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Processo n.º 661/07
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro  Pamplona de Oliveira
 
  
 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
 1.
 No presente processo foi proferida a seguinte decisão sumária:
 
  
 
  
 A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), invocando, no essencial:
 
 - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 43.º, n.º 1 do 
 CPP, na interpretação adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual 
 não é considerada suspeita, por não existir motivo sério e grave adequado a 
 gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz, uma actuação de não 
 apreciação das questões oportunamente suscitadas, que traduziram uma concreta 
 limitação dos direitos constitucionais, em particular numa constante limitação 
 do direito de recurso, do direito ao acesso aos tribunais e à protecção 
 jurisdicional, constitucionalmente garantidos, em particular a inobservância de 
 formalidades essenciais, designadamente a não aplicação da decisão do Tribunal 
 da Relação de Lisboa transitada em julgado e a aceitação, sem qualquer 
 fundamentação, de documentação cuja origem, validade e eficácia jurídica 
 suscitam as mais variadas e legítimas dúvidas, conjugado com os artigos 20.º, 
 n.ºs 1, 4 e 5, 32.º, n.º 1 e n.º 5, 205.º, n.º 1, 13.º e 20.º, e n.º 2, todos da 
 Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem. 
 
 - Pretende-se ver apreciada a constitucionalidade da interpretação do artigo 
 
 123.º do CPP, adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 17 de 
 Maio de 2007, considerando sanada a não notificação do ora Recorrente das 
 alegações do Exmo. Sr. Juiz recusando, em sede de recurso junto do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, por violação do princípio do contraditório e das garantias de 
 defesa constitucionalmente consagradas no artigo 32.º da Constituição da 
 República, em especial nos seus n.ºs 5 e 1.
 Acontece que o recurso previsto na referida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da 
 LTC tem carácter normativo, razão pela qual ao Tribunal Constitucional é vedado 
 apreciar a validade intrínseca da decisão recorrida, uma vez que lhe está apenas 
 cometida a tarefa de avaliar a conformidade constitucional de normas aplicadas 
 na decisão recorrida, como sua ratio decidendi.
 Ora, as proposições enunciadas como se fossem 'normas' no requerimento de 
 interposição de recurso constituem, na verdade, decisões pretensamente adoptadas 
 pelo Tribunal recorrido, insindicáveis por este Tribunal. 
 Constata-se, portanto, que o recurso não tem objecto idóneo.
 Com este fundamento decide-se não conhecer do recurso nos termos do n.º 1 do 
 artigo 78º-A da LTC.
 
  
 
 2.
 Contra esta decisão reclama a recorrente, dizendo, em conclusão:
 
  
 
  
 
 1. Interpôs em 1 de Junho de 2007, o ora Recorrente, Recurso para o Tribunal 
 Constitucional, junto do Supremo Tribunal de Justiça. 
 O referido Recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da Lei 
 n.º 28/82 de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de 
 Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro; 
 
  
 
 2. A questão de inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento do incidente 
 de recusa de Juiz, e no recurso interposto a 6 de Novembro de 2006 pelo ora 
 Recorrente, da Douta Sentença da Relação de Lisboa de 19 de Outubro de 2006. 
 Foi ainda suscitado no requerimento de 30 de Março de 2007, que se requereu a 
 Reforma do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2007. 
 
  
 
 3. O recurso interposto pelo Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.ºda LTC, preenchia todos os pressupostos do recurso de 
 constitucionalidade. 
 
  
 
 4. Encontram-se assim, claramente preenchidos os pressupostos do recurso de 
 constitucionalidade previstos no artigo 70.º, n.º1 da LTC. Quanto a esta 
 distinção cita-se por todos: 
 
 (...) 
 Que é assim, resulta claro do facto da Douta Decisão Sumária ora Reclamada nada 
 a apontar, quanto a esta matéria. 
 Ou seja: o ora Reclamante, não pretende nem nunca pretendeu a sindicância da 
 decisão concreta, mas sim a apreciação da constitucionalidade dos artigos 43.º, 
 n.º l e 123.º ambos do CPP, na interpretação adoptada, como resulta demonstrado 
 no facto de ter suscitado tais questões antes de ter sido proferida a Douta 
 Decisão. 
 
  
 
 5. Verificar-se-ia assim, eventualmente uma falha quanto aos requisitos do 
 requerimento de interposição de inconstitucionalidade, a que se refere o artigo 
 
 75.º - A da mesma LTC. 
 Mas a ser assim, deveria o ora Reclamante ter sido notificado do n.º 5 do artigo 
 
 75.º da LTC, para corrigir qualquer elemento formal em falta. 
 Sendo certo que, no entendimento do Reclamante, o objecto do Recurso interposto 
 para o Tribunal Constitucional está correctamente delimitado, vem no entanto, à 
 cautela, na ausência da notificação prevista no n.º 5 do artigo 75.º da LTC, 
 precisar a pretensão formulada: 
 
  
 
 6. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 43.º, n.º 1 do 
 CPP, na interpretação segundo a qual não é considerada suspeita, por não existir 
 motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do 
 Juiz, uma actuação de não apreciação das questões oportunamente suscitadas, 
 conjugado com os artigos 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 32.º, n.º1 e n.º5, 205.º, n.º1, 
 
 13.º e 20.º, n.º2, todos da Constituição da República Portuguesa, e artigo 6.º 
 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 
 
  
 Pretende-se ver apreciada a constitucionalidade do artigo 123.º do CPP, na 
 interpretação que considera sanada a não notificação do Recorrente das alegações 
 da parte, a saber, do Juiz Recusando, por violação do princípio do contraditório 
 e das garantias de defesa constitucionalmente consagradas no artigo 32.º da 
 Constituição da República Portuguesa, em especial nos seus n.º s 5 e 1. 
 
  
 
 7. É jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, quanto aos 
 pressupostos do recurso e constitucionalidade do seu preenchimento a seguinte 
 posição: 
 Efectivamente, como refere o Acórdão 76/00 do Tribunal Constitucional, (Processo 
 
 612/99): 
 
 “Ora, a este respeito, importa distinguir entre os pressupostos do recurso de 
 constitucionalidade, tal como se encontram enunciados nas várias alíneas do nº 1 
 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, e os requisitos do requerimento 
 de interposição do recurso de constitucionalidade, a que se refere o artigo 
 
 75º-A da mesma Lei.” 
 Como se refere o Acórdão 125/00, do Tribunal Constitucional, proferido no 
 Processo 23/99, 3.ª Secção: 
 
 “O recurso previsto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional — o interposto pelo ora recorrente — pressupõe, além do mais, que 
 o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente 
 adequada, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica — ou de uma sua 
 interpretação normativa — e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha 
 efectivamente aplicado no julgamento do caso como ratio decidendi. 
 Importa, pois, começar por verificar se estão reunidos aqueles pressupostos de 
 admissibilidade do recurso, designadamente — o que é questionado pelo Ministério 
 Público — , se a decisão recorrida efectivamente aplicou no julgamento do caso, 
 como ratio decidendi, as normas cuja apreciação de constitucionalidade é 
 requerida pelo recorrente.”
 
  
 
 8. O preenchimento destes requisitos, foi claramente demonstrado na motivação da 
 presente Reclamação. 
 Quanto à questão que fundamenta o Douto Acórdão ora reclamado, é evidente que o 
 ora Reclamante não pretendeu sindicar a decisão concreta, mas sim a referir, 
 para uma melhor definição da interpretação adoptada, a decisão do órgão 
 jurisdicional que a tenha adoptado, identificou a interpretação questionada. 
 Neste sentido, e como se passa a citar, é jurisprudência largamente firmada pelo 
 Tribunal Constitucional que: 
 
 “O Tribunal Constitucional vem entendendo, numa jurisprudência longamente 
 firmada, que invocar a inconstitucionalidade de uma dada interpretação de certa 
 norma jurídica é invocar a inconstitucionalidade da própria norma, nessa 
 interpretação — hipótese que não se confunde com aquelas em que pura e 
 simplesmente se invocou a inconstitucionalidade da própria decisão, e só desta 
 
 (a este propósito, veja-se, por exemplo, o recente Acórdão nº 238/94, ainda 
 inédito, bem como a monografia de J. M. Cardoso da Costa, A Jurisdição 
 Constitucional em Portugal, 2.ª edição, Coimbra, 1992, p. 50, nota 49-b, e os 
 acórdãos aí citados).” 
 
  
 
 9. Da Relevância Constitucional das Questões Suscitadas. 
 As questões relacionadas com interpretação das normas cuja inconstitucionalidade 
 foi requerida, toca no cerne das protecções e valores constitucionais 
 asseguradas pela Constituição da República Portuguesa. 
 Em particular, respeitam à questão fundamental da garantia do exercício da 
 função jurisdicional e consequentemente do acesso ao direito. 
 Questão incómoda, é certo. 
 Mas, para o qual, se exige uma resposta, sob risco do conjunto de direitos e 
 princípios constitucionais se ver afectado. 
 De que servirá ao cidadão, uma Constituição que lhe assegura um vasto conjunto 
 de direitos, se lhe é negada a protecção constitucional do acesso aos tribunais 
 e à obtenção de decisões ou seja: em resumo, a uma tutela jurisdicional 
 efectiva, sem a qual não existe sequer poder judicial em sentido próprio? 
 
 É efectivamente unânime a doutrina constitucional, e a jurisprudência do 
 Tribunal dos Direitos do Homem, quanto à obrigação de decisão pelo Juiz do 
 processo das questões colocadas, como garantia do direito de acesso aos 
 tribunais, do direito à tutela jurisdicional efectiva e do cumprimento do 
 princípio do contraditório, e das garantias processuais e procedimentais, cujo 
 incumprimento fundamenta a violação da imparcialidade objectiva que o Juiz do 
 processo deve respeitar, sob pena de violação dos artigos 20.º, n.º1, n.º4 e 
 nº5, 32.º, n.º1 e n.º5, 205.º, n.º 1, 13.º e 20.º, n.º 2, todos da Constituição 
 da República Portuguesa, e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 
 
  
 
 10. Requere-se assim a V. Exas. que se dignem considerar procedente a presente 
 reclamação, nos termos do n.º3 do artigo 78.º da LTC, admitindo o recurso de 
 constitucionalidade oportunamente interposto, nos termos do n.º1 do artigo 76.º 
 da LTC, e demais legislação aplicável. 
 
  
 Nestes termos, requere-se a V.Exas. que se dignem considerar procedente a 
 presente reclamação, admitindo o recurso de constitucionalidade. 
 
  
 
 3.
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da 
 reclamação deduzida, respondeu nos termos seguintes: 
 
  
 
 1º
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2º
 Na verdade, a prolixa argumentação do reclamante em nada afecta os fundamentos 
 de decisão reclamada, relativamente à questão reportada ao artigo 43º, nº 1, do 
 Código de Processo Penal, já que não se enuncia qualquer critério normativo, 
 aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido, susceptível de 
 constituir objecto idóneo da fiscalização da constitucionalidade — 
 pretendendo-se antes que este Tribunal Constitucional realize uma análise 
 casuística do processo para aferir da legalidade processual de actos do juiz, o 
 que obviamente nada tem a ver com o controlo normativo que lhe está cometido. 
 
 3º
 Por outro lado, a questão suscitada em sede de aplicação do artigo 123º do 
 Código de Processo Penal é, além do mais, manifestamente infundada: mesmo que se 
 admita que a pronúncia do juiz “a quo” devesse ter sido notificada ao requerente 
 do incidente de recusa, é evidente que — estando tal acto expressamente previsto 
 no nº 2 do artigo 45º do Código de Processo Penal — cabia ao requerente o ónus 
 de arguir tempestivamente a nulidade, decorrente da omissão cometida, perante as 
 instâncias — e não apenas em sede de apresentação de pedido de reforma (aliás, 
 manifestamente insubsistente) do acórdão já proferido no autos pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça. 
 
 4.º
 Nenhum princípio constitucional sendo naturalmente violado com a preclusão da 
 pretensa irregularidade, em consequência do comportamento omissivo do 
 requerente.
 
  
 
  
 
 4.
 Também a recorrida CDR Immobilier respondeu, sustentando a improcedência da 
 reclamação.
 
  
 
 5.
 Decidindo:
 Em primeiro lugar, deverá recordar-se que o objecto do recurso de 
 inconstitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, como 
 
 é o presente, se fixa no requerimento da sua interposição, apenas sendo lícito 
 ao recorrente corrigir, no âmbito da oportunidade conferida pelo convite 
 previsto no artigo 75º-A da mesma LTC, as deficiências formais referidas nesse 
 preceito. Não é, possível, por isso, alterar a dimensão normativa das normas 
 impugnadas, conforme erradamente pretende o reclamante na sua reclamação, sob a 
 invocação do n.º 5 do artigo 75º-A da LTC.
 
  
 Contudo, a pretensão do reclamante, não apresentando deficiências formais, 
 enferma inequivocamente de uma irregularidade inultrapassável: é que, sob a 
 aparência de pretender impugnar normas retiradas do Código de Processo Penal, o 
 reclamante visa, na verdade, contestar a aplicação que delas é feita na decisão 
 recorrida, e impugnar o modo como o Supremo Tribunal de Justiça 'julgou' a 
 questão que lhe fora colocada: com efeito, dizer que pretende «ver apreciada a 
 inconstitucionalidade do artigo 43.º, n.º 1 do CPP, na interpretação adoptada 
 pelo Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual não é considerada suspeita, por 
 não existir motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a 
 imparcialidade do Juiz, uma actuação de não apreciação das questões 
 oportunamente suscitadas, que traduziram uma concreta limitação dos direitos 
 constitucionais, em particular numa constante limitação do direito de recurso, 
 do direito ao acesso aos tribunais e à protecção jurisdicional, 
 constitucionalmente garantidos, em particular a inobservância de formalidades 
 essenciais, designadamente a não aplicação da decisão do Tribunal da Relação de 
 Lisboa transitada em julgado e a aceitação, sem qualquer fundamentação, de 
 documentação cuja origem, validade e eficácia jurídica suscitam as mais variadas 
 e legítimas dúvidas» é, sem qualquer dúvida, pretender sindicar a decisão do 
 Supremo Tribunal de Justiça, mediante a invocação de um pretenso erro de 
 julgamento cujo resultado seria porventura desconforme com «os artigos 20º n.ºs 
 
 1, 4 e 5, 32º n.º 1 e n.º 5 205º, n.º 1, 13º e 20º e n.º 2, todos da 
 Constituição».
 A questão que é assim colocada não tem natureza normativa e não pode constituir 
 o objecto deste recurso.
 
  
 Mais clara é, ainda, a errada perspectiva com que o reclamante pretende impugnar 
 a aplicação ao seu caso do 'artigo 123º do Código de Processo Penal', em virtude 
 de, em seu entender, o Tribunal recorrido haver considerado 'sanada a não 
 notificação' do recorrente de uma determinada peça processual. É mesmo evidente 
 que, neste caso, o que se contesta não é a conformidade constitucional do dito 
 
 'artigo 123º' (preceito que, aliás, contém uma pluralidade de sentidos 
 normativos não identificados pelo recorrente) mas a sua aplicação concreta ao 
 caso, ou seja, a decisão jurisdicional que fez aplicação da norma.
 
  
 
 6.
 Em consequência do exposto, o Tribunal decide indeferir a reclamação, mantendo a 
 decisão sumária de não conhecimento do recurso.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em  20 UC.
 
  
 Lisboa, 17 de Setembro de 2007
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão