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Processo n.º 458/07                                            
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, A. reclama, ao abrigo do n.º 1 do artigo 77º da LTC, do 
 despacho, de 13.02.2007, do Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que 
 recusou a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na 
 não aplicação ao caso das normas, com excepção do artigo 405º, nº 1, CPP, cuja 
 inconstitucionalidade o reclamante pretendia ver apreciada e no que diz respeito 
 
 à inconstitucionalidade do artigo 405º, nº 1, CPP, por não haver sido suscitada 
 
 “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.   
 
  
 Nos termos do n.º 1 do artigo 77º da LTC, compete ao Tribunal Constitucional o 
 julgamento da reclamação do despacho que indefira o requerimento de interposição 
 de recurso.
 
  
 
 2. No âmbito do processo principal que deu origem a estes autos, já o reclamante 
 tinha interposto uma outra reclamação para a conferência do Tribunal 
 Constitucional do despacho do Ex.mo Desembargador relator do Tribunal da Relação 
 de Lisboa que não lhe admitiu o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional de um outro despacho, proferido pelo mesmo relator, que não lhe 
 admitiu o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão 
 proferido pela mesma Relação. Essa reclamação acabou por dar origem ao Acórdão 
 nº 571/2006 deste Tribunal, que a indeferiu, com fundamento na falta de 
 esgotamento das vias de recurso ordinário.
 
  
 
 3. Após notificação do Acórdão n.º 571/2006, o ora reclamante veio deduzir, em 
 
 12 de Novembro de 2006, reclamação para o Presidente do STJ do despacho que 
 recusou a admissão do recurso penal, notificado em 17 de Abril de 2006, ao 
 abrigo do n.º 2 do artigo 405º do CPP, alegando que, por força do n.º 1, in 
 fine, do artigo 75º da LTC, ainda estaria em tempo para lançar mão de tal meio 
 processual.
 
  
 Perante a recusa da reclamação, em 07 de Novembro de 2006, confirmada mediante 
 recusa de pedido de reforma, em 22 de Janeiro de 2007, o ora reclamante viria a 
 interpor novo recurso de inconstitucionalidade, que viria a ser alvo do despacho 
 reclamado, de 13 de Fevereiro de 2007, nos termos do qual foi recusada a 
 admissão do referido recurso.
 
  
 
 4. Antes de avançar, importa referir que relativamente à admissibilidade do 
 recurso da decisão de fls. 1088, dos autos principais e fls. 19 dos presentes 
 autos não deve este Tribunal dela conhecer novamente, uma vez que essa questão, 
 como já se disse, foi objecto do acórdão nº 571/06, de 18/10/2006, acima 
 mencionado, o qual indeferiu a reclamação por não se encontrarem esgotadas as 
 vias de recurso ordinário.   
 
  
 Resta, portanto, agora apreciar se a decisão recorrida [cfr. fls. 36 e 37 dos 
 presentes autos] aplicou efectivamente as normas invocadas pelo reclamante e se 
 estão presentes os demais pressupostos do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
 5. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público (fls. 50 e 51) pronunciou-se no 
 sentido da manifesta improcedência da reclamação ora em apreço, com fundamento 
 na falta de idoneidade do objecto em causa. Além disso, referiu (cfr. fls. 50) – 
 e bem –, que o recorrente endereça a referida reclamação ao Ex.mo Presidente do 
 STJ – tribunal recorrido – e não aos Ex.mos Juízes Conselheiros do Tribunal 
 Constitucional, como era devido.
 
  
 
  
 
  II – DA APRECIAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO
 
  
 
 6. Apesar de a reclamação ser dirigida ao Ex.mo Presidente do STJ o reclamante, 
 no intróito do requerimento, afirma que “vem dela RECLAMAR para a CONFERÊNCIA DO 
 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL”, pelo que tendo em conta a garantia do direito 
 fundamental de acesso à Justiça Constitucional, cumpre apreciar a presente 
 reclamação.
 
  
 
 7. A interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, pressupõe que a decisão recorrida tenha 
 aplicado uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo. 
 
  
 Ora, como já se mencionou supra, o despacho do Ex.mo Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça de recusa de admissão deste recurso para o Tribunal 
 Constitucional, tem como fundamento a não aplicação ao caso das normas 
 invocadas, com excepção do artigo 405º, nº 1, do CPP.
 
  
 A)      Da ausência de aplicação das normas invocadas (com excepção do n.º 1 do 
 artigo 405º do CPP)
 
  
 i)     Artigos 113º, n.º 1, alínea d) e n.º 9; 355º, n.º 1; 379º, n.º 1, alínea 
 c); 399º e 400º, n.º 3, alíneas a) e c), todos do CPP
 
  
 
 8. Com efeito, compulsada a decisão recorrida (cfr. fls. 36 e 37 dos presentes 
 autos), não se vislumbra que as referidas normas tenham sido aplicadas pelo 
 tribunal recorrido. Como este Tribunal apenas pode conhecer de questões de 
 inconstitucionalidade de normas que tenham sido alvo de aplicação pelos 
 tribunais portugueses, no que diz respeito às normas em análise, confirma-se o 
 teor da decisão ora alvo de reclamação.
 
  
 ii)                              Artigos 660º, n.º 2; 668º, n.º 1, alíneas b) e 
 d); 688º, n.ºs 1 e 5, todos do CPC
 
  
 
 9. A decisão ora recorrida pelo reclamante não se pronunciou sobre a vertente 
 cível do recurso então interposto. Deste modo, os n.ºs 1 e 5 do artigo 688º CPC 
 não foram aplicados pelo despacho recorrido.
 
  
 Improcede, portanto, a reclamação quanto à recusa de admissão de recurso de 
 inconstitucionalidade do artigo 688º, n.ºs 1 e 5, do CPC, na medida em que 
 aquelas normas não foram efectivamente aplicadas pela decisão recorrida.
 
  
 iii)                           Artigo 1171º do Código Civil
 
  
 
 10. Manifestamente, a decisão recorrida não questiona a tempestividade da 
 reclamação da decisão que indeferiu o recebimento do recurso para o STJ com 
 fundamento na revogação tácita do mandato da anterior mandatária judicial do 
 reclamante, mediante a designação do actual mandatário judicial daquele. Como 
 tal, o artigo 1171º do Código Civil não foi efectivamente aplicado pelas 
 decisões recorridas.
 
  
 iv)                            Artigo 75º, n.º 1 da LTC
 
  
 
 11. Sem prejuízo de uma ulterior análise mais detalhada desta questão, é forçoso 
 reconhecer que foi o próprio reclamante que considerou que a decisão de fls. 36 
 e 37 dos presentes autos não aplicou o n.º 1 do artigo 75º, n.º 1 da LTC, ao 
 requerer a respectiva reforma. Contudo, não é menos verdade que uma outra 
 decisão – desta feita sobre o pedido de reforma [cfr. fls. 43 dos presentes 
 autos] – aplicou implicitamente a norma vertida no n.º 1 do artigo 75º da LTC, 
 ao considerar que a mesma só seria aplicável ao caso concreto se o reclamante 
 tivesse esgotado previamente todos os recursos ordinários que se encontravam ao 
 seu dispor. Torna-se assim forçoso reconhecer que a decisão recorrida – tal como 
 posteriormente confirmada pela decisão sobre o pedido de reforma – aplicou o n.º 
 
 1 do artigo 75º da LTC, no sentido em que ponderou a sua aplicabilidade ao caso 
 concreto e concluiu pelo seu afastamento.
 
  
 Porém, em sede de reclamação do despacho que indeferiu o recebimento de recurso 
 para o STJ, o ora reclamante limitou-se a afirmar que aquela se revelava 
 
 “tempestiva em face do supra exposto e [do] disposto no n.º 1 do artigo 75º da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro” [cfr. §§ 42 e 51, alínea c) da reclamação, a 
 fls. 29 e 32 dos presentes autos]. Conforme melhor se demonstrará infra, o ora 
 reclamante nunca suscitou adequadamente qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa de qualquer interpretação da mesma, limitando-se 
 a invocá-la em prol da demonstração da tempestividade da reclamação. Aliás, ao 
 analisar o respectivo requerimento de rectificação e de reforma [cfr. fls. 40], 
 constata-se que o ora reclamante nunca suscitou a inconstitucionalidade de 
 qualquer interpretação formulada pela decisão de indeferimento da reclamação, 
 tendo – ao invés – considerado que a decisão laborava em “erro manifesto”.
 
  
 B)      Da não invocação da inconstitucionalidade de modo processualmente 
 adequado
 
  
 
 12. Admitindo que a decisão recorrida aplicou efectivamente as normas vertidas 
 no n.º 1 do artigo 75º da LTC, para além da norma constante do n.º 1 do artigo 
 
 405º do CPP, daqui não decorre, necessariamente a procedência da presente 
 reclamação neste Tribunal, dado que, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, o 
 recurso de decisões negativas de inconstitucionalidade apenas pode ocorrer 
 quando o interessado haja invocado a respectiva inconstitucionalidade durante o 
 processo e de modo processualmente adequado. 
 
  
 Este é, aliás, o fundamento que o Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de 
 Justiça invoca para recusar a admissão da presente reclamação relativamente ao 
 artigo 405º, nº 1, do CPP.
 
  
 Cumpre, pois, apreciar se o ora reclamante deu cabal cumprimento a tal dever 
 processual, não só em relação ao artigo 405º, nº 1, do CPP como ainda ao n.º 1 
 do artigo 75º da LTC.
 
  
 i)                 Artigo 405º, n.º 1 do CPP e artigo 75º, n.º 1 da LTC
 
  
 
 13. Na medida em que é o próprio reclamante quem afirma que, a propósito do n.º 
 
 1 do artigo 405º do n.º 1 do CPP e do n.º 1 do artigo 75º da LTC, “não podia 
 suscitar quaisquer inconstitucionalidades senão em sede de recurso para o 
 Tribunal Constitucional”, torna-se inútil o conhecimento das peças processuais 
 identificadas por aquele no respectivo recurso de inconstitucionalidade. 
 
  
 Procura o reclamante demonstrar que apenas poderia suscitar a 
 inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 405º do CPP e do n.º 1 do artigo 75º da 
 LTC, após o proferimento da decisão de indeferimento da reclamação, de fls. 36 e 
 
 37 dos presentes autos. Não tem, porém, razão.
 
  
 
 É certo que o reclamante apenas foi processualmente confrontado com uma decisão 
 de rejeição da reclamação fundada na prévia preterição processual de reclamação, 
 nos termos do n.º 1 do artigo 405º do CPP, no momento da notificação do despacho 
 de fls. 36 e 37. Contudo, nem por isso pode afirmar que a decisão de rejeição da 
 reclamação fosse objectivamente imprevisível, inusitada ou insólita. A verdade é 
 que o recorrente apenas poderia ser dispensado do dever processual de prévia 
 invocação da inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 405º do CPP, se não 
 pudesse contar – de modo objectivo – com a decisão alvo de recurso nos presentes 
 autos.
 
  
 Com efeito, conforme já notado por este Tribunal:
 
  
 a.                                 Acórdão n.º 394/2005 – “A razão pela qual o 
 Tribunal Constitucional tem dispensado este ónus em casos excepcionais ou 
 anómalos, como se refere na decisão reclamada, é a de considerar não exigível 
 antecipar um sentido objectivamente inesperado, sobre o qual o recorrente não 
 teve a oportunidade de se pronunciar antes de proferida a decisão recorrida”;
 
  
 b.                                       Acórdão n.º 120/2002 – “Todavia, como 
 este Tribunal também tem salientado (assim, por exemplo, do citado Acórdão n.º 
 
 352/94), tal situação sofre restrições 'em situações excepcionais, anómalas, nas 
 quais o interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar a 
 questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final'. É o que 
 acontece também quando, pela natureza insólita ou surpreendente da interpretação 
 
 (ou da aplicação) da norma em causa efectuada pela decisão recorrida, não era 
 exigível ao recorrente que contasse com ela. 
 
  
 Entende-se que é esta a situação no caso presente – tal como, por exemplo, nos 
 casos dos Acórdãos 74/00 e 56/01 (ainda não publicados), considerando-se como 
 
 'decisão-surpresa', de conteúdo imprevisível para o recorrente, a decisão 
 proferida pelo tribunal recorrido, para rejeição do recurso em causa”;
 
  
 c.                                  Acórdão n.º 489/94 – “O Tribunal tem 
 considerado até que cabe às partes considerar antecipadamente as várias 
 hipóteses de interpretação razoáveis das normas em questão e suscitar 
 antecipadamente as inconstitucionalidades daí decorrentes antes de ser proferida 
 a decisão”);
 
  
 d.                                 Acórdão n.º 479/89 – “(…) não pode deixar de 
 recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades 
 interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face 
 delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de 
 definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). E isso – 
 acrescentar-se-á – também logo mostra como a simples «surpresa» com a 
 interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos, 
 certamente, em princípio) a configurar uma dessas situações excepcionais (…) em 
 que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação 
 
 «prévia» da inconstitucionalidade perante o tribunal «a quo».
 
  
 Mas – e agora em segundo lugar – se alguma vez tal for de admitir, então haverá 
 de sê-lo apenas numa hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita 
 e imprevisível, que seria de todo o ponto desrazoável a parte contar (também) 
 com ela” .
 
  
 Sucede que, no caso em apreço, a fundamentação do despacho recorrido (cfr. fls. 
 
 36 e 37), e da respectiva confirmação pelo despacho de fls. 43 dos presentes 
 autos não pode configurar-se como insólita ou inaudita, antes afigurando-se como 
 uma das interpretações que qualquer sujeito processual, devidamente representado 
 por mandatário judicial, seria obrigado a equacionar.
 
  
 Como tal, estava o reclamante obrigado a suscitar a questão da 
 inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 405º do CPP e do n.º 1 do artigo 75º da 
 LTC, logo que apresentasse reclamação do despacho que recusou a admissão do 
 recurso para o STJ, de modo processualmente adequado. 
 
  
 Em sede daquela reclamação (cfr. fls. 20 a 34 dos presentes autos), o ora 
 reclamante nunca suscitou adequadamente qualquer espécie de 
 inconstitucionalidade normativa, visto ter-se limitado – conforme bem notado 
 pelo Ex.mo Senhor Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal (cfr. 
 fls. 50 e 51) – a um “mero «arrolamento de um conjunto heterodoxo de preceitos 
 legais dispersos, reportando-se a pretensa «inconstitucionalidade» à 
 interpretação que deles teria feito o tribunal «a quo», sem que o recorrente 
 trate de definir ou especificar em termos inteligíveis”.
 
  
 Em conclusão, o reclamante não suscitou adequadamente qualquer questão de 
 inconstitucionalidade, tendo o tribunal recorrido andado bem quando recusou a 
 admissão do recurso de inconstitucionalidade, nos termos do n.º 2 do artigo 72º 
 e do n.º 2 do artigo 76º da LTC.
 
  
 
  
 IV – DECISÃO
 
  
 
    Nestes termos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 
 
 26 de Fevereiro, e pelo fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação, 
 confirmando a decisão recorrida, não se admitindo o recurso interposto a fls. 44 
 e 45.
 
  
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º 
 do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro, a taxa de justiça, sem prejuízo do 
 regime de apoio judiciário de que goze.
 Lisboa, 11 de Maio de 2007
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão