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Processo n.º 35/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do 
 art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da 
 decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu 
 não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Tribunal 
 da Relação de Lisboa, proferido nos autos.
 
  
 
             2 – Fundamentando a reclamação a reclamante limita-se a afirmar:
 
  
 
             “1. Reafirma-se a inconstitucionalidade alegada e,
 
             2. Não é o lapso de temporal decorrido que pode valorar essa 
 inconstitucionalidade ou considerar-se que esse prazo ultrapassou em muito o 
 prazo que a recorrente considerar inconstitucional.
 
             3. Existindo, pois, tal inconstitucionalidade.
 
             Termos em que, com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs se deve tomar 
 conhecimento do recurso”.
 
  
 
             3 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, 
 respondeu dizendo que “a reclamação é manifestamente improcedente” e que “na 
 verdade a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada, no que respeita à evidente inverificação dos pressupostos do 
 recurso”.
 
  
 
             4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
     «1 – A., com os demais sinais dos autos, recorre para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver 
 apreciada a constitucionalidade da norma do “artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 
 
 29/99, de 12 de Maio, na parte em que, ao conceder o perdão sob condição 
 resolutiva de reparação do lesado da indemnização que lhe é devida, a satisfazer 
 nos 90 dias imediatos à notificação que deve para o efeito ser feita ao 
 condenado, prejudica o condenado em razão da sua situação económica (artigo 
 
 13.º, n.º 2), não considerando o condenado igual perante a lei (artigo 13.º, n.º 
 
 1), e restringe os seus direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 2), 
 sem que essa restrição de direitos, liberdades e garantias revista carácter 
 geral e abstracto (artigo 18.º, n.º 3, todos da Constituição da República 
 Portuguesa)”.
 
  
 
     2 – Compulsando os autos, cumpre relatar com interesse para o caso sub 
 judicio:
 
     
 
     2.1 – A arguida recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho 
 proferido no 1.º Juízo Criminal de Almada que lhe indeferira a pretensão de 
 concessão de novo prazo de 90 dias para satisfação da condição resolutiva 
 prevista no artigo 5.º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, e de considerar 
 satisfeita tal condição com a indicação que a arguida fizera em sede de execução 
 ao indicar à penhora os seus vencimentos, tendo sintetizado o seu discurso na 
 formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
  
 
 «1. No seu requerimento, de fls. 753 e segs., a arguida, em suma, argumenta que 
 indicou à queixosa/exequente as empresas onde trabalha, fazendo nestas serviços 
 de limpeza. 
 
  
 
 2. Daí o requerimento da queixosa/exequente, de 21.09.2006, a fls. .., no Apenso 
 D (execução), onde, em síntese, requer que seja penhorado à arguida 1/3 dos 
 salários que esta aufere nas empresas “B., Lda.”, e “C., S.A.”. 
 
  
 
 3. É penhorado à arguida, pela “B., Lda.”, € 164,09 e € 98,29 dos seus 
 vencimentos, respectivamente, em 05/2007 e 06/2007 (Docs. nºs 1 e 2). 
 
  
 
 4. Entende-se, pois, que a penhora dos vencimentos da arguida faz com que esta 
 cumpra a condição resolutiva de reparação à queixosa/exequente, a que respeita o 
 art. 5°, nº 1, da Lei nº 29/99, de 12.05. 
 
  
 
 5. Acrescendo que a arguida foi condenada a pagar à queixosa/exequente a quantia 
 de 8 019 700$00, acrescida de juros, o que constitui uma quantia muito avultada 
 para quem aufere cerca de € 400,00 mensais (consulte apenso D) (execução). 
 
  
 
 6. É a arguida que indica à queixosa/exequente os seus vencimentos, que esta 
 nomeou à penhora, com a notificação a que alude o art. 5º, nº 2, da Lei nº 
 
 29/99, de 12.05 (cfr. 742 verso). 
 
  
 E mais, 
 
  
 
 7. Em prisão, no caso desta ser decretada com a revogação do perdão concedido, a 
 arguida não poderá pagar à queixosa/exequente a indemnização arbitrada a esta, 
 por deixar de auferir vencimentos. 
 
  
 
 8. Isto, quando a prisão já cumprida, de 16.12.1997 a 21.07.1999, é suficiente 
 para a arguida interiorizar a ilicitude do seu comportamento. 
 
  
 
 9. Não se entendendo como se defende, deve conceder-se novo prazo de 90 dias 
 para a arguida satisfazer a condição resolutiva do art. 5º, nº 1, dado que a 
 arguida indicou à queixosa/exequente os seus vencimentos, que esta nomeou à 
 penhora, com a notificação a que alude o art. 5º, nº 2 (cfr. fls. 742 verso), e 
 que a situação económica e a ausência de antecedentes criminais da arguida o 
 justificam (art. 5º, nº 7, todos da Lei nº 29/99, de 12.05). 
 
  
 
 10. Após a prolação do douto acórdão, nos presentes autos, a arguida não 
 praticou qualquer outro ilícito penal e, por isso, não sofreu nenhuma outra 
 condenação, enquanto a atrás descrita situação económica também justifica a 
 concessão de novo prazo de 90 dias para satisfazer a condição resolutiva, 
 bastando relembrar a actividade profissional a que esta se dedica, que consiste 
 em fazer serviços de limpeza. 
 
  
 
 11. Doutro modo, o art. 5º, nºs 1 e 2, da Lei nº 29/99, de 12.05, mais não faz 
 do que aplicar uma norma inconstitucional. 
 
  
 
 12. Com efeito, os nºs 1 e 2, do art. 5º, da Lei nº 29/99, de 12.05, são 
 inconstitucionais, por violarem o princípio constitucional da igualdade dos 
 cidadãos perante a lei, que vem previsto no art. 13°, nºs 1 e 2, e ainda o art. 
 
 18º, nºs 2 e 3, todos da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 
 13. Entendemos, assim, que o art. 5°, nºs 1 e 2, da Lei nº 29/99, de 12.05, ao 
 conceder o perdão sob condição resolutiva de reparação ao lesado da indemnização 
 que lhe é devida, a satisfazer nos 90 dias imediatos à notificação que deve para 
 o efeito ser feita ao condenado, prejudica o condenado em razão da sua situação 
 económica (art. 13º, nº 2), não considerando o condenado igual perante a lei 
 
 (art. 13º, nº 1), e restringindo os seus direitos, liberdades e garantias (art. 
 
 18º, nº 2), sem que essa restrição de direitos, liberdades e garantias revista 
 carácter geral e abstracto (art. 18º, nº 3, todos da Const. da República 
 Portuguesa). 
 
  
 
 14. Por todo, deve o douto despacho recorrido ser revogado e decidir-se como se 
 pede no requerimento, de fls. 753 e segs., que a arguida, com a penhora dos seus 
 vencimentos, cumpriu a condição resolutiva de reparação ao lesado (art. 5º, nº 
 
 1, da Lei nº 29/99, de 12.05). 
 
  
 
 15. Ou, em alternativa, conceder-se novo prazo de 90 dias para a arguida 
 satisfazer a condição resolutiva de reparação ao lesado (art. 5º, nº 7, da Lei 
 nº 29/99, de 12.05). 
 
  
 
 16. Considerando, sempre, que os nºs 1 e 2, do art. 5º, da Lei nº 29/99, de 
 
 12/05, são inconstitucionais, por violarem os arts. 13º, nºs 1 e 2, e 18º, nºs 2 
 e 3, da Constituição da República Portuguesa.» 
 
  
 
     
 
     2.2 – Por Acórdão de 29 de Novembro de 2007, o Tribunal da Relação de Lisboa 
 decidiu negar provimento ao recurso, estribando-se na fundamentação que ora se 
 transcreve:
 
     
 
 «Defende a arguido recorrente, em primeiro lugar, que a indicação que fez, em 
 sede de execução que corre por apenso aos presentes autos, das entidades 
 patronais para as quais trabalha, viabilizando por essa via a penhora dos seus 
 vencimentos, equivale ao pagamento exigido na Lei n.º 29/99, de 12.05, seu art. 
 
 5º, nº 1, como condição resolutiva da reparação do lesado.
 Nos termos do indicado preceito da Lei de Amnistia:
 
 “1 - Sempre que o condenado o tenha sido também em indemnização o perdão é 
 concedido sob condição resolutiva de reparação ao lesado ou, nos casos de crime 
 de emissão de cheque sem provisão, ao portador do cheque.
 
 2 - A condição referida no número anterior deve ser satisfeita nos 90 dias 
 imediatos à notificação que para o efeito será feita ao condenado.
 
 3 - Considera-se satisfeita a condição referida no nº 1 quando o lesado ou o 
 portador do cheque se declarem reparados ou renunciem à reparação.
 
 ……
 
 7 - Nas situações previstas no número anterior ou quando a situação económica do 
 condenado e a ausência de antecedentes criminais o justifique, o juiz, 
 oficiosamente ou a requerimento, concede novo prazo de 90 dias para a satisfação 
 da condição referida no nº 1.”
 Inexistindo quaisquer dúvidas acerca da notificação já feita à recorrente nos 
 termos enunciados no nº 2 acima citado, não podemos deixar de manifestar que a 
 versão apresentada pela recorrente acerca da reparação ao lesado através da mera 
 indicação das empresas para as quais a recorrente trabalha, permitindo por essa 
 via a penhora dos vencimentos em sede de execução contra si movida, não tem a 
 mínima correspondência com a vida real e as regras do direito. Então, se a 
 reparação, exigida na lei da amnistia para se consolidar o perdão ali concedido 
 de 1 ano de prisão, fosse efectivada através da mera indicação dos vencimentos 
 ou mesmo da penhora dos mesmos para quê prosseguir a execução? Esta não tem que 
 prosseguir até ao integral pagamento da quantia exequenda? E não é só quando 
 este se verifica que a execução é declarada extinta porque se mostra paga a 
 quantia exequenda – arts. 872º, 916º, nº 1, e 919º, nº 1, todos do CPC – ou 
 seja, a reparação do lesado exequente efectuada?!
 Menciona ainda a recorrente que a quantia em cujo pagamento foi condenada é 
 avultada para o vencimento que aufere.
 Não se discute que a quantia em questão (mais de 40.000 euros a que acrescem os 
 juros) é avultada mas não podemos deixar de realçar à recorrente que:
 
 - Os factos delituosos em questão ocorreram há mais de 10 anos;
 
 - As arguidas se locupletaram à custa alheia;
 
 - A condenação ocorreu há mais de 8 anos, 
 pelo que, perante o decurso de tanto tempo, não teria sido despropositado que a 
 recorrente, bem como a sua co-arguida, tivessem já diligenciado para repararem a 
 lesão patrimonial causada ao ofendido. O que revelam os autos é que a recorrente 
 continuou a sua vida normal (é certo que depois de cumprir um ano de prisão da 
 pena em que foi condenada) ao passo que o lesado continua sem ser indemnizado.
 Por outro lado, alegar que uma vez em prisão não poderá pagar ao lesado não 
 deixar de representar um argumento tendencioso, no mínimo, ao pretender 
 transferir para o tribunal a “culpa” pelo não ressarcimento do lesado, o que 
 manifestamente não é de aceitar. O tribunal limita-se a aplicar a lei e a exigir 
 o cumprimento das suas decisões sendo da responsabilidade da arguida, ao não 
 ressarcir o lesado, as consequências do acto ilícito que cometeu e do não 
 cumprimento das obrigações que da lei decorrem para si para beneficiar do perdão 
 concedido e sujeito a condição resolutiva.
 As menções que a recorrente faz nas conclusões 8 a 13 podem ter alguma 
 relevância jurídica mas não será no âmbito da apreciação da verificação da 
 condição resolutiva mencionada.
 Como já se mencionou no acórdão deste Tribunal da Relação de 23.01.2002, em que 
 foi apreciado recurso interposto também pela co-arguida da recorrente, constante 
 do Apenso C aos presentes autos: 
 
 “…o argumento não colhe, porque se traduz, pura e simplesmente, na transposição 
 das regras do instituto da suspensão de execução da pena para o perdão, um e 
 outro bem distintos e autónomos na sua origem e finalidade. 
 No instituto de suspensão da execução da pena prevê-se que em caso de 
 incumprimento culposo de certos deveres o tribunal faça uso da faculdade 
 prevista no 55º, do CP, modificando os inicialmente impostos e regras de 
 conduta, agravando-os, mas no caso de perdão estas regras não comportam 
 aplicação.
 A pena suspensa é uma pena como resulta da sistemática do CP; o perdão 
 
 (genérico) situa-se nas causas de extinção da pena, no art. 127º do CP. 
 A pena suspensa é decretada pelo tribunal de condenação; o perdão, que começou 
 por ser facto de “indulgentia principia”, uma sua atitude de demência, para mais 
 tarde ser uma reivindicação das assembleias legislativas, cabendo o perdão 
 individual, o indulto, mais tarde, ao Chefe do Estado para, como órgão de 
 soberania, não ficar distanciado das assembleias do povo.
 A pena suspensa tem a justificá-la o expresso condicionalismo enunciado no art. 
 
 50º nº 1, do CP.; o perdão por teleologia um acto comemorativo de uma efeméride 
 festiva “laetitia ocasio”; outras vezes, até, a correcção de injustiças legais; 
 outras vezes um puro acto de conveniência política, por aqui se vendo que as 
 causas exculpativas previstas no regime de suspensão da pena não se aplicam ao 
 perdão.
 O direito de graça, em geral, é, no dizer do Prof Figueiredo Dias, a contra face 
 do direito de punir estadual, in Direito Penal, parte geral, II, 1993, 685; a 
 suspensão uma forma de, pedagogicamente, se subtrair o condenado ao poder de 
 punir do Estado.
 A condição resolutiva comporta uma natureza objectiva; verificado o 
 incumprimento aí a sanção legal, independentemente de considerações de natureza 
 subjectiva, como bem salientam o Digno Procurador-Adjunto e o Exmo. Procurador 
 Geral-Adjunto, na sua motivação e parecer respectivamente, considerações essas 
 não excludentes ou obstaculizantes da resolução, não previstas, de resto, nas 
 várias normas do art. 5°, todas elas, de forma pormenorizada tendentes ao 
 pagamento último enquanto pressuposto do perdão.
 Donde a manifesta improcedência do argumento em causa.
 VII. Também não mostra qualquer pendor o facto de a pena de prisão imposta, de 2 
 anos e 6 meses, já ter sido parcialmente cumprida pelo período de 1 ano e 6 
 meses leva a considerar que as arguidas não devem cumprir a restante parte da 
 pena imposta, por revogação do perdão, visto terem interiorizado as 
 consequências do seu acto.
 A questão extravasa manifestamente o âmbito do recurso, em que está em causa, 
 apenas, uma questão de revogação do perdão e não qualquer efeito psicológico e 
 ressocializador da pena sobre a pessoa do arguido, da específica competência, em 
 termos de apreciação, do Tribunal da Execução das Penas.
 VIII. Resta, agora, dedicar a atenção merecida à invocação da 
 inconstitucionalidade dos nºs 1 e 2, do art. 5º, da Lei nº 29/99, por violação 
 do princípio da igualdade dos cidadãos, consagrada no art. 13º, nºs 1 e 2, e 
 
 18º, nºs 2 e 3, da CRP. 
 O tratamento jurídico do princípio da igualdade, enquanto princípio estruturaste 
 do sistema constitucional global, com o significado de que ninguém pode ser 
 beneficiado, prejudicado ou privado de qualquer direito em função, além do mais, 
 da situação económica, tem sido objecto de tratamento jurisprudencial uniforme 
 no sentido de, numa das suas irradiações, proibir discriminações injustificadas, 
 visto o disposto no art. 13º, nº 1, da CRP. O preceito apenas veda o tratamento 
 desigual daquilo que é igual, não já diferenciação de tratamento de situações 
 desiguais. 
 O princípio da igualdade desdobra-se, assim, na obrigação de tratar de forma 
 igual aquilo que é igual e desigual aquilo que é desigual. Á obrigação de 
 diferenciação surge como a forma mais justa, logo em manifestação do princípio 
 da igualdade, de tratar situações desiguais. O que se exige, para actuação 
 prática do princípio, é que as medidas sejam materialmente fundadas sob o ponto 
 de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da 
 solidariedade e não se baseiam em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. 
 As diferenciações são legítimas quando assentam numa distinção objectiva de 
 situações, tenham em vista um fim legítimo e se revelem necessárias, adequadas e 
 proporcionadas ao seu objectivo (cfr. Constituição da República Portuguesa, 
 Anotada, Coimbra Editora, 128, Profs. Comes Canotilho e Vital Moreira).
 A recorrente, sem, no entanto, aduzir uma verdadeira razão de 
 inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da igualdade na revogação do 
 perdão por incumprimento da função de reparar os danos que causou com a sua 
 conduta criminalmente ilícita, não tem razão na invocação que faz. De facto a 
 revogação do perdão por incumprimento da reparação apenas se aplica aos 
 condenados que não hajam cumprido a obrigação de reparação, não se podendo dizer 
 que seja materialmente injusta aquela obrigação; que esta seja “irrazoável e 
 arbitrária” (cfr. o Ac. do TC, nº 108/99, DR II Série, de 1/4/99). É razoável, 
 justo e proporcionado que o legislador, se o arguido quer beneficiar do perdão 
 de pena de prisão, ponha a seu encargo a satisfação dos prejuízos que causou; o 
 Estado pode dispor do seu poder punitivo, mas já não pode (ou deve) dispor do 
 interesse do lesado, assegurado por um poder soberano.
 Por outro lado do que se trata, com a imposição legal em causa não é de 
 prejudicar alguém em virtude da sua situação económica, mas outrossim de impedir 
 incondicionalmente que o obrigado prive o lesado de ser ressarcido, o que 
 redundaria em seu injustificado desfavor; ao fim e ao cabo tratando-se 
 diferenciadamente quem o deve ser. 
 Também se não trata de tratar o arguido que foi condenado pela prática de grave 
 crime de natureza patrimonial, que por deficiência económica se não acha em 
 condições de satisfazer a condição do perdão, de forma diferenciada dos 
 restantes cidadãos que, por deficientes condições económicas não satisfazem as 
 suas dívidas, porque aqueles cometeram um crime, sendo a reparação imposta em 
 condenação a consequência da prática do ilícito, nos termos do art. 129º, do CP.
 Está, pois, o legislador legitimado para estabelecer imposições, que se nos 
 afiguram inteiramente pertinentes, consoante os interesses a acautelar e os fins 
 visados com a punição, as quais estão fora da dimensão da proibição do arbítrio 
 
 (cfr. Ac. do TC, de 2/11/99, in BMJ 491, 5.
 Por lado a lei de amnistia trata de forma igual todos os cidadãos que se 
 encontrem na situação das arguidas, não representando a aplicação da lei 
 qualquer discriminação.”
 Para esta argumentação e solução remetemos a recorrente a qual, de resto já era 
 conhecedora uma vez que desse aresto havia sido notificada. Por último, a 
 pretensão da recorrente em que lhe seja concedido novo prazo de 90 dias não tem 
 agora qualquer possibilidade de ser satisfeito pelas razões acima expendidas 
 relativas ao tempo decorrido desde o cometimento do acto ilícito, da condenação 
 proferida e da notificação, que lhe foi feita há mais de 1 ano, ou sei a, pelo 
 menos há quatro vezes o prazo de 90 dias, para a reparação ser efectuada, uma 
 vez que o deferimento dessa pretensão só representaria o adiamento do problema 
 para mais tarde, em suma, uma fuga em frente que contraria frontalmente as 
 razões que presidiram à concessão do perdão nos moldes condicionados que a lei 
 adoptou.
 Assim sendo, afigura-se manifesto que o alegado não pode, manifestamente, 
 merecer acolhimento.» 
 
  
 
  
 
     2.3 – Inconformada, a arguida interpôs, nos termos supra descritos, o 
 presente recurso de constitucionalidade, o qual será decidido nos termos do 
 disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
 
  
 
     3.1 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, 
 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e na alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70º da LTC, disposição esta que se limita a reproduzir o comando 
 constitucional, apenas pode traduzir-se numa questão de (in)constitucionalidade 
 da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efectiva aplicação ou que 
 tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido. 
 
     Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja 
 exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) do recurso de 
 constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema 
 constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas 
 pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional 
 constitucional (cf. Cardoso da Costa, «A jurisdição constitucional em Portugal», 
 in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da 
 Faculdade de Direito de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os 
 Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro 
 de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 
 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário 
 da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos 
 arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal 
 oficial, de 30 de Outubro de 2000).
 
     Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de poder, 
 efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no 
 caso de o recurso obter provimento, o que apenas sucede quando a norma cuja 
 constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio 
 decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
 
     Por outro lado, nada impede que, ao invés de se suscitar a 
 inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas um seu segmento 
 ou uma determinada dimensão normativa (cf., entre a abundante jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 367/94 – publicado no DR II Série, de 7 
 de Setembro de 1994 –: “ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode 
 questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma 
 interpretação que do mesmo se faça (…) esse sentido (essa dimensão normativa) do 
 preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado 
 inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, 
 tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a 
 saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não 
 deve ser aplicado por, desse modo, violar a constituição”), contudo, em tal 
 hipótese, é necessário que a norma que se coloca à apreciação do Tribunal 
 Constitucional tenha sido, efectivamente, aplicada in casu com a interpretação 
 que se entende inconstitucional (e que tenha constituído a ratio decidendi do 
 juízo proferido) – cf., nesse sentido, entre outros, o Acórdão n.º 139/95, 
 publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º volume, 1995, o Acórdão 
 n.º 197/97, publicado no Diário da República II Série, n.º 299, de 29 de 
 Dezembro de 1998 e, mais recentemente, o Acórdão n.º 214/03, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt.
 
     
 
     3.2 – No caso dos autos, como se disse, a recorrente pretende ver sindicada 
 a constitucionalidade do “artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 29/99, de 12 de 
 Maio, na parte em que, ao conceder o perdão sob condição resolutiva de reparação 
 do lesado da indemnização que lhe é devida, a satisfazer nos 90 dias imediatos à 
 notificação que deve para o efeito ser feita ao condenado”, por entender que 
 essa norma “prejudica o condenado em razão da sua situação económica (artigo 
 
 13.º, n.º 2), não considerando o condenado igual perante a lei (artigo 13.º, n.º 
 
 1), e restringe os seus direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 2), 
 sem que essa restrição de direitos, liberdades e garantias revista carácter 
 geral e abstracto (artigo 18.º, n.º 3, todos da Constituição da República 
 Portuguesa)”
 
     Ora, perscrutando o teor da decisão recorrida constata-se, no entanto, que o 
 Tribunal da Relação não se limitou apenas a aplicar o disposto nos citados n.ºs 
 
 1 e 2 do artigo 5.º da Lei n.º 29/99, em termos de exigir, semel pro semper, que 
 o pagamento da indemnização tenha impreterivelmente de ser feito “nos 90 dias 
 imediatos à notificação que para o efeito é feita ao condenado.
 
     O Tribunal valorou igualmente a possibilidade consagrada no n.º 7 da mesma 
 norma na qual se admite a possibilidade do juiz conceder novo prazo de 90 dias 
 quando a situação económica do condenado o justifique, tendo concluído pela 
 suficiência do tempo decorrido desde a notificação para o pagamento da 
 indemnização dado que esse período representaria “pelo menos (...) quatro vezes 
 o prazo de 90 dias”.
 
     Pode, assim, reter-se que, na economia da decisão recorrida, o Tribunal 
 interpretou o artigo 5.º, n.ºs 1, 2 e 7, no sentido de dar por verificada a 
 condição resolutiva do perdão da pena quando, decorrendo mais de um ano sobre a 
 notificação para o pagamento, o lesado não tenha ainda sido indemnizado. 
 
     Daí resulta que qualquer que fosse o resultado que tal recurso merecesse, 
 este seria, sempre, insusceptível de vir a afectar a decisão recorrida, razão 
 pela qual a sua resolução teria o sentido e a utilidade de um simples exercício 
 académico, não satisfazendo, assim, o princípio da instrumentalidade do 
 conhecimento da questão de constitucionalidade, nos termos do qual a decisão de 
 inconstitucionalidade terá sempre como efeito a desconsideração do sentido 
 normativo com que a norma foi efectivamente aplicada, com a consequente 
 alteração dos termos da decisão recorrida que naquele sentido se tenham fundado.
 
     De facto, mesmo que, virtualmente, a norma sindicanda fosse julgada 
 inconstitucional, esse juízo não teria a veleidade de contender com o decidido 
 uma vez que in casu o lapso temporal valorado ultrapassou em muito o prazo que a 
 recorrente considera inconstitucional.
 
  
 
     4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar 
 conhecimento do objecto do presente recurso.
 
  
 
     Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 8 (oito) Ucs.».
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
 5 – Para além da resposta dada à questão que a decisão sumária reclamada relevou 
 como fundamento para não conhecer do recurso, verifica-se, também, que a decisão 
 recorrida afrontou uma outra questão de constitucionalidade – que, aliás, 
 constitui pressuposto lógico daquela – qual seja a da conformidade 
 constitucional do estabelecimento do pagamento como condição do próprio perdão 
 da pena, sendo que foi esta a questão que a recorrente erigiu a objecto do 
 recurso. 
 Ademais, nas alegações para a Relação, essa foi a questão de constitucionalidade 
 que a reclamante colocou, já que apenas em alternativa questionou a decisão 
 recorrida quanto ao prazo de cumprimento da mesma condição.
 Deste modo, a reclamação é de acolher. 
 
             
 C – Decisão
 
  
 
             6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide deferir a reclamação.
 Lisboa, 2 de Abril de 2008
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos