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Processo n.º 919/06
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 
   
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção
 
  do Tribunal Constitucional: 
 
  
 
  
 
          1. A fls. 472 foi proferida a seguinte decisão sumária :
 
  
 
             «1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Novembro 
 de 2005, de fls. 335, e nos termos previstos no n.º 5 do artigo 713.º do Código 
 de Processo Civil, foi negado provimento ao recurso que a apelante, A., LDA., 
 havia interposto da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Arganil de 9 de 
 Fevereiro de 2005, de fls. 270. 
 Esta sentença tinha julgado procedente a acção instaurada pelo MUNICÍPIO DE 
 ARGANIL contra a apelante, condenando-a no pagamento de uma indemnização no 
 montante de € 57.229,41, acrescida dos devidos juros de mora, por danos causados 
 no açude do rio Alva. 
 
             Inconformada, A., LDA., interpôs recurso de revista para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, ao qual foi negado provimento por acórdão de 18 de Maio de 
 
 2006, de fls. 420.
 
             No que agora releva, o  acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 
 decidiu o seguinte:
 
             «III – 1. Face às complexas e pouco perceptíveis alegações e 
 conclusões da recorrente, vamos começar por demonstrar que lhe não assiste a 
 mínima razão quando imputa ao acórdão ora recorrido o vício da nulidade prevista 
 no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC) e, em 
 consequência, entende terem sido violados os artigos 13.º e 21.º da Constituição 
 da República Portuguesa (CRP).
 
             Segundo a citada alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC (primeiro 
 segmento, único aqui em causa), será nulo o acórdão quando nele deixe de haver 
 pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas.
 
             Entenderam os Senhores Desembargadores, face ao teor da sentença 
 recorrida, usar da faculdade que a lei (artigo 713.º, n.º 5, do CPC) lhes 
 conferia de remeter para a mesma, tendo em conta os seus fundamentos e a decisão 
 tomada.
 
             Daqui logo decorre que não vislumbraram qualquer contradição entre a 
 decisão e a respectiva motivação.
 
             De qualquer forma, o acórdão – e porque a recorrente procurava 
 retirar elementos a favor da sua posição no relatório elaborado pelo Laboratório 
 Nacional de Engenharia Civil (LNEC) – demonstra de forma clara quão 
 despropositada era a argumentação da recorrente no tocante ao parecer do LNEC, 
 bem como qual o valor probatório do mesmo.
 
             Acrescentou-se ainda algo relativamente ao nexo de causalidade, 
 posto em causa pela recorrente.
 
             Ao pretender socorrer-se do teor do relatório do LNEC para defender 
 a sua posição, a recorrente esquece que o mesmo constitui um mero elemento de 
 prova (prova pericial, neste caso) da livre apreciação do tribunal (cfr. artigos 
 
 388.º e 389.º do Código Civil e 591.º do CPC).
 
             Ao responder aos quesitos da base instrutória, a Senhora Juíza, em 
 obediência ao princípio da liberdade de julgamento a que alude o artigo 655.º, 
 n.º 1, do CPC, apreciou livremente todas as provas produzidas, incluindo o 
 referido parecer do LNEC, como decorre da “Motivação probatória” de fls. 242 e 
 
 243, formando a sua convicção.
 
             A discordar de respostas dadas, poderia a ora recorrente, na sua 
 apelação para a Relação, ter impugnado matéria de facto, nos termos dos artigos 
 
 690.º-A e 712.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CPC, o que não fez.
 
             Quando a alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC se refere a 
 oposição entre os fundamentos e a decisão, reporta-se à decisão e à 
 fundamentação de facto e de direito que constam da própria sentença, nada tendo 
 a ver com a fundamentação da convicção formada para responder aos diversos 
 pontos da base instrutória.
 
             Não ocorre, pois, a apontada nulidade, o que, por si só, já confirma 
 a falta de razão da recorrente no que concerne à incompreensível e totalmente 
 absurda chamada à colação de normas de âmbito constitucional.
 
             Vejamos tais normas da CRP.
 
             A primeira – artigo 13.º - reporta-se ao princípio da igualdade e a 
 segunda – artigo 21.º - respeita ao direito de resistência, referindo este 
 
 último artigo que “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda 
 os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer 
 agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”.
 
             Não vislumbramos como se pode estar a dar um tratamento preferencial 
 ao Autor Município de Arganil em relação à recorrente e, assim, a violar o 
 princípio da igualdade.
 
             Será que é pelo facto de as instâncias terem dado razão ao Autor e, 
 consequentemente, terem condenado a Ré?
 
             Com tal raciocínio da recorrente, teríamos que todas as partes que 
 perdem acções em tribunal poderiam vir invocar a violação do princípio 
 constitucional da igualdade de todos perante a lei como reacção pelo seu 
 decaimento nos processos.
 
             Para obviar a estas situações, não restava aos tribunais outra coisa 
 senão – quando tal fosse possível e o problema é que nem sempre seria possível – 
 procurar decidir de forma a poder contentar todas as partes envolvidas nos 
 processos judiciais, o que – diga-se – seria muitas vezes difícil de 
 concretizar.
 
             A esta insólita invocação de violação de preceitos constitucionais 
 só podemos concluir dizendo que se não mostram os mesmos violados pelo acórdão 
 ora impugnado.»
 
  
 
             2. A., LDA., veio, então, interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, «nos termos do artº 70.º, 1, b), e 2 da LTC, para declaração da 
 inconstitucionalidade e ilegalidade dos artigos 668.º n.º 1 d) do CPC, por 
 violação dos artº 13.º e 21.º da C.R.P., questões levantadas nas alegações de 
 recurso».
 
             O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal 
 
 (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82). 
 
  
 
             3. O Tribunal Constitucional não pode conhecer do presente recurso, 
 por não ter sido suscitada 'durante o processo' qualquer questão de 
 inconstitucionalidade relativa a normas contidas no preceito que indica no 
 requerimento de interposição de recurso. O mesmo se poderia, aliás, dizer, 
 quanto a qualquer questão de ilegalidade susceptível de apreciação pelo Tribunal 
 Constitucional – caso em que, de qualquer forma, o recurso não poderia basear-se 
 na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
 
             O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas 
 interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82 destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de 
 normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na 
 decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade 
 
 “durante o processo” (al. b) citada), e não das próprias decisões que as 
 apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente 
 afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 
 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de 
 Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996). 
 
 É, pois, necessário que a inconstitucionalidade que se pretende que o Tribunal 
 Constitucional aprecie haja sido “suscitada durante o processo” (citada al. b) 
 do nº 1 do artigo 70º), como se disse, o que significa que há-de ter sido 
 colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (nº 2 do 
 artigo 72º da Lei nº 28/82).
 Ora, nas alegações apresentadas no recurso de revista a recorrente não suscitou 
 qualquer questão de inconstitucionalidade de qualquer norma. Diferentemente, 
 afirmou que «a Relação ao não conhecer das questões suscitadas nas Alegações e 
 Aclarando, quando tal não era pedido ou suscitado o sentido da sentença na parte 
 em que diz respeito ao Relatório do LNEC, fá-lo pondo em crise o previsto no 
 artigo 13.º e 21.º da CRP».
 
  
 
             4. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à 
 emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 
 
 15 de Novembro.
 
  
 
             Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso. 
 
             Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. »
 
  
 
          2. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da 
 decisão sumária.
 
          Em seu entender, e contrariamente ao afirmado na decisão reclamada, foi 
 devidamente suscitada a questão de constitucionalidade que pretende ver 
 apreciada. Transcreve, para o demonstrar, o artigo 11º-E das alegações 
 apresentadas no recurso de revista, cujo conteúdo é o seguinte:
 
          'E para além do mais, a Relação ao não conhecer das questões suscitadas 
 nas Alegações e Aclarando, quando tal não era pedido ou suscitado o sentido da 
 sentença em que diz respeito ao Relatório do LNEC, fá-lo pondo em crise o 
 previsto no artº 13º e 21º [20º, como corrige] da CRP.'
 
          Explica depois por que razão considera ter sido incorrectamente 
 aplicado o direito aos factos havidos como provados, observando que o Supremo 
 Tribunal de Justiça, 'em total denegação do conteúdo dos artº 13º e 20º da CRP', 
 procedeu de forma 'no mínimo bizarra', com 'a interpretação dada (…) ao artº 
 
 483º e a aplicabilidade do artº 490º do CC, à situação em crise'. Diz ainda que 
 tudo resultou numa 'situação claríssima de arbítrio na apreciação da Prova', não 
 tendo assim sido 'a Recorrente tratada por igual perante a LEI'.
 
          E termina afirmando: 'sendo esta a questão de fundo se conclui pelo 
 preenchimento dos requisitos 'ad substantiam' para o conhecimento do objecto do 
 recurso (…)'.
 
  
 
          Notificado para o efeito, o recorrido pronunciou-se no sentido da falta 
 de fundamento da reclamação, observando que a reclamante, 'durante o processo, 
 
 (…) não só não questionou as respostas dadas à matéria de facto, como também não 
 suscitou durante o processo qualquer inconstitucionalidade de normas'.
 
  
 
          3. A reclamação não tem em conta o objecto possível de um  recurso de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade normativa ao abrigo do disposto na 
 alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, recurso no qual, como se disse 
 na decisão reclamada, só podem ser apreciadas questões de inconstitucionalidade 
 de normas (e não de decisões) oportunamente impugnadas pelo recorrente.
 
          Ora em parte alguma da reclamação se rebate o motivo que levou à 
 decisão de não conhecimento do recurso: não ter sido suscitada 'durante o 
 processo',  nos termos prescritos pela al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82, qualquer questão de inconstitucionalidade relativa ao preceito indicado 
 no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o 
 artigo 678º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil.
 
  
 
          Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de 
 não conhecimento do recurso.
 
          Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
 Lisboa, 17 de Janeiro de 2007
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Artur Maurício