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Processo nº 558/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
  
 
        Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional                           
 
                           
 
  
 Relatório
 A., arguido no processo nº 401/04.5JAFAR, por requerimento de 11-7-2006, veio 
 pedir a realização de instrução.
 Este requerimento foi indeferido, por despacho de 21-9-2006, com fundamento no 
 facto do requerente não ter comprovado atempadamente o pagamento da taxa de 
 justiça devida pela abertura da instrução, mesmo após ter sido notificado pela 
 secretaria do Tribunal para efectuar tal prova, em prazo suplementar.
 Em 31-10-2006 o referido arguido veio requerer novamente a abertura de 
 instrução, tendo este requerimento sido indeferido.
 Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, o qual 
 negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, por acórdão de 
 
 10-4-2007, com os seguintes fundamentos:
 
 “Sendo a instrução uma fase eventual ou facultativa do processo, a mesma ocorre 
 a seguir ao inquérito e visa a comprovação judicial da decisão de deduzir 
 acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a 
 julgamento. 
 A instrução constitui uma fase judicial formada pelo conjunto de actos que o 
 juiz entenda dever levar a cabo, e obrigatoriamente por um debate instrutório, 
 oral e contraditório (artº 289º, nº 1). 
 A instrução pode ser requerida pelo arguido ou pelo assistente, conforme a 
 natureza do acto que os afecte e que lhes confira o interesse em fazer comprovar 
 judicialmente o acto de encerramento do inquérito: o arguido pode requerer a 
 instrução no caso de ter sido deduzida acusação e o assistente, se o 
 procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos 
 quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação. 
 
 “A estrutura acusatória do processo penal exige, porém, que a intervenção do 
 juiz não seja oficiosa e, além disso, que tenha de ser delimitada pelos termos 
 da comprovação que se lhe requer sobre a decisão de acusar ou, se não tiver sido 
 deduzida acusação, sobre a justificação e a justeza da decisão de arquivamento. 
 
 
 O requerimento de abertura de instrução constitui, pois, o elemento fundamental 
 para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz 
 de instrução: investigação autónoma, mas autónoma dentro do tema factual que lhe 
 
 é proposto através do requerimento de abertura da instrução”. – v.: Acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça de 24.09.2003, Processo Nº 2299/03, 
 http://www.dgsi.pt/. 
 No caso vertente, uma vez notificado da acusação o arguido A. veio requerer a 
 instrução por requerimento datado de 11 de Julho de 2006. 
 Porém, porque não efectuou, atempadamente, o pagamento relativo à taxa de 
 justiça devida pela abertura de instrução, nem o montante devido a título de 
 sanção por tal omissão (pagamento de acréscimo de igual montante), ao abrigo das 
 normas conjugadas dos artigos 80º, nºs 1, 2 e 3 e 83º, nº 1 do Código das Custas 
 Judiciais, foi declarado sem efeito o requerimento para abertura de instrução 
 pelo mesmo apresentado. 
 Ora, a partir desse momento, inquestionavelmente e de forma manifesta, está 
 precluido o direito do mesmo arguido apresentar novo requerimento de abertura de 
 instrução. 
 A entender-se de outra forma não teria qualquer sentido as sanções decorrentes 
 da falta de pagamento das taxas de justiça devidas e da omissão do respectivo 
 pagamento”.
 
  
 Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b), do nº 1, do artº 70º, da LTC, nos seguintes termos:
 
 “Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 287º 
 nº 1 al. a) do Código de Processo de Penal, 80º nº 1, nº 2 e nº 3 e 83º nº 1 do 
 Código das Custas Judiciais, com a interpretação com que foram aplicadas na 
 decisão recorrida, ou seja, de que a falta de pagamento da taxa de justiça 
 devida pela abertura de instrução e do montante devido a título de tal sanção 
 por omissão, preclude o direito de o arguido renovar o seu requerimento de 
 instrução, quando – por vicissitudes processuais que permitiram uma dilação do 
 início da contagem de tal prazo – ainda está dentro dos limites temporais 
 fixados na lei. 
 Com efeito, é o requerimento de abertura de instrução que foi rejeitado que é 
 considerado sem efeito, e não o direito à instrução, que ainda está dentro do 
 prazo legal. 
 A interpretação com que foram aplicadas as normas acima referidas, é 
 inconstitucional, por limitar de uma forma desproporcional e intolerável os 
 direitos defesa do arguido, e assim contende com as normas constantes nos 
 artigos 18º nº 1 e 32º, nº 1 da C.R.P.”.
 
  
 O arguido concluiu do seguinte modo as suas alegações:
 
 “1 - O arguido requereu a abertura de instrução, mas, porque não pagou a 
 respectiva taxa e sanção, foi este requerimento dado sem efeito. 
 
 2 - Notificado mais tarde da separação processual de um co-arguido (nº 5 do art. 
 
 285º do CPP), e perante o início do prazo a partir deste momento, apresentou 
 novo requerimento de instrução. 
 
 3 - Indeferido por despacho da MM JIC. 
 
 4 - O acórdão recorrido, entendeu que nestas circunstâncias, está precludido o 
 direito do arguido a requerer a abertura de instrução. 
 
 5 - A fase de instrução é acima de tudo um corolário das garantias de defesa do 
 arguido – nº 1 do art. 32º da CRP. 
 
 6 - Pois o arguido tem direito a tudo fazer para não ser julgado e colocar em 
 causa uma acusação infundada e sem consistência probatória para o condenar em 
 julgamento. 
 
 7 - O facto de o arguido não ter cumprido com as taxas e sanções pecuniárias, e 
 por isso dado sem efeito esse requerimento, e neste sentido inexistente, não 
 pode aquela circunstância servir para impedir o arguido de aceder à instrução 
 caso todos os requisitos se verifiquem – através de novo requerimento. 
 
 8 - Violou-se o nº 1 do artigo 32º da CRP, porque apesar de ter-se dado sem 
 efeito um anterior requerimento de abertura de instrução, por falta de pagamento 
 da taxa de justiça e do montante devido a titulo de tal sanção por omissão, 
 precludiu-se o direito de o arguido renovar o seu requerimento de instrução, 
 quando – por vicissitudes processuais que permitiram a dilação do início da 
 contagem de tal prazo – ainda está dentro dos limites temporais fixados na lei e 
 demais requisitos. 
 
 9 - Está em causa a liberdade do arguido e os seus direitos de defesa, pelo que 
 nos termos do nº 1 do art. 18º da C.R.P., a violação daqueles princípios e 
 direitos, implica que a normas constitucionais que os protegem, sejam 
 directamente aplicáveis”. 
 
  
 O Ministério Público apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
 
 “1º- Não viola qualquer princípio constitucional o regime normativo segundo o 
 qual o arguido está sujeito a um prazo peremptório de 20 dias, contados da 
 notificação da acusação do Ministério Público, para requerer a abertura da 
 instrução, ficando tal acto sem efeito se não for paga a taxa de justiça e 
 legais acréscimos, na sequência de notificação para suprimento da originária 
 omissão, que o arguido persiste em não aproveitar.
 
 2º- Termos em que deverá improceder o presente recurso”.
 
  
 
                                                                                  
 
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 Fundamentação
 O objecto deste recurso é o de apurar se está ferida de inconstitucionalidade a 
 interpretação do artº 287º, nº 1, a), do C.P.P., e dos artº 80º, nº 1, nº 2 e nº 
 
 3, e 83º nº 1 do Código das Custas Judiciais, no sentido de que o indeferimento 
 de um requerimento de abertura de instrução, por falta de pagamento da taxa de 
 justiça e do montante devido a titulo de tal sanção por omissão, preclude o 
 direito do arguido renovar o seu requerimento de instrução, mesmo quando ainda 
 está dentro dos limites temporais fixados na lei para a requerer.
 O artº 32º, nº 4, da C.R.P., ao consignar que toda a instrução é da competência 
 de um juiz, num sistema como o nosso, em que a fase de investigação está 
 atribuída ao Ministério Público, exige a consagração duma fase processual 
 posterior de salvaguarda do direito do arguido ao esclarecimento dos factos, com 
 a sua participação, em ordem a ser ponderada por juiz a decisão de o submeter a 
 julgamento.
 Daí que o nosso C.P.P. preveja a possibilidade de realização duma fase de 
 instrução (artº 286º e seg., do C.P.P.), a qual visa a comprovação judicial da 
 decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou 
 não a causa a julgamento (artº 286º, nº 1, do C.P.P.).
 Esta fase é facultativa (artº 286º, nº 2, do C.P.P.), podendo ser requerida pelo 
 arguido (artº 287º, nº 1, a), do C.P.P.).
 Para usufruir deste direito de defesa o arguido deve requerer a realização da 
 instrução num determinado prazo (artº 287º, nº 1, do C.P.P.) e efectuar o 
 pagamento duma taxa de justiça (artº 83º, do C.C.J.).
 Esta taxa deve ser autoliquidada, fazendo-se prova desse pagamento até ao prazo 
 máximo de 10 dias a contar da apresentação do respectivo requerimento (artº 80º, 
 nº 1, do C.C.J.) e, na falta de demonstração desse pagamento no prazo referido, 
 a secretaria notifica o interessado para, em cinco dias, proceder à apresentação 
 da prova de pagamento daquela taxa, acrescida de igual montante (artº 80º, nº 2, 
 do C.C.J.). A omissão do pagamento destas quantias determina que o requerimento 
 para abertura da instrução seja considerado sem efeito (artº 80º, nº 3, do 
 C.C.J.).
 O direito de defesa do arguido, no segmento do direito em que importa a sua 
 sujeição a julgamento, por força de acusação deduzida pelo Ministério Público, 
 seja objecto de controle judicial, a seu pedido, sendo um juiz a ter a última 
 palavra sobre essa decisão, encontra-se, pois, garantido, na legislação 
 ordinária, com a possibilidade do arguido poder requerer a abertura de 
 instrução presidida por um juiz (artº 287º e seg., do C.P.P.).
 Entendeu a decisão recorrida, que tendo sido incumprido, no caso sub judicio, um 
 dos ónus que condicionava a admissibilidade do pedido de abertura de instrução 
 
 (a demonstração do pagamento da taxa de justiça devida pela abertura de 
 instrução), o que motivou o seu indeferimento, o direito de o arguido requerer a 
 realização dessa fase processual tinha precludido.
 Não cumpre neste recurso apurar da correcção desta decisão, mas sim se a 
 interpretação normativa que a fundamenta constitui uma restrição inadmissível ao 
 direito de o arguido obter uma apreciação judicial sobre a necessidade de ser 
 sujeito a julgamento.
 Também não cabe no objecto deste recurso um juízo sobre a proporcionalidade ou a 
 necessidade do ónus incumprido, uma vez que a decisão recorrida não é a que 
 declarou sem efeito o pedido do arguido de abertura de instrução, mas sim aquela 
 que indeferiu novo pedido, com fundamento na preclusão do respectivo direito do 
 arguido.
 
 É a aplicação deste juízo de preclusão, nesta situação, que importa aferir face 
 
 à enunciada exigência constitucional.
 O princípio da preclusão, apesar de ter o seu campo de aplicação favorito no 
 processo civil, também tem aplicações em processo penal. Este princípio 
 processual tem o seu fundamento numa ideia da responsabilidade dos sujeitos 
 processuais para consigo mesmos, isto é, de auto-responsabilidade. Segundo este 
 princípio, o incumprimento de certa conduta processual, exigível para obtenção 
 de certo resultado ou vantagem, o qual pode consistir na efectivação de um 
 direito, determina a perda definitiva desse direito no respectivo processo. Daí 
 a sua articulação com os conceitos de ónus e cominação.
 Deve a consagração de preclusões revelar-se funcionalmente adequada e 
 proporcionada, numa ponderação da importância do direito perdido e da gravidade 
 e relevância da falta cometida.
 Neste caso, entendeu-se que a não demonstração do pagamento da taxa de justiça 
 que condiciona a abertura da instrução, no prazo legalmente fixado, determinou a 
 perda definitiva do direito do arguido requerer a realização de instrução 
 naquele processo.
 Este entendimento não retira ao arguido o direito de requerer a realização de 
 instrução, mas apenas não lhe concede uma segunda oportunidade de o fazer, 
 depois do pedido inicial ter sido indeferido, por falta de cumprimento pelo 
 arguido de ónus que sobre ele recaía.
 Para se ponderar se esta interpretação normativa consubstancia uma restrição 
 inadmissível ao direito do arguido requerer a realização de instrução, devemos 
 ter presente dois dados de particular relevância:
 
 - em primeiro lugar, o direito do arguido em causa interfere apenas na decisão 
 de o sujeitar a julgamento, não estando ainda em jogo a sua condenação ou 
 absolvição, pelo que a sua protecção não é tão exigente como a que é devida aos 
 direitos que se exercem numa fase processual mais decisiva, como é a do 
 julgamento e decisão final.
 
 - em segundo lugar, o arguido, após ter incumprido o ónus de demonstração do 
 pagamento da taxa de justiça num determinado prazo, foi alertado pelo tribunal  
 para a possibilidade de, num prazo suplementar, proceder ainda à prática do acto 
 omitido, condicionada ao pagamento de sanção pecuniária, não tendo o arguido 
 aproveitado esta segunda oportunidade para a realização do acto omitido.
 Tendo em consideração, por um lado, o grau de protecção ao direito 
 constitucional em causa e, por outro lado, a existência de um incumprimento 
 voluntário e reiterado do ónus que condicionava o exercício daquele direito, é  
 opinião deste Tribunal que a preclusão estabelecida não se revela de modo algum 
 desadequada, nem excessiva. 
 O direito constitucional à realização de instrução, presidida por juiz, para que 
 tenha uma consagração infra-constitucional efectiva não exige a admissão da 
 possibilidade do arguido repetir o respectivo pedido, quando anterior 
 requerimento nesse sentido foi declarado sem efeito, por falta de comprovação do 
 pagamento da taxa de justiça devida pela abertura de instrução, mesmo após o 
 arguido ter sido notificado para efectuar essa prova, em prazo suplementar.
 Não se mostrando violado o direito à realização de instrução presidida por juiz, 
 consagrado no artº 32º, nº 4, da C.R.P., pela aplicação do disposto nos artº 
 
 287º, nº 1, a), do C.P.P., e dos artº 80º, nº 1, nº 2 e nº 3, e 83º nº 1 do 
 Código das Custas Judiciais, na interpretação de que o indeferimento de um 
 requerimento de abertura de instrução, por falta de pagamento da taxa de justiça 
 e do montante devido a título de tal sanção por omissão, preclude o direito do 
 arguido renovar o seu requerimento de instrução, mesmo quando ainda está dentro 
 dos limites temporais fixados na lei para a requerer, deve ser negado 
 provimento ao recurso interposto para este Tribunal por A..
 
  
 
                                                                                  
 
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 Decisão
 Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto por 
 A., do acórdão de 10-4-2007, do Tribunal da Relação de Évora.
 
  
 
                                                                                  
 
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 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta 
 
 (artº 6º, nº 1, do D.L. nº 303/98).
 
  
 
                                                                                  
 
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 Lisboa, 12 de Junho de 2007
 
  
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos