 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 923/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres 
 
  
 
  
 
                                  Acordam na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. Relatório
 
                                  A., SA, com sede em Lisboa, intentou, em 11 de 
 Maio de 2006, no Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, contra B. e 
 mulher C., residentes em … – Santa Joana, Aveiro, acção com processo especial 
 para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, nos termos 
 do Decreto‑Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, com base em contrato de mútuo 
 celebrado em 16 de Março de 2004, pelo qual emprestou ao réu marido a 
 importância de € 4247,08, alegando que este réu pagou as 19.ª e seguintes 
 prestações, o que implicou o vencimento imediato de todas as restantes 
 prestações, no valor global de € 1409,10, acrescido de juros e imposto de selo. 
 Logo aduziu que a escolha pelas partes (n.º 15 das “Condições gerais” anexas ao 
 contrato de mútuo), como foro convencional, da comarca de Lisboa, feita ao 
 abrigo do disposto no artigo 100.º, n.º 1, com referência ao artigo 110.º, 
 ambos do Código de Processo Civil (CPC), nas redacções dos ditos preceitos 
 anteriores às que lhes foram dadas pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, é 
 válida e legal, atento o disposto nos artigos 5.º e 12.º, n.ºs 1 e 2, do Código 
 Civil.
 
                                  Posteriormente o A., SA, apresentou, em 22 de 
 Maio de 2006, “complemento à petição inicial”, no qual referiu:
 
  
 
                  “(…) a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, na parte e na medida em 
 que altera a redacção do artigo 110.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo 
 Civil, é inconstitucional e, consequentemente, a referida alínea a) do n.º 1 do 
 dito artigo 110.º, com a mencionada redacção, é inconstitucional – logo 
 inaplicável pelos tribunais ex vi o disposto no artigo 204.º da Constituição da 
 República Portuguesa – na interpretação que permita a aplicação do disposto no 
 referido artigo 110.º, n.º 1, alínea a), a contratos celebrados anteriormente à 
 publicação da referida Lei em que as partes tenham optado, nos termos do artigo 
 
 100.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, por um foro convencional 
 no que respeita à competência dos tribunais em razão do território, por violação 
 dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não 
 retroactividade, consignado nos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da 
 República Portuguesa e, também ainda, por violação dos princípios da segurança 
 jurídica e da confiança corolários ambos do Estado de Direito Democrático 
 consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, donde o 
 Tribunal de Lisboa ser o competente para conhecer da presente acção.” 
 
  
 
                                  Os réus, citados para a acção e depois 
 notificados do precedente requerimento, nada disseram.
 
                                  Em 7 de Julho de 2006, o Juiz do 6.º Juízo do 
 Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, proferiu o seguinte despacho:
 
  
 
                  “A., S. A., veio intentar junto do Tribunal de Pequena 
 Instância Cível de Lisboa a presente acção especial contra B. e C., residentes 
 em … – Santa Joana, 3810-318 Aveiro.
 De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 74.º do Código de Processo Civil, na 
 versão introduzida pela Lei n.º 14/2006, é competente para a acção destinada a 
 exigir o cumprimento de obrigações o tribunal do domicilio do réu (artigo 94.º, 
 n.º 1, do CPC).
 No caso em apreço, o/a(s) réu(s) reside(m) em Santa Joana – Aveiro, pelo que 
 este Tribunal não é territorialmente competente para conhecer desta causa.
 Nos termos do artigo 108.º do Código de Processo Civil, a infracção das regras 
 de competência fundadas na divisão judicial do território determina a 
 incompetência relativa do tribunal.
 A incompetência relativa é uma excepção dilatória que obsta a que o tribunal 
 conheça do mérito da causa e dá lugar à remessa do processo para o tribunal 
 competente, nos termos dos artigos 493.º, n.ºs 1 e 2, 494.º, n.º 1, alínea a), e 
 
 111.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil.
 Por outro lado, estabelece o artigo 110.º, n.º 1, alínea a), do CPC, na versão 
 introduzida pela lei supra, referida que a incompetência em razão do território 
 deve ser conhecida oficiosamente nos processos a que se refere o artigo 74.º, 
 n.º 1, 1.ª parte, e n.º 2 do CPC.
 Face ao exposto, declaro este Tribunal incompetente em razão do território e 
 competente o Tribunal da comarca de Aveiro.”
 
  
 
                                  Notificado deste despacho, dele interpôs o 
 autor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), 
 referindo no respectivo requerimento de interposição que:
 
  
 
                  “b) Pretende ver‑se apreciada a inconstitucionalidade da alínea 
 a) do n.º 1 do artigo 110.º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe 
 foi dada pela Lei n.º 14/2006, de 6 de Abril, na parte e na medida em que 
 permite a interpretação do dito preceito no sentido de o considerar aplicável a 
 contratos celebrados anteriormente à publicação da referida Lei n.º 14/2006;
 
                  c) Efectivamente, tal norma, aplicada no sentido referido, 
 viola os princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e 
 também da não retroactividade, consignados no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da 
 Constituição da Republica Portuguesa e, também, por violação dos princípios da 
 segurança jurídica e da confiança, corolários ambos do Estado de Direito 
 Democrático, consignado no artigo 2.º da Constituição da Republica Portuguesa: 
 d) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos no requerimento 
 neles apresentado a fls. …, aos [22] de Maio de 2006.”
 
                                  
 
                                  Neste Tribunal, o recorrente apresentou 
 alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
                  “(i) A interpretação e aplicação, como feita no despacho 
 recorrido, da alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º do Código de Processo Civil, 
 com a redacção que lhe foi dada pela dita Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, à 
 hipótese dos autos e, consequentemente, a não consideração, como válida e 
 eficaz, da escolha do foro convencional constante do contrato dos autos, atento 
 a data da celebração do mesmo e o disposto no artigo 100.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do 
 Código de Processo Civil, do que então se dispunha no artigo 110.º do mesmo 
 normativo legal, maxime na alínea a) do respectivo n.º 1, é inconstitucional por 
 violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e 
 da não retroactividade consignados no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição 
 da República Portuguesa, e, também ainda, por violação dos princípios da 
 segurança jurídica e da confiança, corolários ambos do principio de um Estado de 
 Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da Republica 
 Portuguesa.
 
                  (ii) Deve, assim, como se requer, ser julgada inconstitucional 
 a interpretação e aplicação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º 
 do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 14/2006, de 26 de Abril, a contrato validamente celebrado antes da entrada em 
 vigor da referida Lei n.º 14/2006, desta forma se fazendo Justiça.”
 
  
 
                                  Os recorridos não contra‑alegaram.
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2. Fundamentação
 
                                  2.1. Na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 329‑A/95, de 12 de Dezembro, dispunha o artigo 110.º, n.º 1, alínea a), do CPC 
 que: “1 – A incompetência em razão do território deve ser conhecida 
 oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos 
 necessários, nos casos seguintes: a) Nas causas a que se referem os artigos 
 
 73.º, 74.º, n.º 2, 82.º, 83.º, 88.º, 89.º, 90.º, n.º 1, e 94.º, n.º 2”, isto é, 
 nas acções referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, as 
 acções de divisão de coisa comum, de despejo, de preferência e de execução 
 específica sobre imóveis, e ainda as acções de reforço, substituição, redução ou 
 expurgação de hipotecas (artigo 73.º); nas acções destinadas a efectivar a 
 responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco (artigo 
 
 74.º, n.º 2); nos processos especiais de recuperação da empresa e de falência 
 
 (artigo 82.º – preceito expressamente revogado pelo artigo 10.º, n.º 2, do 
 Decreto‑Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e 
 Recuperação de Empresas, devendo, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, daquele 
 Decreto‑Lei, a remissão feita para o artigo 82.º do CPC considerar‑se agora como 
 feita para o artigo 7.º do referido Código); nos procedimentos cautelares 
 
 (artigo 83.º); nos recursos (artigo 88.º); em acções em que seja parte o juiz de 
 direito, seu cônjuge, algum seu descendente ou ascendente ou quem com ele 
 conviva em economia comum (artigo 89.º); nas execuções fundadas em decisões 
 proferidas por tribunais portugueses (artigo 90.º, n.º 1); e nas execuções para 
 entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real (artigo 94.º, n.º 2).
 
                                  Por força da alteração introduzida na referida 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º do CPC pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril 
 
 (“1 – …: a) Nas causas a que se referem o artigo 73.º, a primeira parte do n.º 1 
 e o n.º 2 do artigo 74.º, os artigos 83.º, 88.º e 89.º, o n.º 1 do artigo 90.º, 
 a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 94.º”), aos anteriores casos de 
 conhecimento oficioso da incompetência territorial do tribunal aditaram‑se mais 
 dois: (i) as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a 
 indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução 
 do contrato por falta de cumprimento (primeira parte do n.º 1 do artigo 74.º); e 
 
 (ii) a generalidade das execuções não fundadas em sentença (primeira parte do 
 n.º 1 do artigo 94.º). Simultaneamente, pela nova redacção dada a estes dois 
 preceitos foi alterado o critério de determinação do tribunal territorialmente 
 competente: o artigo 74.º, n.º 1, na redacção anterior, permitia a escolha pelo 
 credor entre o tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou o 
 tribunal do domicílio do réu, e o artigo 94.º, n.º 1, considerava competente 
 para as execuções em causa o tribunal do lugar onde a obrigação deve ser 
 cumprida. Agora, quer quanto ao “foro obrigacional geral” previsto no artigo 
 
 74.º, n.º 1, quer quanto ao “foro executivo extrajudicial geral” previsto no 
 artigo 94.º, n.º 1, atribui-se competência ao tribunal do domicílio do réu ou do 
 executado e o credor ou o exequente só podem optar pelo tribunal do lugar em 
 que a obrigação deveria ser cumprida quando o réu ou o executado forem pessoa 
 colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor ou do exequente na área 
 metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu ou o executado tenham domicílio na 
 mesma área metropolitana.
 
                                  Justificando estas alterações, lê‑se na 
 
 “Exposição de motivos” da Proposta de Lei n.º 47/X (Diário da Assembleia da 
 República, II Série‑A, n.º 69, de 15 de Dezembro de 2005, pp. 11‑15), que esteve 
 na origem da Lei n.º 14/2006:
 
  
 
 “1 – O Programa do XVII Governo Constitucional assumiu como prioridade a 
 melhoria da resposta judicial, a consubstanciar, designadamente, por medidas de 
 descongestionamento processual eficazes e pela gestão racional dos recursos 
 humanos e materiais do sistema judicial.
 A necessidade de libertar os meios judiciais, magistrados e oficiais de justiça 
 para a protecção de bens jurídicos que efectivamente mereçam a tutela judicial, 
 e devolvendo os tribunais àquela que deve ser a sua função constitui um dos 
 objectivos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30 de Maio de 
 
 2005, que, aprovando um Plano de Acção para o Descongestionamento dos 
 Tribunais, previu, entre outras medidas, a «introdução da regra de competência 
 territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao 
 cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades da litigância 
 característica das grandes Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto».
 A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância 
 cível se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se 
 situam as sedes dos litigantes de massa, isto é, das empresas que, com vista à 
 recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento 
 contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente 
 concentrada.
 Ao introduzir a regra da competência territorial do tribunal da comarca do 
 demandado para este tipo de acções reforça‑se o valor constitucional da defesa 
 do consumidor – porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo‑lhe um 
 pleno exercício dos seus direitos em juízo – e obtém‑se um maior equilíbrio da 
 distribuição territorial da litigância cível.
 O demandante poderá, no entanto, optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação 
 deveria ser cumprida, quando o demandado seja pessoa colectiva ou quando, 
 situando‑se o domicílio do credor na Área Metropolitana de Lisboa ou do Porto, o 
 demandado tenha domicílio nessa mesma área. No primeiro caso, a excepção 
 justifica‑se por estar ausente o referido valor constitucional de protecção do 
 consumidor; no segundo, por se entender que este intervém com menor intensidade. 
 Com efeito, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto não se afigura 
 especialmente oneroso que o réu ou executado singular continue a poder ser 
 demandado em qualquer das demais comarcas da área metropolitana em que reside, 
 nem se descortinam especiais necessidades de redistribuição do volume 
 processual hoje verificado em cada uma das respectivas comarcas.”
 
  
 
                                  Porém, como é evidente, estas alterações 
 produzidas pela Lei n.º 14/2006, quer quanto à definição do tribunal 
 territorialmente competente para conhecer das acções destinadas a exigir o 
 cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo 
 cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento (“foro 
 obrigacional geral”) e da generalidade das execuções não fundadas em sentença 
 
 (“foto executivo extrajudicial geral”), quer quanto ao alargamento dos casos de 
 conhecimento oficioso da incompetência territorial do tribunal, eram 
 insusceptíveis de, por si sós, produzirem o resultado que o recorrente reputa 
 inconstitucional. Para esse resultado contribuiu, necessariamente, uma outra 
 norma: a da parte final do n.º 1 do artigo 100.º do CPC, que dispõe: “As regras 
 de competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor e da forma do 
 processo não podem ser afastadas por vontade das partes; mas é permitido a estas 
 afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão 
 do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 110.º” (sublinhado 
 acrescentado). É da conjugação desta última norma – que proíbe o afastamento, 
 por vontade das partes, das regras de competência em razão do território 
 referidas no artigo 110.º – com o aditamento, operado pela Lei n.º 14/2006, na 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, da referência às primeiras partes dos n.ºs 1 
 dos artigos 74.º e 94.º, todos do CPC, que resulta a invalidação de convenção do 
 foro, que o recorrente reputa inconstitucional.
 
                                  A circunstância de o recorrente não ter 
 mencionado expressamente a norma do artigo 100.º, n.º 1, do CPC, não deve, 
 porém, constituir impedimento ao conhecimento do mérito do recurso, pois, apesar 
 dessa omissão, é incontroversa qual a questão de inconstitucionalidade que 
 pretende suscitar, assim como não obsta a esse conhecimento o facto de a decisão 
 recorrida não se ter pronunciado sobre a questão de inconstitucionalidade 
 suscitada. Esta questão foi apresentada, em termos processualmente adequados, 
 perante o tribunal recorrido e é certo que a decisão recorrida fez aplicação da 
 norma arguida de inconstitucional, o que basta para dar por verificados os 
 requisitos de admissibilidade do recurso.
 
                                  Emergindo a questão de uma acção destinada a 
 exigir o cumprimento de obrigações, constitui objecto do presente recurso a 
 questão da constitucionalidade da norma, decorrente da conjugação da parte final 
 do n.º 1 do artigo 100.º com a alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, enquanto se 
 refere às causas mencionadas na primeira parte do n.º 1 do artigo 74.º, todos do 
 CPC, sendo os dois últimos artigos na redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 
 de Abril.
 
  
 
                                  2.2. Questão idêntica à ora em apreço foi 
 objecto do recente Acórdão n.º 691/2006 deste Tribunal, proferido em recurso com 
 o mesmo recorrente. Esse Acórdão concluiu pela não inconstitucionalidade da 
 norma questionada, desenvolvendo, para tanto, a seguinte fundamentação:
 
  
 
 “5. O presente recurso tem por objecto a norma constante da alínea a) do n.º 1 
 do artigo 110.º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, quando interpretada no sentido de ser 
 aplicável a contratos, celebrados antes da entrada em vigor desta Lei, dos quais 
 conste cláusula estipulando qual o tribunal territorialmente competente para a 
 resolução de eventuais litígios dele emergentes, por alegada «violação dos 
 princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não 
 retroactividade consignados no artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3, da Constituição da 
 República Portuguesa, e, também ainda, por violação dos princípios da segurança 
 jurídica e da confiança, corolários ambos do princípio de um Estado de Direito 
 Democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa». A 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, na referida redacção, estatui: «1. A 
 incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo 
 tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos 
 seguintes: a) Nas causas a que se referem [...], a primeira parte do n.º 1 [...] 
 do artigo 74.º [...]». Por seu turno, a primeira parte do n.º 1 do artigo 74.º 
 passou a ter, também por força da alteração introduzida pela Lei n.º 14/2006, a 
 seguinte redacção: «1. A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, 
 a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução 
 do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu 
 
 [...]», sendo certo que, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, é permitido às 
 partes «afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência 
 em razão do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 110.º»  
 
 (itálicos aditados).
 
                  
 
                  6. Começa o recorrente, na sua alegação, por dar conta de uma 
 orientação que vem sendo seguida por alguma jurisprudência no sentido de 
 considerar que, tal como o próprio defendeu nos presentes autos e diferentemente 
 do que se decidiu no despacho ora recorrido, as alterações introduzidas, em sede 
 de processo civil, pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, não se aplicam às 
 questões emergentes de contratos celebrados antes da sua entrada em vigor em que 
 as partes tenham escolhido foro convencional. Acontece, porém, como o próprio 
 recorrente reconhece, que está fora do âmbito do presente recurso a questão de 
 saber se essa é ou não a melhor (de acordo com os cânones hermenêuticos) 
 interpretação dos preceitos em causa. Com efeito, não cabe ao Tribunal 
 Constitucional dirimir conflitos de interpretação de normas 
 infraconstitucionais, nem determinar qual a melhor interpretação de tais normas, 
 mas, apenas, como é sabido, decidir se a interpretação por que optou a decisão 
 recorrida é ou não compatível com a Constituição e, designadamente, com os 
 preceitos e princípios indicados pelo recorrente. Com esta advertência, vejamos 
 então.
 
  
 
                  6.1. Da alegada violação dos princípios da adequação, da 
 exigibilidade, da proporcionalidade e da não retroactividade consignados no 
 artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
 
                  Alega o recorrente, em primeiro lugar, que a norma que vem 
 questionada viola o disposto no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição. É, 
 contudo, manifesto que, nesta parte, não lhe assiste qualquer razão. E, desde 
 logo, pela razão evidente de que aquele preceito constitucional se refere às 
 leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, o que, manifestamente, não 
 
 é o caso da norma que vem questionada. Com efeito, não se vislumbra qual o 
 direito, liberdade e garantia que possa estar a ser restringido pela norma cuja 
 constitucionalidade vem questionada, sendo certo que não pode ser, ao contrário 
 do que o recorrente refere na sua alegação, o «direito das partes contraentes 
 
 […] a poderem escolher, poderem acordar, um foro convencional, em razão do 
 território, para dirimir conflitos emergentes do dito contrato, isto é do 
 contrato dos autos». Como é óbvio, o direito de as partes convencionarem o foro 
 territorialmente competente para a resolução dos litígios eventualmente 
 resultantes dos contratos que celebrem não é um direito constitucionalmente 
 garantido, não constituindo direito, liberdade e garantia, no sentido do artigo 
 
 18.º da Constituição, pelo que, no caso, este preceito não é, pura e 
 simplesmente, aplicável.
 
                  Aliás, ainda que se pretendesse fundar a alegada 
 inconstitucionalidade numa eventual violação da exigência de proporcionalidade, 
 como limitação geral ao exercício do poder público, decorrente do princípio do 
 Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição – o que 
 o recorrente, todavia, não faz –, sempre se dirá que tal pretensão também não 
 procederia, pois, além de não estar em causa nenhum direito constitucionalmente 
 garantido, também se não vislumbra que a medida legislativa seja manifestamente 
 inadequada, corresponda a opção manifestamente errada do legislador ou tenha 
 carácter manifestamente excessivo ou inconvenientes manifestamente 
 desproporcionados em relação às vantagens que apresenta.
 
  
 
 6.2. Da alegada violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, 
 decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 
 
 2.º da Constituição.
 
                  Alega ainda o recorrente que a norma que vem questionada, na 
 parte em que seja aplicável a contratos celebrados antes da entrada em vigor da 
 referida Lei n.º 14/2006, é inconstitucional, por se traduzir numa situação de 
 retroactividade violadora dos princípios da segurança jurídica e da confiança, 
 decorrentes do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 
 
 2.º da Constituição. Vejamos.
 
                  
 
 6.2.1. Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, o princípio 
 da não retroactividade da lei encontra‑se consagrado na Constituição, de modo 
 expresso, unicamente para a matéria penal (desde que a lei nova não seja mais 
 favorável ao arguido) – n.ºs 1 e 4 do artigo 29.º –, para as leis restritivas 
 de direitos, liberdades e garantias – n.º 3 do artigo 18.º –, e para o 
 pagamento de impostos – artigo 103.º, n.º 3 –, podendo, consequentemente, 
 dizer‑se que a Constituição não consagra um princípio geral de proibição de 
 emissão de leis retroactivas.
 
                  O Tribunal vem, porém, igualmente afirmando, na sequência de 
 entendimento que vem já da Comissão Constitucional, que o princípio do Estado 
 de direito democrático (consagrado no artigo 2.º da Constituição) postula «uma 
 ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e 
 na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no 
 direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», 
 razão pela qual «a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, 
 arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as 
 pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do 
 Estado de direito democrático terá de ser entendida como não consentida pela 
 lei básica» (cf., entre vários outros nesse sentido, o Acórdão n.º 303/90, in 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., pág.65). Mas, sendo assim, o 
 Tribunal tem, contudo, tido sempre o cuidado de esclarecer que o que se acaba de 
 dizer não conduz a que seja absolutamente vedada ao legislador a emissão de 
 normas com eficácia retroactiva. Como se ponderou, por exemplo, no Acórdão n.º 
 
 304/2001 (disponível na página Internet do Tribunal em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), citando Vieira de Andrade (Os Direitos 
 Fundamentais na Constituição da República Portuguesa, p. 309), «entender o 
 contrário representaria, ao fim e ao resto, coarctar a ‘liberdade constitutiva e 
 a auto‑revisibilidade’ do legislador, características que são ‘típicas’, ‘ainda 
 que limitadas’, da função legislativa».
 
                  Tem, pois, o Tribunal sempre dito (cf. Acórdão n.º 304/2001, já 
 citado) que, em cada caso, haverá que «proceder a um justo balanceamento entre a 
 protecção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de 
 direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, 
 também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há 
 que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as 
 soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais 
 acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam ‘tocadas’ relações ou 
 situações que, até então, eram regidas de outra sorte. Um tal equilíbrio, como o 
 Tribunal tem assinalado, será postergado nos casos em que, ocorrendo mudança de 
 regulação pela lei nova, esta vai implicar, nas relações e situações jurídicas 
 já antecedentemente constituídas uma alteração inadmissível, intolerável, 
 arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos 
 e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e 
 fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição 
 daquelas relações e situações. Em tais casos, a lei viola aquele mínimo de 
 certeza e segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de 
 um Estado de direito, impondo‑se, então, a intervenção do princípio da 
 protecção da confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio 
 do Estado de direito democrático, por forma que a nova lei não vá, de forma 
 acentuadamente arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e 
 segurança, que todos têm de respeitar.» (Negrito aditado). No caso em apreço, 
 porém, tal não se verifica.
 
  
 
 6.2.2. Em primeiro lugar, porque qualquer expectativa que as partes possam ter 
 no momento da celebração de um contrato relativamente à intangibilidade de uma 
 cláusula de escolha do foro territorialmente competente para julgar eventuais 
 litígios emergentes do mesmo é sempre, no mínimo e por natureza, limitada. E 
 isto porque uma tal cláusula sempre estará condicionada pela eventualidade de 
 uma reorganização judiciária, a que o legislador decida proceder, e que, no 
 limite, pode mesmo fazer desaparecer o tribunal que as partes convencionaram 
 como territorialmente competente.
 
                  Por outro lado, há que ter em conta que a cláusula de convenção 
 de foro é uma cláusula que não respeita ao sinalagma do contrato, tendo antes a 
 ver com a patologia deste e com a fixação de um pressuposto processual da 
 competência territorial dos tribunais. Competência esta que também possui 
 normas que estão subtraídas, de todo, à possibilidade de convenção. Ora, o facto 
 
 é que, sempre se entendeu que, em matéria processual, as expectativas das partes 
 ou não merecem, de todo, a tutela da confiança ou só em termos mitigados dela 
 podem beneficiar. Além disso, no caso concreto, a acção foi proposta já após a 
 entrada em vigor da nova lei, sendo certo que a competência dos tribunais se 
 fixa de acordo com a lei em vigor à data da respectiva propositura.
 
                  Não pode, assim, designadamente pelas razões que se acabam de 
 expor, afirmar‑se que no momento da celebração do contrato o ora recorrente 
 gozasse de uma forte expectativa jurídica, legitimamente fundada, de que, mesmo 
 no domínio do regime jurídico vigente antes da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, 
 qualquer litígio resultante do mesmo viria a ser julgado pelo tribunal 
 convencionado. Com efeito, embora pudesse existir a expectativa de que um 
 eventual litígio decorrente do contrato celebrado viesse a ser julgado pelo foro 
 convencionado, essa expectativa sempre seria «enfraquecida» ou «menos 
 consistente» (para utilizarmos, uma vez mais, as palavras do Acórdão n.º 
 
 304/2001, já citado), pela possibilidade, razoável, de uma interpretação do 
 quadro normativo anterior à entrada em vigor da citada Lei n.º 14/2006, que 
 conduzisse já, por outra via, à invalidade da referida cláusula. 
 
                  Acresce, finalmente, que, no caso concreto, no que se refere às 
 acções destinadas à cobrança de dívidas resultantes da celebração de contratos 
 de crédito ao consumo, a solução normativa editada pelo legislador, mesmo na 
 interpretação que agora vem questionada – no sentido da aplicação, a contratos 
 já existentes, da regra da impossibilidade de alteração, por convenção das 
 partes, das normas sobre a competência territorial, por força do disposto na 
 nova alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º, que, passando a determinar o 
 conhecimento oficioso da incompetência em razão do território nas causas a que 
 se refere a primeira parte do n.º 1 do artigo 74.º, inviabiliza o funcionamento 
 da estipulação efectuada ao abrigo do artigo 100.º, n.º 1, todos do Código de 
 Processo Civil –, também não é arbitrária, podendo justificar‑se à luz do 
 objectivo constitucional de protecção dos interesses dos consumidores, enunciado 
 no artigo 60.º da Constituição.
 
  
 
                  6.2.3. Assim sendo, pode, então, concluir‑se que a aplicação da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 110.º do Código de Processo Civil, com a redacção 
 que lhe foi dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, aos contratos celebrados 
 antes da entrada em vigor desta última Lei, ainda que se entenda que se trata de 
 uma aplicação retroactiva da mesma, não consubstancia violação de forma 
 inadmissível, intolerável ou arbitrária dos direitos ou expectativas fundadas 
 do recorrente, não se verificando, por isso, o desrespeito dos mínimos de 
 certeza e segurança salvaguardados pelo artigo 2.º da Constituição.”
 
  
 
                                  Subscrevendo‑se, na sua essência, as 
 precedentes considerações, resta concluir, também aqui, pela improcedência da 
 tese do recorrente.
 
  
 
                                  3. Decisão
 
                                  Em face do exposto, acordam em:
 
                                  a) Não julgar inconstitucional a norma, 
 decorrente da conjugação da parte final do n.º 1 do artigo 100.º com a alínea a) 
 do n.º 1 do artigo 110.º, enquanto se refere às causas mencionadas na primeira 
 parte do n.º 1 do artigo 74.º, todos do CPC, sendo os dois últimos artigos na 
 redacção dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, interpretada no sentido de 
 que a proibição do afastamento, por convenção expressa das partes, da regra de 
 competência em razão do território, constante do último preceito citado, se 
 aplica às acções instauradas depois da entrada em vigor da Lei n.º 14/2006, 
 mesmo que a convenção de foro conste de contrato celebrado antes dessa vigência; 
 e, consequentemente,
 
                                  b) Negar provimento ao recurso, confirmando o 
 despacho recorrido, na parte impugnada.
 
                                  Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
 Lisboa, 23 de Janeiro de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Silva Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos