso se a parte contrária, não a tendo deixado transitar, requerer 
 tais rectificação, aclaração ou reforma, 
 
 2. O que significa dizer que tal entendimento faria renascer o direito de 
 recurso da primeira, que aceitou a decisão, tendo perdido, por isso, o direito 
 de recorrer, como estabelece o artigo 681.º, n.º 2, do dito Código. 
 
 3. Tal interpretação viola frontalmente o disposto no artigo 20.°, n.º 4, da 
 CRP, 
 
 4 Enquanto dispõe que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja 
 objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. 
 
 5. Esta exigida equidade da decisão implica que a mesma seja recta e justa, 
 
 6. E para tal é necessário que não tenha havido a sustentá-la erradas 
 interpretações de qualquer norma jurídica, como se verifica in casu.
 
 7. O despacho reclamado, aliás douto, não admitiu o recurso para este Tribunal 
 com o fundamento de que não se enquadra na al. a) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 referida Lei n.º 28/82, nem em qualquer outra das suas alíneas. 
 
 8. Contudo, parece óbvio que a errada interpretação em causa da dita norma 
 jurídica, ou seja, a do artigo 686.°-1 do CPC, é recusar a aplicação da mesma 
 correctamente interpretada, 
 
 9. O que logo conduz a uma decisão iníqua e injusta, como a que foi proferida, 
 
 10. Com a qual não nos conformamos por se mostrar violado, reitera-se, o 
 referido artigo 20.°, n.º 4, da CRP. 
 
 11. Tem, pois, perfeito enquadramento o caso sub judice na dita al. a) do n.º 1 
 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82.”
 Sobre a reclamação pronunciou-se o Ministério Público no sentido da sua falta de 
 fundamento sério, “apenas radicando no manifesto desconhecimento, por parte do 
 reclamante, do âmbito do recurso tipificado na alínea a) do n.º 1 do art. 70.º 
 da Lei n.º 28/82 – que, como é óbvio e indiscutível, pressupõe que tenha 
 ocorrido uma desaplicação normativa com fundamento em inconstitucionalidade (e 
 não uma aplicação ou interpretação «errada» da norma jurídica em causa)”.
 Vistos os autos, cumpre decidir.
 II. Fundamentos
 
 2.Como resulta claramente do requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade, o reclamante identificou o tipo de recurso – o da alínea a) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional – e indicou a norma 
 jurídica pretensamente “desaplicada”: a norma do artigo 686.º, n.º 1, do Código 
 de Processo Civil, interpretada “no sentido de que é possível à parte que não 
 requereu a rectificação, aclaração ou reforma da decisão, tendo-a deixado 
 transitar, dela interpor recurso se a parte contrária, não a tendo deixado 
 transitar, requerer tais rectificação, aclaração ou reforma, o que significa 
 dizer que tal acto faria renascer o direito de recurso da primeira, que aceitou 
 a decisão, tendo perdido, por isso, o direito de recorrer, como estabelece o 
 artigo 681.º, n.º 2, do dito Código”.
 Como se escreveu no Acórdão n.º 350/92, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 16 de Março de 1993 (e outros se poderiam mencionar no mesmo sentido), 
 a via de recurso com base naquela alínea só se abre “se o tribunal a quo tiver 
 rejeitado, com fundamento na sua inconstitucionalidade, a aplicação ao caso 
 concreto do conteúdo ou do regime jurídico constante de uma determinada norma 
 jurídica”.
 Há, pois, que analisar o acórdão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça (a 
 fls. 452 e segs. dos autos), que indeferiu o pedido de reforma do acórdão de 14 
 de Fevereiro de 2006, para apurar se nele se verificou uma tal recusa de 
 aplicação da citada norma do artigo 686.º, n.º 1.
 Ora, o que desse acórdão consta, na parte que aqui interessa, é que “a questão 
 da tempestividade do recurso dos AA resultou da correcta aplicação do disposto 
 no artigo 686.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”
 E acrescenta-se:
 
 “Desta norma deriva que, se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração 
 ou a reforma da sentença, o prazo para o recurso só começa a correr depois de 
 notificada a decisão proferida sobre o requerimento.
 Foi o que aconteceu no caso vertente, em que o ora requerente pediu aclaração da 
 sentença, originando, por esse facto, que o prazo de interposição dos recursos 
 fosse diferido para o momento da notificação da decisão sobre tal requerimento.”
 Daqui decorre, claramente, que não houve no acórdão recorrido nenhuma recusa de 
 aplicação, expressa ou implícita, de qualquer norma com fundamento na sua 
 desconformidade com normas ou princípios ínsitos na Lei Fundamental, antes e só 
 a efectiva aplicação, como ratio decidendi, daquele artigo 686.º, n.º 1 do 
 Código de Processo Civil.
 E não está, portanto, preenchido o requisito da citada alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional. 
 
 3.Mas ainda que se entendesse (o que é, desde logo, contrariado pelo teor dos 
 requerimentos apresentados nos autos pelo ora reclamante) que teria havido lapso 
 do recorrente ao indicar aquela alínea, quando o que, afinal, pretendia era 
 suportar-se na alínea b) do mesmo artigo 70.º, n.º 1, o que é certo é que, 
 anteriormente à prolação do acórdão de 4 de Abril de 2006, nunca o reclamante 
 suscitou qualquer questão de (in)constitucionalidade reportada à norma do n.º 1 
 artigo 686.º do Código de Processo Civil, razão pela qual também não poderia, 
 com base na mencionada alínea b), admitir-se o recurso.
 Na verdade, o reclamante, nas contra-alegações produzidas junto do Supremo 
 Tribunal de Justiça, limitou-se a concluir, entre o mais, que “os recorrentes 
 não requereram rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos do 
 artigo 686º-1 do mesmo Código, como fez o réu e reconvinte, aqui recorrido”, e 
 que “a suspensão do prazo de interposição de recurso operada pelo requerimento 
 de rectificação, aclaração ou reforma da sentença ou acórdão, só ocorre para a 
 parte que apresentar tal requerimento” (conclusões 5 e 15, a fl. 357 dos autos). 
 
 
 Não suscitou, pois, qualquer questão de inconstitucionalidade de forma clara e 
 perceptível. 
 Apenas no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional 
 veio o reclamante imputar a uma determinada interpretação do artigo 686.º, n.º 1 
 do Código de Processo Civil a violação de um preceito constitucional, mas já 
 manifestamente fora do momento em que o devia ter feito, perante o tribunal a 
 quo, atendendo ao disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional e ao artigo 72.º, n.º 2, da mesma Lei.
 O recorrente teve, aliás, oportunidade processual de suscitar a questão de 
 inconstitucionalidade em momento anterior ao requerimento de interposição do 
 recurso para o Tribunal Constitucional, concretamente, no pedido de reforma do 
 acórdão de 14 de Fevereiro de 2006 apresentado a fls. 440 e segs. dos autos.
 Não o tendo feito, não pode considerar-se preenchido um dos pressupostos 
 processuais do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º, n.º 1 
 da Lei do Tribunal Constitucional – a invocação da questão de 
 
 (in)constitucionalidade normativa durante o processo – e, consequentemente, não 
 pode do mesmo tomar-se conhecimento.
 Não se verificando os requisitos indispensáveis para se tomar conhecimento do 
 recurso, a presente reclamação tem de ser indeferida.
 III. Decisão
 Pelo fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 o reclamante em custas, com 20 ( vinte ) unidades de conta de taxa de justiça.
 Lisboa, 20 de Setembro de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos