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Processo n.º 746/06
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
 1.            A. reclama para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 
 
 76° n.º 4 e 77° n.º 1 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro – LTC), pedindo a 
 revogação do despacho do Relator que, no Supremo Tribunal de Justiça, lhe não 
 admitiu o recurso que pretendia interpor ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da referida LTC.
 Diz:
 Entende o despacho ora reclamado que nenhuma das normas invocadas –art. 327°, 
 
 2,412, 3 e 4 e 374º, 3 do CPP – foi aplicada, desaplicada ou sequer interpretada 
 pelo acórdão recorrido, que se limitou a rever as penas conjuntas.
 Ora, não tem fundamento o despacho reclamado.
 Na verdade, como se alcança pelo que se diz na motivação de recurso apresentada 
 pelo recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça, tais inconstitucionalidades 
 
 — que ora se pretendem ver declaradas — foram suscitadas. Simplesmente o acórdão 
 ora recorrido não as apreciou, pois entendeu que apenas lhe cabia apreciar a 
 matéria relativa à pena conjunta.
 Aliás, não faria sentido que, com essa posição, se considerassem encerradas as 
 questões de inconstitucionalidades suscitadas sem intervenção, em última 
 instância, do Tribunal Constitucional. O recorrente limitou-se, e bem, a 
 levantar tais questões a titulo de incidente relativamente a normas com 
 pertinência na causa submetida a julgamento.
 Foram preenchidos, pelo recorrente, os requisitos ou pressupostos processuais 
 quer os requisitos subjectivos quer os requisitos objectivos.
 Ao TC cabe, pois, a título definitivo, a qualificação do vício conducente a 
 desaplicação da norma, maxime no quadro da sua interpretação.
 Termos em que requer a V.Exa. se digne ordenar o envio da presente reclamação ao 
 Tribunal Constitucional para ai ser decidida.
 
  
 
  
 O recurso tinha sido interposto através de requerimento assim formulado:
 
  
 
  
 
 [O] recorrente, não se conformando com o acórdão preferido em 23-03-06, dele 
 pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento na 
 apreciação de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada no decurso do 
 processo, em conformidade com o disposto na alínea b) do n° 1 do art. 71° da Lei 
 
 28/92 de 15 de Novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 
 n.º 143/85 de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89 de 7 de Setembro, pela Lei 
 
 88/95 de 9 de Setembro e pela Lei n° 13-A/98 de 25 de Fevereiro.
 Em conformidade com o disposto no art. 76º-A do mesmo diploma, pretende-se ver 
 declarada a inconstitucionalidade material da interpretação das normas contidas 
 no art. 327º, nº 2 do CPP, por infringir a regra contida no art. 32º, n.º 1 da 
 CRP, bem como as normas contidas no art. 412º nºs 3 e 4 do CPP, por infringir a 
 regra constitucional citada no art. 32º, n° 1, as normas contidas nos art.s 
 
 374º, n.º 3 al. b) e 379, n° 1. al. a) ambas do CPP, por infringir em regra 
 constitucional inscrita no art. 20º da CRP, pelo não reexame da matéria de 
 facto, por condenação em excesso e por falta de exame crítico das provas. 
 As invocadas declarações de inconstitucionalidade material reconduzem-se à 
 inconstitucionalidade dos art.s. 410º, nº 2, 430º e 434º do CPP, por infringir o 
 duplo grau de jurisdição consagrado no art. 32º, n°1 da CRP. 
 No contexto da reapreciação da matéria de facto, releva a situação do Tribunal 
 Colectivo de Oliveira do Bairro não ter feito a documentação da totalidade do 
 depoimento da testemunha António Coelho Falcão, afectando, de modo irremediável, 
 as garantias de defesa do recorrente, o que constitui interpretação 
 materialmente inconstitucional da norma contida no art. 327º, nº 2 do CPP, por 
 infringir a regra do art. 32º, n° 1 da CRP. 
 De tudo resulta, pois, a importância da matéria de facto que o recorrente não 
 pode submeter à discussão do seu recurso no Tribunal da Relação por se ter visto 
 impedido de examinar tais factos, em sede de produção e valoração da prova. 
 O recurso é interposto em tempo, não é manifestamente infundado e o recorrente 
 tem legitimidade, razão porque, preenchidos os requisitos legais, requer a V. 
 Exa. Se digne considerar admitido o recurso, com efeito suspensivo, 
 prosseguindo-se os demais termos até final. 
 
  
 Tal requerimento foi indeferido nos seguintes termos:
 
  
 O arguido A., «não se conformando com o acórdão proferido em 23MAI06», anunciou, 
 em 04ABR06, «dele pretender interpor recurso para o Tribunal Constitucional», 
 
 «em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 71º. [rectius, 
 
 70.º] da Lei 28/92», para «ver declarada a inconstitucionalidade material da 
 interpretação das normas contidas» nos art.s 327.2 e 374.3.b e 379.1.a do CPP. 
 
 [...] 
 Acontece, porém, que nenhuma destas normas foi aplicada, desaplicada ou, sequer, 
 interpretada pelo acórdão recorrido, que se limitou a rever, reduzindo-as, as 
 penas conjuntas arbitradas, na Relação, aos respectivos concursos de crimes. 
 Ora, nos termos do artigo 70.1 do LTC («Decisões de que pode recorrer-se»), só 
 
 «cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos 
 tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada 
 durante o processo». 
 E, independentemente de se averiguar se a inconstitucionalidade de tais normas 
 foi ou não «suscitada durante o processo», a verdade é que a decisão recorrida 
 
 («O acórdão proferido em 23MAR06») não as aplicou. 
 Tanto basta para que, nos termos do art. 76.2 da LTC («Decisão sobre a 
 admissibilidade») devam indeferir-se – ou por a decisão o não admitir ou por se 
 revelar «manifestamente infundado» – os requerimentos de interposição de 
 recurso. 
 Por isso os indefiro. 
 
  
 O representante do Ministério Público neste Tribunal, ouvido sobre a reclamação, 
 entende que 'as normas cuja conformidade constitucional se solicita seja aferida 
 não foram aplicadas na decisão recorrida', pelo que a reclamação deverá ser 
 indeferida.
 
  
 
 2.            Cumpre decidir. 
 Apura-se que, através do recurso cuja admissão está agora em causa, o reclamante 
 pretende impugnar o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 23 de 
 Março de 2006, e que o faz ao abrigo do disposto no artigo 70º n.º 1 alínea b) 
 da LTC. 
 Esta norma permite recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos 
 tribunais que 'apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada 
 durante o processo'; o provimento do recurso, isto é, o julgamento de 
 inconstitucionalidade da norma sindicada, há-de naturalmente conduzir à 
 reformulação da decisão recorrida pelo tribunal recorrido, assim se expurgando a 
 norma constitucionalmente desconforme.
 Nada mais será necessário adiantar para que se torne bem patente que, através do 
 presente recurso, este Tribunal apenas pode apreciar a desconformidade 
 constitucional de normas efectivamente aplicadas na decisão recorrida, pois só 
 assim será possível obter o efeito útil pretendido por lei, a dita reformulação 
 do aresto impugnado.
 Acontece que o reclamante pretende avaliar normas que, na verdade, não foram 
 aplicadas na decisão recorrida.
 Com efeito, o acórdão recorrido, o que foi proferido pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça em 23 de Março de 2006, não fez aplicação de qualquer das normas 
 contidas no artigo 327º nº 2, no artigo 412º n.ºs 3 e 4 e nos artigos 374º n.º 3 
 alínea b) e 379º n.º 1 alínea a), todos do Código de Processo Penal, que são as 
 normas identificadas pelo reclamante como sendo aquelas cuja 
 inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie; o aresto limitou-se a 
 rever as penas conjuntas anteriormente arbitradas aos concursos de crimes 
 cometidos pelo interessado, efeito para o qual era totalmente desnecessário 
 mobilizar tais normativos. 
 Diz o reclamante que, apesar de o acórdão recorrido não ter apreciado as 
 questões de inconstitucionalidade suscitadas – por entender que apenas lhe cabia 
 apreciar a matéria relativa à pena conjunta – 'não faria sentido que, com essa 
 posição, se considerassem encerradas as questões de inconstitucionalidades 
 suscitadas sem intervenção, em última instância, do Tribunal Constitucional'. 
 Mas há que distinguir: o acórdão recorrido não apreciou a matéria relacionada 
 com a hipotética desconformidade constitucional das normas impugnadas 
 exactamente porque não aplicou essas normas. Não lhe cabia, por isso, apreciar 
 tais questões. Contudo – conforme, aliás, foi já bem explicado ao reclamante no 
 Tribunal recorrido –, ao recorrente estava aberta a possibilidade de ver 
 discutida essa matéria se, no momento oportuno, tivesse impugnado as decisões 
 que fizeram efectiva aplicação das referidas normas. O que lhe está vedado é 
 que, através do presente recurso, obtenha uma pronúncia sobre a desconformidade 
 constitucional de normas não aplicadas no acórdão recorrido, mas noutras 
 decisões, nessa parte já fixadas na ordem jurídica por falta de adequada 
 impugnação.
 
  
 
 3.            Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação. 
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 Lisboa, 11 de Setembro de 2006
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício