 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 486/06
 Plenário
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. O Procurador-Geral da República requer que o Tribunal Constitucional “aprecie 
 e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma 
 constante do artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 206/01, de 27 de 
 Julho, na medida em que exclui as associações mutualistas do exercício da 
 actividade funerária aos seus associados”.
 
  
 
 2. Para fundamentar o seu pedido o Procurador-Geral da República alegou o 
 seguinte:
 
  
 
 “1º
 A norma a que se reporta o presente pedido – incluída em diploma legal regulador 
 do exercício da actividade das agências funerárias – reserva tal actividade, 
 expressa na prestação dos serviços referenciados nos artigos 3º e 4º, nº 1, 
 exclusivamente às agências funerárias (artigo 5º) prescrevendo, como requisito 
 para o respectivo exercício, a constituição sob qualquer das formas societárias 
 legalmente permitidas.
 
  
 
 2º
 Tal regime restritivo configura-se como violador do princípio constitucional da 
 igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, 
 como se decidiu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 236/05, de 3 de Maio 
 
 (no mesmo sentido, aderindo a tal entendimento, se pronunciou o Conselho 
 Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no parecer nº 14/05, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 24 de Fevereiro de 2006).
 
  
 
 3º
 Na verdade, a exigência de adopção da forma societária, em si mesma considerada, 
 não consubstancia uma habilitação específica para o exercício da actividade 
 funerária, não constituindo, só por si e necessariamente, garantia absoluta e 
 adequada de prossecução com sucesso das finalidades de transparência, garantia 
 da qualidade dos serviços e tutela dos interesses dos consumidores, subjacentes 
 ao Decreto-Lei nº 206/01.
 
  
 
 4º
 Verificando-se que tal exigência – e a restrição dela emergente, estranha aos 
 fins de saúde pública e tutela do interesse público – discrimina, sem fundamento 
 legítimo, as associações mutualistas, já que a constituição sob forma 
 societária, com o inerente fim lucrativo, se não adequa minimamente às entidades 
 que, sem intenção lucrativa, apenas com uma finalidade de apoio social em 
 benefício dos seus associados, pretendem agir naquele sector, fora dos quadros 
 da iniciativa empresarial privada”.
 
  
 
            3. Notificado do pedido, vem o Primeiro-Ministro oferecer o 
 merecimento dos autos, requerendo, caso a norma em causa seja julgada 
 inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, e por razões de segurança 
 jurídica, que os efeitos da decisão se produzam a partir da data da publicação, 
 nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da.
 
  
 
 4. Debatido o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional e 
 fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver, procedeu-se à 
 distribuição do processo, cumprindo agora formular a decisão.
 
  
 II. Delimitação do objecto do pedido 
 Na parte final do seu requerimento, o Procurador-Geral da República diz requerer 
 a “declaração de inconstitucionalidade material da norma que constitui objecto 
 do presente pedido (...)” (itálico nosso).
 Tal norma mostra-se claramente definida no intróito e no artigo 1.º do mesmo 
 requerimento – a que, exigindo a forma societária às agências funerárias e 
 reservando a estas, em exclusivo, a actividade expressa na prestação dos 
 serviços referenciados nos artigos 3.º e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 206/2001, de 27 de Julho, exclui da mesma actividade as associações mutualistas.
 Não pode recusar-se que, no intróito do requerimento, quanto ao preceito que põe 
 em causa, o Procurador-Geral da República apenas refere expressamente o artigo 
 
 6.º, n.º 1, alínea a), do citado diploma legal. Certo é, porém, que, no artigo 
 
 1.º do requerimento, se conjuga, para a formulação da aludida norma, também – e 
 igualmente em termos expressos – o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 
 
 206/2001.
 Haverá, pois, que interpretar o pedido, com o objecto normativo acima definido e 
 reportado ao conjunto de preceitos formado pelos artigos 6.º, n.º 1, alínea a), 
 e 5.º do Decreto-Lei n.º 206/2001.
 
  
 III. Fundamentação
 
 1. Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 206/01, de 27 de 
 Julho, o seguinte:
 
  
 
 “Artigo 6.º
 Requisitos para o exercício da actividade
 
  
 
          1 – Para o exercício da actividade referida no n.º 1 do artigo 4.º, 
 deve cada agência funerária:
 
          a) Constituir-se sob qualquer das formas societárias legalmente 
 permitidas;
 
          (…)”.
 
  
 Por seu turno, o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma, para o qual remete a norma 
 em causa, estabelece:
 
  
 
 “Artigo 4.º
 Objecto da actividade
 
  
 
 1 – A actividade das agências funerárias consiste na prestação de serviços 
 relativos à organização e realização de funerais, transporte de cadáveres para 
 exéquias fúnebres, inumação, cremação ou expatriamento e trasladação de restos 
 mortais já inumados.
 
 (…)”. 
 
  
 O artigo 5.º, ainda do mesmo diploma, dispõe que:
 
  
 
 “Artigo 5º
 Reserva de actividade
 
  
 O exercício das actividades mencionadas no n.º 1 do artigo anterior compete 
 exclusivamente às agências funerárias”.
 
  
 
 É por força da conjugação destes dispositivos – em particular dos citados 
 artigos 6.º, nº 1, alínea a), e 5.º – que a norma questionada adquire o sentido 
 que, no entendimento do requerente, a faz incorrer em inconstitucionalidade por 
 violação do princípio da igualdade.
 Com efeito, a exigência de que a agência funerária se constitua “sob qualquer 
 das formas societárias legalmente permitidas” releva, no caso, como justificação 
 do pedido, no ponto em que o exercício da(s) actividade(s) acima referidas 
 compete, em exclusivo, às agências funerárias, obstando consequentemente a que 
 as associações mutualistas exerçam tais actividades.
 Vejamos, pois, se tal ofende o princípio da igualdade.
 
  
 
 2. O Decreto-Lei n.º 206/2001, alterado já pelo Decreto-Lei n.º 41/2005, de 18 
 de Fevereiro, em termos que não relevam para o caso, surge com a finalidade, 
 expressamente assinalada no seu Preâmbulo, de definir “um conjunto de regras 
 gerais para o exercício da actividade funerária”.
 Reconhecendo que a actividade das agências funerárias assume “uma expressiva 
 relevância social”, o legislador dá nota da ausência, até então, de qualquer 
 legislação com aquela finalidade, estando apenas regulados alguns aspectos 
 específicos da mesma actividade – é o caso do disposto nos Decretos-Leis n.ºs 
 
 47.838, de 9 de Agosto de 1967, e 248/83, de 9 de Junho.
 As regras disciplinadoras da actividade das agências funerárias têm o objectivo, 
 igualmente expresso no Preâmbulo, de “assegurar a transparência da actuação dos 
 seus profissionais” (reconhece-se, “ao longo dos últimos anos”, o “avolumar de 
 situações menos transparentes”) e “garantir a qualidade dos serviços, tendo em 
 vista, designadamente, a defesa dos interesses dos consumidores”.
 As normas do Decreto-lei n.º 206/2001 hão-de, pois, ser compreendidas – e aqui, 
 em particular, as que restringem o “livre acesso ao mercado” – com as 
 assinaladas finalidades.
 E é assim que a imposição de as agências funerárias se constituírem sob qualquer 
 das formas societárias legalmente permitidas, com o inerente afastamento das 
 associações mutualistas do exercício das actividades indicadas no artigo 4.º, 
 estaria justificada, numa perspectiva de defesa dos interesses dos consumidores, 
 antes do mais, pela garantia da qualidade dos serviços.
 
  
 
 3. Consta do Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 72/90, de 3 de Março, o regime jurídico das associações mutualistas. São estas, 
 de acordo com o artigo 1.º do Código, “instituições particulares de 
 solidariedade social, com um número ilimitado de associados, capital 
 indeterminado e duração indefinida que, essencialmente através de quotização dos 
 seus associados, praticam, no interesse destes e de suas famílias, fins de 
 auxílio recíproco”.
 Constituem fins fundamentais das associações mutualistas, nos termos do artigo 
 
 2.º, n.º 1, do Código, “a concessão de benefícios de segurança social e de saúde 
 destinados a reparar as consequências da verificação de factos contingentes 
 relativos à vida e à saúde dos associados e seus familiares e a prevenir, na 
 medida do possível, a verificação desses factos”; permitindo, ainda, o n.º 2 do 
 mesmo artigo, a prossecução de “outros fins de protecção social e de promoção da 
 qualidade de vida, através da organização e gestão de equipamentos e serviços de 
 apoio social, de outras obras sociais e de actividades que visem especialmente o 
 desenvolvimento moral, intelectual, cultural e físico dos associados e suas 
 famílias”.
 A atribuição de benefícios aos associados é prevista como um direito que é 
 contrapartida das quotizações pagas (artigo 8.º, n.º 1, alínea h), do Código).
 A garantia do cumprimento da lei, a promoção da compatibilização dos fins e 
 actividades das associações mutualistas com os fins legalmente estabelecidos e a 
 defesa dos interesses dos associados são objectivos da acção tutelar do Estado a 
 que estão sujeitas as associações mutualistas nos termos prescritos no Capítulo 
 VII do Código (artigos 109.º a 117.º). 
 
  
 
 4. É inequívoco que o artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 206/2001, 
 em conjugação com o disposto no artigo 5.º do mesmo diploma, impede as 
 associações mutualistas de, em benefício dos seus associados, exercerem as 
 actividades que constituem o objecto das agências funerárias, estabelecendo, 
 deste modo, uma discriminação negativa no tratamento que é dado àquelas 
 associações, pelo que se impõe averiguar – disse-se já – se a norma, com tal 
 sentido, suporta o teste da sua constitucionalidade, face ao princípio da 
 igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
 Em sentido negativo respondeu já o Tribunal à questão, em fiscalização concreta 
 de constitucionalidade. Fê-lo no Acórdão n.º 236/2005 (Diário da República, II 
 Série, de 16 de Junho de 2005), de que se extracta o seguinte trecho:
 
  
 
 “Entrevêem‑se (…) no regime legal em questão objectivos que se relacionam com a 
 transparência na actividade, com a organização das estruturas que exercem a 
 actividade funerária (tendo em vista a dignidade exigível pela natureza dessa 
 actividade), com a igualdade no tratamento dos agentes funerários e com a 
 igualdade no acesso à actividade.
 A legitimidade e o fundamento de tais finalidades, em face da Constituição, são 
 inequívocos. No entanto, a questão a que importa dar resposta no presente 
 recurso é a de saber se a exigência de constituição sob a forma societária 
 exclui outros modos de alcançar tais desideratos, sendo essa exclusão compatível 
 com a Constituição. 
 Ora, a forma societária, em si mesmo considerada, não consubstancia uma 
 habilitação específica para o exercício da actividade funerária. Nem constitui, 
 por si só, e necessariamente, garantia absoluta de prossecução com sucesso das 
 finalidades que o Decreto-Lei nº 206/2001, de 27 de Julho, visa alcançar.
 Trata‑se de uma exigência que, tendencialmente, criará condições favoráveis para 
 a realização dos referidos objectivos, dada as necessárias organização e 
 institucionalização que a sociedade implica. Porém, a constituição como 
 sociedade não é um meio especificamente vocacionado (e, sobretudo, único) para o 
 exercício da actividade funerária de forma transparente e digna. Não o é, desde 
 logo, porque o processo de constituição de uma sociedade nenhuma conexão 
 apresenta com a actividade funerária. E, também não o é, porque a forma 
 societária só por si não fornece garantias absolutas do exercício de uma 
 
 (qualquer) actividade de modo transparente e digno.
 Não se trata, aliás, de uma exigência que se prende com fins de saúde pública e 
 de tutela do interesse público, como acontece, por exemplo, com a reserva legal 
 da actividade farmacêutica (v. Acórdão nº 187/2001, 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 A qualidade do exercício da actividade funerária é, antes, assegurada por 
 exigências que se prendem com o respectivo exercício e com o funcionamento das 
 entidades que realizam serviços fúnebres, exigências cujo respeito deve ser 
 rigorosamente controlado.
 
 (…) constata-se que a exigência de constituição sob a forma societária, com o 
 inerente fim lucrativo, não se revela mais garantística do que a organização 
 inerente a uma associação mutualista, sem intenção lucrativa, apenas com uma 
 finalidade de apoio social em benefício dos associados. De resto, numa 
 perspectiva institucional, existe, para o efeito que nos presentes autos se 
 destaca, uma semelhança significativa entre a associação e a sociedade, já que a 
 ambas as entidades é inerente uma organização jurídica (e social) que de igual 
 modo cria condições para um exercício digno da actividade em questão (entre 
 outras).
 Por outro lado, às anteriores razões acresce a tutela constitucional do sector 
 cooperativo (artigo 61º da Constituição), tutela essa que se estende 
 naturalmente às associações mutualistas que se fundam nos princípios 
 cooperativos, exercendo actividades de apoio ou protecção social em benefício 
 dos associados, fora dos quadros da iniciativa privada empresarial (cf. artigo 
 
 2º, nº 2, do Código das Associações Mutualistas).
 Em face de todas estas razões, não existe fundamento para vedar às associações 
 mutualistas o exercício da actividade funerária em benefício dos seus associados 
 no cumprimento dos princípios que regem essas instituições.
 A restrição constante da norma do artigo 6º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 
 
 206/2001, de 27 de Julho, discrimina, pois, sem fundamento legítimo, as 
 associações mutualistas, pelo que se afigura inconstitucional, por violação do 
 princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição”.
 
  
 
 É este entendimento, fundado no princípio da igualdade – e também na tutela 
 constitucional do sector cooperativo – que agora se reitera.
 Desde logo, a norma em causa não se conforma ao princípio da igualdade, tal como 
 este Tribunal o tem conceptualizado numa jurisprudência de largos anos. 
 Escreveu-se a propósito no Acórdão n.º 187/2001 (Diário da República, II Série, 
 de 26 de Junho de 2001): 
 
  
 
 “É sabido que o princípio da igualdade, tal como tem sido entendido na 
 jurisprudência deste Tribunal, não proíbe ao legislador que faça distinções – 
 proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem 
 uma justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes. É esta, 
 aliás, uma formulação repetida frequentemente por este Tribunal (cf., por 
 exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 39/88, 325/92, 210/93, 302/97, 12/99 e 
 
 683/99, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, 
 vols. 11º, pp. 233 e ss., 23º, pp. 369 e ss., 24º, pp. 549 e ss., 36º, pp. 793 e 
 ss., e no Diário da República, 2ª série, de 25 de Março de 1999 e de 3 de 
 Fevereiro de 2000).
 Como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, 
 pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento 
 jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, 
 idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento 
 razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante.
 Ao impor ao legislador que trate de forma igual o que é igual e desigualmente o 
 que é desigual, esse princípio supõe, assim, uma comparação de situações, a 
 realizar a partir de determinado ponto de vista. E, justamente, a perspectiva 
 pela qual se fundamenta essa desigualdade, e, consequentemente, a justificação 
 para o tratamento desigual, não podem ser arbitrárias. Antes tem de se poder 
 considerar tal justificação para a distinção como razoável, constitucionalmente 
 relevante.
 O princípio da igualdade apresenta-se, assim, como um limite à liberdade de 
 conformação do legislador. Como se salientou no Acórdão n.º 425/87 (Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 10º, pp. 451 e ss.): 
 
 «O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange diversas dimensões: 
 proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer a diferenciação de tratamento 
 sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos 
 constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações 
 manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas 
 quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias 
 meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, 
 como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a 
 eliminação pelos poderes públicos de desigualdades fácticas de natureza social, 
 económica e cultural (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, I vol., 2ª ed., Coimbra, 1984, pp. 149 e segs.).
 A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação 
 ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como 
 princípio negativo do controlo.
 Todavia, a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não 
 elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos 
 limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as 
 relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar 
 igual ou desigualmente.
 Só existe violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio 
 quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por 
 carência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada.
 Por outro lado, as medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob 
 o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da 
 solidariedade, não se baseando em qualquer razão constitucionalmente imprópria.»
 Mais recentemente, no Acórdão n.º 409/99 (Diário da República, 2ª série, de 10 
 de Março de 1999) disse-se que:
 
 «O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República 
 Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e 
 que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o 
 princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade 
 legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. 
 Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções 
 discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas 
 ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da 
 igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de 
 proibição do arbítrio (cf., quanto ao princípio da igualdade, entre outros, os 
 Acórdãos nºs 186/90, 187/90, 188/90, 1186/96 e 353/98, publicados no Diário da 
 República, respectivamente, de 12 de Setembro de 1990 e de 12 de Fevereiro de 
 
 1997, e o último, ainda inédito).»
 E no Acórdão nº 245/00 (Diário da República, 2ª série, de 3 de Novembro de 2000) 
 salientou-se que «[...] tem, de há muito, vindo a afirmar este Tribunal que é 
 
 ‘sabido que o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da 
 discricionaridade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. 
 Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções 
 discriminatórias – e assumem, desde logo, este carácter as diferenciações de 
 tratamentos fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, 
 exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13º da Lei Fundamental –, ou seja, 
 desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento 
 razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. 
 Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio 
 vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio 
 
 (Willkürverbot)’ (cfr., por entre muitos outros, o Acórdão nº 1186/96, publicado 
 no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Fevereiro de 1997), ou, dito ainda de 
 outra forma, o ‘princípio da igualdade [...] impõe se dê tratamento igual ao que 
 for essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for. Não 
 proíbe as distinções de tratamento, se materialmente fundadas; proíbe, isso sim, 
 a discriminação, as diferenciações arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de 
 fundamento racional’ (v.g., o Acórdão nº 1188/96, ob. cit., 2ª Série, de 13 de 
 Fevereiro de 1997).»”.
 
  
 Ora, pelo que se deixou dito no citado Acórdão n.º 236/2005, não se vislumbra 
 qualquer fundamento legítimo e racional para o tratamento discriminatório das 
 associações mutualistas relativamente ao exercício da actividade funerária, 
 surgindo como inadequada às finalidades da lei a proibição do exercício de tal 
 actividade por estas associações em benefício dos seus associados. Salienta-se, 
 ainda, que as finalidades não lucrativas destas associações – e, no caso, apenas 
 desenvolvidas em proveito dos seus associados – podem atenuar, ou mesmo 
 eliminar, o risco de ocorrência de “situações menos transparentes”, que o 
 legislador – e desde o Decreto-Lei n.º 47838 – visou prevenir.
 E não deixará, ainda, de se evidenciar que, sujeitas as associações mutualistas 
 
 à tutela do Estado, nos termos já referidos, se poderá considerar reforçada a 
 garantia de observância das imposições estabelecidas para o exercício da 
 actividade funerária no Decreto-Lei n.º  206/2001. 
 Em suma, pois, impõe-se concluir que a norma ínsita no artigo 6.º, n.º 1, alínea 
 a), do Decreto-Lei n.º 206/2001, em conjugação com o disposto no artigo 5.º do 
 mesmo diploma legal, enquanto veda às associações mutualistas o exercício da 
 actividade funerária, viola o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da 
 Constituição.
 
  
 IV. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade
 Na sua resposta, o Primeiro-Ministro requer que, no caso de ser declarada a 
 inconstitucionalidade da norma em causa, os efeitos da declaração se produzam 
 apenas a partir da data da publicação, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, da 
 Constituição, por razões de segurança jurídica.
 Não se vislumbram, porém, razões de segurança jurídica – aliás não concretizadas 
 na resposta – que possam justificar a restrição dos efeitos da 
 inconstitucionalidade. 
 
  
 
  
 
  
 V. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide declarar, com força 
 obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma contida na alínea a) do n.º 
 
 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 206/2001, de 27 de Julho, em conjugação com o 
 disposto no artigo 5.º do mesmo diploma, enquanto exclui as associações 
 mutualistas do exercício da actividade funerária aos seus associados, por 
 violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
  
 Lisboa, 21 de Novembro de 2006
 Maria João Antunes
 Vítor Gomes
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Helena Brito
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 
                                                        Gil Galvão (votei a 
 decisão nos termos da declaração anexa)
 
                                         Maria dos Prazeres Pizarro Beleza 
 
 (Vencida quanto ao conhecimento e quanto ao fundamento da inconstitucionalidade. 
 Junto declaração.
 
                                                       Bravo Serra (Vencido nos 
 termos da declaração de voto da Ex.ma Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro 
 Pizarro Beleza, para a qual, com vénia, remeto)
 
                                           Carlos Pamplona de Oliveira – vencido 
 quer quanto à delimitação do objecto do pedido, quer quanto à decisão da 
 inconstitucionalidade da norma, nos termos da declaração de voto em anexo.
 Artur Maurício
 
  
 Declaração de Voto
 
  
 
 1. Votei a inconstitucionalidade da norma identificada na decisão, afastando-me, 
 todavia, da fundamentação utilizada no acórdão, no essencial pelas razões que, 
 sumariamente, passo a expor:
 
  
 
 1.1. Em primeiro lugar, porque considero não existir, no caso concreto, violação 
 do princípio da igualdade. Desde logo e à partida, porque são diferentes as 
 entidades em causa: de um lado sociedades comerciais e, de outro, associações 
 mutualistas, sendo certo que se me afigura perfeitamente legítimo e razoável que 
 o legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação e dentro dos parâmetros 
 constitucionais, restrinja a actividade de prestação de serviços funerários ao 
 público em geral, às agências funerárias, constituídas estas sob qualquer das 
 formas societárias legalmente permitidas. Por outro lado, por que, também no 
 
 âmbito da prestação de serviços não existe igualdade entre as agências 
 funerárias e as associações mutualistas. Estas não vão competir num mercado 
 aberto com aquelas. Ou seja, a meu ver, a questão não é a de saber se as 
 associações mutualistas podem ser agências funerárias – o que não podem -, mas 
 antes a de saber se lhes é lícito prestar os serviços funerários aos seus 
 associados, tal como tradicionalmente faziam.
 
  
 E, em tais circunstâncias, não se me afigura violado o princípio da igualdade.
 
  
 
 1.2. Afigura-se-me, porém, que a restrição imposta às associações mutualistas 
 quanto à prestação de serviços funerários aos seus associados – serviços que 
 eram tradicionalmente prestados, constituindo, muitas vezes, parte importante da 
 actividade de algumas destas associações -, não será conforme às normas e 
 princípios constitucionais. Na verdade, tendo os cidadãos, em princípio, nos 
 termos do artigo 46º da Constituição, o direito de constituir associações, que 
 
 “prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas”, 
 e o direito à livre constituição de cooperativas, incluindo as de natureza 
 mutualista (artigos 61º, n.º 2 e 82º, n.º 4, alínea d), todos da Constituição), 
 e sendo certo que, nos termos do n.º 5 do artigo 63º, também da Constituição, “o 
 Estado apoia [...] a actividade e o funcionamento das instituições particulares 
 de solidariedade social”, aquela restrição não passa, seguramente, a exigência 
 de proporcionalidade, expressamente mencionada no n.º 2 do artigo 18º da Lei 
 Fundamental, mas, em termos genéricos - como limitação geral ao exercício do 
 poder público -, resultando iniludivelmente do próprio princípio do Estado de 
 Direito, consagrado no seu artigo 2º. Ora, no caso em análise, entendo que uma 
 tal restrição não satisfaz o princípio da adequação (a medida restritiva não se 
 revela um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de 
 outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos), nem o princípio da 
 exigibilidade (essa medida restritiva não será exigida para alcançar os fins em 
 vista), nem, tão-pouco, o princípio da justa medida ou proporcionalidade em 
 sentido estrito (por ser manifestamente excessiva e desproporcionada em relação 
 
 às vantagens que apresenta).
 
  
 
 2. Neste contexto, votei a declaração de inconstitucionalidade com força 
 obrigatória geral da norma que se retira da conjugação da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 6º do Decreto-Lei n.º 206/2001, de 27 de Julho, com o artigo 5º do mesmo 
 diploma, na medida em que exclui as associações mutualistas da prestação de 
 serviços funerários aos seus associados.
 Gil Galvão
 
  
 Declaração de voto 
 
  
 
  
 
                  1. Votei vencida quanto ao conhecimento do pedido por 
 considerar que o requerente o delimitara formalmente à 'norma constante do 
 artigo 6º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 206/01, de 27 de Julho, na 
 medida em que exclui as associações mutualistas do exercício da actividade 
 funerária aos seus associados', não podendo o Tribunal Constitucional, em meu 
 entender, alargá-lo a outras normas, como se fez no acórdão aprovado.
 
                  Assim sendo, seria a meu ver inútil a apreciação do pedido, 
 porque, ainda que fosse julgada inconstitucional a norma referida, sempre 
 continuariam as associações mutualistas a não poder exercer 'actividade 
 funerária', mesmo que apenas em relação aos seus associados, uma vez que se 
 mantinha o exclusivo do correspondente exercício às agências funerárias, nos 
 termos do disposto no artigo 5º do mesmo diploma, e que as associações 
 mutualistas não podem ser agências funerárias (artigos 3º e 4º, n.º 1 do 
 Decreto-Lei n.º 206/01 e artigo 2º do Código das Associações Mutualistas, 
 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de Março).
 
                  2. Tendo, todavia, ficado vencida quanto à delimitação do 
 objecto do pedido e, consequentemente, quanto ao respectivo conhecimento, votei 
 a decisão de inconstitucionalidade, mas unicamente por violação do princípio da 
 proporcionalidade, contido no princípio do Estado de Direito (artigo 2º da 
 Constituição). 
 Entendo que a exclusão das associações mutualistas se revela manifestamente 
 inadequada ao objectivo prosseguido pelo legislador com a regulamentação da 
 
 'actividade funerária', e do qual o acórdão dá conta. Assim resulta dos fins que 
 lhes são atribuídos e, consequentemente, da actividade de solidariedade social 
 que desenvolvem, da limitação da sua actuação ao âmbito dos respectivos 
 associados e, naturalmente, como se observa no acórdão, da tutela que a lei 
 impõe ao Estado, nomeadamente quanto à fiscalização do cumprimento das regras 
 impostas no exercício da actividade funerária (nomeadamente pelo Decreto-Lei n.º 
 
 206/2001).
 
                 Não votei, assim, a violação do princípio da igualdade, já que 
 não considero demonstrado que as diferenças entre uma associação mutualista e 
 uma sociedade comercial não sejam suficientes para que o legislador possa 
 exigir, para que uma empresa possa ser uma agência funerária, a sua constituição 
 como sociedade.
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
                                                           
 
                                                             
 Declaração de Voto
 
  
 
  
 Votei em sentido contrário ao do presente Acórdão quanto à questão da 
 delimitação do objecto do pedido, e quanto à decisão sobre a 
 inconstitucionalidade da norma impugnada.
 Na verdade, entendo que nos processos de fiscalização sucessiva de normas não é 
 lícito ao Tribunal ampliar o pedido, nele abrangendo norma, ou normas, não 
 especificamente indicadas pelo requerente no seu objecto.
 No caso presente, salvo o devido respeito, o Tribunal não podia, como fez, ter 
 declarado 'com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma contida 
 na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 206/2001 de 27 de Julho, 
 em conjugação com o disposto no artigo 5.º do mesmo diploma', pois o requerente 
 apenas lhe tinha requerido que apreciasse a 'norma constante do artigo 6.º n.º 1 
 alínea a) do Decreto-Lei n.º 206/01 de 27 de Julho'. Embora reconheça que sem a 
 consideração da norma constante do artigo 5º do diploma não era possível extrair 
 a interpretação normativa censurada pelo requerente, ainda assim a especial 
 competência do Tribunal nesta matéria, proibiria, em meu entender, a referida 
 ampliação. Nesta conformidade, o Tribunal, limitando-se a analisar a norma 
 indicada pelo requerente, tendo concluído que ela não consente a interpretação 
 alegadamente inconstitucional que o requerente dela extraiu, deveria recusar-se 
 a conhecer do pedido.
 Mas, ultrapassado este obstáculo, entendo que as normas consideradas não ofendem 
 a Constituição.
 Há, com efeito, razões que justificam que o legislador reserve o exercício da 
 actividade funerária a entidades cuja estrutura jurídica permite a sua 
 responsabilização pelo incumprimento das exigências legais que se verificam 
 nesta área, o que manifestamente não é garantido pelas associações mutualistas.
 Não há, assim, razões para que se descortine nestas normas uma ofensa aos 
 princípios e normas constitucionais invocados no Acórdão.
 
  
 
  
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira