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Processo n.º 990/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
             1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do 
 artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
 
  
 
 “1. Por acórdão de 4 de Novembro de 2008, o Tribunal da Relação de Lisboa negou 
 provimento a recurso interposto pelos recorrentes, arguidos no processo n.º 
 
 1573/02.9TACBR do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, da decisão 
 instrutória proferida nesse Tribunal em 18/2/2008.
 Os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com vista 
 
 à apreciação da inconstitucionalidade, por violação dos n.ºs 1 e 5 do artigo 
 
 32.º da Constituição, da norma do artigo 297.º do CPP, quando interpretado no 
 sentido de que pode ser proferida nova decisão instrutória, na sequência de 
 anulação da anterior por ter sido declarada inválida parte da prova em que 
 assentara, sem necessidade de realização de novo debate instrutório.
 O recurso foi admitido no tribunal a quo, por despacho que não vincula o 
 Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
 
 2. Sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 LTC, é seu pressuposto específico ter sido a questão de constitucionalidade 
 suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (cf. artigo 
 
 70.º, n.º 1, alínea a) e artigo 72.º, n.º 2, da LTC). O recorrente tem o ónus de 
 colocar o tribunal de cuja decisão pretende recorrer para o Tribunal 
 Constitucional perante a pretensão minimamente substanciada de que recuse 
 aplicação a uma determinada norma com fundamento em inconstitucionalidade.
 No caso, este pressuposto não se verifica, como a transcrição da parte relevante 
 da motivação do recurso que deu origem ao acórdão recorrido tornará 
 imediatamente evidente:
 
 “(…)
 II. QUANTO FUNDO: 
 A decisão instrutória de que ora se recorre é nula por violação do disposto no 
 nº 1 do artº 289º do CPP.
 Vejamos porquê:
 
  O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu por Acórdão transitado em Julgado, 
 declarar nulos, por violação do segredo profissional os documentos juntos a 
 Fls…. pelo Arguido Dr. A..
 Diz a Lei, artº 122º do CPP, que as nulidades tornam inválido o acto, bem como 
 os que dele dependerem e a que elas puderem afectar. 
 O Meritíssimo Juiz não se pronunciou – o que devia ter sido feito antes de ter 
 sido proferida decisão – sobre quais as consequências declaração de nulidade dos 
 documentos nulidade essa decretada pelo TRL 
 Isto é, a nulidade verificada afecta tão-somente o documento junto, ou tem a 
 virtualidade de afectar outros actos?
 Esta questão devia ter sido dirimida e decidida antes de ser proferida decisão 
 instrutória, tendo, salvo o devido respeito assim se entende, sob pena de 
 violação do preceito constitucional contido no artº 32º nº 5, o direito ao 
 exercício do contraditório aos ora recorrentes, o que não sucedeu. 
 Os recorrentes entendem que a nulidade decretada tem efeitos à distância, 
 nomeadamente, na busca realizada na Sociedade B.. 
 Efectivamente, não fosse o Arguido Dr. A. juntar aos Autos documentos sujeitos 
 ao segredo profissional, nomeadamente o contrato celebrado com a sociedade B., e 
 o MP não teria qualquer elemento, qualquer indício que sugerisse, permitisse ou 
 aconselhasse a busca à mencionada sociedade.
 Esta factualidade tinha, obrigatoriamente, que ser analisada, sob pena de 
 irregularidade, que expressamente se invoca, antes da decisão instrutória, e não 
 o foi. 
 E não o foi porque nem o Meritíssimo Juiz não se pronunciou autonomamente, como, 
 salvo o devido respeito, devia, sobre ela, para evitar a irregularidade, como, o 
 que implica a nulidade que expressamente se invoca, o meritíssimo juiz não abriu 
 debate instrutório para que os arguidos se pudessem pronunciar sobre, pelo 
 menos, dois elementos, a saber: 
 Um, de que modo a nulidade dos documentos afecta outros actos praticados no 
 inquérito.
 O outro, quais as consequências para a análise indiciária da declaração de 
 nulidade da prova declarada nula. 
 Efectivamente, os efeitos da nulidade, estão previstos no artº 122º do CPP, e a 
 nulidade é arguida ao abrigo da al. d) do nº 2 do artº 120º do CPP.
 A irregularidade, tal como a nulidade invocadas afectam o valor do acto 
 praticado, pondo em causa os direitos de defesa dos arguidos, que se vêm 
 confrontados com uma decisão sem que pudessem contraditar os pressupostos da 
 mesma e se vêem impedidos de, em debate instrutório, debate instrutório que não 
 se realizou por o Sr. Juiz o não ter marcado, expandir os argumentos tendentes à 
 verificação das condições que levassem a uma decisão diferente da proferida.
 Ao agir como agiu, não permitindo a existência de debate instrutório, o 
 Meritíssimo Juiz a quo, violou o artº 289º nº 1 do CPP, bem como o artº 32º, nº 
 
 1 da CRP.
 CONCLUSÕES
 
 1. O presente recurso é admissível, devendo ser admitido, subir de imediato, em 
 separado e com efeito suspensivo;
 
 2. Nos termos do artº 289º, nº 1, do CPP o debate instrutório é uma diligência 
 obrigatória em qualquer instrução;
 
 3. O debate instrutório é, nos termos do preceito referido, oral e 
 contraditório;
 
 4. O Tribunal da Relação de Lisboa, por douta decisão, declarou parcialmente 
 nula a decisão instrutória recorrida, determinando que o Tribunal a quo 
 apreciasse os fundamentos da invocado nulidade das escutas;
 
 5. E revogou a decisão recorrida, na parte em que considerou como meios de prova 
 válido no processo os documentos referidos nos números 54, 77, 120, 121, 122 e 
 
 125 da acusação;
 
 6. Ora, ao revogar nesta parte a decisão instrutória e ao declarar nulos os 
 documentos, têm os arguidos, nomeadamente os recorrentes, o direito de se 
 pronunciarem, nos termos do artº 122º do CPP, quanto aos efeitos dessa nulidade 
 
 – a invalidade do acto, bem como os que dele dependerem e os que as nulidades 
 puderem afectar.
 
 7. Não permitir que os arguidos se pronunciem sobre tal factualidade é impedir o 
 exercício do contraditório;
 
 8. Contraditório esse que, em fase de instrução, é garantido pela realização 
 obrigatória do debate instrutório, como determina o artº 289º do CPP, para que 
 se assegurem os efeitos e a finalidade prevista no artº 298º do CPP.
 
 9. Ora, o debate que antecedeu a primitiva decisão instrutória, que o Tribunal 
 da Relação revogou parcialmente – al. c) da decisão do douto Acórdão da Relação 
 de Lisboa – ocorreu perante uma realidade diferente da que existe actualmente.
 
 10. A não realização do debate instrutório, além de violar os artigos 289º e 
 
 298º do CPP, não tem em conta o decidido pelo douto Acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, e viola o nº 1 e o nº 5 do artº 32º da CRP, para além de 
 constituir uma nulidade insanável, nos termos do artº 119º al d) do CPP.”
 
  
 Como se vê, os recorrentes limitaram-se a alegar que, ao agir como agiu, não 
 permitindo a existência de novo debate instrutório, o juiz de instrução violou o 
 artigo 289.º, n.º 1 do CPP, “bem como o art.º 32., n.º 1 da CRP” e a concluir 
 que “a não realização do debate instrutório, além de violar os artigos 289º e 
 
 298º do CPP, não tem em conta o decidido pelo douto Acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, e viola o nº 1 e o nº 5 do artº 32º da CRP, para além de 
 constituir uma nulidade insanável, nos termos do artº 119º al d) do CPP.”
 Ora, suscitando a questão nestes termos, estão a imputar a inconstitucionalidade 
 
 à concreta actuação processual do juiz da causa. Não colocam o Tribunal da 
 Relação perante a necessidade de recusar aplicação à norma, ainda que em 
 determinada interpretação com que supostamente (ainda que em interpretação que 
 têm por errada também no plano do direito ordinário) se conformou esse modo de 
 proceder. 
 
        Com efeito, para que se considere cumprido o referido ónus, é necessário 
 que o interessado suscite a questão de constitucionalidade perante o tribunal 
 que vem a proferir a decisão recorrida com a mesma natureza com que ela é 
 susceptível de apreciação em recurso de fiscalização concreta: como questão de 
 constitucionalidade normativa. 
 
 3. Decisão
 Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar 
 os recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça (individualmente) em 7 
 
 (sete) UCs.”
 
              
 
 2. Os recorrentes reclamaram desta decisão. 
 
  
 Alegam, em síntese, que a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido 
 declarada nula parte da prova em que se fundara a anterior pronúncia, pode haver 
 nova decisão instrutória sem novo debate. Consideram suscitada a 
 inconstitucionalidade, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, da 
 interpretação dos artigo 289.º, n.º 1 e 298.º do CPP no sentido de que é 
 possível proferir decisão instrutória, seja ela qual for, sem que se realize um 
 debate instrutório onde se debata a acusação e as provas legalmente utilizáveis 
 contra os arguidos. Isto porque os recursos têm sempre por base um acto 
 jurisdicional e colocar em causa a decisão de não realização do debate 
 instrutório por referência à Constituição é colocar em causa a 
 constitucionalidade do sentido que o juiz de instrução atribuiu aos referidos 
 preceitos.
 
  
 O Ministério Público responde que a argumentação dos reclamantes em nada abala 
 os fundamentos da decisão reclamada.
 
  
 
             3. É manifesto que o esforço dos reclamantes para convencer de que 
 estão preenchidos os pressupostos do recurso de constitucionalidade não tem 
 apoio na realidade dos autos. A decisão sumária transcreve a motivação do 
 recurso na sua parte útil (o mais respeita à admissibilidade do recurso e seus 
 efeitos), tornando-se imediatamente evidente, pela sua simples leitura, que só à 
 decisão do juiz de instrução vem imputada a violação de normas constitucionais. 
 Aliás, como mera afirmação de violação desses preceitos, a par do direito 
 ordinário, sem qualquer motivação acrescida.
 
             Não se contesta que essa decisão tem subjacente um certo sentido das 
 normas relativas ao debate e à decisão instrutória. Mas para que pudesse 
 abrir-se a via do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, da decisão da Relação que 
 confirmou esse entendimento, teriam os interessados que autonomizar a questão de 
 constitucionalidade de tal sentido normativo, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC). O que é indiscutível que não 
 fizeram.
 
  
 
             4. Decisão
 
  
 
             Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar os 
 recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
 Lisboa, 2 de Fevereiro de 2009
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão