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Processo n.º 215/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
  
 
 1. Por sentença de 18 de Novembro de 2008, o 2º Juízo do Tribunal Judicial da 
 Comarca de Ourém recusou a aplicação da norma do artigo 2º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 75/98, de 19 de Novembro, por ser contrária ao estabelecido nos artigos l3º, 26º 
 e 69º, da Constituição da República, e, em consequência, fixou a prestação a 
 pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, nos termos dessa 
 disposição e ainda do artigo 3º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 2, do Decreto-Lei 
 n.º 164/99, de 13 de Maio, em € 125,00 para cada menor. 
 
  
 Considerou, em síntese, que, sendo imposto ao Estado o dever de assegurar a 
 garantia da dignidade da criança e a sua protecção em vista a um desenvolvimento 
 integral, a norma do artigo 2º, nº l, da Lei n.º 75/98, ao estabelecer uma 
 limitação nas prestações mensais em 4 UC por devedor, viola os referidos 
 preceitos constitucionais, e desde logo, o princípio da igualdade previsto no 
 artigo 13º, ao discriminar as crianças cujo progenitor infractor tenha um maior 
 número de filhos ou dependentes menores. 
 
  
 O Ministério Público interpôs recurso obrigatório ao abrigo do disposto no 
 artigo 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, vindo, no 
 seguimento do processo, a apresentar as seguintes alegações:
 
  
 
 1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
 O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da 
 decisão, proferida no Tribunal Judicial de Ourém, nos autos de incumprimento do 
 poder paternal, na parte em que foi recusada aplicação, com fundamento em 
 inconstitucionalidade material, à norma constante do artigo 2º, nº 1, da Lei nº 
 
 75/98, de 19 de Novembro na parte em que estabelece um limite, por cada devedor, 
 
 às prestações em que se consubstancia a garantia dos alimentos devidos a menores
 Ao presente recurso foi atribuído o regime de subida em separado e com efeito 
 meramente devolutivo, com invocação do disposto no artigo 78º, nº 2, da Lei do 
 Tribunal Constitucional, conjugada com as normas adjectivos reguladores do 
 recurso de agravo aos procedimentos regidos pela Organização Tutelar de Menores.
 Não nos parece, porém, que a norma do citado nº 2 do artigo 78º seja invocável 
 no âmbito de um recurso obrigatório, fundado na alínea a) do nº 1 do artigo 75º: 
 na verdade, como é inquestionável, tal recurso tem de ser interposto, logo e 
 directamente, para o Tribunal Constitucional, não havendo, deste modo, que 
 considerar relevante o recurso ordinário “ não interposto ou declarado extinto”, 
 cuja interposição estava vedada ao Ministério Público recorrente (a nosso ver, 
 tal norma conexiona-se, não com os recursos obrigatórios, mas com os recursos 
 fundados na alínea b) do nº 1 daquele artigo 70º, face ao preceituado no nº 4 
 desse preceito, que se basta com a exaustão ou preclusão dos normais meios 
 impugnatórios existentes).
 Tal implica a aplicabilidade da regra constante do nº4 do artigo 78º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, devendo fixar-se ao presente recurso obrigatório o 
 regime de subida nos próprios autos e o efeito suspensivo.
 Nos casos em que a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor não 
 satisfizer as quantias em dívida e o alimentado não puder beneficiar de 
 rendimento líquido superior ao salário mínimo, o Estado assegura as prestações 
 em débito, sendo estas fixadas pelo tribunal – mas não podendo exceder, 
 mensalmente, por cada devedor o montante de 4 UC, independentemente do número de 
 menores credores da prestação alimentar.
 Violará esta limitação legal, como sustenta a decisão recorrida, os princípios 
 constitucionais da igualdade e da garantia de um mínimo de existência condigna, 
 inferivel, desde logo, do artigo 69º da Constituição da República Portuguesa?
 Parece-nos claramente improcedente o argumento constante em invocar a violação 
 do princípio da igualdade, já que a restrição dos montantes pecuniários 
 disponíveis, no caso de pluralidade de menores titulares activos do direito a 
 alimentos, radica, por assim dizer, na própria “natureza das coisas” – não 
 traduzindo situação substancialmente diversa da que ocorre nos casos em que o 
 progenitor preste, ele próprio, os alimentos, sendo a medida destes condicionada 
 pelos meios pecuniários ao dispor daquele que houver de prestá-los: não sendo 
 obviamente ilimitadas as capacidades financeiras do devedor de alimentos, é 
 evidente que a circunstância de serem plúrimos os titulares do direito alimentar 
 acabará por influenciar os valores efectivamente disponíveis por cada um dos 
 co-interessados, sem que tal traduza qualquer discriminação constitucionalmente 
 censurável.
 Mais complexa é a questão da compatibilização da dita restrição legal com o 
 direito a um mínimo de existência condigna, inferível, neste caso, da norma do 
 artigo 69º da Constituição da República Portuguesa, na parte em que prescreve 
 que os menores têm direito à protecção da sociedade do Estado, com vista ao seu 
 desenvolvimento integral, sendo devida “especial protecção” às crianças por 
 qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.
 Implicará tal direito “social” a possibilidade de exigir do Estado um conteúdo 
 prestacional, inviabilizador da aplicabilidade da restrição quantitativa 
 constante da norma desaplicada?
 Propendemos para uma resposta negativa, afigurando-se ser necessária uma 
 especial cautela do aplicador do direito na área dos direitos sociais, 
 envolvendo prestações pecuniárias directas do Estado – uma vez que, como é 
 evidente, o cumprimento do programa constitucional ínsito, no caso, no citado 
 artigo 69º depende fundamentalmente de factores financeiros e materiais que o 
 Estado está longe de dominar integralmente, valendo aqui a “cláusula do 
 possível”.
 Ou seja: mesmo admitindo que o direito a um mínimo de existência condigna 
 comporta também uma vertente prestacional, direccionada contra o Estado (como 
 parece admitir o Acórdão nº 509/02, a propósito da figura do rendimento social 
 de inserção) – o que nos conduzirá a outorgar tutela e assento constitucional ao 
 regime genérico da garantia dos alimentos devidos a menores – não parece viável 
 extrair de tal direito social uma concreta determinação dos montantes 
 aplicáveis, bem como a proscrição da inexistência de qualquer limite máximo às 
 prestações pecuniárias a cargo do Estado.
 Não pode, na realidade, o intérprete e aplicador da lei sobrepor os seus 
 próprios e pessoais critérios às valorações realizadas pelo legislador, 
 democraticamente legitimado, e a que incumbe naturalmente – face à natural 
 insuficiência dos meios financeiros públicos para ocorrer a todas as situações 
 de necessidade ou carência – realizar as opções legislativas fundamentais, 
 articulando ou “rateando” os montantes disponíveis pelo universo dos 
 carenciados.
 A opção legislativa plasmada na norma desaplicada não se revela, deste modo, 
 violadora do referido direito, cabendo ainda o estabelecimento de um limite 
 máximo à responsabilidade subsidiária do Estado pelo débitos alimentares não 
 espontaneamente satisfeitos, no âmbito das opções político-legislativas 
 consentidas pela Lei Fundamental.
 
 2. Conclusão
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
 
 1º Não é aplicável a um recurso obrigatório do Ministério Público – sujeito ao 
 regime de imediata e necessária interposição directa para o Tribunal 
 Constitucional – o estatuído no nº 2 do artigo 78º da Lei nº 28/82, cabendo tal 
 situação na regra enunciada no nº 4 de tal preceito.
 
 2º A norma constante do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, 
 enquanto prescreve um limite máximo à responsabilidade subsidiária do Estado 
 pelas prestações alimentares a menores, não espontaneamente satisfeitas pelo 
 obrigado, estabelecido em função da identidade do devedor (e independentemente 
 do número de interessados, titulares de alimentos), não viola o princípio da 
 igualdade nem o direito a um mínimo de existência condigna, situando-se ainda no 
 
 âmbito da livre discricionariedade legislativa.
 
 3º Termos em que deverá proceder o presente recurso.
 
  
 
  
 Cabe apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
  
 Efeito do recurso
 
  
 
 2. O tribunal recorrido atribuiu ao recurso efeito meramente devolutivo, com 
 invocação do disposto no artigo 78º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, e 
 no artigo 185º, n.º 1, da Lei Tutelar de Menores.
 
  
 O Ministério Público, na sua alegação, considerou que a norma que rege o efeito 
 do recurso é, no caso, a do n.º 4 do citado artigo 78º, por se tratar de recurso 
 de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º 
 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), que não está dependente da prévia 
 exaustão dos recursos ordinários, e requereu, nesse sentido, a fixação de efeito 
 suspensivo.
 
  
 
  De facto, a norma do artigo 185º, n.º 1, da Lei Tutelar de Menores atribui aos 
 recursos de quaisquer decisões proferidas nos processos previstos nessa lei, 
 incluindo os relativos a alimentos devidos a menores, o efeito meramente 
 devolutivo. E o artigo 78º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional manda 
 seguir, no recurso para o Tribunal Constitucional «interposto de decisão da qual 
 coubesse recurso ordinário, não interposto ou declarado extinto», o efeito que 
 deva ser atribuído a esse recurso. O que poderia conduzir, por interpretação 
 literal desse preceito, a que se devesse manter, no recurso de 
 constitucionalidade, o efeito meramente devolutivo que caberia ao recurso 
 ordinário, caso este fosse interposto.
 
  
 A norma, no entanto, pretende referir-se aos recursos previstos nas alíneas b) e 
 f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, relativamente aos quais se exige o prévio 
 esgotamento dos recursos ordinários, e que abarca as situações em que, havendo 
 recurso ordinário, tenha havido renúncia, ou haja decorrido o respectivo prazo 
 de interposição, ou o recurso não tenha tido seguimento por razões de ordem 
 processual (cfr. artigo 70º, n.ºs 2 e 4). 
 
  
 No caso, porém, de recusa de aplicação de norma com fundamento em 
 inconstitucionalidade, e em todos os outros casos em que o recurso para o 
 Tribunal Constitucional é obrigatório (artigos 70º, n.º 1, alíneas a), c), g), 
 h) e i), e 72º, n.º 2, da LTC), não funciona a regra da exaustão dos recursos 
 ordinários (nem se justifica que se aguarde o decurso do prazo de interposição 
 do recurso ordinário ou a ocorrência de qualquer causa extintiva), sendo desde 
 logo exigível que o recurso seja imediata e directamente interposto para o 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 Neste contexto, a alusão, no artigo 78º, n.º 2, a recurso ordinário não 
 interposto ou declarado extinto apenas faz sentido se se reportar a um recurso 
 de constitucionalidade que apenas pudesse ser admitido após o esgotamento dos 
 recursos ordinários (aqui se incluindo, por força da citada regra do n.º 4 desse 
 artigo 70º, as situações de não interposição ou extinção do recurso por razões 
 processuais). 
 
  
 Em qualquer outra situação (não contemplada no artigo 78º, n.º 2), em que haja 
 lugar a recurso ordinário, e ele tenha prosseguido, o efeito do recurso de 
 constitucionalidade da decisão proferida nessa instância de recurso é o previsto 
 no artigo 78º, n.º 3, correspondendo-lhe o efeito que tiver sido atribuído ao 
 recurso ordinário que teve seguimento.
 
  
 O caso dos recursos obrigatórios cai na regra residual do n.º 4 do artigo 78º, 
 sendo aplicável o efeito suspensivo com subida nos próprios autos; o que é 
 consentâneo com a circunstância de a lei prever a interposição imediata do 
 recurso em vista à apreciação da questão de constitucionalidade, diferindo para 
 momento ulterior a prolação de decisão definitiva, na ordem judiciária comum, 
 sobre a matéria da causa.
 
  
 Justifica-se, por isso, alterar, conforme o requerido, o efeito atribuído ao 
 recurso, no exercício dos poderes atribuídos ao tribunal superior pelo artigo 
 
 703º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável.
 
  
 Mérito do recurso
 
  
 
 3. A questão que vem discutida é a de saber se o limite superior de 4 Unidades 
 de Conta estabelecido no artigo 2º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, 
 relativamente ao montante das prestações de alimentos que ao Fundo de Garantia 
 dos Alimentos Devidos a Menores cabe assegurar, é desconforme à Constituição por 
 violação do disposto nos artigos 13º, 26º e 69º da Lei Fundamental, tal como se 
 considerou na decisão recorrida.
 
  
 O regime jurídico de garantia dos alimentos devidos a menores foi instituído 
 pela referida Lei n.º 75/98 e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 
 de Maio, e tem em vista, através de um Fundo constituído no âmbito do Ministério 
 do Trabalho e da Solidariedade, assegurar o pagamento de alimentos a menor 
 residente em território nacional, quando a pessoa judicialmente obrigada a 
 prestar alimentos não satisfizer coactivamente essa obrigação, e se verifique, 
 cumulativamente, que  o alimentado não tem rendimento líquido superior ao 
 salário mínimo nacional nem beneficia nessa medida de rendimentos de outrem a 
 cuja guarda se encontre (artigos 1º da Lei n.º 75/98 e 3º do Decreto-Lei n.º 
 
 164/99).
 
  
 
 É ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser 
 entregue que compete requerer nos respectivos autos de incumprimento que o 
 tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar, 
 cabendo ao tribunal, para esse efeito, proceder às diligências que entenda 
 indispensáveis e a inquérito sobre as necessidades do menor (artigo 3º, n.ºs 1, 
 
 2 e 3, da Lei n.º 75/98).
 
  
 Por sua vez, o montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as 
 circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o 
 devedor originário se encontra obrigado (artigo 3º, n.º 4, da Lei n.º 75/98), 
 ficando o Fundo subrogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas 
 as prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso (artigo 5º do 
 Decreto-Lei n.º 164/99).
 
  
 A norma aqui particularmente em foco é, porém, a do artigo 2º da Lei n.º 75/98, 
 que, sob a epígrafe «fixação e montante das prestações», estabelece o seguinte:
 
  
 
 1 — As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo 
 tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC.
 
 2 — Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal 
 atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação 
 de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
 
  
 Entretanto, o artigo 3º do Decreto-Lei n.º 164/99, que regulamentou os 
 pressupostos e requisitos de atribuição da prestação, no seu n.º 3, reproduziu 
 praticamente o que consta daquele artigo 2º. 
 
  
 
 4. Como se deixou entrever através do contexto legal esquematicamente descrito, 
 a garantia de alimentos devidos a menor surge como uma prestação social do 
 regime não contributivo, a cargo do Estado, destinada a suprir o incumprimento 
 por parte daquele que se encontre sujeito à obrigação alimentar familiar, 
 traduzindo-se, por isso, numa prestação social de natureza subsidiária, que visa 
 
  concretizar, no plano legislativo, o direito das crianças à protecção, tal como 
 consagrado no artigo 69º, n.º 1, da Constituição.
 
  
 
 É isso mesmo que é reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, em que se 
 faz expressa menção à exigência constitucional do artigo 69º, como implicando, 
 em especial no caso das crianças, «a faculdade de requerer à sociedade e, em 
 
 última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem 
 as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna», e em que se 
 caracteriza a garantia de alimentos devidos a menores, instituída pela Lei n.º 
 
 75/98, como uma nova prestação social, «que traduz um avanço qualitativo 
 inovador na política social desenvolvida pelo Estado» e que «dá cumprimento ao 
 objectivo de reforço da protecção social devida a menores».
 
  
 Bem se compreende, neste plano, que as prestações sociais assim caracterizadas 
 não constituam um direito subjectivo prima facie dos menores a quem se dirigem 
 
 (ao contrário do que sucede com todas as demais prestações sociais do regime 
 contributivo), mas representem antes um recurso subsidiário, fundado na 
 solidariedade estadual, que se destina a dar resposta imediata à satisfação de 
 necessidades de menores que se encontrem numa situação de carência, e que, por 
 isso, não pode, desligar-se da concreta situação familiar do titular da 
 prestação (neste sentido, Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos 
 
 (devidos a menores), 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 214-215).
 
  
 Como se fez notar num recente aresto do Supremo Tribunal de Justiça, o 
 incumprimento da prestação de alimentos por parte do primitivo devedor é que 
 funciona como pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado 
 para satisfação de uma necessidade actual do menor,  e, consequentemente, o 
 Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e 
 apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o 
 devedor primitivo não pague, devendo ser reembolsado do que pagar (acórdão de 10 
 de Julho de 2008, no Processo n.º 1860/08).
 
  
 Assim se explica que, para a determinação do montante da prestação social, como 
 determina o transcrito artigo 2º, n.º 2, da Lei n.º 75/98,  o tribunal deva 
 atender, não só à capacidade económica do agregado familiar e às necessidades 
 específicas do menor, mas também ao montante da prestação de alimentos que fora 
 anteriormente fixada e que está em dívida. Certo é que o tribunal, por efeito da 
 actividade jurisdicional que é levado a realizar na sequência do pedido 
 formulado nos termos desse diploma, não está impedido de fixar um montante 
 superior ou inferior à prestação de alimentos que impendia sobre o devedor 
 
 (ainda  que com o questionado limite de 4 UC), mas isso deve-se apenas ao facto 
 de o legislador ter considerado ser exigível, nessa circunstância, uma 
 reponderação pelo juiz da situação do menor à luz da qual foi fixada a pensão de 
 alimentos. 
 
  
 Em todo o caso, não há dúvida de que o montante da prestação de alimentos 
 incumprida constitui um índice para o julgador fixar a prestação social a cargo 
 do Fundo e esta será em regra equivalente à anteriomente fixada (Remédio 
 Marques, ob. cit., págs. 234 e 239). Isso porque o que está essencialmente em 
 causa é a reposição do rendimento que deixou de ser auferido por falta de 
 pagamento voluntário de alimentos por parte de quem se encontrava obrigado a 
 prestá-los.
 
  
 Numa aproximação à resolução da questão de constitucionalidade suscitada, deve 
 começar por dizer-se que estamos aqui perante um direito social, cuja 
 concretização e actualização depende de certos condicionalismos 
 sócio-económicos, culturais e políticos que só o legislador poderá, em primeira 
 linha, avaliar, e que não pode ser efectivado pelo juiz por simples 
 interpretação aplicativa do direito (cfr. Vieira de Andrade, Os direitos 
 fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Coimbra, pág. 192).
 
  
 Como refere o autor agora citado, «a escassez dos recursos à disposição 
 
 (material e também jurídica) do Estado para satisfazer as necessidades 
 económicas, sociais e culturais de todos os cidadãos é um dado da experiência 
 nas sociedades livres, pelo que não está em causa a mera repartição desses 
 recursos segundo um princípio da igualdade, mas sim uma verdadeira opção quanto 
 
 à respectiva afectação material». Por outro lado, essa opção decorre de uma 
 ampla liberdade de conformação legislativa, não sendo possível definir através 
 da Constituição o conteúdo exacto da prestação e o modo e condições ou 
 pressupostos da sua atribuição, ou imputar-lhe uma intencionalidade que vá além 
 de um conteúdo mínimo que possa directamente resultar das directrizes 
 constitucionais (idem, págs. 190-191 e 398).
 
  
 Estando em causa, no caso concreto, uma prestação estadual subsidiária destinada 
 a suprir o incumprimento da obrigação de alimentos familiar, afigura-se não ser 
 possível invocar a violação do princípio da igualdade, a partir da fixação do 
 limite estabelecido para o montante superior da prestação, com base na  
 discriminação que possa existir entre as diversas situações concretas, 
 designadamente em razão do maior ou menor número de menores a cargo daquele que 
 estava obrigado à prestação de alimentos.
 
  
 Importa notar que a determinação da medida ou extensão dos alimentos, por força 
 do próprio critério legal consignado no artigo 2004º do Código Civil, varia em 
 função das possibilidades daquele que houver de prestá-los e das necessidades 
 daquele que houver de recebê-los, pelo que a fixação do seu montante não pode 
 basear-se no custo médio normal de subsistência do alimentando, mas em diversos 
 outros factores em que entra em linha de conta, com especial relevo, a condição 
 económica e social do obrigado. E não é indiferente, para esse efeito, que o 
 vínculo respeite não a um único, mas a vários menores carecidos de alimentos, 
 como ocorre no caso vertente.
 
  
 Nestes termos, a capacidade económica do progenitor em função do número de 
 menores a quem deve prover ao sustento não pode deixar de constituir um critério 
 objectivo de quantificação dos alimentos, e influenciar o  montante da pensão a 
 atribuir a cada um dos alimentandos.
 
  
 E, como vimos, a prestação social prevista na Lei n.º 75/98, visando substituir 
 a obrigação legal de alimentos em caso de incumprimento, corresponde 
 tendencialmente àquela que foi judicialmente fixada e deixou de ser paga, e 
 reflecte, nessa medida, as particularidades do caso concreto e as vicissitudes 
 que condicionaram a fixação do montante da obrigação alimentar originária.
 
  
 Tratando-se uma prestação autónoma de segurança social, não há dúvida que ela é 
 atribuída de acordo com certos critérios objectivos que são aplicáveis a todas 
 as crianças que se encontrem na mesma situação: existência de sentença que fixe 
 os alimentos; residência do devedor em território nacional; inexistência de 
 rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional de que o menor possa 
 beneficiar; não pagamento pelo devedor da obrigação de alimentos. Mas pelo seu 
 carácter de subsidiariedade, o montante da prestação substitutiva do Estado está 
 necessariamente dependente da situação económica e familiar em que se encontra 
 inserido o menor, aí relevando, também, o valor da prestação de alimentos que 
 foi fixada judicialmente, as possibilidades económicas do progenitor e a 
 possível pluralidade de vínculos.
 
  
 Em todo este contexto, a situação de desigualdade gerada pela limitação do 
 montante da prestação social a 4 UC por cada devedor, quando se torne necessário 
 efectuar o rateio desse valor máximo entre diversos menores que sejam filhos de 
 um mesmo devedor (no confronto com quaisquer outros casos em que a um devedor 
 corrresponda um único credor), decorre da própria situação de vida concretamente 
 considerada, e não propriamente de um critério normativo fixado 
 legislativamente.
 
  
 O que poderia discutir-se é se é constitucionalmente aceitável o estabelecimento 
 desse limite ou se o critério de determinação do montante máximo da prestação 
 não deveria antes ter por base a pessoa do credor dos alimentos, e não a do 
 devedor.
 
  
 Valem aqui, no entanto, as considerações já anteriormente expendidas sobre a 
 tutela jurídico-constitucional dos direitos sociais. Estando em causa direitos a 
 prestações, que, como tal, devam caracterizar-se como actuações positivas do 
 Estado, a sua concretização, para além de um conteúdo mínimo que se torne 
 determinável através dos próprios preceitos constitucionais, depende de 
 conformação político-legislativa e, em muitos casos, da existência e 
 disponibilidade de meios materiais,  que, em qualquer caso, não pode ser objecto 
 de reexame ou controlo jurisdicional.
 
  
 Não se vê, por outro lado, em que termos podem considerar-se violadas, no caso, 
 as disposições dos artigos 26º e 69º da Constituição. 
 
  
 Este último preceito consagra um direito das crianças à protecção da sociedade e 
 do Estado, que se dirige não apenas aos poderes públicos, em geral, mas também 
 aos cidadãos e às instituições sociais, e que necessariamente envolve, antes de 
 mais, o dever de protecção pela própria família, incluindo os progenitores. Em 
 articulação com esse princípio, o artigo 36º, n.º 5, consigna o direito e o 
 dever dos pais em relação à educação e manutenção dos filhos, permitindo 
 caracterizar um verdadeiro direito-dever subjectivo, e que implica especialmente 
 o dever de prover ao sustento dos filhos. Qualquer dessas disposições 
 destinam-se a assegurar o desenvolvimento integral da criança e, nessa medida, 
 dão cobertura ao direito ao desenvolvimento da personalidade a que se refere o 
 artigo 26º, n.º 1, da Constituição (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição 
 da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, Coimbra Editora, págs. 565 e 869). 
 
  
 No caso, o Estado, através da Lei n.º 75/98 e do seu diploma regulamentar, veio 
 justamente instituir uma garantia dos alimentos devidos a menores, atribuindo 
 uma prestação social destinada a suprir as situações de carência decorrentes do 
 incumprimento por parte da pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, 
 dando assim concretização prática ao direito de protecção às crianças que deriva 
 daquele artigo 69º e, mediatamente, ao direito ao desenvolvimento da 
 personalidade a que alude o também citado artigo 26º.
 
  
 Não é possível, por isso, imputar à questionada norma do artigo 2º, n.º 1, a 
 violação de qualquer dos referidos preceitos constitucionais. 
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se:
 
  
 a)      Atribuir efeito suspensivo ao recurso de constitucionalidade, nos termos 
 do artigo 78º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional; 
 b)      não julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 2º da Lei n.º 
 
 75/98, de 19 de Novembro, com fundamento em violação do disposto nos artigos 
 
 13º, 26º e 69º da Constituição;
 c)      e, consequentemente, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma 
 da sentença recorrida em conformidade com o julgado quanto à questão de 
 constitucionalidade.
 
  
 Sem custas.
 
  
 Lisboa, 22 de Junho de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão