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Processo n.º 760/07
 
 1.ª Secção                                                                        
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. A Caixa Geral de Aposentações recorreu da sentença do Tribunal Administrativo 
 e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a acção administrativa especial de 
 pretensão conexa com actos administrativos que contra si havia sido intentada 
 por A., com sinais nos autos. 
 Alegou, tendo concluído: 
 
 “1.ª – A Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, revogou o Decreto-Lei n.º 116/85, de 
 
 19 de Abril, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2004 – cfr. artigo 1.º, 
 n.º 3, e artigo 2.º, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro. 
 
 2.ª – À excepção da Lei criminal, o princípio da não retroactividade das leis 
 não tem assento constitucional – artigos 3.° e 29.° da CRP – pelo que, apesar de 
 publicada em 15 de Janeiro, nada impede que a sua eficácia retroaja a 1 de 
 Janeiro de 2004. 
 
 3.ª – As disposições do Código Civil não têm mais força vinculativa que as de 
 outras Leis ordinárias, pelo que aquelas não prevalecem sobre o resultado da 
 interpretação destas. 
 
 4.ª – Assim, para que um pedido de aposentação ao abrigo do Decreto-lei n.º 
 
 116/85, de 19 de Abril, fosse considerado por esta Caixa, necessário era que o 
 processo tivesse sido enviado até ao dia 2004.01.01. 
 
 5.ª – O pedido de aposentação do representado do A., formulado ao abrigo do 
 Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, foi remetido à CGA em 12 de Janeiro de 
 
 2004 – Ponto 4 da matéria de facto dada como assente. 
 
 6.ª – Donde, nunca poderia o pedido de aposentação, por aquele formulado, ser 
 deferido ao abrigo do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, uma vez que à data 
 em que ia ser apreciado tal regime já se encontrava legalmente revogado. 
 
 7.ª – Consequentemente, o despacho da Direcção da CGA de 7 de Maio de 2004 – que 
 reconheceu ao recorrido o direito à aposentação, ao abrigo do Decreto-lei n.º 
 
 116/85, de 19/04, encontrava-se ferido de ilegalidade por erro nos pressupostos 
 de facto, pelo que se impunha a sua revogação ao abrigo do artigo 141.º do CPA, 
 como veio a suceder. 
 
 8.ª – Em suma, violou a douta sentença recorrida o disposto nos n.°s 6 e 8 do 
 artigo 1.º e artigo 2.° da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, e o artigo 141.º do 
 CPA.”
 O Tribunal Central Administrativo Norte negou provimento ao recurso, tendo 
 concluído pela inconstitucionalidade material das normas vertidas no n.º 6 do 
 artigo 1.º, e no artigo 2.º, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, quando 
 entendidas no sentido de que não é aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 116/85, 
 de 19 de Abril, aos processos que se iniciaram antes de 31 de Dezembro de 2003, 
 pelo simples facto de não terem dado entrada na Caixa Geral de Aposentações até 
 
 à data da entrada em vigor daquela Lei, por violação conjugada do dispostos nos 
 artigos 2.º, e 266.º, da Constituição da República Portuguesa (princípios da 
 protecção da confiança e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado 
 de Direito). 
 
  Veio, então, a Caixa Geral de Aposentações interpor recurso do aludido aresto 
 para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), pretendendo a 
 fiscalização da constitucionalidade das normas constantes dos n.ºs 6 e 8 do 
 artigo 1.º, e artigo 2.º, da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, na interpretação 
 que foi feita pelo Tribunal Central Administrativo Norte, o qual recusou a sua 
 aplicação com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do 
 disposto nos artigos 2.º e 266.º da Constituição.
 Junto deste Tribunal concluiu as suas alegações pela seguinte forma: 
 
 “1.ª O Decreto-Lei n.° 116/85, de 19/04, previa um regime especial e excepcional 
 de aposentação antecipada face ao regime-regra previsto no artigo 37.° do 
 Estatuto da Aposentação e constituía, antes de tudo o mais, uma medida 
 conjuntural ‘de descongestionamento da Administração Pública’ dependente de não 
 haver ‘prejuízo para o serviço’, e não o reconhecimento incondicional de um 
 direito dos funcionários à aposentação antecipada, sendo expectável a sua 
 alteração quando se modificassem as circunstâncias da adopção da medida 
 legislativa. 
 
 2.ª A tramitação administrativa triangular – bem conhecida do legislador –, 
 prevista no artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, esteve na base 
 da eleição do critério da data do envio do processo para a CGA a que se refere o 
 artigo 1.º, n.º 6, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro, não tendo sido 
 propositadamente dada qualquer relevância à data em que o subscritor efectuou o 
 pedido junto do serviço. 
 
 3.ª Tal critério é claro e objectivo, não violando qualquer princípio ou norma 
 constitucional. 
 
 4.ª Acresce que a revogação do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, não 
 atingiu o conteúdo essencial do direito à aposentação dos subscritores da CGA, 
 seja nos termos gerais, (artigo 37.°, n.° 1 e 2 do Estatuto da Aposentação – 
 EA), seja na nova modalidade de aposentação antecipada (prevista no art.° 37.°-A 
 do EA) e, como tal, não implica ‘uma alteração inadmissível, intolerável, 
 arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente’. 
 
 5.ª A publicação tardia do Acórdão n.° 360/2003 do Tribunal Constitucional que 
 considerou a revogação do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, pelo artigo 
 
 9.° da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, inconstitucional por razões de mera 
 forma, bem como o excessivo formalismo exigido, via interpretativa para a 
 aprovação dos diplomas legais, implicou o atraso no procedimento legislativo 
 tendente à publicação da Lei n.° 1/2004 – que culminou na sua retroactividade 
 
 ‘quinzenal’ –, mas igualmente permitiu o perfeito (re)conhecimento daquele 
 diploma antes da sua publicação final (pois as normas constantes desta Lei são 
 exactamente as mesmas que foram declaradas inconstitucionais no âmbito da Lei 
 n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro) quer pelos Sindicatos, que as contestaram viva 
 e publicamente, quer pelos subscritores da CGA, para além do eco que as reformas 
 introduzidas no regime jurídico de aposentação tiveram nos media, bem como as 
 vicissitudes a ela ligadas. 
 
 6.ª A revogação do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril, era uma alteração com 
 a qual os cidadãos e a comunidade já há muito podiam contar, expectantes que 
 estavam, razoável e fundadamente, na alteração do ordenamento jurídico que regia 
 a constituição daquelas relações jurídicas de aposentação, já que, como se 
 demonstrou, era público e notório que estava em marcha o processo legislativo 
 tendente à aprovação de tal medida, nos mesmos moldes que já haviam sido 
 adoptados um ano antes pela Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o mais 
 rapidamente possível, para entrar em vigor em 1 de Janeiro de 2004, como, aliás 
 
 é norma neste tipo de diplomas. 
 
 7.ª O atraso na publicação, que criou a situação de retroactividade ou de 
 retrospectividade em meros 15 dias, e cuja aprovação, sublinha-se, foi 
 amplamente noticiada na comunicação social e vivamente contestada pelos 
 Sindicatos, não invalida de modo algum os seus efeitos, já que a sua vigência 
 não depende do seu conhecimento efectivo, embora a sua eficácia dependa da sua 
 publicação. 
 
 8.ª Em conclusão, os artigos 1.°, n.° 6, e 2.°, da Lei n.° 1/2004, de 15 de 
 Janeiro, por conterem normas de efeitos retroactivos, não são inconstitucionais, 
 já que não atingem, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado 
 onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a 
 pensão de aposentação, de características excepcionais, prevista no regime 
 instituído pelo Decreto-Lei n.° 116/85, de 14 de Abril.”
 Não foram produzidas contra-alegações. 
 
 2. Na decisão recorrida importou a seguinte factualidade: 
 
 “1. O autor é funcionário do quadro de pessoal do Município da Figueira da Foz, 
 com a categoria de sub-chefe de bombeiros municipal, e está inscrito na Caixa 
 Geral de Aposentações (cfr. fls. 23 do PA). 
 
 2. Em 4 de Agosto de 2003, dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal da Figueira 
 da Foz o requerimento que constitui de fls. 9 da certidão junta pelo autor sob 
 documento n.º 1, de cujo teor aqui se destaca o seguinte: ‘em virtude de ter 
 completado 36 anos de serviço, solicita a V. Exa. se digne promover o 
 requerimento seja remetido à Caixa Geral de Aposentações (…) depois de informado 
 por esta Câmara Municipal.’ 
 
 3. Em 11 de Novembro de 2003, dirigiu novo requerimento ao Presidente da Câmara 
 Municipal da Figueira da Foz (cfr. fls. 19 do PA), requerendo o seguinte: ‘em 
 virtude de ter completado 36 anos de serviço, solicita a V. Exa. se digne 
 promover o requerimento seja remetido à Caixa Geral de Aposentações (…) depois 
 de informado por esta Câmara Municipal’. 
 
 4. O seu requerimento mereceu informações favoráveis do comandante dos Bombeiros 
 
 (‘não se vê inconveniente no seu pedido de aposentação’) e da Vereadora dos 
 Recursos Humanos da Câmara Municipal da Figueira da Foz (‘não se vê 
 inconveniente no pedido de aposentação do funcionário’), nos termos constantes 
 de fls. 23 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 
 
 5. Por ofício datado de 12 de Janeiro de 2004, a Vereadora da Câmara Municipal 
 da Figueira da Foz com delegação de competências remeteu à CGA o processo de 
 aposentação do autor, processo que foi recebido na GGA em 14 de Janeiro de 2004 
 
 – cfr. fls. 18 a 28 do PA, bem como fls. 58 do PA, cujo teor aqui se dá por 
 integralmente reproduzido. 
 
 6. Nos termos constantes do Mapa de Contagem de Tempo, que consta de fls. 31 e 
 
 32 do PA, homologado pelo chefe do serviço da ré por despacho de ‘concordo’ 
 datado de 30 de Abril de 2004, em 1 de Janeiro de 2004 o autor contava 40 anos e 
 
 10 meses de tempo de serviço. 
 
 7. Por ofício datado de 7 de Maio de 2004, o autor foi notificado de que, por 
 despacho dessa mesma data, da Direcção da CGA ‘foi reconhecido o direito à 
 aposentação (…) tendo sido considerada a sua situação existente em 2004-01-01’ – 
 cfr. fls. 41 e 42, e ainda fls. 38 e 39 do PA. 
 
 8. Por ofício datado de 2 de Setembro de 2004, do Chefe do Serviço da ré, o 
 autor foi notificado da proposta de indeferimento do seu pedido de aposentação 
 aposentada (cfr. fls. 47 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido), tendo o 
 mesmo se pronunciado nos termos constantes de 50 a 53 do PA, opondo-se à solução 
 propugnada. 
 
 9. Por ofício datado de 27 de Setembro de 2004, o autor foi notificado do 
 despacho de ‘concordamos’ dos Directores da CGA de 27 de Setembro de 2004, 
 aposto sobre a informação do Chefe do Serviço da ré da mesma data, nos termos do 
 qual se decide o seguinte: 
 
 ‘Por despacho de 2004-05-07 (…) foi fixada ao subscritor em referência uma 
 pensão de aposentação, ao abrigo do Dec-Lei 116/85, de 19/4. – Verificando-se, 
 porém, que o pedido veio endereçado em 2004-01-12 (…), fora do prazo 
 estabelecido no n° 6 do artigo 1° da Lei 1/2004, de 15/1, diploma que revoga, no 
 seu n° 3 do artigo 1°, o Dec-Lei 116/85, de 19/04, parece de revogar o referido 
 despacho de 2004/05/07, indeferindo-se, em consequência, o pedido de 
 aposentação.’ – cfr. fls. 55 e 56 do PA.”
 Decidindo.
 II – Fundamentação
 
 3. O recurso ora em análise vem interposto do acórdão do Tribunal Central 
 Administrativo Norte proferido no âmbito do Recurso Jurisdicional n.º 
 
 735/04.2BECBR, que, confirmando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal 
 de Coimbra, recusou a aplicação do disposto nos artigos 1.º, n.º 6, e 2.°, da 
 Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, com fundamento em inconstitucionalidade, 
 quando interpretados no sentido de que não é aplicável o regime do Decreto-Lei 
 n.° 116/85, de 19 de Abril, aos processos de aposentação requeridos nos serviços 
 dos interessados até 31 de Dezembro de 2003 que não foram enviados à Caixa Geral 
 de Aposentações até à data de entrada em vigor daquela Lei, por violação dos 
 princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica, previstos nos 
 artigos 2.º e 266.º, da Constituição. 
 Verifica-se, pelo cotejo dos autos, que o pedido de aposentação antecipada 
 apresentado pelo Recorrido A., foi efectuado ao abrigo do disposto no 
 Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, e foi enviado pelos serviços da Câmara 
 Municipal da Figueira da Foz à Caixa Geral de Aposentações em 12 de Janeiro de 
 
 2004. 
 Esse facto levou a que, por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações 
 de 27 de Setembro de 2004, tenha sido revogada a resolução da mesma Direcção de 
 
 7 de Maio do mesmo ano, que lhe havia reconhecido o direito à aposentação 
 previsto no Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, em virtude da revogação 
 deste diploma operada pela Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro. 
 O n.º 6 do artigo 1.º, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro, cuja 
 constitucionalidade foi posta em causa no douto Acórdão recorrido, determina 
 que: 
 
 “O disposto nos números anteriores [as alterações efectuadas ao Estatuto da 
 Aposentação e a revogação do Decreto-Lei n.° 116/85, de 19 de Abril] não se 
 aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, cujos processos de 
 aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou 
 entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma, desde que os 
 interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente exigidas para a 
 concessão da aposentação, incluindo aqueles cuja aposentação depende da 
 incapacidade dos interessados e esta venha a ser declarada pela competente junta 
 médica após aquela data.” 
 E o artigo 2.° do mesmo diploma estabelece que: 
 
 “A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004”. 
 Através do artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.º 1/2004, procedeu-se à revogação do 
 Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, que, entre outras, dispunha que:
 Artigo 1º
 
 “1 – Os funcionários e agentes da administração central, regional e local, 
 institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de 
 fundos públicos e organismos de coordenação económica, seja qual for a carreira 
 ou categoria em que se integrem, poderão aposentar-se, com direito à pensão 
 completa, independentemente de apresentação a junta médica e desde que não haja 
 prejuízo para o serviço, qualquer que seja a sua idade, quando reúnam 36 anos de 
 serviço.
 
 (…)
 Artigo 3º
 
 1 – Os requerimentos solicitando a aposentação nos termos do n.º 1 do artigo 1º 
 devem dar entrada nos departamentos onde os funcionários e agentes prestam 
 serviço, acompanhados dos necessários documentos comprovativos do tempo de 
 serviço prestado.
 
 (…).
 
 4. Pergunta o Recorrente, na sua alegação de recurso para este Tribunal, se o 
 
 “critério eleito pelo legislador ordinário de fazer relevar a data do envio dos 
 pedidos de aposentação à CGA e não a data em que o requerimento é efectuado 
 pelos subscritores nos serviços, concatenado com a retroactividade ou 
 retrospectividade decorrente do atraso da publicação da Lei n.° 1/2004, de 15 de 
 Janeiro, atinge de forma inadmissível ou demasiadamente onerosa os seus 
 destinatários que sejam titulares de direitos ou de expectativas legalmente 
 fundadas, violando dessa forma o princípio da confiança, ínsito num Estado de 
 direito democrático.” 
 O Tribunal Constitucional tem entendido que a tutela constitucional da confiança 
 não abrange todo e qualquer juízo de previsibilidade que o sujeito possa fazer 
 em face de determinado quadro normativo vigente. Com efeito, apenas colidirá com 
 a tutela da confiança a afectação infundada e arbitrária de expectativas 
 legítimas objectivamente consolidadas (ver Acórdãos n.ºs 330/93, 580/99, 
 
 95/2004, 99/2004, 202/2004, 302/2006, publicados, respectivamente, no Diário da 
 República, II Série, de 30 de Julho de 1993, 21 de Fevereiro de 2000, 1 de Abril 
 de 2004, 3 de Junho de 2004 e 12 de Junho de 2006). 
 Com efeito, apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do 
 tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações, havendo 
 situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes, não se pode 
 falar neste tipo de casos de uma diferenciação verdadeiramente incompatível com 
 a Constituição. 
 A diferença de tratamento decorre da possibilidade que o legislador tem de 
 modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção 
 de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é 
 afinal a razão de ser da própria alteração legislativa. Por outro lado, o 
 critério de aplicação da lei no tempo reportado ao momento da prática do acto 
 administrativo que reconhece o direito (no caso, à pensão) não é desrazoável 
 mesmo numa perspectiva de igualdade de posições de sujeitos jurídicos 
 diacronicamente considerada. 
 Que a lei aplicável seja a lei vigente em tal momento, é um critério de decisão 
 que se fundamenta num critério objectivo e racional, decorrente dos próprios 
 princípios gerais relativos à aplicação da lei no tempo (aplicação da lei 
 vigente no momento da prática do acto). 
 Um tal critério não fundamenta diferenciações injustificadas nem contraria a 
 segurança e a justiça. 
 Neste sentido, exarou-se, no Acórdão n.º 580/99 deste Tribunal (citado), que: 
 
 “A recorrente sustenta, por um lado, que as normas impugnadas violam os 
 princípios da confiança e da boa fé, ínsitos no princípio do Estado de direito 
 democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição. 
 O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 303/90 (D.R., I Série, de 26 de 
 Dezembro de 1990), afirmou que no princípio do Estado de direito democrático 
 
 ‘está, entre o mais, postulada uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos 
 e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um 
 mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a 
 elas são juridicamente criadas.’ ” 
 Por outro lado, no Acórdão n.º 237/98 (publicado no Diário da República, II 
 Série, de 17 de Junho de 1998), o Tribunal considerou que:
 
  “‘uma norma jurídica apenas violará o princípio da protecção da confiança do 
 cidadão, ínsito no princípio do Estado de direito, se ela postergar de forma 
 intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada aquelas exigências de 
 confiança, certeza e segurança que são dimensões essenciais do princípio do 
 Estado de direito’: Nesse aresto, afirmou-se ainda que o ‘princípio do Estado de 
 direito democrático é um princípio cujos contornos são fluidos (…), pelo que tem 
 um conteúdo relativamente indeterminado’. Em consequência, concluiu-se que tais 
 características ‘sempre inspirarão prudência ao intérprete e convidá-lo-ão a não 
 multiplicar, com apoio nesse princípio, as ilações de inconstitucionalidade.’ 
 Resulta da jurisprudência citada que o Tribunal Constitucional tem entendido que 
 a tutela constitucional da confiança não abrange todo e qualquer juízo de 
 previsibilidade que o sujeito possa fazer em face de determinado quadro 
 normativo vigente. Com efeito, apenas colidirá com a tutela da confiança a 
 afectação infundada e arbitrária de expectativas legítimas objectivamente 
 consolidadas. 
 Nos presentes autos, a recorrente requereu uma pensão de aposentação num momento 
 em que vigorava um regime que levaria à fixação do respectivo valor num 
 determinado montante (…). Contudo, nesse momento, vigorava também a norma que 
 estabelecia que o regime aplicável à fixação da pensão de aposentação seria o 
 regime vigente no momento em que o despacho de reconhecimento do direito à 
 pensão de aposentação voluntária viesse a ser proferido [artigo 43.º, n.º 1, 
 alínea a), do Estatuto de Aposentação]. Nessa medida, a recorrente sabia, quando 
 requereu a pensão, que o respectivo montante seria fixado de acordo com a lei 
 vigente no momento da prolação desse despacho. 
 A pensão foi definitivamente fixada no valor de (…), nos termos do artigo 10.º, 
 n.º 1, da Lei n.º 2/92, de 9 de Março. O regime legal aplicado determinou, 
 portanto, uma redução do valor da pensão em relação ao valor que resultaria da 
 aplicação do regime vigente no momento em que a pensão foi requerida. 
 No entanto, na data em que apresentou o requerimento (altura em que a situação 
 jurídica da requerente como pensionista não se encontrava ainda definida), a 
 recorrente tinha apenas a expectativa de lhe vir a ser atribuída uma pensão 
 
 (caso se verificassem os respectivos pressupostos) nos termos da lei vigente no 
 momento da prolação do despacho que viesse a reconhecer o direito à pensão, 
 tendo, naturalmente, o legislador a possibilidade de, no âmbito da liberdade de 
 conformação legislativa, vir a estabelecer novos critérios de fixação da pensão 
 aplicáveis, desse modo, no momento da fixação definitiva. 
 Uma vez que era já configurável a possibilidade de a sua situação vir a ser 
 definida de acordo com o regime introduzido por uma eventual alteração 
 legislativa, a recorrente não tinha uma expectativa consolidada de ver a sua 
 pensão fixada de acordo com a lei vigente no momento em que apresentou o 
 respectivo requerimento. Com efeito, em face do quadro legal vigente, a 
 requerente apenas podia, como se referiu, representar que lhe seria, em 
 princípio, concedida uma pensão de aposentação, de acordo com o regime vigente 
 na data do despacho de reconhecimento do direito à pensão. Conclui-se, assim, 
 que não se verifica qualquer violação arbitrária e intolerável do princípio da 
 confiança e da boa fé quando, de acordo com a norma contida no artigo 43.º n.º 
 
 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação (norma vigente no momento em que a 
 pensão foi requerida), se fixa definitivamente o montante da pensão de 
 aposentação à luz da lei vigente no momento em que o despacho que reconhece o 
 direito da pensionista é proferido (…).” 
 Acrescentou-se, ainda, no citado Acórdão n.º 580/99:
 
 “A recorrente sustenta que, dado ter requerido a pensão no domínio da vigência 
 de um determinado regime que lhe é mais favorável (e que foi aplicado a colegas 
 de profissão na mesma situação), a pensão a atribuir só poderia ser fixada de 
 acordo com tal regime, não sendo portanto aplicável a lei vigente (desfavorável 
 em comparação com aquele regime) no momento em que o despacho que reconheceu o 
 direito à pensão foi proferido. 
 Colocada a questão neste plano, importa ter presente que o legislador tem uma 
 ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado 
 momento histórico. Na verdade, o legislador, de acordo com opções de política 
 legislativa tomadas dentro de uma ampla zona de autonomia, pode proceder às 
 alterações da lei que se lhe afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo 
 presente, naturalmente, os interesses em causa e os valores ínsitos na ordem 
 jurídica. 
 Uma alteração legislativa para operar, consequentemente, uma modificação do 
 tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações. Com efeito, as 
 situações abrangidas pelo regime revogado são objecto de uma valoração diferente 
 daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova. Nesse 
 sentido, haverá situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes. 
 Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação 
 verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento 
 decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de 
 modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção 
 de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é 
 afinal a razão de ser da própria alteração legislativa. 
 O entendimento propugnado pela recorrente levaria à imutabilidade dos regimes 
 legais, pois qualquer alteração geraria sempre uma desigualdade. Ora, tal 
 posição não é reclamável pelo princípio da igualdade no quadro constitucional 
 vigente.” 
 E, no campo de maior incidência da situação em análise, reportada à pertinência 
 constitucional da dimensão da sucessão de leis no tempo, acrescentou-se no 
 citado Acórdão que: 
 
 “O legislador não tem a possibilidade de abranger na lei nova todas as situações 
 que entender. Existem limites constitucionais (para além dos limites à aplicação 
 retroactiva da lei penal e da lei fiscal – que não estão em causa nos presentes 
 autos) que decorrem, desde logo, da tutela da confiança. 
 
 (…) o critério de aplicação da lei no tempo acolhido pela norma contida no 
 artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação (aplicação da lei 
 vigente no momento da prática do acto administrativo que reconhece o direito à 
 pensão) não é desrazoável mesmo numa perspectiva de igualdade de posições de 
 sujeitos jurídicos diacronicamente considerada. Com efeito, a solução que 
 determina que a lei aplicável a um dado acto administrativo é a lei vigente no 
 momento em que a Administração aprecia as circunstâncias do caso e define, 
 inovatoriamente, através do acto administrativo praticado a situação do 
 particular é uma solução racionalmente justificada, porque o momento do 
 reconhecimento, do direito é o momento central da definição da situação do 
 particular requerente. E nesse momento que a situação é valorada e decidida na 
 sua dimensão fundamental (é nessa altura que se decide da existência ou não do 
 direito, neste caso particular do direito à pensão). Que a lei aplicável seja a 
 lei vigente em tal momento, é um critério de decisão que se fundamenta num 
 critério objectivo e racional, decorrente dos próprios princípios gerais 
 relativos à aplicação da lei no tempo (aplicação da lei vigente no momento da 
 prática do acto). Um tal critério não fomenta diferenciações injustificadas nem 
 contraria a segurança e a justiça.” 
 
 5. “Esclarecido este aspecto, impõe-se, contudo, aferir da similitude entre 
 aquelas situações controvertidas que deram lugar à jurisprudência supra 
 reproduzida e a situação concreta em apreço nos presentes autos.
 Deve notar-se, em primeiro lugar, que este Tribunal, nos arestos citados, 
 abordou um problema geral – o de saber se a introdução de uma diferente e menos 
 favorável fórmula de cálculo da pensão de aposentação afecta expectativas 
 legítimas dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações. E a esse problema 
 optou por responder negativamente, isto porque os princípios da segurança 
 jurídica e da tutela da confiança não fundamentam o reconhecimento de 
 expectativas legítimas à manutenção de um regime de aposentação mais favorável 
 que haja vigorado ao longo da carreira contributiva do candidato a aposentado”, 
 conforme se exarou no citado Acórdão n.º 615/2007. 
 Além disso, é de sublinhar que a jurisprudência deste Tribunal quando invoca o 
 artigo 43.º do Estatuto da Aposentação o faz, apenas, enquanto elemento da 
 
 “previsibilidade genérica de mudança do regime de aposentação ao longo da 
 carreira contributiva do subscritor e não no âmbito do problema específico da 
 alteração dos pressupostos da constituição da situação do aposentado” ocorrida 
 no decurso de processos de aposentação pendentes, conforme se salientou no 
 recente Acórdão nº 615/2007, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de 
 Fevereiro de 2008. 
 
 6. Decidiu aí o Tribunal, que:
 
 “O problema que se coloca no caso em apreço nos presentes autos é, portanto, 
 diferente.
 Sublinhe-se que, neste caso, foi o próprio legislador que pretendeu assegurar um 
 grau mais intenso de protecção da segurança jurídica e da legítima confiança de 
 alguns subscritores da Caixa Geral de Aposentações, garantindo que a extinção, 
 por revogação, do regime especial previsto no Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de 
 Abril, ‘não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos 
 processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços 
 ou entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma.’ Significa isto que, 
 ciente das consequências jurídicas do artigo 43º do Estatuto da Aposentação – 
 que permitiria a aplicação imediata do novo regime a partir da sua entrada em 
 vigor –, o legislador quis adoptar – e adoptou – uma norma transitória que 
 permitia que os subscritores da Caixa Geral de Aposentações continuassem a 
 beneficiar do regime anterior de aposentação, desde que os pedidos fossem 
 enviados – e não recebidos, note-se – até à entrada em vigor da Lei n.º 1/2004, 
 de 15 de Janeiro.
 Daqui decorre que o regime da aposentação destes subscritores (…) não seria 
 fixado com base na lei em vigor à data em que ‘se profira despacho a reconhecer 
 o direito a aposentação voluntária que não dependa de verificação de 
 incapacidade’, conforme determinado pela alínea a) do n.º 1 do artigo 43º do 
 Estatuto da Aposentação, mas com base na lei vigente à data em que os ‘processos 
 de aposentação sejam enviados a essa Caixa, desde que os interessados reúnam, 
 nessa data, as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação’, 
 nos termos do n.º 6 do artigo 1º da Lei n.º 1/2004.
 Consequentemente, por força da adopção pelo legislador desta norma transitória, 
 o regime jurídico da aposentação (…) do recorrido passa a depender do acaso de o 
 seu processo ser, ou não, enviado pelos serviços antes da entrada em vigor do 
 novo regime jurídico da aposentação. 
 Mas a verdade é que a partir do momento em que o serviço em causa reconhece que 
 a aposentação (…) do recorrido poderia ocorrer ‘sem prejuízo para o serviço’, 
 este criou legitimamente expectativas que o legislador considerou merecedoras de 
 tutela, uma vez que introduziu um desvio ao regime geral. 
 A decisão acabada de transcrever é transponível para o recurso ora em análise 
 até porque, numa perspectiva fáctica, existe coincidência nas datas da 
 apresentação e da remessa do respectivo processo da Câmara Municipal da Figueira 
 da Foz para a Caixa Geral de Aposentações.
 
 7. Não obstante a decisão acabada de extractar ser transponível para o presente 
 recurso, entende-se, no entanto, que a questão de inconstitucionalidade 
 suscitada pode e deve ser analisada na perspectiva da violação do princípio da 
 confiança, na linha do também recente aresto deste Tribunal n.º 158/2008 
 
 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que se passa a transcrever:
 
 “Como no aludido Acórdão n.º 615/2007 se recordou, a jurisprudência deste 
 Tribunal tem entendido que – para além dos casos de retroactividade 
 explicitamente postergados pela Constituição quanto às leis restritivas de 
 direitos, liberdades e garantias, leis penais e leis criadoras de impostos 
 
 (artigos 18.º, n.º 3, 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, e 103.º, n.º 3, da CRP) – a afectação 
 de legítimas expectativas dos cidadãos só se reputa violadora do princípio da 
 confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, quando seja de 
 reputar ‘inadmissível e arbitrária’, devendo a ‘ideia geral de 
 inadmissibilidade’ ser aferida pelo recurso a dois critérios: (i) ‘afectação de 
 expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma 
 mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas 
 dela constantes não possam contar’; e (ii) ‘quando não for ditada pela 
 necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente 
 protegidos que devam considerar‑se prevalentes (deve recorrer‑se, aqui, ao 
 princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos 
 direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição desde 
 a 1.ª revisão’ (formulações do Acórdão n.º 287/90, na esteira dos Acórdãos n.ºs 
 
 11/83, 17/84, 86/84 e 99/99, e que viriam a ser frequentemente retomadas em 
 decisões posteriores: cf. Acórdãos n.º 285/92 e 302/2006).
 Estes apertados critérios foram estabelecidos para situações em que os cidadãos 
 detinham apenas meras expectativas legítimas, sendo obviamente distinta a 
 situação quando estejamos perante situações de direitos já completamente 
 formados e, ainda mais, de direitos já exercitados, como ocorre no presente 
 caso.
 Na verdade, sendo evidente que o facto de um interessado ter ingressado na 
 função pública no domínio de um determinado regime legal, designadamente em 
 matéria de definição dos requisitos para a aposentação e das regras de cálculo 
 das respectivas pensões, não lhe outorga o direito a ver inalterado esse regime 
 durante todo o tempo, em regra várias décadas, que durar a sua carreira até 
 atingir o seu termo por aposentação, substancialmente distinta é a situação – 
 que é a ora em apreço – em que os requisitos legais para a passagem à situação 
 de aposentado se completaram no domínio da vigência de determinado regime legal 
 e são posteriormente alterados em termos de determinarem o não reconhecimento 
 desse direito.
 A consagração legal do direito exercitado pelo funcionário representado pelo 
 Sindicato ora recorrido remonta à Lei n.º 2‑B/85, de 28 de Fevereiro (Orçamento 
 do Estado para 1985), cujo artigo 10.º, n.º 4, dispôs: ‘Poderão aposentar‑se, 
 com direito à pensão completa, independentemente de apresentação a junta médica 
 e desde que não haja prejuízo para o serviço, os funcionários e agentes que, 
 qualquer que seja a sua idade, reúnam 36 anos de serviço’.
 Em execução deste comando foi editado o Decreto‑Lei n.º 116/85 (…).
 Contrariamente ao sustentado pela recorrente, não resulta, nem do artigo 10.º, 
 n.º 4, da Lei n.º 2‑B/85, nem do preâmbulo e do articulado do Decreto‑Lei n.º 
 
 116/85, que o regime instituído fosse considerado excepcional e transitório. Na 
 sua consagração confluíram razões ligadas à necessidade de descongestionamento e 
 de rejuvenescimento da Administração, é certo, mas também motivações de justiça 
 material com reconhecido lastro temporal: satisfazer ‘pretensão desde há muito 
 manifestada por numerosos funcionários e agentes públicos que, possuindo 36 anos 
 de serviço e tendo por isso direito à pensão completa, eram obrigados a aguardar 
 pelo completamento dos 60 anos de idade’. De qualquer forma, mesmo que tivesse 
 sido – e não foi – inicialmente pensado para vigorar durante um período limitado 
 de tempo, o certo é que o regime em causa persistiu durante mais de 18 anos. 
 Dele resultava que a aquisição do direito à aposentação dependia de três 
 elementos: (i) requerimento do interessado; (ii) prova da prestação de 36 anos 
 de serviço; e (iii) inexistência de inconveniência para o serviço motivada pela 
 aposentação. Reunidos estes três elementos, a concessão da pensão de aposentação 
 constituía acto estritamente vinculado da Caixa Geral de Aposentações, à qual 
 não era reconhecido qualquer possibilidade de denegação da pretensão.
 No presente caso, tratando‑se de funcionário da administração local, a 
 competência para emitir despacho de concordância com a informação no sentido da 
 inexistência de prejuízo para o serviço foi exercitada pela Vereadora dos 
 Recursos Humanos, que ratificou a informação prestada pelo Comandante dos 
 Bombeiros Municipais, encontrando‑se ambos os despachos exarados em informação 
 datada de 20 de Novembro de 2003 (fls. 11 destes autos).
 Com a conjugação desses três requisitos subjectivou‑se na titularidade do 
 interessado o direito à aposentação, que ele exercitou em plena vigência do 
 regime legal que o consagrava. A retirada, por lei posterior, desse direito não 
 pode deixar de ser considerada violadora do princípio da confiança, sendo 
 substancialmente distinta da situação (essa, sim, não necessariamente violadora 
 de tal princípio) de a alteração do regime da aposentação, com a eliminação da 
 modalidade criada pelo Decreto‑Lei n.º 116/85, ser aplicável aos funcionários 
 que estavam ao serviço ao tempo da publicação e entrada em vigor da Lei n.º 
 
 1/2004 mas que nessa data ainda não tinham reunido os requisitos necessários 
 para o exercício desse direito.
 Este entendimento não é afectado pelo disposto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a), 
 do Estatuto da Aposentação, que determina que o regime da aposentação se fixa 
 com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se profira 
 despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não dependa de 
 verificação de incapacidade. Desde logo, é sustentável que esta norma tem em 
 vista primacialmente o regime aplicável ao cálculo da pensão de aposentação. 
 Como anota António José Simões de Oliveira (Estatuto da Aposentação Anotado e 
 Comentado, Coimbra, 1973, p. 119), esta norma – tendo por pressuposto a 
 conveniência de ‘uma verificação administrativa do direito de requerer a 
 aposentação’ – visou acautelar as situações em que entre a data do requerimento 
 e a da resolução do processo de aposentação decorra largo tempo, no decurso do 
 qual o funcionário, em princípio, se manteve ao serviço, com mais tempo 
 aproveitável para a aposentação e eventual superveniência de outras alterações 
 relevantes, designadamente ao nível remuneratório, sendo manifestamente injusto, 
 em tal quadro, calcular a pensão à data do requerimento [No sentido da 
 inconstitucionalidade da referida norma se interpretada no sentido de aplicar 
 alterações de regime desfavoráveis ao interessado surgidas após a data do 
 requerimento – questão que não está em causa no presente recurso – cf. José 
 Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação, Coimbra, 2003, p. 161].
 Este Tribunal já teve oportunidade de salientar a necessidade de distinguir o 
 momento em que se subjectiva o direito a uma pensão de reforma e o momento em 
 que se subjectiva o direito ao montante da pensão (cf. Acórdão n.º 330/93, 
 
 último parágrafo do n.º 8), considerando que, embora o direito do então 
 recorrente a uma pensão extraordinária de aposentação se tenha subjectivado na 
 data do despacho que o considerou deficiente das Forças Armadas (20 de Agosto de 
 
 1976), o certo é que, como ele optou por se manter no serviço activo e só em 15 
 de Dezembro de 1983 veio requerer a transição para a situação de reforma 
 extraordinária, no cálculo que então se operou do montante da pensão houve que 
 ter em conta as alterações legislativas ocorridas entre 1976 e 1983.
 No presente caso, porém, não está em causa o direito a um determinado montante 
 de pensão de aposentação, mas tão‑só o direito à aposentação nos termos do 
 Decreto‑Lei n.º 116/85, e este, pelas razões expostas, entrou na titularidade do 
 interessado quando se reuniram os três elementos de que dependia (requerimento 
 do interessado, 36 anos de serviço e inexistência de prejuízo para o serviço) e 
 foi por ele efectivamente exercitado na plena vigência desse regime, sendo 
 intolerável que posterior demora burocrática no envio do processo para a Caixa 
 Geral de Aposentações, demora a que o interessado foi de todo alheio, tivesse 
 como efeito a perda desse direito.
 
 É que, neste domínio, o funcionário encontra‑se numa situação de autonomia 
 subjectiva face à Administração. Na verdade, não é mais sustentável a concepção 
 que reduzia o funcionário público a ‘elemento integrante do aparelho 
 administrativo, objecto de supremacia absoluta da Administração, que define, com 
 o legislador, autoritária e integralmente, o seu estatuto (de sujeição) 
 especial’ – o chamado sistema de inclusão (António Lorena de Sèves, ‘Os 
 concursos na função pública’, em Seminário Permanente de Direito Constitucional 
 e Administrativo, vol. I, Braga, 1999, p. 49). Antes se reconhece que, pelo 
 menos em certos domínios, a posição do funcionário face à Administração é, não 
 de inclusão, mas de alteridade, que pressupõe a autonomia jurídica do 
 funcionário. Impõe‑se, assim, a distinção entre ‘relação orgânica’ (o 
 funcionário como órgão do aparelho administrativo) e ‘relação de serviço ou de 
 emprego’ (que, na concepção clássica de funcionário, era absorvida pela 
 primeira), reconhecendo a esta, tal como às comuns relações de trabalho, uma 
 tutela jurídica específica, quer na contraprestação que constitui a remuneração, 
 
 ‘quer com todas as outras situações que se repercutem em termos económicos na 
 esfera do agente (v. g., qualificação profissional, carreira, férias, duração do 
 trabalho, segurança social, etc.)’ (Francisco Liberal Fernandes, Autonomia 
 Colectiva dos Trabalhadores da Administração. Crise do Modelo Clássico de 
 Emprego Público, Coimbra, 1995, pp. 107‑108).
 A revisão constitucional de 1982, ao mudar a expressão ‘funcionários e agentes 
 do Estado e das demais entidades públicas’, constante do primitivo artigo 270.º, 
 n.º 1, para ‘trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e 
 outras entidades públicas’, do novo artigo 269.º, tornou claro que nenhum 
 argumento justifica ‘não considerar os funcionários públicos como trabalhadores, 
 para efeitos de titularidade dos correspondentes direitos, liberdades e 
 garantias constitucionais’ (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição 
 da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 945).
 Ao direito ora em causa, situado na confluência do direito da função pública e 
 do direito de segurança social, é, nesta última perspectiva, aplicável, entre 
 outros princípios gerais, o da ‘conservação dos direitos adquiridos e em 
 formação’ (artigo 6.º da Lei de Bases da Segurança Social – Lei n.º 32/2002, de 
 
 20 de Dezembro) ou da ‘tutela dos direitos adquiridos e em formação’ (artigo 5.º 
 da Lei de Bases do Sistema de Segurança Social – Lei n.º 4/2007, de 16 de 
 Janeiro), que ‘visa assegurar o respeito por esses direitos’ (artigos 21.º da 
 Lei de 2002 e 20.º da Lei de 2007), considerando‑se direitos adquiridos, ‘os que 
 já se encontram reconhecidos ou possam sê‑lo por se encontrarem cumpridas as 
 respectivas condições legais’ (artigo 44.º, n.º 2, alínea a), da Lei de 2002) ou 
 
 ‘os que já se encontram reconhecidos ou possam sê‑lo por se encontrarem reunidos 
 todos os requisitos legais necessários ao seu reconhecimento’ (artigo 66.º, n.º 
 
 2, alínea a), da Lei de 2007).
 No presente caso, estando reunidos, antes da publicação da Lei n.º 1/2004, todos 
 os requisitos legais para o reconhecimento, através de acto estritamente 
 vinculado, do direito do interessado à aposentação nos termos do Decreto‑Lei n.º 
 
 116/85 – e tendo esse direito sido efectivamente exercitado em plena vigência 
 deste diploma –, do que se tratava, com o critério normativo que o acórdão 
 recorrido recusou aplicar com fundamento em inconstitucionalidade, era, em 
 rigor, da destruição retroactiva de um ‘direito adquirido’, que, manifestamente, 
 não pode deixar de ser reputada violadora do princípio da confiança [Paulo Veiga 
 e Moura (A Privatização da Função Pública, Coimbra, 2004, pp. 223‑225) sustenta 
 mesmo a inconstitucionalidade do novo regime quando aplicado a funcionários que, 
 tendo reunido em 31 de Dezembro de 2003 as condições para a aposentação, só a 
 vieram a requerer já após a publicação da Lei n.º 1/2004, questão de que não 
 cumpre tratar no âmbito do presente recurso].”
 O Acórdão acabado de transcrever é transponível para a situação em apreço, 
 traduzindo jurisprudência que ora se reitera.
 
 
 
 
 III – Decisão
 Em face do exposto, acordam em:
 a)               Julgar inconstitucionais, por violação do princípio da 
 protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, e do princípio 
 da igualdade, consagrados nos artigos 2.º e 13.º da Constituição da República 
 Portuguesa, as normas constantes dos artigos 1.º, n.º6, e 2.º da Lei 1/2004, de 
 
 15 de Janeiro, quando interpretados no sentido de que aos subscritores da Caixa 
 Geral de Aposentações que, antes de 31 de Dezembro de 2003, hajam reunidos os 
 pressupostos para a aplicação do regime fixado pelo Decreto-Lei n.º 116/85, de 
 
 19 de Abril, e hajam requerido essa aplicação, deixa de ser reconhecido o 
 direito a esse regime de aposentação pela circunstância de o respectivo processo 
 ter sido enviado à Caixa, pelo serviço onde o interessado exercia funções, após 
 a data da entrada em vigor da Lei n.º 1/2004; e, em consequência,
 b)               Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
 Sem custas.
 
 
 Lisboa, 17 de Abril de 2008
 José Borges Soeiro 
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira (com declaração)
 Gil Galvão (com declaração)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 Voto a decisão por entender que norma viola (unicamente) o princípio da 
 protecção da confiança.
 Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 Votei o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão nos precisos termos 
 em que o fiz no acórdão n.º 615/2007.
 Gil Galvão