 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 703/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
 
 
           Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
 
             
 I - Relatório   
 
  
 
 1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério 
 Público e B. e Outros, o relator proferiu decisão sumária, julgando o recurso 
 manifestamente infundado, com fundamento no seguinte:
 
 «[…] 2. O presente recurso tem origem nas seguintes ocorrências processuais:
 
 - O assistente nos autos, ora recorrente, interpôs recurso do despacho que não 
 pronunciou os arguidos nos autos, tendo o recurso sido interposto no 21.º dia 
 após a prolação da decisão impugnada.
 
 − Não tendo sido paga a multa a que se refere o n.º 5 do artigo 145.º do CPC, 
 foi ordenada a notificação do recorrente para os efeitos do n.º 6 do mesmo 
 preceito legal.
 
 − O recorrente veio reclamar desse despacho para a conferência, invocando, 
 nomeadamente, o seguinte: 
 
 «3 − (…) deve o assistente ser tributado com a multa correspondente a um dia de 
 falta, visto a norma daquele n.º 6 [do artigo 145.º do CPC] estar redigida no 
 sentido de confiscar, a qualquer preço, o dinheiro dos contribuintes que 
 recorrem aos serviços de justiça, assentando num princípio de que os portugueses 
 são visceralmente portadores de uma má fé processual e dotados de uma reserva 
 mental indigna de um país democrático.
 
 4 − Daí que o legislador, partindo desta ideia perversa, construiu um preceito 
 que avilta contra a dignidade da pessoa humana, na qual se baseia o Estado de 
 direito democrático, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 204.º da 
 CRP, deve o douto tribunal recusar a sua aplicação, declarando a inconformidade 
 constitucional do teor daquele n.º 6, por o mesmo violentamente afrontar os 
 termos do art. 1.º da Lei fundamental (…)»
 
 − Por acórdão de 18.06.2008, ora recorrido, a reclamação foi indeferida.
 
 3. O artigo 145.º, n.º 6, do Código de Processo Civil estabelece o seguinte:
 
 «6 − Decorrido o prazo referido no número anterior sem ter sido paga a multa 
 devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para 
 pagar multa de montante igual ao dobro da taxa de justiça inicial, não podendo a 
 multa exceder 20 UC.»
 Entende o recorrente que esta norma legal é inconstitucional, por violação do 
 princípio da dignidade da pessoa humana, ínsito no artigo 1.º da Constituição, 
 na medida em que «o legislador ao tributar desta forma draconiana e ultrajante o 
 utente da justiça, parte do principio que todos os cidadãos se posicionam 
 socialmente numa litigância perversa» e que «a ideia do legislador é depravada e 
 ofensiva da dignidade de um povo com mais de oito séculos de história».
 Embora com dimensões normativas não inteiramente coincidentes, a norma em causa 
 já foi objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, que sempre se 
 pronunciou no sentido da sua não inconstitucionalidade – cfr. Acórdãos n.ºs 
 
 406/2001, 346/2002 e 356/2007 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 Também no caso presente, em que se questiona o teor literal do artigo 145.º, n.º 
 
 6 do CPC − preceito que sanciona, com multa, a prática extemporânea de um acto 
 processual sem que tenha sido imediatamente paga a multa devida −  não se 
 vislumbra em que medida esta norma pode infringir a Constituição.
 A fixação de um prazo suplementar para a prática dos actos processuais com multa 
 
 (n.ºs 5 e 6 do artigo 145.º do CPC) traduz uma menor rigidez, em favor dos 
 interessados, da regra de que os prazos processuais são peremptórios e precludem 
 a possibilidade de a parte praticar o acto. As multas têm, neste contexto, 
 carácter sancionatório, são «sanções processuais, de natureza pecuniária, 
 impostas à parte que, no decurso do processo, não cumpre adequada e 
 tempestivamente os seus deveres». (Acórdão n.º 723/98). 
 Resta dizer que, como resulta evidente dos próprios termos em que o recorrente 
 tenta sustentar tal tese, é insustentável defender que o artigo 145.º, n.º 6, do 
 CPC, viola o artigo 1.º da Constituição.
 Constatada, como foi, a manifesta improcedência da inconstitucionalidade 
 invocada, está preenchida a previsão do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
 
 4. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se julgar o 
 presente recurso manifestamente infundado. [….]»
 
  
 
 2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, concluindo o seguinte:
 
 «[…] lº- O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão 
 do Supremo Tribunal de Justiça que se recusou a declarar a inconstitucionalidade 
 do n.° 6 do art. 145.° do CPC que, quando conjugado com o disposto no n.° 5 do 
 mesmo preceito, no seu entendimento, ofende frontalmente os termos do disposto 
 no 1.° da CRP. 
 
 2°- Este foi admitido, mas em sede de recurso o Senhor Relator resolveu excertar 
 do seu requerimento apenas uma parte dos fundamentos que interessavam ao 
 enquadramento de uma decisão exarada nesta instância para negar conhecer do seu 
 mérito, alegando que: “Embora com dimensões normativas não inteiramente 
 coincidentes, a norma em causa já foi objecto de apreciação pelo Tribunal 
 Constitucional, que sempre se pronunciou no sentido da sua não 
 inconstitucionalidade — ( cfr. Acórdãos n.°s 406/2001, 346/2002 e 356/2007.)”. 
 
 3°- Sem embargo de melhor opinião, o certo é que o art.664.° do CPC, estipula 
 que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, 
 interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos 
 factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no art. 264.º”, e o 
 art. 264.° do mesmo diploma consagra o principio do dispositivo e salvaguarda o 
 poder da parte no processo. 
 
 4°- Na medida em que esta tem o poder de dispor dele, bem como da relação 
 material controvertida, incumbindo-lhe definir o objecto do litigio, através da 
 dedução das suas pretensões e da correlativa alegação dos fundamentos que 
 integram a causa de pedir, sendo que da leitura dos arts. 664.° e 264.° do CPC, 
 resulta que o tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos. 
 
 5°- Não podendo alterar os fundamentos de que a parte faz depender a pretensão 
 em juízo, sendo que, in casu, o Tribunal modelou-os para os subsumir ao direito 
 em que alicerçou uma decisão já proferida e que, no seu dizer, as dimensões 
 normativas não eram coincidentes com as arrimadas pelo, ora, reclamante. 
 
 6°- Donde, a prolação impugnada, para além de violar o sufragado naqueles 
 comandos jurídicos, atenta ainda contra as disposições do n.° 1 e 4 do art. 
 
 20.°; da CRP, dado contender com o direito de acesso aos tribunais, bem como 
 negou o direito aplicável aos fundamentos suscitados. 
 
 7°- Sem perder de vista que esta afronta ainda os termos no n.° 4 do mesmo 
 preceito e o disposto no art.10.° da DUDH, visto restringir o direito do 
 reclamante ver a sua causa ser equitativa e publicamente julgada por um tribunal 
 que decida de mérito sobre os seus direitos e obrigações, pelo que deve a mesma 
 ser revogada e consequentemente, conhecer-se da questão substantiva. 
 
 8°- A qual, ao contrário do decidido, não radica nos fundamentos aduzidos na 
 decisão impugnada, mas substancia-se no facto dos n.°s 5 e 6.° do art. 145.° do 
 CPC, consagrarem que o acto jurídico, independentemente de justo impedimento, 
 pode “ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo 
 do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento, até ao termo do 1° dia 
 
 útil posterior ao da prática do acto, de uma multa de montante igual a um quarto 
 da taxa de justiça inicial por cada dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 
 UC”. E que “Decorrido o prazo referido no número anterior sem ter sido paga a 
 multa devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o 
 interessado para pagar a multa de montante igual ao dobro da taxa de justiça 
 inicial. não podendo a multa exceder 20 UC”.
 
 9°- Ora, o legislador não levou em conta que os utentes da justiça são 
 notificados por carta registada e que, de acordo com o disposto na al. b) do n.° 
 
 1 do 150.° e n.° 3 do art. 254.°, do CPC, a data para o cumprimento dos prazos 
 conta-se desde do registo, e se estes, em vez de contar do dia da expedição o 
 fizerem, por engano, na data da recepção acabam por praticar o acto um dia 
 depois, convencidos que estavam a fazê-lo no dia correcto. 
 
 10°- Razão pela qual não se apressam a pagar a multa por um dia de atraso e em 
 função disso, a secretaria aguarda até ao fim do 3° dia útil, remetendo-lhe as 
 guias para proceder ao pagamento da multa, não por um dia de atraso, mas antes 
 no montante correspondente ao dobro da taxa de justiça inicial, podendo ir até 
 
 20 UC pelo exercício do acto que o interessado praticou no dia seguinte ao termo 
 do prazo. 
 
 11°- Sendo nesta dimensão normativa que o legislador revela a sua total 
 perversidade ao tributar em 20 UC, a realização de um acto efectuado no primeiro 
 dia, mas porque o interessado desconhecia o ter praticado fora de prazo, não 
 podia solicitar as guias para o pagamento de uma multa que para ele, subjectiva 
 e objectivamente, não existia. 
 
 12º- Donde, pretendendo o legislador ser uma pessoa de bem, como devia, tinha 
 que tributar o acto, em ordem ao momento em que este foi praticado e não 
 aproveitar um lapso do utente da justiça para o multar de forma ultrajante, 
 sobretudo, quando para os restantes sujeitos processuais não existe a 
 obrigatoriedade de cumprimento de quaisquer prazos. 
 
 13º- Motivo pelo qual, o reclamante entende que a dimensão concretizadora destes 
 normativos, envergonham qualquer pais civilizado, ofendendo de sobremaneira a 
 dignidade do povo português e avilta o próprio legislador que, como ave de 
 rapina, vê nele apenas uma fonte de caça níqueis irrazoavelmente intolerável mim 
 Estado de direito democrático. 
 
 14º- E desta forma, afrontam os termos do art. 1.º da CRP que consagra o 
 principio de que “Portugal é uma República, soberana baseada na dignidade da 
 pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade 
 livre, justa e solidária”, devendo, por isso, em nome do povo, decretar-se a sua 
 inconformidade constitucional, como é de direito e de 
 JUSTIÇA»
 
  
 
 3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 respondeu nos termos seguintes:
 
 «1°
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2°
 Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada, no que toca à evidente insubsistência da questão de 
 inconstitucionalidade normativa suscitada pelo reclamante, a que dá inteira e 
 cabal resposta.»
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 4. A extensa reclamação apresentada em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada.
 Na verdade, o reclamante nada aduz que contrarie a conclusão de que é 
 manifestamente infundada a invocação da inconstitucionalidade do artigo 145.º, 
 n.º 6, do CPC (que sanciona, com multa, a prática extemporânea de um acto 
 processual sem que tenha sido imediatamente paga a multa inicialmente devida), 
 com fundamento em violação do artigo 1.º da Constituição.
 Não tem qualquer fundamento, e afigura-se mesmo descabida, a alegação de que a 
 decisão reclamada “modelou” os fundamentos invocados pelo recorrente para os 
 
 “subsumir ao direito em que alicerçou a decisão”. Na verdade, a referida decisão 
 limitou-se a reproduzir afirmações do próprio requerente, onde mais 
 impressivamente se transmitia a (única) razão de ser da pretendida 
 inconstitucionalidade. 
 Por outro lado, e contrariamente ao referido na reclamação, a decisão reclamada 
 não se arrima apenas na anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional, 
 proferida sobre o mesmo preceito legal, embora a propósito de dimensões 
 normativas não inteiramente coincidentes com a dos presentes autos.
 Partindo daquela jurisprudência, que por economia e racionalidade de meios nos 
 prescindimos de repetir, conclui-se o seguinte, a respeito da concreta dimensão 
 normativa aqui em causa: 
 
 «A fixação de um prazo suplementar para a prática dos actos processuais com 
 multa (n.ºs 5 e 6 do artigo 145.º do CPC) traduz uma menor rigidez, em favor dos 
 interessados, da regra de que os prazos processuais são peremptórios e precludem 
 a possibilidade de a parte praticar o acto. As multas têm, neste contexto, 
 carácter sancionatório, são «sanções processuais, de natureza pecuniária, 
 impostas à parte que, no decurso do processo, não cumpre adequada e 
 tempestivamente os seus deveres». (Acórdão n.º 723/98). 
 Resta dizer que, como resulta evidente dos próprios termos em que o recorrente 
 tenta sustentar tal tese, é insustentável defender que o artigo 145.º, n.º 6, do 
 CPC, viola o artigo 1.º da Constituição.»
 
  
 
 É quanto basta para demonstrar a evidente falta de fundamento da questão de 
 constitucionalidade.
 Pelo que é de manter, na íntegra, a decisão sumária reclamada.
 
  
 III. Decisão
 
  
 Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 13 de Janeiro de 2009
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos